por NCSTPR | 06/05/25 | Ultimas Notícias
Colegiado reconheceu prática discriminatória motivada pela aparência e fixou indenização por danos morais em R$ 5 mil.
Da Redação
Revendedora de veículos de Belo Horizonte deverá indenizar em R$ 5 mil por danos morais a profissional da área de marketing dispensado por usar cabelos com “dreads” e tranças.
O entendimento foi firmado pela 4ª turma do TRT da 3ª região que reconheceu que o trabalhador foi alvo de discriminação em razão da aparência.
De acordo com os autos, o profissional apresentou um áudio em que o supervisor relata que o estilo do cabelo desagradava à empresa, justificando que “a empresa busca transmitir uma postura mais séria, com um visual mais básico…”.
O superior afirmou ainda que não tinha dificuldade para seguir as normas porque “ele se veste normal, ao passo que o autor teria um estilo diferente…”.
No diálogo, o trabalhador respondeu que não abriria mão do cabelo e relembrou que foi contratado com aquela aparência, que não foi empecilho durante a entrevista. O contrato de trabalho, iniciado em 13 de março de 2023, foi encerrado sem justificativa em 10 de abril do mesmo ano.
TRT-3 condena revendedora por discriminar funcionário com dreads e tranças.
Na 1ª instância, o juízo da 43ª vara do Trabalho de Belo Horizonte reconheceu que houve discriminação pela aparência, “notadamente pelo uso de ‘dreadlocks’ e tranças”.
Segundo a sentença, “o uso de ‘dreadlocks’ ou ‘dreads’ constitui prática enraizada na cultura afrodescendente, dotada de profundos significados culturais, sociais e espirituais. Trata-se, essencialmente, de uma expressão de identidade afrodescendente e de valorização da respectiva herança cultural, de modo a expressar orgulho e apreço por essa tradição”.
A empresa recorreu, negando a prática discriminatória e afirmando que a dispensa decorreu do exercício do poder diretivo patronal.
No entanto, o relator do recurso, desembargador Delane Marcolino Ferreira, entendeu que a motivação foi discriminatória “não apenas em razão da utilização de adereços, como aduzido pela empresa, mas em decorrência do corte de cabelo por ele utilizado, associado à etnia, o que é passível de reparação civil”.
O magistrado também destacou que o trabalhador sequer tinha contato direto com clientes.
Ao revisar o valor da indenização, o desembargador aplicou critérios de proporcionalidade e razoabilidade, considerando o grau de culpa, a condição das partes e o bem jurídico lesado.
“O valor não pode ser tão elevado que importe em enriquecimento sem causa, nem tão ínfimo, a ponto de ser incapaz de suavizar o sofrimento do lesado e de servir de intimidação para o agente.”
Diante disso, o colegiado, seguindo o voto do relator, reduziu a indenização fixada na origem para R$ 5 mil, considerando também o curto período de vigência do contrato de trabalho.
Processo: 0010693-73.2023.5.03.0181
Leia a decisão:chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.migalhas.com.br/arquivos/2025/5/9E56C66E864D86_Revendedoradeveiculosindenizar.pdf
MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/quentes/429565/revendedora-de-veiculos-indenizara-empregado-demitido-por-usar-dreads
por NCSTPR | 06/05/25 | Ultimas Notícias
Colegiado reconheceu a responsabilidade das empresas pelo risco da atividade exercida.
Da Redação
A 1ª turma do TST condenou frigoríficos a indenizar família de técnico mecânico que morreu após ser atingido por eixos gigantes de misturadeira de hambúrguer. O colegiado determinou o retorno do processo à 1ª instância para apuração dos valores das indenizações.
O acidente ocorreu enquanto o trabalhador realizava manutenção na bacia do equipamento, localizada na sala de preparação da fábrica. Enquanto apertava parafusos no interior da cuba, ele foi atingido pelos eixos em movimento e morreu em razão dos ferimentos.
O pai e o irmão do técnico sustentaram a responsabilidade das empresas pelo acidente, que não teriam adotado as medidas de segurança necessárias, como o fornecimento de cadeados para bloqueio das máquinas. Também alegaram a falta de segurança do ambiente de trabalho diante da pressão para concluir o serviço.
Em defesa, as empresas alegaram que respeitavam as normas de segurança, e que cada funcionário dispunha de cadeado próprio, além dos disponíveis em cada setor. Argumentou, ainda, que o técnico era treinado e conhecia os protocolos para a função.
Em 1ª instância, o juizo afastou a responsabilidade das empresas, ao considerar que a culpa pelo acidente foi exclusiva do técnico, por não ter bloqueado a energia da máquina nem realizado o teste de energia zero antes de entrar na cuba. A decisão foi mantida pelo TRT da 24ª região.
Frigoríficos devem indenizar família por morte de trabalhador.
Ao analisar o caso no TST, o relator, ministro Hugo Scheuermann, observou que o trabalho de manutenção em máquinas industriais de grande porte envolve risco acentuado de acidentes. Nesse sentido, destacou regras de proteção previstas na NR-12, que dispõem sobre a elevada exposição de trabalhadores nesse contexto.
Acrescentou, ainda, que “mesmo que se admitisse que o empregado não teria desenergizado a máquina antes de entrar na cuba da misturadeira, tal fato não seria suficiente para afastar a relação entre o acidente e o risco da atividade”.
Assim, concluiu que a culpa não pode ser atribuída ao trabalhador de forma exclusiva, ao ressaltar que a “culpa exclusiva da vítima se configura apenas quando a conduta do empregado é a única causa do acidente, sem qualquer vínculo com os riscos da atividade exercida, o que não ocorreu neste caso”.
Com a decisão, o processo retornará à 1ª instância para definição dos valores das indenizações a serem pagas à família.
Processo: 24412-69.2022.5.24.0021
Leia o acórdão:chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.migalhas.com.br/arquivos/2025/4/D7F2955C021A32_TSTFrigorificosindenizaraofami.pdf
Informações: TST.
MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/quentes/429361/tst-empresas-indenizarao-familia-de-empregado-morto-em-misturadeira
por NCSTPR | 06/05/25 | Ultimas Notícias
Decisão considerou a responsabilidade da empresa pela falta de segurança no ambiente de trabalho.
Da Redação
A 6ª turma do TST manteve decisão que condenou indústria química a indenizar em R$ 400 mil por danos morais esposa e filho de auxiliar de produção morto após explosão no local de trabalho. Para o colegiado, o valor fixado foi adequado e proporcional ao dano sofrido.
A empresa, especializada na produção de equipamentos e artefatos pirotécnicos, empregava o trabalhador, de 44 anos, que morreu dois dias após o acidente em razão de queimaduras por todo o corpo. A família alegou que ele exercia suas funções em ambiente fechado e abafado, sem estrutura adequada ou uso correto de equipamentos de proteção individual.
Em defesa, a empregadora alegou ausência de responsabilidade pelo acidente que resultou na morte do trabalhador, sustentando o cumprimento integral das normas de segurança e medicina do trabalho, bem como a ocorrência de caso fortuito.
Em 1ª instância, o juízo reconheceu a responsabilidade objetiva da empresa pelo acidente, ao considerar o risco da atividade desenvolvida à integridade física dos trabalhadores. Diante disso, afastou a tese de caso fortuito e de culpa exclusiva da vítima, destacando que cabia à empresa fiscalizar o uso de EPIs e garantir um ambiente seguro.
Assim, condenou a empresa ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 50 mil para cada integrante da família, além de pensão mensal equivalente a meio salário-mínimo, a ser paga de uma só vez, observando-se o período até que o filho complete 21 anos e, no caso da esposa, até a data em que o trabalhador completaria 72 anos de idade.
Indústria química deve indenizar trabalhador morto em explosão.
Em sede recursal, o TRT da 1ª região aumentou o valor dos danos morais para R$ 400 mil, considerando a intensidade do sofrimento, as repercussões pessoais e sociais, bem como a necessidade de inibir novas condutas semelhantes.
A empresa, então, tentou reduzir a indenização com base no art. 223-G da CLT, que sugere como fixação o limite de até 50 vezes o último salário contratual.
Contudo, ao analisar o caso no TST, o relator, ministro Augusto César, ressaltou que o STF já firmou entendimento de que o parâmetro disposto na CLT é apenas orientativo e que a fixação do valor pode ultrapassar esse limite, desde que justificada pelas circunstâncias do caso, o que entendeu ter ocorrido.
Nesse sentido, e considerando a proporcionalidade do valor arbitrado, o colegiado manteve o valor fixado pelo TRT da 1ª região.
Processo: 101606-05.2018.5.01.0223
Leia o acórdão:chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.migalhas.com.br/arquivos/2025/4/1346D9379665E1_TSTmantemindenizacaoafamiliade.pdf
Informações: TST.
MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/quentes/429411/tst-mantem-indenizacao-a-familia-de-trabalhador-morto-em-explosao
por NCSTPR | 06/05/25 | Ultimas Notícias
Por ocasião do 1º de maio, Tatiana Sant’Anna, advogada do escritório Bruno Durão Advocacia, analisa direitos trabalhistas fundamentais, mudanças na legislação e os impactos das novas formas de trabalho na vida dos brasileiros.
Da Redação
No dia 1º de maio, data em que se celebra o Dia do Trabalhador em todo o país, o debate sobre as garantias e os desafios enfrentados pela classe trabalhadora ganha força. A data, que simboliza conquistas históricas dos trabalhadores e é reconhecida como feriado nacional desde 1925, também inspira reflexões sobre as condições laborais e os rumos das relações de trabalho no Brasil.
Para compreender melhor esse cenário, o escritório Bruno Durão Advocacia, referência em Direito do Trabalho, promoveu uma análise técnica com a advogada Tatiana Sant’Anna, que destacou os principais direitos garantidos pela legislação brasileira e os desafios contemporâneos que exigem atenção tanto de empregadores quanto de trabalhadores.
“Direitos como registro em carteira, jornada máxima de 44 horas semanais, salário mínimo garantido, férias remuneradas, 13º salário, FGTS e licenças maternidade e paternidade são conquistas que precisam ser preservadas e amplamente conhecidas pela população”, afirmou Tatiana.
Segundo ela, os avanços legislativos mais recentes envolvem principalmente a regulamentação do trabalho remoto. “Com o crescimento do home office, surgiram regras específicas sobre controle de jornada e fornecimento de equipamentos, o que exige responsabilidade do empregador para garantir condições adequadas”, pontua.
Outro tema sensível abordado pela advogada diz respeito ao assédio moral e sexual no ambiente de trabalho. “O trabalhador tem direito a um espaço respeitoso. Casos de humilhação, ameaças, insinuações ou toques sem consentimento são inaceitáveis e geram consequências legais, incluindo indenizações e rescisão indireta do contrato”, alerta.
Ela lembra que denúncias de más condições de trabalho podem ser feitas de forma anônima a órgãos como o Ministério do Trabalho ou o Ministério Público do Trabalho, e que o trabalhador não pode ser retaliado por exercer esse direito.
Tatiana também destaca a crescente precarização do trabalho diante da informalidade e da popularização de aplicativos de serviços. “Trabalhadores sem vínculo formal perdem acesso a direitos básicos, como aposentadoria, seguro-desemprego e FGTS. Ainda há um vácuo legal para quem atua como motorista ou entregador de aplicativos, o que exige uma regulamentação urgente para garantir proteção mínima”.
Com o avanço da inteligência artificial e da automação, a advogada reforça que o Direito do Trabalho precisa evoluir para acompanhar as transformações do mercado. “O maior desafio é equilibrar inovação tecnológica com proteção social, investindo em requalificação e inclusão digital”.
Sobre a reforma trabalhista de 2017, ela reconhece pontos positivos, como maior flexibilidade nas negociações entre empresas e empregados, mas aponta retrocessos que precisam ser corrigidos. “O enfraquecimento dos sindicatos e a institucionalização do trabalho intermitente geraram insegurança para os trabalhadores mais vulneráveis”, avalia.
Ao final da entrevista, Tatiana reforça a importância da informação como ferramenta de empoderamento. “Antes de assinar qualquer contrato, o trabalhador deve conferir cláusulas, jornada, salário e benefícios. Em caso de descumprimento de direitos, é fundamental buscar apoio do sindicato ou da Justiça do Trabalho”.
No Dia do Trabalhador, o escritório Bruno Durão Advocacia reforça seu compromisso com a defesa dos direitos laborais, promovendo educação jurídica e orientação acessível para trabalhadores de todas as categorias, e empregadores, tendo em vista que quando há uma assessoria jurídica solidificada no âmbito trabalhista, temos uma empresa saudável e consequentemente trabalhadores com direitos assegurados.
“O conhecimento é a base para garantir respeito e dignidade no ambiente profissional”, reafirma o Bruno Medeiros Durão.
MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/quentes/429539/especialista-alerta-para-desafios-trabalhistas-e-protecao-dos-direitos
por NCSTPR | 06/05/25 | Ultimas Notícias
Decisão valida auto de infração e defende inclusão de empregador na chamada “lista suja” do governo federal.
Da Redação
A 7ª turma do TRT da 3ª Região reconheceu a validade de auto de infração lavrado por auditores-fiscais do trabalho, que identificaram a submissão de 30 trabalhadores a condições análogas à escravidão em fazenda de café no município de Boa Esperança/MG.
Os auditores identificaram ausência de sanitários e de fornecimento de água potável nas frentes de trabalho, além da inexistência de abrigos para proteger os trabalhadores contra as intempéries. Também foram constatados riscos físicos, químicos e ergonômicos no ambiente laboral.
O colegiado defendeu ainda a inclusão do empregador na chamada “lista suja” do governo federal, destacando que situações como essa não devem ser tratadas com leniência, sob pena de se contribuir para sua perpetuação.
TRT-3 valida auto de infração que constatou trabalho análogo à escravidão em fazenda de café
Situação degradante
Segundo os autos, curante a colheita de café de 2021, dezenas de trabalhadores migraram da Bahia, das cidades de Barra e São Gabriel, para prestar serviços em propriedades rurais do Sul de Minas. Na fazenda fiscalizada, 30 deles foram encontrados em condições precárias que motivaram a lavratura do auto de infração.
A inspeção revelou a informalidade contratual de 28 dos 35 empregados, ausência de sanitários e água potável nos locais de trabalho, e falta de abrigos para refeições em caso de intempéries. Quanto aos alojamentos, constatou-se que não eram fornecidos sequer roupas de cama, e os travesseiros eram improvisados com pertences dos próprios trabalhadores.
Além disso, foram identificados riscos físicos (exposição direta ao sol), químicos (agrotóxicos, óleos e combustíveis) e ergonômicos, com desrespeito aos limites legais de peso. Os EPIs, ainda que insuficientes, eram adquiridos pelos próprios empregados com desconto em seus salários.
Com base em entrevistas, análise documental e visita aos locais, os auditores concluíram que os trabalhadores estavam submetidos a condições degradantes e incompatíveis com a dignidade humana, configurando, portanto, situação análoga à escravidão, nos termos do art. 149 do CP e da instrução normativa SIT 139/18.
Em defesa, o empregador alegou que o auto foi lavrado indevidamente e negou a existência de condições degradantes, sustentando que os trabalhadores estavam cientes e satisfeitos com as condições oferecidas.
O juízo da 2ª vara do Trabalho de Varginha acolheu a tese defensiva e julgou procedente o pedido de nulidade do auto de infração. Segundo a sentença, não houve comprovação de que as irregularidades descritas configurassem trabalho em condição análoga à de escravo.
Diante da decisão, a União Federal interpôs recurso ao TRT da 3ª região.
Auto de infração válido
Para o relator, desembargador Antônio Carlos Rodrigues Filho, os elementos presentes no auto de infração, somados aos depoimentos colhidos, retratam com mais fidelidade a realidade vivida pelos trabalhadores do que os argumentos da defesa.
Ele destacou que a principal testemunha do empregador sequer conhecia a frente de trabalho e que os trabalhadores haviam sido aliciados na Bahia com promessas que não se concretizaram, permanecendo no trabalho por necessidade, e não por livre escolha ou satisfação.
Segundo o relator, ainda que se discutisse a precariedade dos alojamentos, é inegável a ausência de condições mínimas de dignidade no local de trabalho.
O desembargador enfatizou ainda que relativizar práticas como as constatadas apenas contribui para a perpetuação da grave mazela.
“Embora não se discorde no sentido de que há que se ter bastante prudência no enquadramento dessa conduta ilícita, parece acertado dizer que minimizar a prática desse ilícito, afastando a caracterização mesmo com vasta gama de depoimentos e com firme e detalhado auto de infração, estimula sobremaneira a continuação e o efeito virótico, espalhando-se para outras relações de trabalho.”
Inclusão na “lista suja”
O relator reiterou a importância da inclusão do empregador na “lista suja” do governo federal, que reúne responsáveis por submeter trabalhadores a condições análogas à escravidão. Para ele, tratar esse tipo de violação com complacência apenas incentiva sua continuidade.
Nesse sentido, ressaltou que a medida é uma ferramenta fundamental no enfrentamento dessa prática e está alinhada aos compromissos internacionais firmados pelo Brasil.
“A listagem tem caráter temporário, sendo o empregador removido após dois anos, se verificado que não há reincidência. Trata-se, portanto, de ferramenta fundamental para estimular o fim do trabalho em condições análogas à de escravo no Brasil, indo ao encontro de todos os já citados compromissos internacionais realizados frente a todo o mundo, e que não podem ser simplesmente ignorados por este Poder Judiciário.”
Com isso, a 7ª Turma deu provimento ao recurso da União, reconhecendo a validade do auto de infração e confirmando a caracterização do trabalho escravo.
Informações: TRT da 3ª região.
MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/quentes/429500/trt-3-reconhece-trabalho-escravo-de-30-empregados-em-fazenda-de-cafe
por NCSTPR | 05/05/25 | Ultimas Notícias
Não é mais novidade que o Supremo Tribunal Federal tem tentado nos últimos anos fazer a reforma trabalhista que não foi feita pelo Estado-Legislador em 2017. As reclamações constitucionais vinham atuando como meio para se alcançar a expansão do que não foi dito no acórdão da ADPF nº 324 ou no Tema nº 725 de Repercussão Geral, sendo certo que mesmo na ausência de aderência estrita às teses firmadas, ainda assim as reclamações vêm servindo como meio para revolver fatos e provas, analisar se há ou não relação de emprego e se a Justiça do Trabalho possui competência material para analisar as lides que sempre analisou.
Por meio de diversas decisões monocráticas ou das duas Turmas, em reclamações constitucionais ou agravos, o Supremo Tribunal Federal passou a decidir que as teses que liberaram a terceirização em atividade-fim igualmente liberaram o trabalhador para ser autônomo e poder decidir se desejaria ser empregado ou “pejotizado”. É como se o trabalhador, pessoa física, prestadora de serviços em favor de outrem, de forma dependente, passasse, de uma hora para a outra, a ter plenos poderes de negociação, com total autonomia, podendo optar por ser celetista ou PJ.
Some-se a essa diretriz decisiva a conclusão segundo a qual a Justiça do Trabalho sequer detém competência material para processar e julgar as lides que debatem sobre se há fraude ou não na contratação, sendo, segundo diversas decisões da corte, necessária tão somente a confecção de um instrumento formal, em que o trabalhador declara a sua autonomia e concorda em não ser considerado empregado. O detalhe mais chocante desse direcionamento hermenêutico é que o artigo 114, I da CRFB permanece o mesmo, declarando expressamente que a Justiça do Trabalho é materialmente competente para processar e julgar todos os casos que tratam de relação de trabalho.
Estaria a nossa Corte Suprema tentando operar mutação constitucional, já que o texto constitucional permanece o mesmo, mas o seu sentido vem sendo desfigurado? Parece que sim, pois concluir que a Justiça especializada não é competente para processar e julgar relação de trabalho, quando literalmente o dispositivo prevê justamente isso, é, de fato, modificar o sentido da Constituição, sem, no entanto, modificar o seu texto.
É bem verdade que isso não seria sequer mutação constitucional, pois esta somente é possível quando a norma do Texto Maior permite mais de um sentido, sendo certo que todas as possibilidades hermenêuticas e capazes de atualizar o texto normativo à realidade, devem estar contidas na moldura do dispositivo, vez que é vedado ao Estado-Juiz modificar o texto mesmo da Constituição.
Acho que, a essa altura do estado de coisas, ninguém mais acredita que ministros da corte que interpreta a Constituição não saibam o que está na Carta Política, ou não entendam o que é relação de emprego e como ela se diferencia da relação de trabalho. Não é erro de interpretação, é projeto, é método e é, sobretudo, vontade de que as relações de trabalho tenham um novo rumo no país.
Como a Justiça do Trabalho, segundo resumiu o ministro Mendes, tem descumprido as decisões vinculantes do Supremo Tribunal Federal, fazendo aumentar o número das reclamações constitucionais, melhor mesmo afetar logo um recurso para servir de modelo para resolver, com força vinculante, se os trabalhadores, autônomos que são, podem decidir se serão ou não empregados segundo o contrato, mesmo que o sejam no mundo dos fatos.
O sorteado para esse projeto de reforma trabalhista total foi o Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) nº 1.532.603-PR, tendo o ministro Gilmar Mendes determinado a suspensão de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre: a competência da Justiça do Trabalho para julgar as causas em que se discute a fraude no contrato civil de prestação de serviços — a chamada “pejotização”; a licitude da contratação de trabalhador autônomo ou pessoa jurídica para a prestação de serviços, à luz do entendimento firmado no julgamento da ADPF nº 324, que reconheceu a validade constitucional de diferentes formas de divisão do trabalho e a liberdade de organização produtiva do cidadão; e a questão referente ao ônus da prova relacionado à alegação de fraude na contratação civil, averiguando se essa responsabilidade recai sobre o autor da reclamação trabalhista ou sobre a empresa contratante.
Nunca é demais recordar que nas razões de decidir da ADPF nº 324 não se tratou sobre a chamada “pejotização”, até porque não se poderia fazê-lo, pois o que se discutia na referida ação era o possível descumprimento de preceito fundamental pelo Tribunal Superior do Trabalho e TRTs, que, valendo-se da Súmula nº 331, proibiam terceirização em atividade-fim, invadindo, dessa forma, a liberdade de contratação e o princípio da legalidade.
Ao revés disso, no voto do ministro Alexandre de Moraes, Sua Excelência afirmou que o Estado — seja legislativamente, seja judicialmente — não poderá impor regras rígidas e específicas de organização interna das empresas, cabendo tal decisão aos próprios empreendedores, que, por sua conta e risco, devem realizar sua opção de modelo organizacional dentro das lícitas e legítimas possibilidades consagradas pelos Princípios Gerais da Atividade Econômica e estabelecidos no artigo 170 da Constituição. Ressaltou o ministro que essa opção será lícita e legítima desde que não proibida ou colidente com o ordenamento constitucional; bem como, desde que, durante a execução dessa opção — na hipótese de terceirização —, as empresas “tomadoras” e “prestadoras” não violem direitos sociais e previdenciários do trabalhador e a primazia dos valores sociais do trabalho, que, juntamente com a livre iniciativa, tem assento constitucional como um dos fundamentos do Estado Democrático brasileiro.
Em outras palavras, nas razões de decidir da ADPF nº 324 ressalvou-se a possibilidade de distinção, quando houver fraude na contratação de pessoa física, cuja mão de obra intermediada por empresa prestadora de serviços em favor de empresa tomadora de serviços é guiada pela ilicitude, pois a contratação viola normas celetistas e constitucionais. Nunca, naquela decisão, houve a chancela para contratação de pessoas físicas via pessoa jurídica, até porque essa relação seria linear, não triangular, não havendo, portanto, terceirização.
A “pejotização” não é terceirização, materializando-se aquela na fraude e na ilicitude, quando uma pessoa física não tem alternativa para a contratação, senão concordar em ser contratada por meio de pessoa jurídica. Em linguagem bem simples, é como se uma pessoa física não fosse considerada como tal para prestar serviços, embora o respectivo trabalho seja feito justamente pelo ser humano, que trabalha de forma pessoal e sob dependência.
Não existe “pejotização” lícita, o que há é um legítimo contrato de prestação de serviços, que sempre foi assegurado pela Lei Civil e pela própria CLT. A fraude e a manipulação da realidade para contratação de pessoa física por meio de pessoa jurídica sempre foram combatidas no campo da Justiça do Trabalho, estamento do Poder Judiciário que detém competência material para dizer se há ou não relação de emprego, o tipo de trabalho que é prestado e a possível existência de fraude na contratação trabalhista.
O que se tenta discutir, por meio do Tema nº 1.389, de Repercussão Geral, é acrescer texto ao que já fora decidido na ADPF nº 324 e no Tema nº 725 de Repercussão Geral. Ou melhor, possivelmente fazer o que não foi feito anteriormente e, ao submeter a temática novamente ao Plenário, resolver sobre a liberação total da fraude trabalhista, desde que haja a formalização da “vontade”.
Como se disse acima, também será debatido se a Justiça Trabalhista tem competência material para processar e julgar casos envolvendo trabalhadores autônomos, quando a alegação é de fraude na contratação. É dizer, a Corte Constitucional dirá se a literalidade do artigo 114 da CRFB/88 deve ser observada, ou se a Justiça Comum, que não tem competência constitucional trabalhista, deve ser o ramo do Poder Judiciário apto a resolver sobre a existência ou não de relação de emprego e trabalho.
Difícil de entender, já que o Estado-Juiz, ainda que tenha poderes para proferir decisões com força vinculante, não pode acrescer sentido à regra constitucional que trata sobre competência.
Acresça-se, ainda, que não cabe à Corte Constitucional tratar sobre matéria infraconstitucional e ônus da prova é claramente matéria afeta às instâncias inferiores ao STF, mas isso parece não importar à corte, que recentemente julgou o Tema nº 1.118, que trata justamente sobre ônus da prova para responsabilização do ente estatal em caso de terceirização lícita.
Impacto econômico e saúde do ‘pejotizado’
Ainda não se sabe quando haverá audiência pública, quantos serão os amici curiae e quando o recurso afetado será julgado, mas a decisão que ordena a suspensão dos processos trabalhistas já tem impacto enorme nas Varas do Trabalho de todo o Brasil, pois há unidades em que as demandas tratando sobre trabalho autônomo são muitas. Some-se a isso, o impacto econômico negativo para a opção em se contratar trabalhador de forma celetista ou “pejotizada”, já que o recolhimento de tributos é alterado diante de um sentido ou outro.
Outra questão que merece ser levada à corte em possível audiência pública, é a proteção à saúde do trabalhador “pejotizado” em comparação aos colegas de trabalho regidos pela CLT e que trabalham no mesmo ambiente laboral, sendo certo que o “autônomo” não se submeterá aos treinamentos obrigatórios aos empregados, não usufruirá dos mesmos EPIs e não receberá adicionais de insalubridade ou periculosidade.
O Supremo Tribunal Federal avançou bastante no que toca à temática de proteção ao meio ambiente, mas igualmente precisa avançar, para pensar no impacto que uma decisão liberalizante para o não cumprimento de normas laborais protetivas poderá ter impacto extremamente negativo à proteção ao meio ambiente laboral sadio e seguro.
Com a palavra, a corte!
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é procuradora do Trabalho do Ministério Público do Trabalho da 5ª Região, professora Adjunta da Universidade Federal da Bahia, mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia, doutora em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Universidade de São Paulo, professora convidada do curso de pós-graduação lato sensu da Faculdade Baiana de Direito, Cers, Ucsal, Unifacs e das Escolas Judiciais do TRT da 5ª, 6ª, 7ª e 16ª Regiões.
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é juíza do Trabalho no TRT da 5ª Região, mestra em Direito pela UFBA, doutora pela PUC-SP, pós-soutora pela Universidade de Salamanca, professora convidada do curso de pós-graduação lato sensu da Faculdade Baiana de Direito, Ematra5, Cers, Cejas, Ucsal e da Escola Judicial do TRT da 5ª, 6ª, 10ª, 13º e 16ª Regiões, membra do Conselho editorial da Revista eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho da 5ªRegião e da Revista Vistos etc. e do Conselho Acadêmico da Enamatra, órgão de docência da Anamatra, autora de livros e artigos jurídicos e ex-professora substituta da UFRN.
CONJUR
https://www.conjur.com.br/2025-mai-01/pejotizacao-do-trabalho-o-que-esta-em-jogo-no-supremo/