NOVA CENTRAL SINDICAL
DE TRABALHADORES
DO ESTADO DO PARANÁ

UNICIDADE
DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

O custo judicial da inoperância legislativa

O custo judicial da inoperância legislativa

 e 

Quem ainda acredita em Montesquieu pare por aqui. O conto da teoria dos três poderes não se sustenta em pé diante da realidade. Madison e Hamilton resolveram o problema durante a construção institucional do que conhecemos hoje por Presidencialismo. Nele os três poderes são políticos.

Logo, o nosso Supremo Tribunal Federal é político, embora estejamos em um sistema jurídico de direito positivo, o princípio como norma e o seu caráter implícito delegado ao intérprete faz com que a mais alta corte do país tenha sua própria compreensão da Constituição. So far so good, está tudo dentro dos conformes tanto das teorias em Ciência Política como das teorias jurídicas mais sofisticadas.

Na doutrina jurídica as funções típicas e atípicas aparecem como algo imutável. Por exemplo, se o Executivo pode elaborar legislação ordinária (medida provisória), por que não poderia o Judiciário elaborar norma por decisão judicial? Sistemas presidencialistas são, via de regra, mais consensuais e, no Brasil, não é diferente. Por ser uma federação de tão grande que é e por ter uma sociedade tão rica culturalmente, o modelo consensual se adequa melhor a essa heterogeneidade, ou seja, para que boa parte não fique descontente, é importante que se chegue a um consenso amplo, um meio termo entre as várias partes.

Entretanto, o modelo de decisão judicial não opera sob o consenso, mas sob o critério majoritário, mais útil em sociedades mais homogêneas. Por isso as decisões do STF são tão criticadas, pois os próprios caminhos jurídicos enrijecem o mais amplo dos princípios, limitando as opções dos magistrados, que acabam tendo de fato de tomar decisões que beneficiam uns, mas descontentam outros.

De forma proposital falei primeiro do Judiciário. Quem chegou até aqui pode ter comemorado que o problema é de fato dos ministros do STF ou do próprio Tribunal. Nada disso. Pedir aos juízes custa pouco e nossa sociedade é extremamente judicializada. Com a Justiça sendo gratuita e com a advocacia pública (Defensoria) à disposição das pessoas mais carentes, tem-se um ambiente institucional mais favorável para que as decisões sejam tomadas pelo Judiciário, principalmente quando o Ministério Público também intervém.

No plano político não é diferente, e o custo zero não tem a ver com as custas processuais, mas com o custo político. Não decidir é uma decisão e deixar que o Judiciário leve a culpa (blame shifting) tem se transformado em regra. Recentemente o governo perdeu sobre a criminalização das fake news, com parcos 139 votos.

Sem norma legislativa, caberá ao Judiciário resolver centenas, senão milhares de processos que chegarão aos tribunais, principalmente os Tribunais Regionais Eleitorais. Sem legislação, caberá ao Tribunal Superior Eleitoral resolver a lacuna através de suas resoluções. Não é o Judiciário que está sendo ativista, não é o Judiciário que está saindo de suas funções típicas, ele está sendo obrigado a fazer o trabalho do Executivo e do Legislativo juntos, e isso não sai barato.

O custo é dividido pela sociedade que não entende que aquele boleto de condomínio não pago e executado, aumenta a demanda para o Judiciário. A mentira na campanha, aumenta a demanda do Judiciário. A falta de articulação política, aumenta a demanda do Judiciário. O ativismo judicial que tantos gostam de criticar é um desdobramento da inoperância do Legislativo cuja coordenação política do Executivo tem falhado tão fortemente.

AUTORIA

COLETIVO LEGIS-ATIVO Projeto do Movimento Voto Consciente que reúne voluntariamente 20 cientistas políticos, em paridade absoluta de gênero espalhados por todas as regiões do país. As ações do coletivo envolvem a produção de textos analíticos e a apresentação, em parceria com organizações diversas, de podcasts.

O custo judicial da inoperância legislativa

A agenda conservadora no Congresso

Uma agenda conservadora está em curso no Congresso Nacional — Câmara dos Deputados e Senado Federal —, sob a alegação que a liberdade, a propriedade e a família estão sob risco no País. Sob esse pretexto, série de propostas e discussões têm ganhado destaque, que tem moldado o cenário político nacional.

Neuriberg Dias*

Entre os temas em destaque está a manutenção do veto que penalizava a disseminação de fake news. Este ponto, em particular, tem gerado debates acalorados, pois envolve diretamente a chamada liberdade de expressão e a responsabilidade pela veracidade das informações compartilhadas.

A penalidade para quem ocupa propriedades também figura na pauta, o que evidencia preocupação com a segurança e o direito à propriedade privada.

Outro tema é o fim das saídas temporárias de presos, popularmente conhecidas como “saidinhas”. A proposta visa endurecer o regime penal, argumentando-se que a concessão dessas saídas coloca a sociedade em risco.

Além disso, há discussão fervorosa sobre a redução das exigências para a posse de armas e a instalação de clubes de tiro, ponto que ressoa fortemente com a base eleitoral mais conservadora.

Ainda tramita proposta para regulamentar o direito à oposição da contribuição assistencial, que passa a depender da autorização do empregador, tem gerado debate acalorado sobre os reais impactos dessa medida na autonomia dos sindicatos e na liberdade dos trabalhadores.

Essas propostas, dentre outras, são amplamente apoiadas por bancadas de oposição e informais, como a agropecuária e a evangélica. A estratégia por trás dessa agenda não é apenas reação às decisões dos poderes Executivo e Judiciário para a defesa de valores e costumes, mas também movimento calculado para desviar a atenção das operações, delações e investigações que têm desgastado a imagem do líder do clã bolsonarista, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Essa agenda serve a 3 propósitos principais. O primeiro é minimizar a agenda positiva do governo atual, desviando o foco para questões controversas e polarizadoras.

Em segundo lugar, busca fortalecer o discurso das candidaturas conservadoras nas próximas eleições municipais, que pode consolidar base de apoio sólida em âmbito municipal.

Por último, mas não menos importante, ao pautar essas votações, visa atrair apoio político para as candidaturas às presidências da Câmara e do Senado, posições estratégicas para qualquer governo.

A agenda conservadora em andamento no Congresso Nacional não apenas evidencia período de tensão entre os poderes, mas também constitui estratégia política destinada a reposicionar as forças conservadoras no cenário político brasileiro.

Trata-se, pois, de esforço para reconfigurar o debate público, polarizar o eleitorado e consolidar bloco de poder, que possa ter influência significativa nas eleições de 2026.

(*) Jornalista, analista político e diretor de Documentação licenciado do Diap. É sócio-diretor da Contatos Assessoria Política.

DIAP

https://diap.org.br/index.php/noticias/artigos/91853-a-agenda-conservadora-no-congresso

O custo judicial da inoperância legislativa

LGPD e as relações de trabalho

Daniella Carmo

A LGPD, vigente desde 2020, regula a privacidade nas relações de trabalho. Muitas empresas ainda não se adequaram, apesar da necessidade de proteger dados desde o processo seletivo até a admissão, evitando discriminação e exigindo base legal para coleta de dados.

A LGPD iniciou sua vigência em 2020 atingindo as relações jurídicas, inclusive, as relações de trabalho, com a finalidade de regular a privacidade dos cidadãos, em especial, os empregados nas relações de trabalho.

Trata-se de uma lei de 2018 – lei 13.709/18 que, somente entrou em vigor, em 18/9/20, sendo as sanções administrativas aplicáveis a partir de 1/8/21, ou seja, já temos mais de dois anos de início da fiscalização.

Infelizmente a maioria das empresas, principalmente, as menores, ainda não se atentaram à imprescindibilidade da adequação e desconhecem que a relação de trabalho, antes de nascer, já pressupõe cuidados com a proteção de dados.

Já no processo seletivo deve haver a preocupação com os dados solicitados, uma vez que não pode haver indicativo para eventual ato discriminatório, como raça, orientação sexual, orientação política, orientação religiosa, entre outros.

No momento da admissão, mais uma vez, é necessário todo o cuidado com os dados coletados, a finalidade da coleta e a base legal autorizadora, não bastando o simples consentimento (que pode ser revogado a qualquer tempo pelo titular).

Durante o contrato de trabalho, dados pessoais sensíveis podem precisar ser coletados como exames de saúde e dados biométricos, e, mais uma vez existem parâmetros legais a serem seguidos.

A transparência e a finalidade para a captação e tratamento dos dados pessoais e pessoais sensíveis são requisitos legais que tem por objetivo estabelecer regras a serem observadas, assim como permitir que o titular do dado pessoal possa controlar as informações prestadas, inclusive, se manifestar sobre o tratamento dado.

Hoje, com mais frequência, tomamos ciência de vazamentos de grande volume de dados, como por exemplo, as ocorrências no Google, Meta e, recentemente, com o Ticketmaster, o qual ainda está sendo apurada a dimensão do vazamento.

A ANPD – Agência Nacional de Proteção de Dados vem, desde 2020, criando instruções normativas, catálogos, índices para suprir regulamentação específica que a legislação deixou a seu cargo, assim como a instauração de procedimento administrativo para apuração de vazamento de dados durante o seu tratamento ou seu compartilhamento e aplicação das sanções cabíveis.

Importante ressaltar que a aplicação de multa como sanção administrativa tem como base de cálculo o faturamento da empresa e não é a pior constante no rol da lei 13.709/18, tendo em vista que existe a possibilidade de sanção consubstanciada na publicização do vazamento que pode acarretar a perda de clientes e afetar a liquidez da empresa envolvida.

Certo é que o vazamento dos dados pessoais (sensíveis ou não) dos empregados de uma empresa pode resultar em indenização ao titular dos dados, seja por culpa direta do empregador, seja por culpa de eventual terceiro com quem tenha compartilhado os dados, em decorrência da responsabilidade solidária existente.

Por tais razões entre tantas outras, se torna indispensável a adequação da empresa à LGPD.

Daniella Carmo
Advogada especialista na Área Trabalhista do Gameiro Advogados.

Migalhas: https://www.migalhas.com.br/depeso/408729/lgpd-e-as-relacoes-de-trabalho

O custo judicial da inoperância legislativa

Mulher com nanismo terá aposentadoria por incapacidade permanente

Previdência

Decisão da Justiça Federal determinou que o INSS pague prestações vencidas entre a data do início do benefício e a data do início dos pagamentos.

Da Redação

O INSS deve conceder aposentadoria por incapacidade permanente a mulher que tem doença ortopédica agravada por nanismo. A decisão é do juiz Federal Guilherme Regueira Pitta, da 3ª vara de Umuarama/PR.

O juiz determinou ainda que sejam pagas as as prestações vencidas entre a data do início do benefício e a data do início dos pagamentos.

A autora da ação é portadora de nanismo, tem 54 anos, é autônoma e possui uma loja. Informou que é segurada da Previdência Social, mas sofre de problemas de saúde temporariamente incapacitante para as atividades laborais.

Em 2023, deu entrada ao seu primeiro pedido de auxílio doença, sendo este deferido sem necessidade de perícia. Alegou, contudo, que o requerimento aceito não comporta pedido de prorrogação, obrigando-a realizar novo requerimento.

Ao analisar o caso, o magistrado ressaltou que de acordo com o laudo pericial a parte autora possui dor em articulações, principalmente na coluna, bem como dificuldade para realizar esforços e só anda com bengalas.

Segundo a perícia, a autora da ação está incapacitada para as atividades laborativas por ser portadora de doença ortopédica agravada pelo nanismo, juntamente com artrose nas articulações dos joelhos, coluna e quadril, sendo inelegível para reabilitação profissional e com incapacidade por limite indeterminado, com sugestão de concessão de aposentadoria.

“Muito embora o juiz não esteja adstrito ao laudo, também é correto que ele não pode deixar de considerar que a definição da incapacidade é um critério médico (não-jurídico, não-sociológico)”, destacou o juiz.

Para ele, não é por outra razão que a Turma Nacional afirma que, com exceção da incapacidade parcial e da síndrome da imunodeficiência adquirida, “o julgador não é obrigado a analisar as condições pessoais e sociais quando não reconhece a incapacidade do requerente para a sua atividade habitual”.

Assim, acolheu as conclusões do laudo pericial para reconhecer a incapacidade permanente da autora.

Ainda de acordo com a sentença do juiz, a qualidade de segurado e a carência estão demonstradas, conforme comprovam o extrato de relações previdenciárias.

“Assim, estão reunidos os requisitos necessários ao restabelecimento do auxílio por incapacidade temporária desde a indevida cessação”, finalizou.

O tribunal não informou o número do processo.

Migalhas: https://www.migalhas.com.br/quentes/408690/mulher-com-nanismo-tera-aposentadoria-por-incapacidade-permanente

O custo judicial da inoperância legislativa

Discussões iniciais da 112ª Conferência Internacional do Trabalho

OPINIÃO

A Declaração de Filadélfia (1944) completou 80 anos no último 10 de maio. O instrumento foi aprovado, por unanimidade, durante a 20ª sessão da Conferência Internacional do Trabalho, realizada na Filadélfia (EUA) e foi considerado “como documento essencial na promoção da justiça social, dos direitos humanos e da solidariedade, pilares para a manutenção de uma paz duradoura”.

Além disso, deu um “novo impulso ao mandato social da Organização Internacional do Trabalho (OIT)” ao agregar “uma série de princípios fundamentais” [1] que ainda hoje norteiam o trabalho do organismo internacional. Em 1946, a declaração foi anexada à Constituição da OIT e, desde então, tem influenciado outros instrumentos internacionais, entre eles a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948).

Em seu preâmbulo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos reafirma o reconhecimento do progresso social e de melhores condições de vida como postulados de uma liberdade mais ampla, considerando a inter-relação entre igualdade, liberdade e trabalho. Nesse sentido, a declaração dispõe sobre o direito ao trabalho, inserindo a livre escolha do emprego, em condições justas e favoráveis, e a proteção em face do desemprego. Prevê, ainda, igual remuneração para igual trabalho, sem distinção (por motivo de sexo, raça ou nacionalidade) e o pagamento de remuneração justa e satisfatória, que assegure ao trabalhador, junto com a sua família, existência compatível com a dignidade humana e a inclusão de outros meios de proteção social (artigo 23) [2].

Trabalho decente

A Declaração de Filadélfia reafirmou o princípio de que a paz permanente só pode estar baseada na justiça social e estabeleceu quatro referenciais fundamentais, que constituem os valores e princípios básicos da Organização Internacional do Trabalho até hoje: que o trabalho deve ser fonte de dignidade; que o trabalho não é mercadoria; que a pobreza, em qualquer lugar, é uma ameaça à prosperidade de todos; e que todos os seres humanos têm o direito de perseguir o seu bem estar material em condições de liberdade e dignidade, segurança econômica e igualdade de oportunidades [3].

Entre os traços fundamentais do “Espírito de Filadélfia”, destaca-se a dignidade humana como inerente a todos os membros da família e base da liberdade, da justiça e da paz no mundo. Nesse contexto, “o princípio da dignidade obriga a ligar os imperativos da liberdade e da segurança”, não só a segurança física, mas também “a segurança econômica suficiente para liberar os seres humanos do terror e da miséria” [4].

Segundo a OIT, o conceito de trabalho decente [5] ou digno resume as aspirações do ser humano no domínio profissional e abrange vários elementos: oportunidades para realizar um trabalho produtivo com uma remuneração equitativa; segurança no local de trabalho e proteção social para as famílias; melhores perspectivas, desenvolvimento pessoal e integração social; liberdade para expressar as suas preocupações; organização e participação nas decisões que afetam as suas vidas; e igualdade de oportunidades e de tratamento para todas as mulheres e homens [6].

A dignidade no trabalho deve ser considerada como “mínimo ético irredutível”, assim como os direitos humanos internacionalmente reconhecidos [7], a fim de que mais pessoas possam se envolver na permanente (re)construção do mundo do trabalho com menos opressões, exploração e sem colonialismos. Há necessidade de maior engajamento nas lutas pela possibilidade de um mundo em que a acumulação do capital não esteja completamente desconectada do absoluto respeito à dignidade humana.

Conferência

Na abertura da 112ª Conferência Internacional do Trabalho, no último dia 3 de junho, em Genebra, o Diretor-Geral da OIT, Gilbert Hongbo, além de ter feito referência aos 80 anos da Declaração de Filadélfia, falou sobre a necessidade de renovação do “contrato social”, representado, resumidamente, pelo equilíbrio entre responsabilidades individuais e coletivas, para o alcance universal da justiça social, da liberdade, da dignidade, segurança econômica e igualdade de oportunidades. Com tais considerações, Hongbo destacou a relevância da noção consagrada na Declaração de Filadélfia, de que “a pobreza, em qualquer lugar, constitui perigo à prosperidade de todos”, o que eleva a importância da cooperação e da solidariedade internacionais na hora da abordagem da agenda comum. Os contratos sociais devem ser atualizados permanentemente, a fim de que a justiça social possa se tornar efetiva, com a garantia de trabalho decente para todas e todos, mesmo em tempos de mudanças constantes e desafiadoras. Nesse sentido, o diretor-geral da OIT defendeu que a justiça social e o trabalho decente são circulares para a elaboração de um contrato social eficaz e sustentável em escala nacional e mundial [8].

Objetivamente, a renovação do contrato social é centrada no respeito aos direitos humanos e aos princípios e direitos fundamentais no trabalho. Assim, devem os países reunir esforços para o combate ao trabalho infantil, sobretudo nas piores formas; para o combate ao trabalho escravo ou análogo à escravidão; para coibir todas as formas de violências e assédios no trabalho; prevenir os acidentes e doenças ocupacionais; não permitir discriminações e desigualdades, além de observar a liberdade sindical e o direito de negociação coletiva. Com a inclusão do meio ambiente de trabalho seguro e saudável como quinto princípio fundamental do trabalho, em 2022, Hongbo considera que houve a renovação de compromissos em torno de todos os princípios fundamentais, o que requer a intensificação de esforços para a ratificação universal de todas as Convenções fundamentais da OIT e contribui para a consolidação do novo contrato social [9].

Há preocupação mundial com os impactos da tecnologia e da inteligência artificial sobre os empregos e empresas e também com a exclusão nos países que não detém infraestrutura adequada, o que prejudica o alcance de iguais oportunidades. O contrato social prevê a garantia de proteção adequada aos trabalhadores, a fim de que a dignidade, inerente a toda pessoa humana, possa ser preservada, mesmo frente a opressões políticas e econômicas, pela proteção mais ampla dos direitos humanos e dos direitos fundamentais no trabalho [10].

CF/88

Todos esses valores e princípios foram completamente incorporados pela Constituição de 1988. Segundo os princípios e regras jurídicas previstas nas normas internacionais e na Constituição de 1988, o Direito do Trabalho deve regular a execução do trabalho digno, considerado como aquele protegido por “patamares civilizatórios mínimos”, de conteúdo “indisponível absoluto”. Assim, “na dinâmica das relações sociais”, as normas trabalhistas devem garantir que todo trabalho seja executado em condições dignas, afastando o trabalho escravizado, para “a defesa da centralidade do homem enquanto ser humano”, o que requer a proteção do direito fundamental ao trabalho digno e do direito fundamental de não ser escravizado, desconsiderando-se “a flexibilização e a desregulamentação de direitos” [11].

A Constituição de 1988, além de ter como fundamentos a “dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho e da livre iniciativa” (artigo 1º, III e IV), prevê como objetivos fundamentais a construção de uma “sociedade livre, justa e solidária” e a promoção do “bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outra forma de discriminação” (artigo 3º, I e IV).

As normas internacionais de direitos humanos também devem ser consideradas de forma concorrente e cumulativa, como complemento à legislação interna, para a aplicação da norma mais favorável à proteção da pessoa, face ao princípio pro homine aplicável no direito internacional.

Agenda 2030

O Brasil é um dos membros fundadores da OIT e deve observar, assim como os demais países-membros que integram a Organização das Nações Unidas- ONU, a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, que traça ações para a comunidade internacional (governos, setor privado e sociedade civil), divididas em 17 objetivos (ODS) e 169 metas. Um desses compromissos é o Objetivo 8,: “Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos”. O trabalho decente concretiza várias metas do citado diploma, destacando-se o item “8.8 – Proteger os direitos trabalhistas e promover ambientes de trabalho seguros e protegidos para todos os trabalhadores, incluindo os trabalhadores migrantes, em particular as mulheres migrantes, e pessoas em empregos precários” [12]. O trabalho decente está no centro de todas as discussões da OIT e da ONU para o desenvolvimento sustentável. O crescimento econômico deve incluir a criação de postos de trabalho em condições que permitam a respectiva execução com total liberdade, segurança e dignidade. Assim, prosseguem as discussões na 112ª Conferência Internacional do Trabalho, aguardando-se, com muita expectativa, o Fórum inaugural da Coalização Global pela Justiça Social, no próximo dia 13 de junho, que buscará “aumentar a cooperação multilateral e desempenhará um papel crucial na aceleração do progresso rumo à Agenda 2030 da ONU e à Agenda de Trabalho Decente”, sendo o Brasil um dos países signatários [13].


[1] Disponível em: <https://www.dgert.gov.pt/80-o-aniversario-da-declaracao-de-filadelfia> . Acesso em: 03 jun.2024.

[2] Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Declara%C3%A7%C3%A3o-Universal-dos-Direitos-Humanos/declaracao-universal-dos-direitos-humanos.html>. Acesso em 03 jun.2024.

[3] Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/content/hist%C3%B3ria>. Acesso em: 03 jun.2024.

[4] Ibid., p. 21-22.

[5] Em 1999, a OIT formalizou o conceito de trabalho decente, sintetizando a sua missão histórica de promover oportunidades para que homens e mulheres obtenham um trabalho produtivo e de qualidade, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humanas, sendo considerado condição fundamental para a superação da pobreza, a redução das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável. Disponível em: <http://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho-decente/lang–pt/index.htm>. Acesso em: 03 jun.2024.

[6] OIT: Origens, funcionamento e atividade, p. 12. Genebra: OIT. Disponível em: <http://www.ilo.org/public/ portugue/region/eurpro/lisbon/pdf/o_que_oit.pdf>. Acesso em: 03 jun.2024.

[7] PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 49.

[8] HONGBO, Gilbert. Hacia  um contrato social renovado: Conferencia Internacional del Trabajo, 112ª reunión 2024. OIT, Genebra, p. 7. Tradução da autora.

[9] Ibid., p. 14.

[10] Ibid., p. 18, 20.

[11] PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 194-195.

[12] Disponível em: <https://nacoesunidas.org/pos2015/ods8/>. Acesso em: 25 out.2020.

[13] Disponível em: <https://www.ilo.org/pt-pt/resource/news/governo-do-brasil-e-cni-unem-se-coalizao-global-pela-justica-social>. Acesso em: 03 jun.2024.

O custo judicial da inoperância legislativa

Trabalho externo e o pagamento de horas extras

PRÁTICA TRABALHISTA

Indubitavelmente, um dos assuntos mais constantes nos processos trabalhistas é a questão envolvendo o pagamento de horas extras. Isso porque a CLT possui alguns dispositivos que excluem do capítulo “jornada de trabalho” determinados trabalhadores em razão das atividades exercidas.

Dados estatísticos

De acordo como ranking de assuntos mais recorrentes na Justiça do Trabalho até abril de 2024, o tema “horas extras” encontra-se no quinto lugar, com aproximadamente 138.565 processos versando sobre o assunto [1], ao passo que a temática “duração do trabalho/horas extras” aparecia no 12º lugar, e, na 15ª posição, o ponto específico do “adicional de horas extras”.

À vista disso, muitas dúvidas e questionamentos aparecem no dia a dia das empresas e dos trabalhadores, afinal: é devido ou não o pagamento de horas extras para quem exerce atividade de forma externa? Existe um regramento especial para tais trabalhadores? E, mais, é possível a realização de negociação coletiva para as questões envolvendo jornada de trabalho?

Por certo, considerando as polêmicas sobre o assunto, a temática foi indicada por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista, da revista eletrônica Consultor Jurídico [2], razão pela qual agradecemos o contato.

Legislação

Do ponto vista normativo no Brasil, de um lado, o artigo 7º, XIII [3], da Constituição, preceitua que a duração normal do trabalho não poderá ultrapassar o limite de oito horas diárias e 44 semanais; lado outro, o inciso XXVI [4] do mesmo dispositivo legal, reconhece a plena validade dos instrumentos coletivos.

Spacca

De mais a mais, o artigo 62, I, da CLT [5], exclui do capítulo jornada de trabalho os trabalhadores que exercem atividades externas incompatíveis com a fixação de horário de trabalho, de sorte que tal situação deverá constar em CTPS. Já o artigo 611-A da norma celetista, incluído pela Lei Reforma Trabalhista, dispõe que a convenção e o acordo coletivo terão prevalência sobre a lei quando dispuser sobre intervalo para refeição e descanso e modalidade de registro de jornada de trabalho.

Tema 1.046 do STF

É sabido que a Suprema Corte fixou a seguinte tese vinculante no Tema 1.046 da Tabela de Repercussão Geral: “São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis”.

Ora, a limitação da jornada de trabalho é um direito constitucional garantido a todos os trabalhadores, e que mesmo em se tratando de jornada externa que, em regra, impossibilitaria o deferimento de horas extras, caso fique comprovado nos autos que o empregador detinha meios de realizar o controle do horário, a exceção prevista no artigo 62, I, da CLT, será afastada.

Lição de especialista

Oportunos são os ensinamentos de Marcelo Braghini [6]:

“Em síntese, a exigência do inciso I do artigo 62 da CLT quanto aos “empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho” não confere qualquer discricionariedade ou conveniência ao empregador, trata-se de uma presunção da impossibilidade na prática da implantação do referido controle, podendo ser afastada pelas condições de execução do próprio contrato de trabalho, mesmo porque o trabalho a distância não gera qualquer padrão inferior de proteção trabalhista (artigo 6º da CLT).

Diante do caráter excepcional do direito fundamental de limite de jornada de trabalho, apenas aferível pelo controle, compete ao empregador – dicção da Súmula nº 17 do TRT da 5ª Região, sem excluir a possibilidade do empregado – comprovar a presumível incompatibilidade de controle, e ao empregado que o controle era exercido efetivamente na realidade contratual, mesmo que por meios indiretos.

Sob esta perspectiva, registre-se que para a efetiva aplicação do artigo 62, I da CLT, deve-se analisar a existência ou não se fiscalização quanto à jornada de trabalho e a compatibilidade de tal circunstância com a função exercida pelo empregado, de sorte que havendo fiscalização do empregador durante o trabalho exercido externamente no que se referem aos horários, não há falar, em tese, em aplicação da norma celetista.

Controle indireto

É certo que se o controle da jornada for feito por meios indiretos, tal comportamento empresarial poderá ensejar o pagamento das horas extraordinárias. Vale dizer, ainda que o trabalho seja realizado fora das dependências do empregador, se houver meios efetivos para a fiscalização do horário, não há que se falar em ausência de controle de jornada.

Spacca

A título de exemplo, pode-se mencionar o comparecimento diário na empresa no início e no final da jornada; o controle por meio de rastreadores via satélite; o acesso ao computador por meio do login e do logout; o uso de aplicativos de mensagens, dentre tantos outros meios digitais. A propósito, nos dias de hoje, em razão dos avanços tecnológicos, não há dúvidas da possibilidade cada vez maior desse tipo de fiscalização.

Entrementes, não obstante a matéria envolvendo o trabalho externo e o pagamento de horas já tenha sido demasiadamente debatida no âmbito da Justiça do Trabalho, outra discussão que passou a ser levada ao Judiciário foi se o fato de haver a negociação coletiva sobre a jornada de trabalho, nos moldes de que a tese fixada pelo Pretório Excelso no Tema 1.046 afastaria, em tese, o pagamento das horas extras em caso de jornada externa.

Jurisprudência

A esse respeito, a Corte Superior Trabalhista já foi provocada a emitir juízo de valor acerca deste ponto controvertido, de modo que o entendimento caminhou no sentido de que havendo a possibilidade do controle do horário, ainda que que seja tal questão esteja pactuada via norma coletiva, o pagamento das horas extras será devido, ou seja, o tribunal fez um distinguishing para embasar a sua decisão [7].

Em seu voto, a ministra relatora ponderou:

“Retomando a fundamentação assentada no voto do Ministro Gilmar Mendes, relator no Tema 1.046, verifica-se que lá foi consignado que as normas coletivas que dispõe sobre jornadas de trabalho ‘devem respeitar balizas fixadas pela legislação e pela própria jurisprudência trabalhista’. O art. 62, I, da CLT dispõe que não são abrangidos pelo Capítulo III (DA DURAÇÃO DO TRABALHO) ‘os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados’. Portanto, sendo compatível o controle de jornada, ou havendo o próprio controle de jornada, os trabalhadores em atividade externa devem observar a jornada máxima e têm direito ao pagamento de horas extras quando for o caso”.

Sob este enfoque, verifica-se que, sem adentrar nos planos de existência e de validade da norma, o TST entendeu que o instrumento coletivo não poderá determinar inicialmente se há ou não possibilidade de fiscalização da jornada, de sorte que tal análise será feita na casuística, a partir das premissas fáticas. E sendo assim, o debate não se resolve pela prevalência do negociado sobre o legislado, mas pela constatação da sua não aplicação ao caso concreto, quando se verificar o uso controle de horário para quem, segundo a lei, deveria ser excluído, como ocorre com o trabalhador externo.

Conclusão

Em arremate, uma vez constatada a efetiva viabilidade do controle de jornada, ainda que por meios indiretos, o empregador poderá ser condenado ao pagamento de horas extras, sendo afastada a aplicação do artigo 62, I, da CLT. Logo, é preciso ter cautela e verificar se o caso concreto atrai a incidência da tese vinculante firmada no Tema 1.046 do STF da Tabela de Repercussão Geral, até porque a parte trabalhadora nem sempre estará enquadrada necessariamente no modelo padrão previsto na norma coletiva.


[1] Disponível em https://tst.jus.br/web/estatistica/jt/assuntos-mais-recorrentes. Acesso em 4.6.2024.

[2] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[3] CF, Art. 7º (…). XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

[4] CF, Art. 7º (…). XXVI – reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho.

[5] CLT, Art. 62 – Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo: I – os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados;

[6] Direito do trabalho e processo do trabalho em volume único – 2. Ed. – Leme-SP: Mizuno, 2022. Página 409/410.

[7] Disponível em https://consultaprocessual.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=881&digitoTst=23&anoTst=2020&orgaoTst=5&tribunalTst=06&varaTst=0312&submit=Consultar . Acesso em 4/6/2024.

  • é professor, advogado, parecerista e consultor trabalhista, sócio fundador de Calcini Advogados, com atuação estratégica e especializada nos tribunais (TRTs, TST e STF), docente da pós-graduação em Direito do Trabalho do Insper, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do comitê técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD), pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (Ius Gentium Coninbrigae), da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho, da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

    CONJUR

    https://www.conjur.com.br/2024-jun-06/trabalho-externo-e-o-pagamento-de-horas-extras/