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JUSTIÇA SOCIAL

Para que servem os sindicatos no século XXI?

Para que servem os sindicatos no século XXI?

Ainda inédita no Brasil, obra analisa o papel do sindicalismo, hoje, num mundo em crise. Como podem dar impulso à inovações, e resgatar seu papel de contrapoder? Quais os caminhos para formular uma nova regulação do trabalho, incluindo precarizados?

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Há múltiplas transformações que promovem transições das realidades econômica, social, política e cultural e que impactam a vida presente e futura da classe trabalhadora e da organização sindical.

Essas transformações podem ser caracterizadas por cinco transições estruturais, a saber: a transição tecnológica e digital, com destaque para a robótica, a inteligência artificial, os novos materiais e a biotecnologia; a transição demográfica, que indica um rápido envelhecimento porque a população vive mais e tem menos filhos; a transição ambiental e climática, com a poluição do meio ambiente e o aquecimento do clima pelo efeito dos gazes estufa; a transição política, com a fragilização das democracias, o crescimento da extrema-direita, os ataques ao Estado Democráticos de Direito e a liberdade; a transição de regulação e do valor político do trabalho, moldada pela desregulamentação trabalhista, pelas iniciativas para enfraquecer os sindicatos e pelo individualismo exacerbado.

O sindicalismo é o maior movimento organizado da sociedade civil no mundo e desempenhou ao longo dos dois últimos séculos um papel essencial para a promoção dos direitos trabalhistas, da qualidade dos empregos, do crescimento dos salários e a promoção e defesa da democracia e de suas instituições. Continuamos desafiados à cumprir essa missão histórica em um novo contexto econômico, social, político e cultural.

Refletir sobre esse desafio sindical é o que realiza o jurista e assessor do movimento sindical espanhol, Antonio Baylos, no livro “¿Para qué sirve un sindicato? Instrucciones de uso1. Em um contexto de crise do trabalho assalariado, avanço do neoliberalismo, precarização e individualização das relações laborais, questionar a razão de ser do sindicato é, além de um exercício analítico, uma necessidade histórica. Este artigo apresenta cinco eixos fundamentais desenvolvidos por Baylos, que ajudam a compreender a relevância do sindicato diante das transições que ocorrem no mundo contemporâneo.

O sindicato como pilar da democracia

Os sindicatos são expressões organizativas autônomas da classe trabalhadora e cumprem um papel essencial na consolidação de regimes democráticos. A democracia se realiza nas urnas, nos parlamentos, nos governos, nos espaços de participação social. Mas a democracia também se realiza e se fortalece a partir dos locais de trabalho e nas lutas que a classe trabalhadora promove. O sindicato é o instrumento que permite aos trabalhadores exercerem sua cidadania social, lutando por condições dignas de trabalho, emprego de qualidade, melhores salários, proteção social e previdenciária, igualdade de oportunidades e participação.

Nesse sentido, para Baylos, o sindicato não é uma peça acessória da democracia, mas um de seus fundamentos. A sua existência fortalece os mecanismos de deliberação social, amplia o controle popular sobre as decisões econômicas e aprofunda a dimensão cidadã do sistema democrático. Em contextos de autoritarismo, os sindicatos são também espaços de resistência e defesa das liberdades civis e políticas.

Sindicato como contrapoder social

Outro aspecto que Baylos enfatiza é que os sindicatos têm uma função central de contrapoder frente à hegemonia do capital nas relações de trabalho. Em uma sociedade estruturalmente desigual, em que os patrões concentram poder econômico e institucional, os trabalhadores só conseguem defender seus interesses através da ação coletiva. O sindicato é o veículo desse contrapoder porque articula, mobiliza, organiza, representa e negocia.

Esse contrapoder não é apenas reativo, mas propositivo. Os sindicatos atuam na construção de alternativas, na formulação de propostas de regulação social do trabalho, na intervenção sobre a política econômica, na defesa de direitos sociais amplos e de políticas públicas universais. Baylos reafirma que o sindicato deve ser um sujeito político transformador, com projeto próprio e autonomia diante de governos e partidos.

Negociação coletiva como direito fundamental

Um dos pontos centrais do pensamento de Baylos é a afirmação da negociação coletiva como um direito fundamental dos trabalhadores. Trata-se de uma dimensão inalienável da autonomia sindical, reconhecida por convenções da OIT – Organização Internacional do Trabalho e constituições democráticas. A negociação coletiva é o meio através do qual os trabalhadores participam da regulação das condições de trabalho, dos salários, dos tempos de descanso e das formas de organização produtiva.

Sem negociação coletiva, o trabalho é regulado exclusivamente pelo poder unilateral do empregador ou pela legislação, que muitas vezes sofre pressões para ser flexibilizada. A negociação coletiva democratiza o local de trabalho, cria equilíbrio de forças, e permite adaptar normas gerais a condições setoriais e locais. Sua existência efetiva exige organização sindical forte, legislação protetiva e respeito institucional.

Representar todos os trabalhadores

A diversidade de formas de ocupação (assalariados com e sem carteira assinada; servidores estatutários; conta-própria, autônomos e trabalhadores independentes; cooperados; trabalhadores domésticos; trabalhadores de cuidados; pejotizados, microempreendedores individuais, entre outras) é um desafio estratégico a ser enfrentado pelo sindicalismo. Por isso, Baylos faz uma crítica contundente aos modelos sindicais excludentes, que representam apenas setores estáveis e com contratos protegidos. Para ele, o sindicato do século XXI precisa ampliar sua base de representação, incluindo trabalhadores precários, informais, autônomos dependentes, imigrantes e jovens.

Essa ampliação exige novas formas organizativas, linguagem acessível, escuta ativa e capacidade de intervenção nos novos espaços de trabalho (plataformas digitais, cadeias produtivas fragmentadas, cooperativas etc.). O sindicato precisa ser um instrumento de inclusão social e laboral, contribuindo para reduzir desigualdades e democratizar o acesso a direitos.

Enfrentar os desafios contemporâneos

O sindicalismo vive desafios globais: queda na densidade sindical e na sindicalização, fragmentação da classe trabalhadora e das formas de representação (categorias mais fracionadas e sindicato por empresa), ofensiva neoliberal para flexibilizar direitos trabalhistas e sociais. Baylos analisa esses desafios e, principalmente, aponta caminhos para enfrentá-los, com destaque para:

  • O combate à “uberização” e à falsa autonomia dos trabalhadores de plataforma;
  • A resistência à desregulamentação e à precarização do trabalho;
  • A necessidade de revitalizar os espaços de negociação coletiva;
  • A articulação com outros movimentos sociais e ambientais;
  • A reinvenção das práticas de base, com foco na escuta e no cuidado.

O autor propõe investir em “nova cultura sindical”, baseada na democracia interna, na participação ativa dos filiados e na construção de alianças sociais amplas. Para Baylos, o sindicato continua sendo uma ferramenta essencial da luta por justiça social, desde que saiba se renovar sem perder sua identidade de classe.

Considerações finais

“Para que serve um sindicato?” não é apenas uma pergunta retórica. Em tempos de retrocessos sociais, de mercantilização da vida e de ataque aos direitos trabalhistas e sindicais, responder a essa pergunta é um ato de resistência e de ousadia política. Antonio Baylos oferece reflexões críticas e inspiradoras. Ele mostra que o sindicato é mais do que um instrumento de defesa: é uma escola de democracia, um agente de transformação social, um contrapoder imprescindível para que a igualdade deixe de ser uma promessa e se torne uma realidade concreta.

1 “¿Para qué sirve un sindicato? Instrucciones de uso”, Antonio Baylos, Los Libros de la Catarata Editora, 192 páginas, 2021. Disponível aqui

Para que servem os sindicatos no século XXI?

Brics acelera criação de ‘Pix Global’ para países-membros e aumenta tensão com EUA

O Brics está acelerando a implementação do Brics Pay, um sistema de liquidação financeira que promete reduzir a dependência do dólar nas transações entre países do bloco — formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, além de novos integrantes como Egito, Etiópia, Irã e Emirados Árabes Unidos.

O projeto, apelidado de “Pix Global”, permitirá transferências rápidas, com menor custo e risco, entre os países-membros. Embora não se trate de uma moeda única, a iniciativa prevê o uso de tecnologias como blockchain, QR codes, carteiras digitais e canais de comunicação entre bancos centrais para agilizar e baratear as operações.

Na 16ª Cúpula do bloco, realizada em outubro de 2024, na Rússia, o avanço do sistema foi destacado como parte de uma estratégia de integração econômica e de fortalecimento da autonomia financeira. O ponto central, porém, preocupa Washington: as transações poderão ser feitas sem a intermediação do dólar.

Trump e os Brics

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, já se manifestou contra iniciativas do tipo, classificando o Brics como “grupo antiamericano” e ameaçando impor tarifas de 10% sobre importações de países alinhados ao bloco. O governo norte-americano também elevou para 50% as tarifas sobre produtos brasileiros e abriu investigação sobre o Pix, acusando-o de discriminar empresas dos EUA.

Para Trump, reduzir o papel do dólar no comércio internacional representa risco direto à supremacia econômica norte-americana. Especialistas apontam que a disputa em torno do Brics Pay é mais um capítulo da crescente rivalidade entre potências emergentes e os EUA no tabuleiro geopolítico global.

Tecnologia blockchain como base

A plataforma BRICS Pay utiliza o Decentralized Cross-border Messaging System (DCMS), desenvolvido pela Universidade Estatal de São Petersburgo. Essa tecnologia permite transações seguras e rápidas, com capacidade de processar até 20 mil mensagens por segundo. Diferentemente do sistema SWIFT, controlado por bancos ocidentais, o BRICS Pay opera sem um controlador central, garantindo maior independência.

Características do DCMS:

  • Operação descentralizada, com cada país gerenciando seu próprio nó.
  • Alta segurança com múltiplos protocolos de criptografia.
  • Código aberto após a fase de testes, sem tarifas obrigatórias.
  • Capacidade de operar mesmo sem conexão direta entre usuários.

escolha da tecnologia blockchain reflete a prioridade do bloco em criar um sistema moderno e resistente a interferências externas. A Rússia, que enfrenta sanções desde 2022, e a China, que busca internacionalizar o yuan, lideram os testes iniciais, com transações bilaterais em moedas locais.

No Brasil, a adesão ao BRICS Pay é vista como uma oportunidade para expandir exportações, especialmente no agronegócio, mineração e energia. Setores que hoje dependem do dólar para transações com China e Índia poderiam se beneficiar de conversões diretas em yuan ou rúpias, reduzindo perdas cambiais. O professor da Universidade Federal Fluminense, Marco Aurélio dos Santos Sanfins, destaca que o sistema pode minimizar os impactos de sanções econômicas externas.

Integração com sistemas nacionais

A viabilidade do BRICS Pay depende da integração de sistemas de pagamento instantâneo já existentes nos países membros. Além do Pix, o bloco planeja conectar o SBP russo, o UPI indiano, o IBPS chinês e o PayShap sul-africano. Essa interoperabilidade é um desafio técnico, mas especialistas acreditam que a digitalização das moedas nacionais, como o Drex no Brasil, pode facilitar o processo.

Sistemas de pagamento dos BRICS:

  • Pix (Brasil): Transferências instantâneas com 227 milhões de transações diárias em setembro de 2025.
  • SBP (Rússia): Permite transferências com número de telefone, usado por mais de 200 instituições.
  • UPI (Índia): Interface unificada com forte adesão desde 2010.
  • IBPS (China): Suporta transferências em yuan via múltiplos canais.

A integração desses sistemas visa criar uma rede ágil e eficiente, capaz de processar transações em tempo real. O Brasil, que assume a presidência rotativa do BRICS em 2026, planeja liderar os esforços para superar barreiras técnicas e tributárias.

O BRICS Pay promete transformar o comércio global ao reduzir custos e aumentar a competitividade. Para o Brasil, a plataforma pode abrir novos mercados, como Emirados Árabes Unidos e Irã, que demandam alimentos e combustíveis. A eliminação da conversão para o dólar pode baratear exportações e atrair investimentos.

Economistas projetam que, até 2030, o sistema movimente centenas de bilhões de dólares em transações anuais, desafiando o SWIFT. A iniciativa também fortalece o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), que planeja criar uma linha de garantia multilateral para reduzir riscos em operações financeiras.

Futuro do comércio global

O BRICS Pay representa uma mudança significativa na lógica do comércio internacional. Ao reduzir a dependência do dólar, o bloco busca maior estabilidade e resiliência em um cenário de tensões geopolíticas. A plataforma pode atrair novos membros, como a Arábia Saudita, que está em processo de adesão, ampliando seu alcance.

Para o Brasil, o sistema oferece a chance de fortalecer laços econômicos com parceiros do Sul Global, reduzindo custos e aumentando a competitividade. A longo prazo, o BRICS Pay pode redefinir as relações comerciais, promovendo um sistema financeiro mais multipolar.

ICL NOTÍCIAS

https://iclnoticias.com.br/economia/brics-pix-global-pagamentos-tensao-eua/

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Inteligência Artificial (de)generativa e jornada 6×1

Na era da expansão dos algoritmos e da Inteligência Artificial (IA), qualquer previsão sobre o futuro do trabalho corre o risco de ser mais um embuste. Impulsionada pela financeirização do capital, a IA é explícita em seu objetivo: transferir para as máquinas inteligentes tudo que hoje é realizado pelo trabalho humano. Alguém poderia dizer: mas isso não é bom? Não teremos trabalhos mais qualificados, mais “criativos”, vivenciando um mundo laborativo mais humano e mais tempo de vida?

A resposta está nas atividades que se expandem nas sombras da IA, com seus microtrabalhos ultraprecarizados, especialmente (mas não só) no Sul Global. Realizando jornadas ilimitadas, excluídos de todos os direitos do trabalho, recebendo níveis de remuneração indigentes, de modo a gerar informações para a IA. E quem encontra trabalho nas startups está experimentando uma “invenção” chinesa (o S-996): jornadas das 9 da manhã às 9 da noite, 6 dias de trabalho, totalizando 72 horas semanais. Eis os novos experimentos que se expandem neste admirável mundo do trabalho na era da IA.

A síntese é límpida: eliminação de trabalho vivo, em uma gama enorme de atividades, substituídos pelo trabalho morto, como se vê na ciberindústria. Mas, atenção, há luz no fim do túnel para os descartáveis e os supérfluos: sobreviver por meio do trabalho uberizado, que se expande globalmente nas plataformas digitais. Plataformas que se utilizam do mito do “empreendedorismo” visando proletarizar ao limite, mas se recusando a reconhecer a condição de assalariamento; impondo, através do “comando invisível dos algorítmicos”, jornadas prolongadas, além de vedar peremptoriamente qualquer forma de proteção do trabalho. Tendência que defini, em O Privilégio da Servidão, como nova era de escravidão digital (Boitempo, 2020). E que os CEOs, esses novos predadores digitais, consideram como sendo “moderna”.

Um aparente paradoxo aflora, e um novo espectro se avizinha: com a expansão celerada da IA generativa, sem controle e sem regulamentação, estamos presenciando, em plena era digital, a retomada de modalidades pretéritas de trabalho, pautadas pela trípode exploração, expropriação e espoliação, vigente no início da Revolução Industrial. O crowdsourcing, hoje, é uma variante digital e algorítmica do velho outsourcing, no qual homens, mulheres e crianças trabalhavam à margem da legislação protetora do trabalho, com jornadas ilimitadas e condições de trabalho desumanas.[1]

Estamos, então, frente à IA generativa? Ou adentramos perigosamente na fase da IA degenerativa, concebida e plasmadapelo sistema de metabolismo antissocial do capital?

Sabemos que a tecnologia foi, desde sua gênese, resultado da inventividade humana, que nasceu com o primeiro microcosmo familiar. Com o advento do capitalismo, a tecnologia foi se metamorfoseando e adequando ao modus operandi do capital. Toda “inovação” é para de fato valorizar mais e, assim, acumular muito mais!

Podemos assim vaticinar o resultado em relação ao trabalho: um novo espectro ronda o mundo do trabalho, o espectro da uberização. Mas erra quem pensa que não há resistência.

6X1: 6 pontos contra e nenhum a favor

Foi durante a campanha eleitoral de 2024 que nasceu o movimento VAT/Vida Além do Trabalho, contra a jornada 6X1, contemplando dimensões centrais da vida cotidiana,  que resumo a seguir: 1) a redução da jornada de trabalho se configura como uma ação central da classe trabalhadora para minimizar a lógica destrutiva do capital, uma vez que acarreta, de imediato, a redução do desemprego; 2) constituiu-se em antídoto real à exploração, tanto absoluta como relativa do trabalho, como no início da Revolução Industrial (com o ludismo); 3) opõe-se, em alguma medida, ao despotismo fabril das eras taylorista/fordista e toyotista e, hoje, ao trabalho uberizado. Vale recordar o excepcional breque dos apps, de 31 de março e 1 de abril (dia da mentira) de 2025, contra o despotismo algorítmico, mais invisível, mais interiorizado, que invade sorrateiramente nossa vida e nosso trabalho; 4) lutar contra o 6×1 possibilita também vislumbrar outro ponto crucial: uma vida desprovida de sentido no trabalho é incompatível com uma vida cheia de sentido fora do trabalho[2]; 5) o que nos leva a sonhar com o fim das barreiras entre tempo de trabalho e tempo livre e, ancorados em outra forma radicalmente distinta de IA, vislumbrar uma nova sociabilidade emancipada, autodeterminada, com indivíduos livremente associados, fora dos constrangimentos do capital;6) por fim, ao lutar pela redução da jornada, poderemos indagar: produzir o quê? E para quem?

Assim, o mundo do trabalho se entrelaça, decisivamente, com outro imperativo crucial de nosso tempo: impedir a destruição da natureza, como nossos povos originários nos ensinaram.


[1] Ver Icebergs à Deriva: o trabalho nas plataformas digitais (Antunes, R., Organizador, Boitempo, 2023) e Uberização, Trabalho Digital e Indústria 4.0 (Antunes, R., Organizador Boitempo).

[2] Ver Os Sentidos do Trabalho, edição especial de 25 anos (Boitempo, 2025), particularmente o capítulo X.

Ricardo Antunes é professor titular de sociologia na Unicamp e autor de livros publicados em 14 países, dentre os quais estão O privilégio da servidão, Os sentidos do trabalho e Adeus ao trabalho? Foi professor visitante na Universidade Ca’ Foscari em Veneza, na Universidade de Coimbra e Visiting Research Fellow na Universidade de Sussex. Recebeu recentemente o título de Doutor Honoris Causa na Universidade Nacional de Rosário na Argentina (junho de 2025).

DM TEM DEBATE

https://www.dmtemdebate.com.br/inteligencia-artificial-degenerativa-e-jornada-6×1/

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Super-ricos e aumento de sua tributação: questão de justiça social

Leio no site Outras Palavras. Um artigo de Simon Kuper. Idéias que acho interessantes e repasso aprofundando tópicos. O tema é a compreensão da contribuição dos super-ricos para o desenvolvimento. Sua tributação e seu patrimônio são compatíveis?

Uma escola de pós-graduação fundada em 2006, a Escola de Economia de Paris. Faz estudos aprofundados sobre o tema. Criada por Esther Duflo, Prêmio Nobel de Economia em 2019, e o famoso economista Thomas Piketty. Dedica-se a entender como as desigualdades devem ser minoradas nas economias capitalistas. Não só entender, também propor alternativas.

Gabriel Zucman e sua equipe têm um objetivo bem definido. Compreender se a criação de impostos elevados para os mais abastados é possível e benéfica. Será que ela não pode levar a uma evasão desses privilegiados para países em que as taxas sejam mais convidativas?

Partem de uma constatação, evidente em todos os países capitalistas: “os super-ricos pagam menos impostos proporcionalmente ao seu patrimônio e renda do que as pessoas comuns.”

Analisando diferentes economias, mostram que não é fácil chegar à compreensão do que efetivamente os mais ricos realmente contribuem para o erário publico através de tributação.

Eles declaram “modestos” rendimentos, na medida em que seu patrimônio sempre se concentra numa muito expressiva carteira acionária, da qual não retiram os rendimentos, por não precisarem, que se avolumam, reaplicando os dividendos não tributáveis no crescimento de suas carteiras de ações. Isso só faz crescer seu patrimônio a taxas muito significativas.

Piketty e sua equipe criaram uma base estatística que pode ajudar na análise dessa realidade, a Base de Dados de Desigualdade Mundial- WID. Ela mostra grande concentração de renda em países como a África do Sul e mesmo o Brasil. Países em que o 1% mais rico chega a ter mais da metade da renda nacional.

Zucman, aluno de Piketty, prova, por exemplo, que, nos países que estudou, enquanto a alíquota média efetiva de imposto de renda era de mais de 30%, para os assalariados, a dos mais ricos ficava no entorno de 20%. Uma brutal desproporcionalidade e injustiça social.

No Brasil, mais alarmante, quase metade da arrecadação de impostos vem da tributação do consumo, o que, proporcionalmente, afeta muito mais as classes assalariadas e subempregadas que têm sua renda fortemente comprometida com este item. Bem diferente da dos super-ricos, os quais têm parcela bem reduzida nesse tópico de composição da alocação de sua renda.

Com esse quadro descrito, o artigo parte para analisar se a solução seria taxar as classes mais ricas. Reconhece a possibilidade de evasão de capitais para outros países ou paraísos fiscais, além de ter consciência de artimanhas fiscais que podem ser realizadas em detrimento da tributação normatizada, mas insistem, no que são plenamente coerentes, na justiça social que daí pode advir.

A proposta é de que deveria ser instituída uma taxação anual de 2% sobre a riqueza desses super-ricos. Descontando o que já pagam, seria cobrado o restante, em geral, valor bem significativo. Uma taxa de caráter internacional, o que evitaria o desvio advindo de guerra fiscal entre países para atração de capitais.

Há uma visão internacionalista. Para evitar evasão de investimentos, propõe-se, também, que esse tributo possa ser cobrado em qualquer país que o afortunado bilionário tiver investimentos, mesmo que não seja o país sede de sua fortuna, além de uma taxa adicional bastante elevada para a saída de capitais, em qualquer forma imaginada ou mecanismo idealizado.

Mais, para evitar a instabilidade e “passeio” dos capitais, uma taxa alta seria cobrada para saída de capitais especulativos dos países potencialmente afetados. Isso visa evitar a excessiva flutuação na esfera produtiva e incentivaria o replicar de recursos na área da produção.

Alertam que como a valorização do patrimônio dos mais abastados tem ficado sempre perto dos 7% ao ano, a taxa de 2% seria modesta e conservadora, podendo ter como resultado, inclusive, um crescimento da participação na renda dos poucos que podem se enquadrar nessa categoria de biliardários.

Evidentemente, teria que ser definido o que é ser super rico. Eles propõem que só pagariam este imposto aqueles que tivessem um crescimento do patrimônio acima de 5 milhões de euros por ano, nível bastante alto.

No Brasil, o Ministério da Fazenda tem proposto uma taxação extra para todos aqueles que tiverem uma renda média acima de 1 milhão de reais por ano, o que é bem razoável. Também, propõe, para evitar distorções daqueles que apenas entesouram os rendimentos, voltar a ter uma taxação dos dividendos que forem distribuídos por ações.

Não está no artigo, mas me atrevo a fazer algumas especulações tendo por base um relatório da OXFAM – Oxford Committee for Famine Relief.

Os 1% mais ricos do mundo detém aproximadamente 45% da riqueza global. Em uma década acumularam, apenas com o rendimento de seus investimentos e aplicações, cerca de 34 trilhões de dólares. Pegando apenas os quatro maiores , Elon Musk, Larry Ellison, Mark Zeckerberg e Jeff Bezos, em 2025, eles têm patrimônio acima de um trilhão e duzentos bilhões de dólares, quantia inimaginável. Ou seja, a riqueza está altamente concentrada nas mãos de cerca de 70 milhões de habitantes ricos, nem todos super, num mundo de mais de 8 bilhões de indivíduos.

Lembrando que cerca de 4 bilhões de pessoas vivem com renda inferior a 10 dólares por dia, esses recursos gerados e concentrados nas mãos dos super-ricos, se passassem para um Fundo Mundial, um percentual pequeno da arrecadação adicional prevista, poderiam resolver os problemas de fome e exclusão de quase a totalidade dos marginalizados. Dariam dignidade de vida para toda a humanidade.

Se fosse criado esse Fundo, com esses recursos adicionais gerados com a taxação anual de parcela não excessiva do concentrado na mão dos super-ricos, ter-se-ia um mundo menos cruel para um grande contingente de pessoas que vivem como párias na nossa sociedade.

Extinguir a fome e a miséria e evitar as barreiras discriminatórias de populações afetadas, o objetivo, um Fundo com Gestão e Controle de entidade supranacional, voltando a dar significado à existência de uma estrutura como as Nações Unidas, por exemplo, hoje totalmente desacreditada. Seria a principal meta para os próximos anos, um planeta com respeito à dignidade humana.

Em sínteses, fundamental taxar os super-ricos, ter a noção de que há um problema mundial a ser resolvido, de que essa taxação deve ser gerenciada em prol dos mais desfavorecidos da humanidade, de que temos condições concretas de resolver a fome e a exclusão humana em escala mundial, deveriam ser objetivos a serem assumidos e realmente implantados por uma entidade supranacional a ser melhor estruturada.

Sonho de um mundo em que a fraternidade seria o motivo principal das políticas públicas, não os interesses mesquinhos e individuais daqueles que por ganância apenas entesouram. Pode ser até que os super-ricos consigam mais paz de espírito e apaziguem suas mentes. Será?

Abraham B. Sicsú é professor aposentado do Departamento de Engenharia de Produção da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e pesquisador aposentado da Fundaj (Fundação Joaquim Nabuco)

DM TEM DEBATE

https://www.dmtemdebate.com.br/super-ricos-e-aumento-de-sua-tributacao-questao-de-justica-social/

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BNDES suspende verba de obra no MT com maior resgate de escravizados do ano

O BNDES  (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) suspendeu um financiamento de R$ 500 milhões à Três Tentos Agroindustrial após o resgate de 563 trabalhadores submetidos a condições análogas às de escravo no canteiro de obras de  uma usina de etanol de milho da companhia, em Porto Alegre do Norte (MT). A operação deflagrada foi o maior resgate do ano.

A obra contou com o investimento do BNDES e de recursos públicos do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, o chamado Fundo Clima. Vinculado ao MMA (Ministério do Meio do Ambiente), ele foi criado para apoiar empreendimentos que promovam a redução dos efeitos das mudanças climáticas.

Após questionamento da Repórter Brasil, o banco de fomento informou que notificou a Três Tentos a prestar esclarecimentos sobre o caso e decidiu suspender os recursos “até que as informações sejam apuradas”. O MMA confirmou a suspensão. Confira as notas completas dos órgãos aqui.

A construção da usina para ampliar a capacidade de produção do biocombustível da Três Tentos estava sendo realizada pela TAO Construtora, responsabilizada pelas condições impostas à mão de obra na operação conduzida por MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), MPT (Ministério Público do Trabalho) e Polícia Federal. Os trabalhadores dormiam em alojamentos precários, sem água e energia elétrica, com banheiros sujos, quartos superlotados e sem ventilação. Queixas sobre a má qualidade da alimentação também foram registradas.

Revoltados com a situação, os trabalhadores provocaram um incêndio no canteiro de obras da usina.

Além das condições degradantes, a fiscalização apontou a existência de servidão por dívida. Também foram levantados indícios de tráfico de pessoas, com aliciamento de operários em estados das regiões Norte e Nordeste.

O Ministério Público do Trabalho informou que está negociando um TAC (Termo de Ajuste de Conduta) com a empresa.

Em nota à Repórter Brasil, a Três Tentos afirmou que está acompanhando o caso  e avaliando “medidas cabíveis”. “Prezamos pela dignidade de todas as pessoas envolvidas em nossas operações, sejam elas diretas ou indiretas. Práticas que violem os direitos humanos e trabalhistas são incompatíveis com os valores da companhia”, diz a nota. Leia a manifestação completa aqui.

Após o anúncio da suspensão do financiamento pelo BNDES, a assessoria de imprensa da Três Tentos foi novamente questionada pela reportagem. Porém, até o fechamento desta matéria, não houve retorno.

Em nota, a TAO afirma que o incêndio foi criminoso e provocado por um “grupo isolado de trabalhadores”, e diz que vem colaborando com as autoridades. Assinado pela direção da empresa, o texto não comenta as condições degradantes apontadas pelas autoridades, como a falta d’água e o uso de água de rio no alojamento, mas diz ter compromisso com o direito dos trabalhadores. “A TAO Construtora repudia veementemente qualquer prática análoga à escravidão ou tráfico de pessoas”. Veja a nota na íntegra aqui.

Financiamento verde

Quando o contrato com a Três Tentos foi celebrado, em novembro de 2024, o BNDES divulgou o investimento como uma iniciativa para reduzir a emissão de gases de efeito estufa, em diálogo com as políticas climáticas do governo federal.

O financiamento foi feito na modalidade “reembolsável”. O contrato prevê a devolução do valor, a partir de condições de pagamento previamente acordadas com o banco, e tem como objetivos a implantação de uma usina geradora de energia elétrica a partir de biomassa, além da ampliação da capacidade de produção da planta da Três Tentos. De acordo com a própria divulgação do BNDES, a unidade terá capacidade para produzir 935 mil litros de etanol de milho, 587 toneladas de grãos secos de destilaria e 37 toneladas de óleo de milho por dia.

A Três Tentos estima o custo da ampliação da usina em R$ 1,16 bilhão, conforme relatórios divulgados pela empresa. A  conclusão da obra está prevista para 2026. A empresa também emitiu títulos verdes no total de R$ 560,7 milhões no mercado financeiro, para serem utilizados no empreendimento.

A Três Tentos conta com 70 unidades distribuídas no Rio Grande do Sul e Mato Grosso, atua na área de  insumos, grãos, indústria e soluções financeiras, dentro do setor do agronegócio.

Além do financiamento para a obra no Mato Grosso, a companhia também recebeu R$ 80,3 milhões em financiamento para os empreendimentos no Rio Grande do Sul, em oito contratos diferentes, sendo seis deles firmados em 2012 e dois em 2025, conforme dados acessados pela Repórter Brasil.

Debêntures verdes

Em 2024, a Três Tentos anunciou a venda de debêntures verdes no valor de R$ 560,7 milhões. Os recursos obtidos com a operação, segundo a companhia, também se destinam a custear a obra da usina em Porto Alegre do Norte (MT).

Os debêntures verdes, títulos privados de dívida negociados na bolsa de valores, têm como objetivo financiar projetos com benefícios ambientais, como a redução de emissão de gases de efeito estufa. Assim como em outros títulos de dívida, a empresa emissora se compromete a pagar o valor investido acrescido de juros aos investidores após um determinado período.

No documento de regulamentação dos debêntures, a Três Tentos informa que segue as diretrizes do Green Bonds Principles (GBP) definidas pela International Capital Market Association (ICMA) e seguidas por investidores no mundo todo. Entre os princípios regulamentadores do GBP estão o cumprimento de diretrizes socioambientais e o respeito aos direitos humanos.

Políticas socioambientais para financiamento público

O BNDES dispõe de uma Política de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática ou PRSAC. Além disso, nos documentos de regulamentação do Fundo Clima, são consideradas questões socioambientais entre os critérios de aplicação do recurso. O Plano Anual de Aplicação de Recursos 2025 e o Relatório Anual de 2024 citam especificamente a prática de trabalho escravo, inclusive como critério de exclusão de clientes e cancelamento de contratos.

O etanol de milho, classificado como ‘energia verde’, é considerado uma alternativa para a diminuição dos combustíveis poluentes. A classificação favorece a obtenção de financiamentos pelos produtores. A procura por energia sustentável tem aumentado a produção de biocombustíveis feitos com o grão. Especialistas alertam, entretanto, para os impactos socioambientais dessa produção no Brasil. 

Em 12 safras, a produção de etanol de milho no Centro-Sul saltou de 37 milhões de litros para 8,19 bilhões, de acordo com dados da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica). Entre 2024 e 20025, o biocombustível representou 22% do volume total de etanol do Brasil, com a maior produção no estado do Mato Grosso.

Fonte: Repórter Brasil
Texto: Daniela Penha

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Para que servem os sindicatos no século XXI?

Empresa deve indenizar trabalhador por ligação durante licença-paternidade

A 9ª Turma do TRT da 2ª Região manteve sentença que condenou empresa especializada na fabricação de armas e munições a indenizar R$ 10 mil por assédio moral a trabalhador.

De acordo com os autos, o homem, que exercia função de técnico armeiro, estava em licença-paternidade quando recebeu telefonema do superior hierárquico lhe repreendendo por descarte irregular de material.

Em depoimento, o reclamante contou que a ligação ocorreu logo após ter conhecimento de que a filha tinha um problema no coração. Na ocasião, a bebê ainda não havia recebido alta hospitalar. Ele relatou que “ficou mal, pois era muita coisa no mesmo dia”.

Decisão de indenizar

A testemunha patronal declarou, em audiência, que o chefe havia ligado para o autor durante o período de afastamento para falar sobre a alegada falta funcional. Relatou que o assunto era “meio grave” e que a sanção aplicada atualmente para o descarte irregular de peças é advertência.

Para o juiz-relator Rui Cesar Publio Borges Correa, ficou caracterizado o abuso do poder diretivo. “A ligação durante a licença-paternidade, em momento de extrema vulnerabilidade emocional do empregado que acabara de saber da enfermidade de sua filha recém-nascida, para tratar de questão que hoje seria resolvida com mera advertência, seguida de suspensão disciplinar no primeiro dia de retorno ao trabalho, configura conduta patronal excessiva e desnecessária”, concluiu.

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