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JUSTIÇA SOCIAL

CCJ do Senado pode aprovar PL contra taxa assistencial

CCJ do Senado pode aprovar PL contra taxa assistencial

Está na pauta da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado, o PL 2.830/19, do senador Styvenson Valentim (Podemos-RN), que estabelece que a decisão judicial transitada em julgado poderá ser levada a protesto, gerar inscrição do nome do executado em órgãos de proteção ao crédito ou no BNDT (Banco Nacional de Devedores Trabalhistas) depois de transcorrido o prazo de 15 dias da citação do executado, se não houver garantia do juízo.

Ocorre que o relator, senador Rogério Marinho (PL-RN), acatou emenda que veda a contribuição assistencial definida em assembleia geral, em relação à celebração de acordo ou convenção coletiva de trabalho. A rigor, essa emenda nada tem a ver com o tema original. Trata-se de “jabuti”.

O projeto é o terceiro item da pauta. Anteriormente, já foi aprovado pela CAS (Comissão de Assuntos Sociais).

A reunião da comissão está agendada para esta quarta-feira (5), a partir das 10h, no anexo 2, da Ala Senador Alexandre Costa, no plenário 3.

CÂMARA DOS DEPUTADOS

REFORMA TRIBUTÁRIA: GRUPO DE TRABALHO

Normas gerais sobre o IBS e CBS
O GT (Grupo de Trabalho) da Câmara que discute a regulamentação da Reforma Tributária, nos termos do PLP 68/24, realiza, nesta segunda-feira (3), às 15h30, no plenário 2, audiência pública sobre as normas gerais do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) sobre operações. O GT foi instalado na Casa na semana passada. Veja a pauta

Terça-feira (4), às 9h, o GT realiza nova audiência pública para debater sobre o modelo operacional do IBS e da CBS. Veja a pauta

À tarde, a partir das 14h30, o GT realiza mais 1 audiência pública sobre o IBS e a CBS, que tratam sobre as exportações e importações e regimes aduaneiros especiais, zonas de processamento de exportações e regimes de bens de capital. Veja a pauta

“Cash back”
Na quarta-feira (5), o GT realiza audiência pública, às 9h, sobre “cash back”, tributação de alimentos e produtos da cesta básica. À tarde, às 14h30, debate sobre regimes diferenciados e produtos de higiene e limpeza consumidos, majoritariamente, por pessoas de baixa renda. Veja as pautas 1 e 2

Sociedades anônimas
Quinta-feira (6), a partir das 9h, o GT debate sobre: regime específico das sociedades anônimas de futebol, segurança cibernética e da informação, automóveis adquiridos por pessoas com deficiência ou transtorno do espectro autista e por taxistas. Veja a pauta

COLEGIADOS TEMÁTICOS

COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA

Ocupação de propriedade privada
Retorna à pauta, o PL 8.262/17, do ex-deputado André Amaral (MDB-PB), que autoriza o uso das forças de segurança para a liberação de terras privadas em caso de ocupação. O parecer do relator, deputado Dr. Victor Linhalis (Podemos-ES) é pela constitucionalidade da matéria.

Proteção do entregador de app
Também consta na pauta o PL 3.539/23, que dispõe sobre medidas de proteção contra violência física, psicológica, patrimonial e moral ao entregador de aplicativo em serviço. De autoria do deputado Emanuel Pinheiro Neto (MDB-MT), o projeto tem parecer favorável do relator, deputado Kim Kataguiri (União-SP).

A comissão se reúne, nesta terça (4), às 14h, no plenário 1, e quarta-feira (5), às 10h, no plenário 1, do anexo 2.

COMISSÃO DE TRABALHO

Regulamenta profissão de trabalhador de limpeza urbana
Colegiado pode votar o PL 4.146/20, de autoria de vários parlamentares, que regulamenta a profissão de trabalhador essencial de limpeza urbana. O projeto conta com parecer favorável do deputado André Figueiredo (PDT-CE).

O colegiado se reúne, nesta quarta-feira (5), às 10h, no plenário 12, do anexo 2.

COMISSÃO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

Previdência dos Correios
Está na pauta do colegiado o Requerimento 27/24, do deputado Danilo Forte (União-CE), para realização de audiência pública para debater a sustentabilidade do Postalis (Instituto de Previdência Complementar dos Trabalhadores dos Correios).

A comissão se reúne, nesta quarta-feira (5), às 10h, no plenário 5 do anexo 2.

SENADO FEDERAL

PLENÁRIO

Casa poder votar o Mover e taxação de compras internacionais

Está na pauta desta semana, o PL (Projeto de Lei) 914/24, que institui o Mover (Programa Mobilidade Verde e Inovação). O projeto, aprovado pela Câmara na semana passada, prevê incentivos financeiros de R$ 19,3 bilhões em 5 anos e redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para estimular a pesquisa e o desenvolvimento de soluções tecnológicas e a produção de veículos com menor emissão de gases do efeito estufa.

O projeto também trata da taxação de produtos importados no valor de até US$ 50. A tendência é que o plenário aprove o texto e o envie à sanção presidencial.

COLEGIADOS TEMÁTICOS

COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONÔMICOS

Licença-maternidade
Colegiado pode apreciar, o PL 2.840/22, que altera o § 3º do art. 392 da CLT, para dispor sobre a licença-maternidade e o salário-maternidade, em caso de parto antecipado. De autoria do senador Fabiano Contarato (PT-ES), a proposta conta com parecer favorável do senador Randolfe Rodrigues (Sem Partido-AP).

O colegiado se reúne, nesta terça-feira (4), no anexo 2, da Ala Senador Alexandre Costa, no plenário 19.

PODER EXECUTIVO

Governo realiza primeira reunião com líderes

Depois das derrotas sofridas na semana passada, em votações de vetos presidenciais, o governo vai fazer reuniões semanais com os líderes. Na pauta, ajustes nos encaminhamentos da agenda do governo no Congresso.

Nesta primeira reunião, o presidente Lula se encontra, nesta segunda-feira (3), às 9h, com o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, deputado federal licenciado Alexandre Padilha (PT-SP), e os líderes do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Sem Partido-AP), no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), e na Câmara, José Guimarães (PT-CE).

Governo pode anunciar medidas à desoneração da folha

O governo pode anunciar, nesta semana, medidas para compensar a desoneração da folha de pagamento para empresas e prefeituras. A tendência é que seja aprovado nas 2 casas do Congresso — Câmara e senado — ao longo de junho. Isto é, antes do recesso parlamentar, que começa dia 18 de julho.

O relator do projeto no Senado Federal, Jaques Wagner (PT-BA), aguarda o anúncio de medidas compensatórias para apresentar parecer. Uma vez
aprovado pelo Senado, o texto segue para a análise da Câmara dos Deputados.

A Receita calcula que serão necessários R$ 25,8 bilhões para compensar a perda arrecadatória com a prorrogação da desoneração: R$ 15,8 bilhões se referem à renúncia fiscal com o benefício concedido a 17 setores da economia; os outros R$ 10 bilhões se referem à mudança na tributação das prefeituras. O governo espera fazer isso sem aumentar impostos.

Conforme acordo, as empresas estarão isentas ao longo de 2024. Em 2025, a alíquota sobe 5%, até chegar em 20% em 2028.

Para os municípios, a alíquota este ano será de 8%. Mas, nesse caso, ainda não foi negociado escalonamento.

PODER JUDICIÁRIO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

STF retoma julgamento de recurso contra prisão de Collor

O STF (Supremo Tribunal Federal) retoma, nesta sexta-feira (7), por meio do plenário virtual, a análise de recurso apresentado pelo ex-presidente Fernando Collor contra a decisão que o condenou a 8 anos e 10 meses de prisão, tomada pela Corte, em maio de 2023. O julgamento vai até dia 14.

O julgamento anterior foi suspenso em fevereiro após pedido de vista do ministro Dias Toffoli.

Em fevereiro, o ministro Dias Toffoli paralisou o julgamento com um pedido de vista. O prazo de 90 dias que ele podia ficar com o processo terminou, e o caso voltou automaticamente para a pauta, conforme o regimento do STF.

Até o pedido de vista de Toffoli, só havia o voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, para rejeitar o recurso de Collor e manter a condenação. Edson Fachin antecipou a posição dele para acompanhar Moraes.

Collor foi condenado à prisão pelo STF pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro em esquema na BR Distribuidora que envolveu recebimento de propina para viabilizar contratos com a estatal.

A punição estabeleceu pagamento de multa, indenização e proibição para exercer funções públicas.

TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

Ministra Cármen Lúcia assume presidência da Corte Eleitoral

A ministra Cármen Lúcia toma posse como presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), nesta segunda-feira (3), quando se encerra o mandato do ministro Alexandre de Moraes como presidente da Corte Eleitoral.

Na mesma ocasião, o ministro Nunes Marques vai ser empossado vice-presidente da Casa. A cerimônia vai ser transmitida ao vivo pelo canal do TSE no YouTube e pela TV Justiça.

A eleição dos ministros Cármen Lúcia e Nunes Marques para os cargos ocorreu dia 7 de maio, durante sessão plenária do TSE. Eles serão responsáveis por conduzir as eleições municipais de 2024.

A cerimônia deve contar com a presença de convidados e autoridades dos Três Poderes da República e poderá ser acompanhada pelos profissionais de imprensa que se credenciaram previamente.

A cerimônia de posse vai ser no plenário da Corte, em Brasília, às 19h.

DIAP

https://diap.org.br/index.php/noticias/agencia-diap/91847-ccj-do-senado-pode-aprovar-pl-contra-taxa-assistencial

CCJ do Senado pode aprovar PL contra taxa assistencial

O neoliberalismo não desperdiçará a tragédia gaúcha

Num soluço fulminante da crise climática, mais de 80% do território gaúcho submergiu sob a força das chuvas torrenciais das últimas semanas.

André Roncaglia*

As perdas humanas e materiais, incalculáveis até o momento, seriam motivo de reflexão mais profunda sobre a forma como ocupamos o solo e lidamos com a natureza. Todavia, o negacionismo político se uniu ao seu homônimo climático de forma desavergonhada para ocultar causa central dessa tragédia: o desmonte dos instrumentos de planejamento e monitoramento do Estado pela mercantilização do espaço (urbano e rural).

Em seu livro “A Grande Transformação” (1944), Karl Polanyi nos alertou que “deixar o destino do solo e das pessoas para o mercado seria equivalente a aniquilá-los”.

A natureza “seria reduzida aos seus elementos, bairros e paisagens contaminados, rios poluídos… [e] o poder de produzir alimentos e matérias-primas destruído”. 80 anos depois, insistimos na ilusão de dominar a natureza pela força da tecnologia, com a desculpa do progresso.

A mão invisível do mercado desregula o termostato natural da Terra, produzindo “mal público global” por excelência. Inescapável e regressiva, a mudança climática agride mais os mais pobres, menos preparados para lidar com essa.

A defesa convicta (e errônea) de que o Estado não deve se endividar para não onerar as gerações futuras com maior carga tributária fecha os olhos para os custos intertemporais do descaso ambiental e da ocupação desordenada do solo, sob a égide dos lucros imobiliários e do agronegócio.

Essa miopia interessada custa caro: cada R$ 1 gasto em prevenção ambiental economiza R$ 15 em recuperação pós-desastre. No caso gaúcho, a (des)proporção deve ser ainda maior.

Aqui entra o mote neoliberal “nunca desperdice uma crise séria”, que aparece nas exortações de “não é hora de apontar culpados” e “não politizemos esta tragédia”.

Instrumentaliza-se a união nacional para compartilhar os custos do descaso com adaptação e monitoramento climáticos. Convoca-se, então, o “Estado socorrista”, desequipado e subfinanciado pela aversão à tributação da riqueza concentrada nas mansões e fazendas — em áreas de preservação, inclusive — e nas licitações milionárias de obras que atentam contra o meio ambiente e fragilizam a população urbana.

Tal irresponsabilidade se apoia na excepcionalidade das crises, que suspende a rigidez dos orçamentos públicos equilibrados e das dívidas com a União e mobiliza doações de compatriotas de todas as regiões. Vale até evocar o Plano Marshall, como fez o governador Eduardo Leite (PSDB), em ato falho que confessa cumplicidade na tragédia ao liderar o nocivo desmonte da política ambiental do estado.

A percepção do custo (humano e material) evitável se diluirá no pano de fundo da reconstrução do estado, ocultando as causas dessa tragédia amplamente anunciada. Há indícios de que a desfaçatez neoliberal não desperdiçará esta crise.

Primeiro, a gratidão seletiva de autoridades a bilionários esbanjando doações — módicas, frente à magnitude da catástrofe. Segundo o site Matinal, o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), pretende reconstruir a cidade com a “parceria” — sem necessidade de licitação — da consultoria Alvarez & Marsal, famigerada por sugerir cortes no funcionalismo da cidade de Nova Orleans após o furacão Katrina, entre outras barbaridades relatadas pelo jornal The New York Times. “Tudo deve mudar para que tudo fique como está”.

Num país com 7,4 mil km de litoral, em que pululam praias artificiais em condomínios de luxo, soluções inteligentes, verdes e inclusivas — como as cidades-esponjas — parecem realidade distante.

(*) Professor de economia da Unifesp e doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP. Publicado originalmente na Folha de S.Paulo.

DIAP

https://diap.org.br/index.php/noticias/artigos/91849-o-neoliberalismo-nao-desperdicara-a-tragedia-gaucha

CCJ do Senado pode aprovar PL contra taxa assistencial

O papel do STF no desmonte da CLT

STF promove grave insegurança jurídica ao cassar decisões de mérito da Justiça do Trabalho.

João Victor Chaves

Desde a ascensão do governo Temer, ganhou força no Brasil a discussão acerca da flexibilização das normas trabalhistas. A promulgação da lei 13.467/2017 representou o ápice do movimento liberal que galvanizou Temer e Bolsonaro.

Entretanto, não foi apenas no âmbito do Poder Executivo a mobilização para flexibilização da legislação. O Congresso Nacional está repleto de parlamentares alinhados à cartilha liberal, entre ruralistas, evangélicos e outros que, por interesse próprio ou de terceiros, perfilam entre os defensores de maior permissividade.

No Poder Judiciário não é diferente. O Supremo Tribunal Federal atualmente é composto por uma maioria de ministros de perfil liberal, como Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Luiz Fux e outros. Existe, portanto, uma tendência de ratificação, pela Suprema Corte, das posições outrora adotadas pelas políticas econômicas de Henrique Meirelles e Paulo Guedes.

Recentemente, a Corte endossou o entendimento de que entregadores não possuem vínculo de emprego junto às plataformas, pela falta de “subordinação”, requisito essencial para reconhecimento da condição de empregado. Sendo assim, ainda que a empresa tenha o poder de estabelecer regras de bloqueio de pagamentos e do acesso à plataforma, estes fatores não foram considerados suficientes para reconhecer que o empregador efetivamente estabelece um método de trabalho.

Seguindo o mesmo raciocínio, o Tribunal tem cassado decisões da Justiça do Trabalho que reconheceram fraude nas denominadas pejotizações, em que o trabalhador constitui uma empresa para emissão de notas fiscais, mas é submetido a uma rotina de trabalho, com horário fixo, respondendo a um superior hierárquico e, tendo como “cliente” uma única empresa.

Nestes casos, o artigo 9º, da CLT, admite a nulidade dos atos que tenham por objetivo o desvirtuamento da aplicação dos direitos consolidados. Não são, portanto, incomuns as hipóteses de fraude, seja por distorções deliberadamente praticadas pelos empregadores, ou pela grande informalidade presente em nosso mercado de trabalho.

Não se ignora, contudo, a existência de modalidades lícitas de contratação de mão-de-obra por meio do direito civil. No entanto, o próprio código civil, em seu artigo 593, é expresso ao tratar como excepcional esta forma de prestação de serviços.

Desse modo, o STF promove grave insegurança jurídica e cassa decisões de mérito da Justiça do Trabalho que reconheceram fraude trabalhista, mesmo quando presentes os requisitos legais de vínculo empregatício. As preferências ideológicas dos ministros, na prática, têm ignorado o disposto nos artigos 3º e 9º, da CLT, e sucateado a proteção jurídica do trabalho.

Como justificativa, a Corte alega que o Tema 725 da Repercussão geral foi pacificado pelo Recurso Extraordinário 958.252, de relatoria do ministro Fux, que autorizou a possibilidade de “organização de divisão do trabalho não só pela terceirização, mas de outras formas desenvolvidas por agentes econômicos”.

Da mesma forma, em decisão recente e unânime, a Corte reconheceu também a Repercussão Geral do recurso extraordinário 1.446.336, de relatoria do ministro Edson Fachin, interposto pela Uber contra acórdão que admitiu o vínculo empregatício de motorista. O julgamento ainda não tem data para ocorrer, e deve firmar o posicionamento da Corte acerca do tema.

Diante da relevância e sensibilidade do assunto, espera-se pelo amadurecimento do debate, a fim de que o Supremo Tribunal Federal esteja municiado de melhores dados e argumentos quando proferir nova decisão de enorme impacto sobre o mercado de trabalho.

João Victor Chaves é advogado trabalhista e membro fundador da Frente Ampla Democrática pelos Direitos Humanos (FADDH).

Fonte: Brasil de Fato
Data original da publicação: 30/05/2024

DMT: https://www.dmtemdebate.com.br/o-papel-do-stf-no-desmonte-da-clt/

CCJ do Senado pode aprovar PL contra taxa assistencial

O Brasil na contramão da regulação do trabalho em plataformas

O PLP 12, se aprovado, significará uma grande derrota para motoristas de aplicativos e também, em seus desdobramentos, para entregadores.

Ricardo Antunes

O Projeto de Lei Complementar 12 (PLP 12), apresentado em 4 de março de 2024, recebeu o seguinte comentário por parte do presidente da República: “É um dia muito importante. Vocês acabaram de criar uma nova modalidade no mundo do trabalho. Foi parida uma criança nova no mundo do trabalho. As pessoas vão ter autonomia, mas, ao mesmo tempo, precisam do mínimo de garantia”.

Criado para regulamentar o trabalho de motoristas de aplicativos, ao contrário do que disse o presidente, ele, logo em seu artigo 3º, afirma: “O trabalhador que preste o serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros em veículo automotor de quatro rodas […] será considerado, para fins trabalhistas, trabalhador autônomo”. Ao assim proceder, o projeto aceita e legaliza a exigência essencial das plataformas, qual seja, que o trabalhador, uma vez considerado “autônomo”, se mantenha à margem da totalidade da legislação protetora do trabalho no Brasil. Acolhe e consente que a regulamentação proposta seja para legalizar a desregulamentação, uma vez que forja a desaparição e faz evaporar a condição real de subordinação e de assalariamento, isto é, a efetividade real que molda o trabalho em plataformas, cuja concretude evidencia ao limite o reconhecimento inescapável da subordinação do trabalho.

É imperioso dizer: essa obliteração só pode ser concebida abstraindo-se a realidade efetiva das relações de trabalho existentes nas plataformas, cujas velocidade e intensidade são conduzidas por algoritmos e artefatos digitais invisíveis que controlam, comandam e impõem ritmos, tempos e movimentos do trabalho, de modo a tornar tudo nada claro e muito turvo. Arquitetura emoldurada pela era do neoliberalismo e da financeirização que começou impondo a terceirização, ampliou a informalidade, forjou o acinte da intermitência, até chegar à aberração da uberização. Tudo isso para acabar de vez com o assalariamento, engendrando a falácia do pretenso “proprietário de si mesmo” e obscurecendo a real proletarização.

Processualidade histórica cuidadosamente talhada e lapidada ao longo de décadas, cujas causalidades são visíveis: uma massa imensa de trabalhadores e trabalhadoras sem emprego e dispostos a aceitar qualquer labor para sobreviver, em uma era de explosão tecnológica que não para um minuto para descansar. Basta olhar a celeridade da inteligência artificial, cujo ChatGPT4, por si só, tem potencial ilimitado de extinção de postos de trabalho. Impulsão tecnológica desmesurada que se intensificou depois da eclosão da crise recessiva e estrutural de 1973, inicialmente com a automação invadindo as atividades industriais e, logo na viragem do século, com o universo tecnológico-informacional-digital que redesenha profundamente a produção em sentido amplo (indústria, agroindústria e serviços), permitindo o advento e a expansão da Indústria 4.0 e das grandes plataformas digitais.

Trata-se de um movimento que ocorreu simultaneamente à privatização de amplos setores dos serviços públicos, com o estrito objetivo de gerar lucro e mais valor, na trilha imposta pela regressividade neoliberal. A Indústria 4.0, com a finalidade basilar de automatizar, robotizar e expandir sem limites a “internet das coisas”, busca eliminar ao máximo o trabalho humano. Paralela e simultaneamente, as grandes plataformas digitais se apresentam como capazes de incluir essa enorme força de trabalho sobrante em suas múltiplas e distintas atividades, reescritas, ressignificadas e aviltadas.

Foi assim que, a partir de meados da década de 1990, quase sem serem percebidas, Amazon (depois Amazon Mechanical Turk), Uber e suas tantas ramificações, Deliveroo, Lyft, 99 etc. nasceram, cresceram e se agigantaram, tornando-se poderosas plataformas digitais que hoje (junto com Google, Facebook/Meta, Microsoft e Apple) encontram-se no topo do tabuleiro do capital. Na sequência, Airbnb, Workana, Getninjas, Parafuzo, entre muitas outras, todas dispondo de força de trabalho abundante e desempregada, em meio a uma verdadeira explosão tecnológica, encontraram, aos poucos, os condicionantes necessários para se utilizar do golpe Frankenstein, que nem a magistral imaginação literária de Mary Shelley conseguiu vislumbrar: permitir que as grandes plataformas pudessem passar ao largo da legislação protetora do trabalho dos respectivos países onde se instalavam e driblá-la.

Na origem das grandes plataformas digitais, consultorias jurídicas corporativas foram buscadas e o resultado foi pouco a pouco sendo gestado: “inventou-se” uma categoria híbrida, para burlar a legislação protetora do trabalho. Era preciso mascarar, encobrir, obliterar a condição de assalariamento e subordinação, de modo a garantir a empulhação.

Para tanto, foi preciso forjar um novo léxico corporativo que estampasse o (in)discreto charme das grandes plataformas. A numerosa força de trabalho a ser incorporada foi singelamente renomeada: de trabalhadores(as), assalariados(as), empregados(as) converteram-se em “autônomos(as)”, “empreendedores(as)”, sucedâneos diretos e diletos do que as grandes corporações tradicionais denominaram, anos atrás, como “colaboradores(as)”. Que sorte teve Aurélio Buarque de Holanda por não vivenciar essa adulteração tão profunda do significado original das palavras.

E como as grandes corporações não brincam em serviço, as ações foram sempre muito estudadas e cuidadosamente calculadas: era melhor começar pelo Sul global, onde quase tudo vale e a burla é sempre mais fácil, uma vez que a predação teve quase sempre como suporte a história e o pesado legado da escravização. Nos países do Norte, porém, melhor seria seguir na trilha dos governos acentuadamente neoliberais, como Estados Unidos e Inglaterra, para que, aos poucos, as plataformas fossem esparramando seus tentáculos.

Se algumas delas começaram como pequenas engenhocas, cheias de ideias “luminosas”, logo se converteram em gigantes globais. Os fundadores da Uber, por exemplo, conceberam uma empresa na qual os custos em relação ao instrumental de trabalho seriam transferidos para trabalhadores, que deveriam comprar ou alugar o carro (posteriormente, com a ampliação das atividades da plataforma, também moto, bicicleta), celular, internet, bag etc. Desse modo, o “capitalismo de plataforma” deixou de se responsabilizar até mesmo pelo fornecimento do instrumental básico de trabalho, sem falar da isenção de tributação.

Pacote tão bem urdido que logo fez aflorar um gritante e aparente paradoxo: em plena era informacional-digital, com o desenvolvimento intenso das tecnologias de informação e comunicação (TIC), paralelamente se presenciava uma regressão monumental nas condições de trabalho, apresentada agora como exemplo de “modernidade”, ainda que, de fato, recriasse desumanas condições de trabalho, típicas da Revolução Industrial. O outsourcing, por exemplo, vigente na Inglaterra dos séculos XVIII e XIX, pelo qual a classe trabalhadora laborava em casa, fora do espaço da fábrica, sem nenhum direito e sob condições de exploração ilimitados, atualmente se converteu no pomposo crowdsourcing, também desprovido de legislação protetora, adulterando a árdua história global do trabalho. O velho reaparece como novo, ressurgindo como “moderno”, sendo que a moderna proteção do trabalho é apresentada como “arcaica”.1

Foi esse embuste que o PLP 12 abraçou ao parir “uma criança nova no mundo do trabalho”: sem férias, sem 13º salário, sem descanso semanal, sem jornada regulamentada, sem FGTS, sem reconhecer os direitos mínimos das mulheres que nem sequer podem engravidar etc. Estarrece (ou terá sido proposital?) o completo desconhecimento (ou desconsideração) do cenário existente em outras partes do mundo.

O cuidadoso e mais atualizado estudo sobre as decisões judiciais europeias acerca do vínculo empregatício que temos até o presente, de autoria de Christina Hiessl (publicado na íntegra no livro Trabalho em plataformas: regulamentação ou desregulamentação), oferece um amplo panorama do que vem ocorrendo no cenário europeu. Apesar das diferenciações existentes entre os diversos países da União Europeia, a Diretiva relativa à melhoria das condições de trabalho nas plataformas digitais, recentemente aprovada pelos 27 Estados-membros da região, reconhece a presunção do vínculo empregatício, ao contrário da proposição das plataformas digitais que procuram impor a condição de “autonomia”, para se isentar do cumprimento da legislação.

Além disso, a Diretiva propõe uma regulamentação detalhada e minuciosa da gestão algorítmica do trabalho, de modo a proteger empregados e empregadas em plataformas, em vários e decisivos pontos. Portanto, ao contrário de passar ao largo, como faz o PLP 12, a legislação que vem sendo criada na União Europeia tanto rechaça o pressuposto da “autonomia” quanto enfrenta o problema crucial da invisibilidade dos algoritmos, exigindo transparência das plataformas, bem como a necessidade imperiosa de seu controle, inclusive pelos trabalhadores e trabalhadoras que atuam no setor.

É por isso que o Brasil está na contramão e em rota de regressão quando comparado ao cenário europeu. E se esse PLP for aprovado, estará de fato legalizando e legitimando um retrocesso histórico enorme que “abrirá a porteira” para a demolição dos direitos do trabalho conquistados pelo conjunto da classe trabalhadora em incontáveis batalhas, travadas desde a época da vigência do trabalho escravizado no Brasil. Isso porque o PLP 12 dá os diamantes e o ouro para as grandes plataformas digitais e joga migalhas para os trabalhadores e as trabalhadoras.

Sabemos que a previdência é vital, necessária e urgente para os(as) uberizados(as), mas que deve ser efetiva e não efêmera, uma vez que, sem o reconhecimento da condição de assalariamento, não é possível garantir que as pessoas possam verdadeiramente contribuir para de fato terem direito a uma previdência pública. Algo similar ocorre com os sindicatos: para serem reconhecidos e efetivos, eles não podem ser resultado de uma criação da cúpula governamental, mas da consciência e da vontade de organização da classe trabalhadora.

É por isso que, muito aquém do que ocorre em outros países (vários deles com governos declaradamente neoliberais, vale recordar), o PLP 12 é sinônimo de derrota, que começa com motoristas de aplicativos e depois poderá chegar a entregadores e entregadoras, tendo grande potencial de generalização para outras categorias.

E a aceitação de que as plataformas são empresas de intermediação ou fornecedoras de tecnologia, como faz o PLP 12, se desfaz frente à indagação basal: quando se chama a 99 ou a Uber, estamos clamando por transporte privado ou queremos aprender tecnologia? A resposta, qualquer criança sabe.

Em suma: o PLP do governo sucumbiu à imposição das plataformas, que não aceitam negociar esse ponto crucial: o reconhecimento da subordinação e do assalariamento, com o consequente reconhecimento dos direitos do trabalho que toda a classe trabalhadora lutou séculos para conquistar. A ideia de criação de uma “terceira categoria” escancara a possibilidade de adentrarmos na “lei da selva” do trabalho, uma vez que, para uma ampla e crescente gama de trabalhadores e trabalhadoras, especialmente nos serviços, privados e públicos, a legalização da condição de “autônomo”, em detrimento do reconhecimento do assalariamento, é a porta de entrada para a extinção da totalidade dos direitos do trabalho no Brasil.

É por isso e tantos outros pontos cruciais que se poderá ler em Trabalho em plataformas: regulamentação ou desregulamentação, que o PLP 12, se aprovado, significará uma grande derrota para motoristas de aplicativos e também, em seus desdobramentos, para entregadores. E poderá ser responsável por um grande retrocesso para o conjunto da classe trabalhadora. Por isso, ele precisa ser derrotado e rejeitado se não quisermos ficar, mais uma vez, na contramão da história.

Ricardo Antunes é professor titular de Sociologia do Trabalho no IFCH/Unicamp. Pela Boitempo, publicou Icebergs à deriva: o trabalho nas plataformas digitais; Uberização, trabalho digital e indústria 4.0; Capitalismo pandêmico (publicado também na Itália e Áustria); O privilégio da servidão (publicado também na Itália e Espanha); Os sentidos do trabalho (publicado também na Argentina, EUA, Inglaterra/Holanda, Itália, Portugal e Índia), Riqueza e miséria do trabalho no Brasil, 4 volumes). Foi Visiting Professor na Universidade de Coimbra (2019), na Universidade Ca’Foscari de Veneza (2017) e Visiting Research Fellow na Universidade de SUSSEX, Inglaterra (1997/8).

Fonte: Blog da Boitempo
Data original da publicação: 13/05/2024

DMT: https://www.dmtemdebate.com.br/o-brasil-na-contramao-da-regulacao-do-trabalho-em-plataformas/

CCJ do Senado pode aprovar PL contra taxa assistencial

A desigualdade global disparou desde a pandemia

Os ricos podem ter se recuperado da pandemia — mas os pobres do mundo ainda sofrem os seus efeitos econômicos.

Max Lawson

Obilionário Warren Buffett uma vez disse: “Há uma guerra de classes, é verdade, mas é a minha classe, a classe rica, que está fazendo a guerra, e nós estamos vencendo”. Uma nova análise divulgada pela Oxfam esta semana para o Dia Internacional dos Trabalhadores mostra concretamente que, desde 2020, a classe rica, como Buffett a chama, está ganhando muito.

Os pagamentos de dividendos globais aos acionistas ricos cresceram, em média, catorze vezes mais rápido do que o salário dos trabalhadores em trinta e um países, que juntos representam 81% do PIB global, entre 2020 e 2023. Os dividendos corporativos globais estão a caminho de bater o recorde histórico de 1,66 bilhões de dólares atingido no ano passado. Já os pagamentos aos acionistas ricos aumentaram 45% em termos reais entre 2020 e 2023, enquanto os salários dos trabalhadores aumentaram apenas 3%. Os 1% mais ricos, simplesmente por possuírem ações, embolsaram, em média, 9.000 dólares em dividendos em 2023 — um trabalhador médio demoraria oito meses para ganhar este valor em salários.

Isto é importante porque, enquanto os retornos sobre o capital aumentarem mais rapidamente do que os rendimentos do trabalho, a crise da desigualdade aumentará.  No centro da nossa economia está uma luta constante entre os proprietários — ou capital, como é conhecido na economia — e os trabalhadores, ou trabalho.

A medida do progresso, ou da falta dele, é a medida em que os benefícios de todas essas bilhões de horas de trabalho diário se revertem a favor dos trabalhadores e das suas famílias, gerando uma maior igualdade, ou a medida em que os benefícios se revertem a favor dos proprietários do capital, gerando uma maior desigualdade.

Para a maioria das pessoas no nosso planeta, os anos desde 2020 têm sido incrivelmente difíceis. A pandemia foi um golpe enorme; milhões de pessoas foram perdidas devido à doença e outras milhões foram lançadas na miséria enquanto o mundo parava. O aumento acentuado no custo dos alimentos e de outros bens essenciais que se seguiu em 2021 se tornou uma nova e difícil realidade para muitas famílias em todo o mundo, que tentam comprar óleo, pão ou farinha sem saber quantas refeições terão que pular no dia. Penso nos meus amigos em Malawi, por exemplo, onde vivi, que lutam todos os dias para se manterem à tona, ou nas milhões de pessoas do Reino Unido que dependem dos bancos de alimentos para matar a fome. Mundialmente, a pobreza ainda é mais elevada do que em 2019. A desigualdade entre o mundo rico e o Sul Global está aumentando pela primeira vez em três décadas.

Mas para os mais ricos da nossa sociedade, os detentores de capital, os anos desde 2020 têm sido realmente bons. Os bilionários, que são cerca de três mil em todo o mundo, são alguns dos maiores acionistas. Sete em cada dez das maiores empresas do mundo têm um CEO bilionário ou um bilionário como principal acionista. Durante a última década, a riqueza dos bilionários aumentava cerca de 7% ao ano. Desde 2020, acelerou para 11,5% ao ano.

O termo “acionistas” tem um toque democrático, mas isso é evidentemente falso. Na verdade, são as pessoas mais ricas do mundo que detêm a maior proporção de ações e de todos os ativos financeiros. Uma pesquisa realizada em vinte e quatro países da OCDE revelou que os 10% das famílias detêm 85% do total dos ativos de propriedade de capital — incluindo ações de empresas, fundos de investimento e outros negócios — enquanto os 40% mais pobres detêm apenas 4%. Nos Estados Unidos, o 1% mais rico detém 44,6%, enquanto os 50% mais pobres detêm apenas 1%.

Os ricos não são apenas ricos; são predominantemente homens e são predominantemente brancos. Nos Estados Unidos, 89% das ações são detidas por brancos, 1,1% por negros e 0,5% por hispânicos. Do mesmo modo, mundialmente, apenas uma em cada três empresas é propriedade de mulheres. Portanto, estes retornos elevados para os acionistas estão basicamente aumentando os rendimentos e a riqueza no topo.

Como podemos resolver isto? Tributar muito mais os super-ricos seria um ótimo começo; as notícias são boas, porque o Brasil, que este ano preside o grupo G20 das economias mais poderosas do mundo, colocou pela primeira vez na agenda formal a necessidade de aumentar os impostos. Ao mesmo tempo, o Presidente Joe Biden voltou a dizer que apoia um novo imposto sobre os bilionários.

Mas, em última análise, os impostos consistem em resolver um problema depois que ele se torna um. O essencial é garantir que a economia não crie, em primeiro lugar, uma desigualdade tão grande. Uma forma extremamente importante de fazer isso é pender a balança de novo a favor dos trabalhadores. Os frutos do trabalho devem ser desfrutados pelos trabalhadores e não por aqueles que, como disse John Stuart Mill, “enriquecem enquanto dormem, sem trabalhar, arriscar ou economizar”. Isto só acontecerá com um aumento da organização e do poder dos trabalhadores.

Quando o poder dos trabalhadores era elevado, a desigualdade era baixa e, como salientou o Fundo Monetário Internacional, o declínio da adesão aos sindicatos contribuiu diretamente para o aumento dos rendimentos do topo.

Perante isto, o ressurgimento das greves e o aumento do poder e da voz dos trabalhadores que temos visto nos últimos anos é maravilhoso. Ainda é uma fração do que é necessário para fazer pender a balança, mas toda uma nova geração de trabalhadores está vendo o poder da organização. O apoio da Geração Z aos sindicatos é o mais elevado de qualquer geração. Dos trabalhadores do setor automóvel nos Estados Unidos aos trabalhadores do setor do vestuário em Bangladesh, vemos trabalhadores lutando contra os proprietários e lutando por um mundo mais justo e igualitário.

Os trabalhadores de todo o mundo precisam agarrar a balança e puxá-la para si; isto, por sua vez, criará a política e a economia de uma nova era de igualdade.

Max Lawson é chefe de política de desigualdade da Oxfam International.

Fonte: Jacobin Brasil
Tradução: Sofia Schurig
Data original da publicação: 09/05/2024

DMT: https://www.dmtemdebate.com.br/a-desigualdade-global-disparou-desde-a-pandemia/

CCJ do Senado pode aprovar PL contra taxa assistencial

Seguridade social e o monstro financeiro chamado capitalização

O ponto alto dos debates iniciais sobre a reforma da Previdência se deu em torno da tentativa de colocar em prática um novo regime de previdência, o da capitalização individual.

Deise Lilian Lima Martins

Essa tentativa, que representava uma porta aberta à privatização da Previdência, provocou muitas incertezas e foi bastante contestada, especialmente pelo fato de que experiências de capitalização individual na América Latina foram um fracasso, não geraram nenhum patamar de proteção social para as trabalhadoras e trabalhadores, além de resultar no gigante enriquecimento das administradoras dos recursos dos trabalhadores.

Mas por que trazer esse tema à tona se a capitalização não foi aprovada nesta reforma da Previdência? Vejamos.

No dia 12 de abril deste ano, em Santiago do Chile, foi realizado o “Seminário Internacional em Defesa da Seguridade Social”, contando com representantes do Brasil, Espanha, México, Colômbia, Argentina e Chile para debater seus modelos de seguridade social, públicos e privados. Esse encontro promoveu reflexões sobre a situação da América Latina no que se refere aos sistemas de seguridade social, no qual se insere o debate sobre a previdência ou sistema previsional, restando muito evidente a necessidade de pararmos de analisar a proteção social de forma endógena. No geral, raramente olhamos os nossos países vizinhos para ao menos saber o que se passa em relação à temática. Olhamos para alguns países europeus e sonhamos com um modelo de bem-estar social datado historicamente e que não existe mais; e, ainda assim, se apresenta como uma promessa na América Latina, inalcançável enquanto perdurar o modo de produção capitalista.

O estágio atual de desenvolvimento do capitalismo dispensa esse conteúdo jurídico protetivo, a ideologia burguesa já está tão consolidada, é dizer, todos os poros da vida são afetados pela subsunção do trabalho ao capital (CORREIA, 2021), que os avanços protetivos no conteúdo normativo deixaram de ser uma necessidade para o capital, enquanto garantia de sua reprodução e de arrefecimento das lutas sociais. Muito pelo contrário, a redução dessas políticas está na ordem do dia e a capitalização, ou seja, as formas de privatização dos sistemas de seguridade social não param de avançar, mesmo diante da agudização das consequências nefastas para a classe trabalhadora nos países que possuem a capitalização individual.

Os modelos privados avançam e se tornam grandes monstros financeiros para os governos. Monstros porque a rentabilidade para o capital financeiro por meio das administradoras privadas dos fundos faz com que estas se edifiquem como potências que detêm nas mãos grande parcela da riqueza produzida pela classe trabalhadora no país.

Entre os aspectos debatidos no Seminário, Luis Mesina, professor, sindicalista e porta-voz da Coordinadora NO+AFP, questionou o porquê de defenderem no Chile a seguridade social, já que ela não existe no país. Segundo ele, essa defesa é forte, pois um dia já tiveram um modelo social articulador da justiça social, relembrando os avanços obtidos no governo de Salvador Allende. O que se vê é que a organização da classe trabalhadora no Chile contemporâneo de Allende era tão grande e forte que a ofensiva também no campo da proteção social foi violenta e avassaladora com a adoção do sistema de capitalização juntamente com as administradoras de fundos de pensão, as AFPs.

Saul Escobar, professor e presidente do Conselho Diretivo do Instituto de Estudos Obreiros Rafael Galván, evidenciou que no México o governo gasta cada vez mais com as pensões após a privatização, pois diante da ineficiência do sistema capitalizado, o Estado necessita arcar com os custos das pensões não contributivas, que acabam sendo a sustentabilidade das famílias, além de cobrir o déficit de sistemas não privatizados, como é o exemplo das forças armadas que têm um sistema específico, não privado. Ou seja, o gasto com um sistema privado é enorme quando comparado com um sistema público robusto.

Já Camilo Santos, advogado e representante do Sindicato Único Nacional de Trabajadores del Sector Financiero y Administradoras de Pensiones da Colômbia, destacou que existe uma “propaganda” promovida por parte dos defensores do sistema privado, assinalando que as pessoas não conseguem benefícios no âmbito das administradoras públicas, porém, os dados mostram que são as administradoras privadas que inviabilizam a concessão da maior parte dos benefícios. No caso da Colômbia chama a atenção esse dado: no regime de administração pública, há 6,4 milhões de pessoas filiadas, com 2,3 milhões de cotizantes, sendo 1,2 milhão de pensionados; já no regime administrado pela iniciativa privada, são mais de 14 milhões de afiliados, cerca de 6 milhões de cotizantes e pouco mais de 121 mil pensionados. Isso evidencia que, onde a iniciativa privada está totalmente, a imensa maioria dos valores dos fundos não estão sendo revertidos para as trabalhadoras e trabalhadores.

Em nenhum cenário as experiências com sistemas privados de seguridade social ofertaram amparo minimamente protetivo para a classe trabalhadora, muito pelo contrário, por onde passam deixam as consequências da miséria. Essa é a lógica intrínseca das administradoras privadas, pois expressa de forma cristalina que o mercado comanda todo o processo.

A capitalização é um monstro para os governos dos países que já a têm, pois o controle da riqueza diretamente pelas empresas privadas é tão grande que há uma espécie de rendição ao sistema financeiro, de modo que enfrentar esse poderio econômico representa risco político que nenhum governante está disposto a correr, seja qual for o espectro político. A capitalização é, igualmente, um monstro nos países em que ela ainda não foi adotada, ou timidamente aplicada, pois está sempre assombrando os sistemas públicos.

No caso do Brasil, o regime de capitalização, previsto no texto inicial da última reforma da Previdência, foi retirado do texto final considerando a enorme pressão política, especialmente diante do gigantesco custo de transição. Ou seja, a ameaça da capitalização sempre está presente, à espreita, para ser concretizada.

E mesmo antes dessa reforma recente, o “projeto” de seguridade social esculpido na nossa Constituição de 1988 tem sido objeto de reformas constantes (MARTINS, 2018), reduzindo-se o seu campo teoricamente protetivo. A Constituição vigente é considerada muitas vezes como um “projeto constitucional inconcluso”, ainda em disputa (SILVA, 2021). Contudo, não se trata de um modelo não concluído, mas sim de um modelo jurídico apto a ser conformado constantemente no âmbito do seu conteúdo, com base nos novos estágios do modo de produção capitalista (SILVA, 2021), tanto é que logo após a sua criação advieram normas regulamentadoras (Leis 8.212 e 8.213 de 1991) restritivas da aparente amplitude do texto constitucional, tendo sido seguidas de diversas outras regulamentações e, inclusive, reformas constitucionais.

A partir de todo esse debate dos elementos concretos apresentados no Seminário, um grande desafio nos espera. No atual estágio de desenvolvimento do capitalismo, no qual este não está mais preocupado em fazer a roda girar, ou seja, em assegurar a compra e venda da força de trabalho porque já incorporada pela ideologia burguesa, a extrema precarização da condição de trabalho também deixa de ser uma preocupação. Mas não é só isso, além de deixar de ser uma preocupação, é viabilizada a consolidação dessa forma flexível da compra e venda da força de trabalho (ORIONE, 2021), produzindo cada vez mais informalidade e precarização do trabalho.

Ademais, na medida em que há o acirramento da luta de classes a tendência é que a figura do Estado (o público) apareça mais, por exemplo, colocando em prática uma concepção de Estado forte e com maior proteção social, sendo que, pelo contrário, com a menor intensidade da luta de classes, há uma tendência de que o privado apareça mais, ficando mais difícil divisar onde começa o público e em que momento está presente o privado (CORREIA, 2021).

Em um cenário de concreta informalidade e precarização do trabalho, observada em diversos países, especialmente, na América Latina, realidade esta que representa o atual estágio de configuração da compra e venda da força de trabalho, temos um quadro muito mais dificultoso para executar, por meio de reformas, a reversão dos sistemas de capitalização nos países que a possuem. Isso porque, a tendência do atual estágio do capitalismo é a redução do que se entende por público e o agigantamento do que se entende por privado. Da mesma forma, nos países em que a capitalização ainda não logrou em ser aplicada, ela assombrará o que ainda resta de público, com a sua tendente implementação.

Com isso, para além de continuarmos comemorando a não aprovação do regime de capitalização na última reforma da Previdência no Brasil, é imprescindível relacionarmos a seguridade social com a exploração da força de trabalho e os estágios de desenvolvimento do modo de produção capitalista, atraindo de uma vez por todas o horizonte da luta de classes para se questionar a forma que tem se dado a proteção social, sobretudo, na América Latina.

Referências

MARTINS, Deise Lilian Lima. Delimitação e desdobramentos da opção constitucional para a organização da política previdenciária no Brasil. In: Flávio Roberto Batista; Julia Lenzi Silva; Coletivo Nacional de Advogados de Servidores Públicos (CNASP). (Org.). A previdência social dos servidores públicos: direito, política e orçamento. 1 ed.Curitiba/PR: Kaygangue, 2018, v. 1, p. 79-98.

CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Subsunção hiper-real do trabalho ao capital e estado: análise da justiça do trabalho. Revista LTr – Legislação do Trabalho, São Paulo, ano 85, nº 5, p. 521-530, mai, 2021.

SILVA, Júlia Lenzi. Forma Jurídica e Previdência Social no Brasil. 1. ed. Marília-SP: Lutas Anticapital, 2021.

Deise Lilian Lima Martins é mestre e doutoranda em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), integrante do Grupo de Pesquisa Direitos Humanos, Centralidade do Trabalho e Marxismo da USP, professora assistente no Grupo de Estudos sobre Seguridade e Marxismo da USP e autora do livro Mulheres e Previdência Social: equivalência e crítica à forma jurídica. E-mail: deisellmartins@ gmail.com.

Fonte: Le Monde Diplomatique Brasil
Data original da publicação: 22/04/2024

DMT: https://www.dmtemdebate.com.br/seguridade-social-e-o-monstro-financeiro-chamado-capitalizacao/