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DO ESTADO DO PARANÁ

UNICIDADE
DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

Falta de recolhimento de FGTS justifica rescisão indireta, decide TRT-2

Falta de recolhimento de FGTS justifica rescisão indireta, decide TRT-2

FALHA GRAVE

A falta do recolhimento correto do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) é suficiente para justificar a rescisão indireta — modalidade de demissão a pedido do trabalhador, que passa a ter os mesmos direitos de quem foi demitido sem justa causa — e também uma indenização por danos morais.

Esse foi o entendimento adotado pela 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (Grande São Paulo e litoral paulista) para dar provimento ao recurso ordinário de um trabalhador que havia pedido demissão da empresa em que trabalhava.

No caso concreto, o autor da ação pediu o reconhecimento da rescisão indireta, nos termos do artigo 483 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), pela falta de pagamento do FGTS. A empresa, em sua defesa, alegou que fez o recolhimento do fundo de maneira correta.

Vitória do trabalhador

Ao analisar o caso, o relator do recurso, desembargador Ricardo Artur Costa e Trigueiros, deu razão ao trabalhador.

“Ante o exposto, com amparo no art. 483, ‘d’, e § 3º da CLT, declara-se configurada a rescisão indireta do contrato de trabalho em 23.04.20 resultando devido o pagamento de: aviso prévio indenizado proporcional, com integração do período no tempo de serviço (art. 487 da CLT), inclusive para fins de anotação da data de saída na CTPS (OJ nº 82 da SBDI-1/TST); saldo de salário; férias proporcionais, acrescidas de 1/3, observada a integração do aviso prévio indenizado; 13º salário proporcional, observada a integração do aviso prévio indenizado; multa de 40% do FGTS; e indenização equivalente ao seguro-desemprego”, escreveu o relator.

O magistrado também votou por dar provimento ao pedido de indenização por entender que a falta do recolhimento do FGTS se refletiu negativamente na vida do trabalhador, tendo fixado o pagamento de R$ 5 mil por danos morais.

O autor foi representado pelos advogados Miguel Carvalho Batista e Stefanie Caleffo Lopes.

Clique aqui para ler a decisão

Processo 1000347-38.2022.5.02.0301

CONJUR

https://www.conjur.com.br/2024-mai-06/falta-de-recolhimento-de-fgts-justifica-rescisao-indireta-decide-trt-2/

Falta de recolhimento de FGTS justifica rescisão indireta, decide TRT-2

Dieese: conquistas notáveis, mas problemas estruturais persistem

Por ocasião do 1º de Maio, Dia Internacional do Trabalhador, o Dieese preparou boletim especial, com dados e informações sobre as conquistas deste início do terceiro mandato do presidente Lula. E também apontou os renitentes problemas estruturais brasileiros, que precisam ser enfrentados.

O documento chama a atenção para o problema central, nestes tempos atuais, que é o fortalecimento da democracia. Fora do regime democrático, o País não terá chances de superar os graves problemas que acometem, secularmente, o desenvolvimento do Brasil.

Lembra ainda da reabertura dos “conselhos e comissões para a construção de políticas públicas, entretanto, o caminho da reconstrução é longo e precisa passar pela solução de problemas históricos e estruturais.”

No plano da economia política, destaca a retomada da política de valorização e atualização do salário mínimo, a lei da igualdade salarial, apoio à agricultura familiar; a atualização da tabela de IR em 2023; o programa Pé-de-Meia (Lei 14.818/24), de incentivo para que os jovens concluam o ensino médio.

Economia
Destaca as mudanças na política tributária, com a aprovação da Reforma Tributária (EC 132/23), e na sua regulamentação. Elenca, por exemplo, a desoneração dos produtos da cesta básica para “melhorar a vida da população”.

Todavia, chama a atenção para a necessidade de “tributar mais os ricos para financiar as políticas públicas e construir um País menos desigual.”

Atividade econômica
“A atividade econômica tem se desacelerado”, destaca. O que compromete “o mercado de trabalho”, que perde “dinamismo na abertura de novos postos de trabalho.

Isso, segundo o estudo, “demonstra a necessidade e importância do Estado e dos investimentos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), da transição ecológica e do programa de reindustrialização (NIB – Nova Indústria Brasil).”

Queda do desemprego e qualidade das ocupações
O estudo mostra que o “número de desempregados caiu ao menor nível desde 2015, ainda que 8 milhões de pessoas estejam procurando trabalho e outros 3,5 milhões sejam desalentados — trabalhadores que desistiram de procurar ocupação, embora necessitem e queiram trabalhar.”

Quanto à “qualidade do emprego também precisa melhorar”, destaca.

Depois de “7 anos desde a Reforma Trabalhista e a terceirização total”, a entidade aponta que as “medidas apenas serviram para aprofundar a precarização do trabalhador. Está mais do que na hora de rever esses retrocessos.”

Leia a íntegra do documento

DIAP

https://diap.org.br/index.php/noticias/agencia-diap/91825-dieese-conquistas-notaveis-mas-problemas-estruturais-persistem

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Por que conservadores e neoliberais estão contra o PL da Uberização

Muitas têm sido as manifestações contra o PL da Uberização (PLP 12/24) vindas de setores conservadores e neoliberais — entidades, movimentos e personalidades — e isto tem causado certa perplexidade em alguns setores da esquerda.

Jorge Luiz Souto Maior*

Já ouvi dizer que como estes segmentos estão se posicionando contrários ao PL, então o que cabe à esquerda é ser a favor. Uns admitindo que o apoio estaria vinculado à necessidade de se buscar algum aprimoramento, mas, por certo, sem alterar a essência; e, outros, concluindo, desde já, que o projeto apresentado foi o melhor que se pode fazer e o único capaz de ser aprovado nas condições adversas impostas pela composição ideologicamente desfavorável do Congresso.

Já outros, mais aderentes à base de sustentação política do governo, afirmam que os conservadores e neoliberais são contrários porque não querem admitir os grandes avanços preconizados no PL, no que diz respeito aos direitos garantidos aos trabalhadores. Dito de outro modo, a contrariedade de representantes desses vieses ideológicos seria prova suficiente do quanto é positiva a proposta apresentada pelo governo.

Não faltam também aqueles(as) que compreendem que a contrariedade de conservadores e neoliberais ao projeto não passa de ato político, oposição para enfraquecer o governo, advertindo que qualquer crítica ao PL, vinda de onde vier, representa forma de alimentar a oposição e enfraquecer o governo.

De outro lado, ainda no campo da esquerda, sustenta-se que a oposição ao PL é mero jogo de cena, fruto de oportunismo, qual seja, o de se colocar contra a proposta que, no fundo, atende aos interesses dos que se posicionam contrários, pois, com esta estratégia, buscam, de fato, evitar que, no debate congressual, a proposta ganhe rumos diversos daqueles que foram inicialmente pronunciados e até mesmo para que se possa ir além, no sentido da ampliação da regulação para proposta de outras categorias de trabalhadores e trabalhadoras.

Ao me deparar com todas essas avaliações, não tenho como deixar de reiterar as preocupações há muito (e de forma reiterada) manifestadas, no aspecto do quanto o raciocínio moldado pela lógica dos resultados, sobretudo quando induzido por cálculo eleitoral ou pela preocupação da manutenção da dita “governabilidade”, tem nos impedido de promover análises objetivas e debates efetivamente envolvidos e comprometidos com a construção de realidade social, econômica e política mais condizente com a condição humana, tomadas pelos pressupostos da liberdade e da igualdade reais.

O poder de reflexão é algo que exige ser exercitado. Na atrofia mental, esse se perde.

Debate de conteúdo
No estado de abstinência intelectiva todo tipo de raciocínio, mesmo desprovido de lógica ou empiria, incluindo os de cunho negacionista ou baseados em discursos de ódio, apresenta-se como válido e da mesma ordem de grandeza de qualquer outro.

Este, aliás, é o grande problema de se colocar, em primeiro plano, a defesa abstrata da liberdade de expressão, fazendo com que a preocupação com o conteúdo fique completamente fora das discussões.

A questão é que a censura, em si, não é promotora do conhecimento.

E o maior problema é que quando a preocupação com o conhecimento é desprezada ou afastada pela circunstância emergencial de se priorizar a criação de obstáculo ao advento de algo considerado ainda pior (lógica do mal menor), o compromisso com o real e a busca do saber se esvaem, sobretudo, quando, para cumprir esses objetivos, apresentam-se, como razoáveis e inexoráveis, argumentos retóricos e, assumidamente, falseados, desprovidos de lógica e coerência.

Este é o processo pelo qual o irracional tem apontado o que seria ainda mais irracional, para se fazer racional.

Tomando por base a política nacional há muito vigente, o Partido dos Trabalhadores, dentro da sua preocupação de se apresentar como partido de esquerda, mas que, concretamente, apoiado na estratégia de conciliação de classes, reproduz e reforça a lógica neoliberal que é de interesse da classe dominante, precisa da criação de ameaça conservadora, para se apresentar como o avanço possível.

Mas como esta é a própria lógica da sua existência, o PT necessita da nomeação de inimigo concreto e que represente efetiva ameaça. Foi assim que antes se alimentava do fantasma do PSDB, e, agora, é dependente do bolsonarismo.

O problema é que, neste contexto, a retórica ganha vida e a própria ameaça criada toma forma concreta e se retroalimenta toda vez que as argumentações falseadas para combate-la transparecem.

Quando o irracional dominante atrai novas irracionalidades, com as quais se rivaliza, o que se estabelece é 1 círculo vicioso em direção à barbárie. As guerras estão aí para demonstrar isso…

Desnaturalizar o absurdo
Os antagonismos, quando fogem de qualquer preocupação com o real e a produção do conhecimento, desenvolvendo-se no plano da conveniência e da dissimulação, estimulam a naturalização do absurdo.

Nesta roda que se move para trás, até mesmo os negacionismos, terraplanismos e discursos de ódio ganham força.

Quando se diz, por exemplo, que o autoritarismo é necessário para defender a democracia ou que qualquer ato e argumentos são válidos para combater o fascismo, o que se consegue é apenas atrair o autoritarismo e o fascismo para rivalidade no mesmo plano. Este, ademais, é o grande risco de conferir o título de herói a quem comete arbitrariedades em nome da defesa da democracia, deixando-se de lado, inclusive, a essencial discussão de que democracia, afinal, se está falando. Que democracia está sendo defendida, para quais sujeitos e com quais objetivos?

Os reais interesses da classe trabalhadora e os desafios para a construção de sociedade efetivamente justa, igualitária e humana não estão, definitivamente, incluídos neste debate.

Fragilidade ideológica
Fato é que, diante da fragilidade ideológica que direciona as ações e pensamentos do atual governo, o que se verifica é o aumento do risco de volta do fascismo, que, inclusive, se apresenta como defensor da liberdade.

E assim, numa aspiral de retrocessos, caminhamos em direção ao caos.

O PL da uberização e os argumentos para a sua defesa demonstram bem o processo em curso, como já destacado em vários outros textos.

Importa, agora, explicitar como a utilização estratégica da contrariedade de conservadores e neoliberais contra o projeto para defender o governo é forma ainda mais aprofundada desse “epstemicídio”.

Vale perceber que nas manifestações sobre a contrariedade conservadora e neoliberal ao PL, acima expostas, não há nenhuma tentativa de compreender as razões efetivas pelas quais a contrariedade se explicitou, da qual geraram, inclusive, mobilizações de rua de muitos motoristas.

Rejeição de qualquer grau de racionalidade
As reações às contrariedades rejeitam qualquer grau de racionalidade aos opositores e transferem para estes a sua própria racionalidade. Na lógica dos defensores do PL, se o PL avança em direitos e alguém é contra é porque ou não entendeu bem o PL ou o é porque quer sua intenção é impedir que os avanços sejam consagrados ou que o governo obtenha proveito político com a aprovação do PL.

Esta avaliação representa total abstinência analítica.

A primeira grande constatação que se precisa realizar e que explícita essa abstinência diz respeito ao movimento de colocar como mesmo objeto, PL e governo, fazendo com o que coloque em debate é a governabilidade e não a pertinência do conteúdo do PL.

O que importa, concretamente, é a discussão acerca do conteúdo do PL e seus possíveis efeitos na realidade concreta das relações de trabalho.

Mas, o que estas avaliações vislumbram é impedir desgastes à governabilidade. Então, nesta perspectiva passa a ser preciso dizer que as objeções ao PL são da mesma ordem, ou seja, que não dizem respeito ao conteúdo, ou que falseiam o conteúdo e se destinam, unicamente, à desestabilizar o governo.

A adoção desse método para desviar o foco do debate sobre o conteúdo pode ser constatada pelo fato de que as manifestações oficiais de defesa do PL tomam como alvo apenas os argumentos de conservadores e neoliberais, de modo a fazer transparecer que, de fato, a contrariedade é meramente ato político partidário.

Objeções apenas de conservadores e neoliberais
Veja-se que a nota das centrais sindicais, expedida em 5 de abril, “dialoga” apenas com as objeções vindas de conservadores e neoliberais, muito embora, inúmeros argumentos muito distintos contra o PL já tenham sido explicitados por acadêmicos(as), pesquisadores(as), juristas, sociólogos(as) e entidades e movimentos do mundo do trabalho, além de diversos trabalhadores e trabalhadoras, sobretudo, da categoria de entregadores (os quais não aceitaram a proposta de regulação do governo, cabe lembrar), todo(as) ligados(as) ao pensamento de esquerda.

Primeiro, a nota das centrais aprofunda o descompromisso com a realidade, quando diz, por exemplo, que “o trabalho autônomo, assim devidamente caracterizado, passa a ser considerado como uma relação de trabalho entre a empresa que opera o aplicativo e a pessoa que trabalha de forma autônoma”, como se a exclusão da relação de emprego, como todos os direitos daí consequente, fosse vantagem, ou que o PL garante “remuneração base de R$ 5.650”, quando, de fato, 3/4 desse valor, segundo os termos do próprio PL, destinam-se à reposição dos custos do trabalho, resultando em efetiva remuneração, pelo número de horas de trabalho indicado na referida nota, no importe de R$ 1.412.

Mas o mais grave mesmo, como dito desde o início deste texto, é a postura assumida de não tentar compreender as motivações, ligadas ao conteúdo, que levam conservadores e liberais a serem contrários ao projeto de lei que, como se sabe, atende aos interesses destes segmentos ideológicos.

Por certo, os defensores do PL não vão reconhecer isto e aí já se tem vício primário incontornável, que é motivador de todos os demais desvios de avaliação.

Relação de emprego
Ora, o PL ao negar o reconhecimento da relação de emprego e de, consequentemente, afastar a aplicação das garantias fixadas na CLT e em todas as demais normas trabalhistas, sobretudo, constitucionais, vai na direção do que neoliberais e conservadores vêm preconizando há décadas e que não conseguiram levar a efeito, nem mesmo na “reforma” trabalhista de 2017, apoiada pelo governo golpista de Temer, e no projeto da Carteira Verde e Amarelo, do governo ultraliberal e fascista de Bolsonaro.

Ocorre que os conservadores e neoliberais têm efetivas razões para se posicionarem contra o conteúdo do PL e a negação proposital dessa percepção é denunciadora de limitação que, gravemente, há muitos anos afeta certa parcela da esquerda brasileira.

Interrogações
Afinal, por que neoliberais e conservadores são contra o PL?

Eis a questão, que precisa de análise mais detida, pois algumas lições e apreensões podem ser dessa extraída, como veremos.

Primeiro, o fato de se colocarem contra projeto de lei que atende o seu ideário está relacionado a ideário que há muito foi abandonado por setor da esquerda e que acabou, de certo modo, sendo apropriado pela direita: a utopia.

Os governos conservadores e neoliberais têm sido radicais nas defesas de suas pretensões, chegando mesmo, muitas vezes, a falar em “revolução”. Fato é que estes segmentos, desde o enfraquecimento da utopia socialista, abandonaram a postura defensiva e passaram ao ataque declarado. Querem e buscam sempre mais: mais lucros; mais privilégios; mais irresponsabilidade social; mais opressão; mais exploração…

 Vínculo e direitos
Ou seja, o PL, ao não reconhecer o vínculo de emprego e afastar os direitos trabalhistas, é muito bom para os seus interesses, mas esses querem mais. Vale, inclusive, perceber que esta parte do PL não é objetada. O que se contraria são as proposições do PL em que se tentam, mesmo de forma bastante tímida, acoplar a algumas fórmulas de cunho social.

No entanto, tragicamente, a rejeição a essas vinculações é mais coerente que a sua defesa. Digo tragicamente porque esta situação acaba conferindo à direita, na balança dos argumentos, vantagem em termos de razoabilidade.

O PL e os argumentos de sua defesa são ruins também por isso.

Senão, vejamos.

Autonomia e valores neoliberais
O PL pronuncia que os motoristas são autônomos e ao se estabelecer este pressuposto o que se acolhe são os valores neoliberais clássicos da liberdade, do individualismo e do empreendedorismo. No entanto, de forma dissimulada, os trata como trabalhadores integrados à categoria que se deve mover por espírito de solidariedade e coletivamente, com o gravame de que a organização coletiva preconizada não é aquela que representa o efeito de movimento espontâneo da categoria e sim vinculação imposta de cima para baixo, a partir de estruturas pré-concebidas e que estão atreladas à lógica diversa das relações de emprego.

Essa previsão bipolar faz com que a rejeição à vinculação sindical aludida no PL tenha coerência e, isto, aí sim de forma estratégica, mas por culpa do próprio conteúdo do PL, alimenta e reforça a argumentação de direita contra os sindicatos, a sindicalização e a mobilização coletiva dos trabalhadores e trabalhadoras, já que o artificialismo e captura autoritária constituem a base da vinculação desenhada.

Além disso, se o PL reafirma aos motoristas que eles são geridos pela autonomia, expressão máxima da livre manifestação da vontade, estes, então, terão boas razões para acreditar que não lhes pode ser imposta contribuição social, valores pré-fixados do custo do trabalho ou mesmo limites de horas de trabalho.

A incoerência do PL, ao tratar dessa figura imaginária do “autônomo com direitos”, mas direitos que, na verdade, não representam inclusão social e melhora das condições de vida e de trabalho, no plano do que se tem constitucionalmente assegurado aos trabalhadores e trabalhadoras em geral, sendo, em verdade, limitações à livre manifestação da vontade, acaba conferindo motivos suficientes para que neoliberais e conservadores invoquem coerência e razoabilidade para extraírem do PL tudo (ainda que seja muito pouco ou quase nada) o que transborda da condição de autonomia.

Afinal, ao contrário das políticas institucionais desta esquerda burocratizada, guiadas há muito pela lógica do mal menor ou do circunstancialmente possível, a direita não se contenta com pouco.

Diferença de horizontes
E cumpre perceber essa trágica diferença de horizontes: esta parcela da esquerda diz que o PL é o máximo a que se pode chegar (e, concretamente, já são vários passos para trás); enquanto a direita, já tendo a seu favor) os passos dados pela esquerda, vislumbra passos a mais, até onde a ganância possa alcançar, mesmo que, para tanto, se destruam vidas e o próprio planeta.

Isso, aliás, nos obriga a explicitar o quanto são inviáveis os objetivos da direita. Por outro lado, não nos conduz a acreditar que apenas ser resistência à destruição possa ser o nosso horizonte para projeto de vida e de socialização.

No contexto das linhas de delimitação de horizontes previamente traçadas, da esquerda, já no máximo, e da direita, com campo a ser ampliado, o único resultado a que se pode chegar no processo legislativo, sobretudo se considerada a dita “correlação de forças no Congresso”, é da piora do PL, notadamente no aspecto da ampliação da mesma lógica de autonomia plena para outras categoriais de trabalhadores e trabalhadoras.

E o pior de tudo é que tendo em mente a governabilidade, baseada na conciliação de classes, o horizonte do mal menor, o desprezo à realização de análises críticas e o abandono das utopias, o que se anuncia é que poderão vir, pelas mãos do governo e com apoio de partidos de esquerda e de entidades sindicais de trabalhadores e trabalhadoras, outras iniciativas regulatórias com a mesma lógica do combate à CLT.

Talvez dessa maneira, quem sabe, o presidente Lula cumpra a sua promessa, feita na campanha, em mais um momento de descuido retórico, de revogar a “reforma” trabalhista, pois, com a aprovação do PL e a reverberação de sua racionalidade neoliberal pela voz das representações sindicais, em concreto, toda legislação trabalhista deixará de existir.

(*) Professor livre-docente de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (desde 2002); coordenador do GPTC (Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital); membro da Renapedts (Rede Nacional de Grupos de Pesquisa em Direito do Trabalho e da Seguridade Social); e juiz do Trabalho (desde 1993), titular da 3ª Vara do Trabalho de Jundiaí (SP), desde 1998.

DIAP

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Falta de recolhimento de FGTS justifica rescisão indireta, decide TRT-2

A trajetória para o 1º de Maio de 2040

As transformações em curso no mundo do trabalho indicam futuro com agenda repleta de desafios inéditos que emergem da inteligência artificial e das novas tecnologias, das estratégias de negócio que comportam a terceirização sem limites, da busca incessante de resultados econômicos não compartilhados, ampliados pela crise ambiental e climática devastadora.

Clemente Ganz Lúcio*

Tudo junto e misturado, a desencadear processos disruptivos nas profissões, nos postos de trabalho, na forma de realizar as atividades laborais, na formação profissional, nos direitos, na saúde, na jornada de trabalho, nos salários, nas relações de trabalho, na representação sindical e na negociação coletiva.

Nessa década e meia futura será imperativo, que, cada vez mais como o faz a cada ano, nos 1º de maio, o movimento sindical atualize a agenda presente para responder aos complexos desafios prospectivos. É possível afirmar que em 2040, olhar retrospectivo revelará processo de mudanças sem precedentes.

Considerando a velocidade crescente das transformações com a extensão para todos os setores econômicos e atividades produtivas, com intensidade ininterrupta e encadeamentos complexos, será necessário que o movimento sindical promova investimento robusto e permanente em termos de pesquisa, análise e estudos, debate propositivo, formulação de estratégias de atuação e formação de dirigentes e assessores.

Visão de longo prazo
Atuação coletiva que deve estar assentada em visão de longo prazo compartilhada entre a classe trabalhadora, com estratégias de atuação para materializar respostas em tempo real — aqui e agora —, que serão sempre provisórias e parciais, porém, necessárias e urgentes, para atuar de forma inteligente na disputa intensa visando à regulação permanente das relações de trabalho no espaço da negociação coletiva.

Nesse contexto, o movimento sindical terá a tarefa de identificar as lutas eficazes a serem travadas e, dessas, derivar o modelo organizativo eficiente para promovê-las.

Mas essa atuação sindical deverá ir muito além, pois o que está em questão, cada vez mais, é a complexa relação entre tecnologia e trabalho e o modelo de vida em sociedade.

Qual é a visão que orienta a inovação tecnológica?

Essas são invenções humanas, criação coletiva orientada para fins e metas, que ampliam nossas capacidades individuas e coletivas e que têm alto impacto sobre a produtividade. O avanço que a ciência permite em termos de inovação será compartilhado?

Compartilhamento x poder da elite
A história está repleta de trajetórias opostas, nas quais, ciência e inovação concentraram renda e poder nas mãos da elite. O compartilhamento, quando veio, foi resultado de organização coletiva e para a qual o movimento sindical foi base social estruturante.

Para essas lutas se processarem foi essencial outras conquistas que estão no coração da vida sindical, como o direito à liberdade e a democracia. Eleições livres, direito ao voto, partidos, políticas sociais, direitos universais, direito ao trabalho, legislação trabalhista são construções sociais presentes no espaço da luta sindical.

O que se fará nesse próximo período?

O desafio para a ação sindical será o de promove os meios — força política, capacidade de mobilização, solidariedade e identidade, inventividade propositiva — que forcem a elite a compartilhar os ganhos que virão dos avanços técnicos.

A visão da igualdade e o princípio da equidade terão que ganhar concretude distributiva eficiente e responder, ao mesmo tempo, ao estoque de problemas existentes — pobreza, desigualdade, precarização, vulnerabilidade — e aos novos desafios de exclusões que emergem a cada dia.

Tecnologia a serviço de todos
A tecnologia deveria servir para vivermos melhor, para as pessoas terem melhor qualidade de vida, trabalharem menos, ganharem mais, terem qualidade de saúde, educação, cultura, moradia, transporte. Mas não é isso que acontece.

A visão dominante da inovação tecnológica promove a produção sem precedente de riqueza concentrada. É desastrosa econômica, política e socialmente que as decisões sobre as múltiplas dimensões das inovações tecnológicas se afastem cada vez mais dos interesses coletivos e gerais da sociedade.

Estes são intencionalmente atacados e depreciados, substituídos pelo individualismo exacerbado, pela competição, pela guerra, pelo ganho a qualquer custo. O sofrimento do outro ou do coletivo é invisibilizado.

Visão dominante sugere o caos
A visão presente e dominante é realizar inovação tecnológica para substituir trabalho humano, aumentar coerção e controle e a redução do custo do trabalho.

Nessa perspectiva, o resultado será a destruição crescente dos empregos, a disputa pelos postos de trabalho precários, estratégias para resistir à forma de vida vulnerável e insegura, a competição para fugir de mercado de exclusões.

O desemprego tecnológico pode se tornar estrutural e irreversível.

Deixado nas mãos das empresas, dos seus executivos e dos investidores, a máquina econômica, social e política está montada para promover riqueza e exclusão sem precedentes.

Presente e futuro
No 1º de Maio de 2024, nas capitais e em centenas de cidades, foram realizados atos, manifestações, caminhadas e muitas atividades culturais, como anualmente se faz. Avaliou-se os avanços conquistados na política nacional, como a valorização do salário mínimo, a lei de igualdade salarial entre mulheres e homens, a retomada da política industrial, entre outros. Foram indicadas as prioridades da Pauta da Classe Trabalhadora, escolhas realizadas para a trajetória de lutas.

O 1º de Maio de 2040 expressará as escolhas feitas a cada dia nesses próximos anos. O desenvolvimento, como expressão de padrão de qualidade de vida coletivo, de modo compartilhado de viver bem com os outros e com a natureza, sempre será resultado das escolhas que fizermos socialmente no espaço da política em sociedades democráticas.

Podemos ter em 2040, 1º de Maio distópico se continuarmos fazendo escolhas que beneficiam a elite. É urgente, desde agora, a cada ano, fazer os 1º de Maio serem expressão de transformação na base de organização dos trabalhadores e trabalhadoras.

Para que o 1º de Maio de 2040 venha a ser momento de celebração de conquistas coletivas, o movimento sindical se desafia a inventar e promover respostas aos desafios desse novo mundo do trabalho e desse, fazer emergir o poder coletivo cimentado pela solidariedade.

(*) Sociólogo, coordenador do Fórum das Centrais Sindicais, membro do Cdess (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável) da Presidência da República, membro do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil, consultor e ex-diretor técnico do Dieese (2004/2020).

DIAP

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A precarização do mundo do trabalho coloca a festa do Dia dos Trabalhadores em suspenso

Com taxa de desemprego chegando a 7,9% no primeiro trimestre do ano, temos 8,6 milhões de trabalhadores fora do mercado de trabalho. Enquanto que a renda média do trabalho, apesar da alta, é insuficiente para garantir acesso à comida. Na passagem do Dia dos Trabalhadores, esses dados mostram que ainda temos um longo caminho a trilhar

Desde a greve de 1886, que originou a primeira celebração do Dia dos Trabalhadores, o mundo do trabalho mudou radicalmente.

Se antes a luta era travada dentro do mundo fabril, pelo aumento dos direitos trabalhistas, com trabalhadores organizados em sindicatos, hoje a disputa é pulverizada, marcada pelo enfrentamento em busca da manutenção dos direitos adquiridos e por uma verdadeira autonomia diante à uberização das relações de trabalhistas.

novo mundo do trabalho, no entanto, traz consigo muitas questões não resolvidas no passado. Em que pese os bons avanços e conquistas dos trabalhadores organizados em sindicatos, eles não alcançaram toda a população economicamente ativa.

Desemprego

Com o desperdício da força de trabalho passando de mais de 60 milhões de pessoas, os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Pnad Contínua, divulgados na véspera do Dia dos Trabalhadores, mostram que, no primeiro trimestre, 8,6 milhões de brasileiros estavam desempregados.

Ainda que bastante expressiva, a taxa de desemprego de 7,9% é a menor desde 2014. Um dos motivos para a manutenção deste índice, é a desindustrialização precoce do país.

Desindustrialização brasileira

Em 38 anos, a participação da indústria no PIB do Brasil despencou quase a metade, passando de 48% em 1985 para 25,5% em 2023. E quando falamos de indústria de transformação, esse número cai para apenas 10,8%, o menor valor desde que a série histórica começou, em 1996, conforme dados do IBGE.

Em entrevista ao IHU, o economista Márcio Pochmann explicou por que uma indústria forte é crucial para o crescimento do país e, consequentemente, a melhora dos empregos. “A industrialização é a coluna vertebral de um país desenvolvido. Com a precoce desindustrialização brasileira, o Brasil regride à condição da procissão dos milagres descritos por Sergio Buarque de Holanda no seu livro a ‘Visão do Paraíso’, que predominou entre o início da colonização lusitana (1500) e o final da República Velha (1889-1930)” pontua. Para ele, “a dependência do exterior determina o tipo de produção interna que deve ser fomentada para a exportação, conforme demonstraram os anteriores ciclos econômicos do açúcar, ouro, borracha, café e agora dos bens do agronegócio assentados na exploração dos recursos naturais e mão de obra barata”, conclui.

Na mesma linha, Paulo Kliass, doutor em economia, afirmou a importância da indústria para o desenvolvimento da nação. “O processo dramático de desindustrialização precisa urgentemente ser revertido, para que se criem condições de se retomar os rumos de um modelo de desenvolvimento de médio e longo prazos”, explica.

Uberização

Nos últimos anos, impulsionado pelas transformações tecnológicas e pandemia de Covid-19, o mercado de trabalho mudou radicalmente. Antes, ancorado pelo modelo fordista, agora passou ao trabalho uberizado, mas não só.

Com o trabalho informal chegando a quase 40% da população economicamente ativa, o trabalho autônomo (empreendedores de si) ultrapassando 25% da força de trabalho e 600 mil trabalhadores de aplicativos, a falta de regulamentação do setor e a proteção do trabalho estão em risco.

Para regulamentar o trabalho nas grandes plataformas, o governo Federal apresentou o Projeto de Lei 12/2024, conhecido como PL dos Aplicativos, o projeto visa regulamentar os “trabalhadores de plataformas”. Para o sociólogo e professor da Unicamp, Ricardo Antunes, se aprovado, essa será a “derrota cabal” dos trabalhadores.

“O PL criado e proposto pelo governo Lula para regulamentar o trabalho dos/as motoristas de aplicativos é uma derrota cabal, se for aprovado. Por quê? Porque os seus (aparentes) pontos positivos, são um remendo para tentar consertar o erro crucial. Por isso ele é essencialmente nefasto”, avalia Antunes. “Para burlar e negar os direitos do trabalho era preciso criar uma categoria híbrida, estranha, que eles definiram como ‘autônomos’ e ‘autônomas’ e ‘empreendedores’ e ‘empreendedoras’. É um embuste!”, complementa.

Precarização dos trabalhadores

Não é de hoje que os direitos dos trabalhadores vêm sendo feridos de morte pelas mudanças na legislação trabalhista, em especial pela contrarreforma trabalhista de 2017, que alterou a CLT e foi aprovada durante o governo Michel Temer, e a aprovação da terceirização irrestrita pelo STF.

Com a promessa de ampliar o mercado de trabalho, a reforma trabalhista piorou as condições de trabalho, retirou direitos e, como evidenciam os dados, não melhorou o mercado de trabalho.

Entre os principais retrocessos da reforma da CLT estão a jornada intermitente, a prevalência do negociado sobre o legislado, a facilitação de trabalho de gestantes e lactantes em locais insalubres, a dificuldade de acesso dos trabalhadores à justiça do trabalho e a flexibilização da concepção de trabalho escravo.

Trabalhadores rurais

Para os trabalhadores rurais, a reforma trabalhista impactou diretamente nos salários. O fim do pagamento pela hora de deslocamento reduziu a renda dos trabalhadores formais.

Na área rural, mais de 60% dos trabalhadores são informais e realizam atividades sazonais, com remuneração irregular. Fato esse que contribui para a vulnerabilidade econômica da categoria.

trabalho no campo é o principal espaço onde prevalecem os flagrantes de trabalho análogo à escravidão. Desde 1995, dos 60 mil trabalhadores identificados em situação de escravidão, em 90% dos casos o trabalho era realizado em áreas rurais.

A redistribuição mais justa da terra, por meio da Reforma Agrária, é um fator decisivo para melhora da renda dos trabalhadores rurais, pois o acesso à terra permitirá que famílias tenham espaço para cultivar alimentos e gerar renda.

Desigualdade de gênero

No ano passado, a entrada em vigor da Lei nº 14.611, de 3 de julho de 2023, da igualdade salarial entre homens e mulheres, foi um alento para as mulheres na busca por equiparação salarial.

As mulheres recebem, em média, 21% menos que os homens, conforme o Dieese. A disparidade piora quando falamos de mulheres negras, que tem renda 37% menor em relação aos homens.

Boletim Especial sobre as Mulheres no Mercado de Trabalho, produzido pelo Observatório Unilasalle: Trabalho, Gestão e Políticas Públicas, mostra que desigualdade na renda das mulheres ainda existe, mesmo após a nova legislação.

Subjugadas no mercado de trabalho, as mulheres chefiam a maior parte dos lares brasileiros: dos 75 milhões de lares, 50,8% tinham liderança feminina, o que correspondente a 38,1 milhões de famílias.

desigualdade de gênero também transparece no trabalho de cuidado, em especial com as crianças, que faz com que as mulheres trabalhem, em média, 7,5 horas a mais que os homens por semana devido à dupla jornada.

A fome e a renda dos trabalhadores

Em 2023, a insegurança alimentar em todos os níveis atingiu 64,2 milhões de brasileiros. Um número menor em relação aos tempos pandêmicos, mas que indica que a renda do trabalho ainda é insuficiente para garantir o acesso adequado à alimentação.

“A renda como um todo, de maneira geral nas metrópoles, cresceu no intervalo de um ano para diferentes grupos, mas cresceu bem mais para os mais ricos do que para os mais pobres, que tiveram um aumento bem mais tímido”, explicou André Salata, coordenador do PUCRS Data Social, ao comentar o último Boletim Desigualdade nas Metrópoles. Segundo o relatório, a “média da renda domiciliar per capita do trabalho cresceu 4,6% em um ano nas metrópoles brasileiras, mas entre as famílias mais pobres o crescimento foi de apenas 1,54%. Esta análise se refere ao período entre o quarto trimestre de 2022 e o quarto trimestre de 2023. Como resultado, a média de renda chegou a R$1.801,60”, mas um valor abaixo do que seria necessário para garantir uma vida digna aos trabalhadores.

Futuro dos trabalhadores

Ainda não sabemos tudo o que nos espera um passo adiante, mas o advento da Inteligência Artificial trouxe novas ameaças ao mercado de trabalho. Previsões nada otimistas indicam que a IA deve afetar 40% dos postos de trabalho no mundo.

Nesse sentido, a redução da jornada de trabalho pode trazer bons frutos. Já adotada em alguns países, em teste em outros, aqui no Brasil, a expectativa é que essa diminuição do número de horas poderia gerar a inclusão de 20 milhões de trabalhadores no mercado. “Diminuir a jornada de trabalho, sem rebaixar salários, permitirá gerar milhões de novas ocupações – e redistribuir ganhos de produtividade oferecidos pela tecnologia. Luta é indispensável para enfrentar a precarização”, coloca o economista José Álvaro de Lima Cardoso.

Entre lutas, conquistas, retrocessos e avanços, hoje desejamos um feliz dia a todos os trabalhadores e a todas as trabalhadoras!

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IHU-UNISINOS

https://www.ihu.unisinos.br/639012-a-precarizacao-do-mundo-do-trabalho-coloca-a-festa-do-dia-dos-trabalhadores-em-suspenso

Falta de recolhimento de FGTS justifica rescisão indireta, decide TRT-2

O 1º de maio de 2024. Artigo de Jorge Luiz Souto Maior

“Estabelecer as correlações de forças necessárias para que se altere a realidade de submissão aos desmandos, cada vez mais despudorados e sem limites, do grande capital”.

O artigo é de Jorge Luiz Souto Maior, professor de direito trabalhista na Faculdade de Direito da USP, autor, entre outros livros, de Dano moral nas relações de emprego, publicado por A Terra é Redonda, 02-05-2024.

1.

Nos últimos anos, de 2017 a 2022, a classe trabalhadora sofreu ataques extremamente fortes e variados. Inserem-se neste contexto, a PEC do “fim do mundo” (EC 95/17); a “reforma” trabalhista (Lei n. 13.467/17); a “reforma” previdenciária (EC 103/19); e, durante a pandemia, as MPs 927 e 936 de 2020.

No período da pandemia, aliás, os ataques se estabeleceram no plano de uma autêntica necropolítica, por meio da qual se ceifou a vida ou se debilitou a saúde de milhares de trabalhadores e trabalhadoras.

Naquela oportunidade, em 1º de maio de 2020, publiquei um texto [1] em que, lembrando que o dia em questão marca as lutas das trabalhadoras e dos trabalhadores por melhorias nas suas condições de vida e de trabalho e também recordando que há anos a classe trabalhadora já vinha vivenciando a situação de apenas lutar pela preservação dos direitos conquistados, chamava a atenção para o fato que se tinha naquele momento de extrema tragédia uma oportunidade para a reconstrução da consciência de classe e para a unificação da classe trabalhadora, o que lhe permitiria maior força para o enfrentamento do capital, já que, ao menos retoricamente, a sociedade burguesa admitia a essencialidade do trabalho e, por consequência, a relevância do trabalhador e da trabalhadora, mirando, sobretudo, os segmentos até então mais invisibilizados.

Propugnava a necessidade de uma reconstrução da classe trabalhadora, de modo a considerar como autênticos apenas os movimentos trabalhistas (nos setores públicos ou privados) que:

(a) não tenham como propósito a defesa exclusiva dos interesses imediatos de uma determinada ‘categoria’ de trabalhadores (ainda mais sobrepondo-se aos interesses de outra “categoria”). ‘Categoria’, aliás, que foi um conceito formal, juridicamente instituído, para dividir a classe trabalhadora;

(b) se organizem na perspectiva da defesa dos interesses da classe trabalhadora como um todo, integrando, necessariamente, os excluídos do mercado de trabalho; (c) estejam baseados na igualdade plena de direitos e na divisão igualitária de tarefas entre homens e mulheres, abrangendo os ambientes públicos e privados, enfrentando, inclusive, todas as formas de discriminação baseadas em gênero e orientação sexual;

(d) “tenham como ponto de partida fundamental a igualdade de direitos entre trabalhadoras e trabalhadores em geral e as empregadas domésticas, integradas, enfim, à classe trabalhadora politicamente organizada; (e) superem a divisão de classe determinada pela terceirização; (f) enfrentem de forma objetiva e intransigente todas as questões (inclusive na vida privada) relacionadas ao racismo e ao machismo; (g) integrem ao centro de suas preocupações, na exigência de tratamento igualitário e de ampliação de direitos, os trabalhadores e trabalhadoras informais e, sobretudo, os que prestam serviços por intermédio de aplicativos”.

2.

No entanto, as coisas no meio sindical não se moveram neste sentido em assim, continuamos vivenciando as experiências das lutas dos fragmentos desconexos e por vezes até contraditórios das categorias de trabalhadores.

No 1º de maio de 2021 atingimos estágio aprofundado do massacre e, em novo texto [2], preconizava que “a reversão da tragédia humanitária, social e econômica em que nos encontramos, depende essencialmente da reação coletiva da classe trabalhadora”. Denunciava, ainda, os males da imobilidade provocada por uma certa utilização da tragédia como argumento para a sucessão eleitoral que estava por vir, em 2022.

Como explicitado no texto: “Mas também cabe dizer que a desmobilização e a preservação do presente estado de coisas são igualmente promovidas pela defesa e a esperança de que tudo se resolverá – e apenas assim se dará – nas eleições de 2022, mesmo porque cada vida perdida até lá não se recupera.
É preciso admitir urgentemente que vivenciamos uma tragédia, que nos impõe, a todas e todos, atitudes emergenciais”.

Diante do aprofundamento das fórmulas de precarização do trabalho, da radicalidade assumida pelo governo de atender, unicamente, os interesses do grande capital e da ausência de uma reação contunde no plano da organização sindical, da ação política ou da intervenção institucional, a classe trabalhadora, atomizada, se viu na emergência de se mobilizar, para, do jeito que desse, defender a própria vida. Foi o momento das denominadas “greves sanitárias”. Greves cujo objetivo único era a imposição de condições de trabalho que pudessem reduzir os riscos à saúde e à sobrevivência dos trabalhadores e trabalhadoras.

E a reiteração dos ataques aos direitos trabalhistas vinha num crescente tão gigantesco que ainda foi necessário estabelecer um debate jurídico acerca da legitimidade de uma mobilização para a defesa da vida. Tive que expressar, contrariando posições em sentido adverso, que, obviamente, trabalhadores e trabalhadoras são pessoas como outras quaisquer e que, portanto, têm o direito inalienável de proteger as próprias vidas, chame-se esta defesa de “greve” ou por qualquer outro nome…

Daí porque foi consignado no texto referido que: “As greves sanitárias e solidárias (daí, inclusive, a essencialidade da greve geral sanitária) estão juridicamente respaldadas pelo princípio de que a defesa de direitos fundamentais, como o direito à vida (o principal deles), não depende de uma lei que o assegure ou defina como deva ser exercido”.

A respeito das atrocidades cometidas contra a classe trabalhadora no período pandêmico, um aspecto é muito importante de ser agora destacado, sobre o qual, inclusive, cheguei a me referir em vários textos escritos à época: o de como o cálculo eleitoral, visando o pleito de 2022, promoveu um estado de anestesia e de imobilidade diante da tragédia humana vivenciada na pandemia e o quanto isso contribuiu para o agravamento e o prolongamento do sofrimento da classe trabalhadora.

O que se tentava fazer acreditar era que a situação estrutural só seria alterada com a eleição de um novo governo, encabeçado por Luiz Inácio Lula da Silva. Concretamente, não se fez nada contra todo o massacre da classe trabalhadora porque, a partir de 2023, com a vitória eleitoral, tudo seria corrigido.

3.

E, agora, no 1º de maio de 2024, mais de um depois da conquista eleitoral, o que restou para a classe trabalhadora? Sofrer mais ataques! Esta resposta não é fruto de uma interpretação ou avaliação subjetiva. Trata-se da explicitação de fatos que, ademais, falam por si.

Ora, o que se viu é que: (a) foram mantidos todos os termos da “reforma” trabalhista; (b) foram mantidos todos os termos da “reforma” previdenciária; (c) não foi efetivada qualquer iniciativa para a responsabilização histórica pela necropolítica levada a efeito pelo governo anterior;

(d) não foi realizada nenhuma iniciativa no sentido da ampliação de direitos: estabilidade ou garantia de no emprego: revogação da inconstitucional lei de greve de 1989; eliminação da terceirização, inclusive no setor público; revogação do banco de horas; ampliação e efetivação dos direitos das trabalhadoras domésticas; garantia da autogestão dos sindicatos, incluindo o financiamento;

(e) foi levada a efeito uma “reforma” tributária que não atende a lógica de distribuição da riqueza socialmente produzida; (f) foi encaminhada ao congresso uma “reforma” administrativa que não prioriza o serviço e os servidores públicos; (g) foi encaminhado ao congresso um projeto de lei que exclui a relação de emprego no trabalho por aplicativos e cuja defesa tem sido feita, pelo próprio Presidente da República, por meio de ataques à CLT, bem ao estilo de Paulo Guedes, Ministro da Economia do governo passado.

Não bastasse, autuando na condição de empregador, o governo ofereceu a professores e servidores das universidades federais um “reajuste” de 0,0%, ao mesmo tempo em que reforçou a lógica neoliberal ao substituir a política salarial por aumento em benefícios cuja existência está baseada na quebra do pacto de solidariedade, já que estratégica e artificialmente foram deles excluída a conceituação de salário, sobre o qual, como se sabe, incidem as contribuições de índole social e tributos.

Do ponto de vista concreto, este 1º de maio de 2024 será marcado:

– pela greve nas universidades federais.

– pelo número recorde de mortes de motociclistas (entregadores, na quase totalidade), na cidade de São Paulo, no primeiro trimestre [4].

– pelo ainda recorrente trabalho em condições análogas à escravidão [5].

– pelo dado concreto de que 78% das 1.132 greves realizadas no Brasil em 2023 ainda tinham como objetivo central defender direitos já conquistados [6].

– e pela total ausência de luta contra todo esse estado de coisas, para, como se diz, não desestabilizar a governabilidade.

Mas, pior mesmo, foi ver a realização de um ato unificado, organizado pela CUT, Força Sindical, UGT, CTB, NCST, CSB Intersindical Central da Classe Trabalhadora, marcado para o estádio do Corinthians, com a presença do Presidente da República, além de lideranças sindicais, convidados e convidadas que representam movimentos populares e a sociedade civil organizada, parlamentares, lideranças partidárias, ministros e autoridades do governo federal, e artistas, com a pauta genérica da luta “’Por um Brasil mais Justo’, com foco no emprego decente, na correção da tabela do imposto de Renda, na redução dos juros e na valorização dos servidores públicos” [7], ou seja, sem se fazer menção a todas as situações acima enumeradas, cuja vigência é sintoma tanto da preservação, em benefício do capital, de todos os mecanismos a serviço da superexploração do trabalho, quanto do controle de organizações de trabalhadores e trabalhadoras pela classe política no poder.

Depois de tantos ataques e de enormes sofrimentos, seria a hora de, com a imprescindível unidade classista, isto é, sem deixar ninguém de fora, os trabalhadores e trabalhadoras mostrarem a sua força, que, indubitavelmente, pode, inclusive, estabelecer as correlações de forças necessárias para que se altere esta realidade de submissão aos desmandos, cada vez mais despudorados e sem limites, do grande capital e que, inclusive, constituiu a causa e o efeito do golpe de 2016 e que só se consolidou com a arbitrária e ilegítima prisão do Presidente Lula.

No entanto, no 1º de maio que se anuncia, ao se explicitar que representações importantes da estrutura sindical brasileira não propõem uma reversão da realidade existente no mundo do trabalho, não se contrapõem às atuais iniciativas de retrocesso social e trabalhista e ainda se submetem às vicissitudes da política de negociação congressual, na qual pautas ao agrado do capital são acolhidas como parte do processo de negociação, o que se tem como efeito é um ato político que acaba significando uma forma de legitimação de todos os efeitos nefastos da quebra de institucionalidade a que fomos submetidos desde 2016, incluindo a deposição de Dilma Rousseff e a própria prisão do Presidente Lula, além de se constituir uma explícita negação do poder histórico da classe trabalhadora.

Menos mal que, em outras mobilizações, a luta continua…

Notas

[1] Disponível clicando aqui

[2] Disponível clicando aqui

[3] Exemplo Disponível aqui.

[4] Disponível clicando aqui.

[5] Disponível clicando aqui.

[6] Disponível clicando aqui.

[7] Disponível clicando aqui.

IHU-UNISINOS

https://www.ihu.unisinos.br/639095-o-1-de-maio-de-2024-artigo-de-jorge-luiz-souto-maior