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Fim do dólar? Por que moeda vem perdendo força no mundo — e isso pode ser o que Trump quer

Fim do dólar? Por que moeda vem perdendo força no mundo — e isso pode ser o que Trump quer

No primeiro semestre de 2025, o dólar americano teve seu pior desempenho em mais de cinco décadas no índice usado para medir a força da moeda dos Estados Unidos.

A desvalorização acumulada até junho foi de 11% no U.S. Dollar Index, criado pelo Federal Reserve (Fed), o banco central americano, e que compara o dólar a outras seis moedas — o euro, yen japonês, a libra esterlina, o dólar canadense, o krona sueco e o franco suíço.

Quedas como essa já foram registradas em outros momentos. Mas, desta vez, a desvalorização acontece ao mesmo tempo que outros eventos que preocupam alguns economistas, o que tem feito cada vez mais investidores, analistas financeiros e outras pessoas no ramo bancário questionarem a força do dólar americano, de acordo com fontes do próprio setor.

Um dos pontos de preocupação apontados é a queda pequena, mas gradual, na participação da moeda nas reservas cambiais dos bancos centrais ao redor do globo.

Somam-se a isso uma fuga de capital estrangeiro no mercado de títulos do Tesouro dos Estados Unidos e críticas sobre a forma como o governo americano tem usado a dominância do dólar para aplicar sanções em temas geopolíticos, segundo especialistas.

atual política de tarifas do governo de Donald Trump — e os rumores no mercado sobre a possibilidade de um enfraquecimento deliberado da moeda por parte da Casa Branca para impulsionar a indústria americana — também tem gerado especulações.

Mas enquanto alguns demonstram preocupação, outros são céticos em relação ao apetite do mercado em buscar alternativas ou à capacidade de qualquer outra moeda de alcançar o status atingido pela americana.

O dólar se consolidou como a moeda internacional após a 2ª Guerra Mundial, com o acordo de Bretton Woods.

Desde então, tornou-se a mais usada nas reservas globais e nas transações no sistema Swift, uma rede de pagamentos globais que conecta 11 mil instituições financeiras em mais de 200 países.

Então, afinal, quão profunda é a desconfiança em torno da moeda que domina as transações comerciais em todo o mundo? E o que dizem aqueles que ainda preveem uma longa vida de dominância para o dólar?

Participação nas reservas cambiais

Um relatório elaborado pelo banco J.P. Morgan no início de julho apontou alguns dos fatores que ameaçam o domínio da moeda atualmente.

O primeiro tem relação com a queda do dólar nas reservas internacionais — ou o conjunto de ativos externos em moeda estrangeira mantidos pelos bancos centrais ou autoridades monetárias para garantir sua estabilidade econômica e financeira.

A soma das reservas mundiais em moedas estrangeiras equivalia a mais de US$ 12 trilhões em março de 2025, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). Desse total, mais de 57% estava alocado em dólar.

Ou seja, a moeda americana ainda domina. No entanto, no começo dos anos 2000, essa fatia superava 70%.

E enquanto o dólar viu uma diminuição em sua participação, o total em renminbis chineses dobrou na última década.

Vale notar, no entanto, que as reservas na moeda chinesa ainda representam apenas 2% do total, bem atrás de outras mais tradicionais, como o euro e a libra esterlina.

Segundo especialistas, no entanto, a principal tendência de “desdolarização” das reservas cambiais está relacionada à crescente demanda por ouro, que é visto como uma alternativa às moedas globais.

Atualmente, o ouro corresponde a 9% das reservas de mercados emergentes, mais do que o dobro dos 4% observados há uma década.

Mercado de commodities e títulos do Tesouro

Outros fatores que, segundo a análise do JP Morgan, indicariam uma tendência de “desdolarização” são o uso de outras moedas no comércio internacional e a queda das participações estrangeiras nos títulos de renda fixa de dívida pública do governo norte-americano.

Quando o assunto é a moeda usada nas transações internacionais, há várias formas de medir qual é a mais influente. E o dólar ainda domina em termos de volumes de câmbio, faturamento comercial, denominação de passivos transfronteiriços (dívidas ou obrigações financeiras de um país, empresa ou banco perante credores estrangeiros) e emissão de dívida em moeda estrangeira.

Mas, segundo analistas, a moeda americana vem perdendo espaço como referência nos mercados de commodities, especialmente no setor de energia.

Por conta das sanções internacionais aplicadas contra a Rússia, o país tem usado moedas locais para as exportações de petróleo e derivados. Com isso, nações como Índia, China, Brasil, Tailândia e Indonésia podem comprar petróleo a preços mais baixos e pagar com suas próprias moedas.

Já as posições estrangeiras em títulos americanos vêm sendo reduzidas há 15 anos.

Os títulos do Tesouro dos Estados Unidos — assim como os de outros países com economia forte — costumam ser vistos como investimentos de refúgio, para onde muitos direcionam seu dinheiro em momentos de crise nos mercados, como quedas nas bolsas de valores.

E, embora os investidores estrangeiros continuem sendo o maior componente do mercado de títulos do Tesouro americano, sua participação vem caindo.

Antes da grande crise financeira global de 2008, mais de 50% dos títulos estavam na mão de compradores de fora dos EUA. Agora, caiu para 30%, segundo o JP Morgan.

“Em termos de transações internacionais, há um declínio muito modesto na porcentagem do que ocorre em dólar”, diz Luis Oganes, chefe de Pesquisa Macro Global no J.P. Morgan, à BBC News Brasil.

“Onde estamos observando a desdolarização, e certamente um grande afastamento do dólar, é nas reservas cambiais dos bancos centrais e na denominação monetária das transações de commodities.”

Desvalorização e queda das bolsas

Para além do relatório, outros fatores que chamam a atenção são a desvalorização do dólar e as quedas no mercado de ações americano.

Após acumular no primeiro semestre de 2024 a maior desvalorização registrada até aquele momento desde 1973, os índices que medem o valor do dólar ensaiaram uma recuperação em meados de julho, mas voltaram a cair em agosto.

Segundo relatório do banco Morgan Stanley, embora a moeda tenha se fortalecido 3,2% em julho, o declínio deve continuar, possivelmente adicionando outros 10% em perdas até o final de 2026.

Além disso, no início de abril deste ano, as bolsas dos Estados Unidos tiveram a sua pior semana desde a pandemia de covid-19, com o índice S&P 500 de Wall Street, que inclui as maiores empresas americanas, com uma queda de 10%.

Em seguida, bolsas de todo o mundo despencaram. No Brasil, o dólar caiu mais de 12%.

Tudo aconteceu diante de anúncios do presidente Donald Trump sobre a adoção de uma onda sem precedentes de tarifas de importação.

Em abril, o republicano divulgou sua intenção de adotar uma tarifa básica universal de 10% sobre todas as importações para os EUA.

O prazo para entrada em vigor da medida foi adiado algumas vezes depois disso, e novas alíquotas foram anunciadas para alguns países específicos.

Entre eles o Brasil, que em 6 de agosto passou a enfrentar tarifa de 50% sobre alguns produtos.

Desde que foi anunciado, o tarifaço de Trump preocupa investidores, que temem seu efeito sobre os lucros corporativos e a desaceleração em massa do crescimento econômico.

Isso faz com que alguns tentem se proteger de novas quedas do dólar e diminui a confiança na economia americana e em sua moeda, dizem especialistas.

Como resultado, investidores estrangeiros venderam US$ 63 bilhões em ações de empresas listadas em bolsas dos EUA entre março e abril de 2025, segundo o banco Goldman Sachs.

O mesmo vale para o mercado de títulos, que serve como um termômetro da confiança na economia de um país.

Quando há muitas compras, isso é um sinal de confiança. Mas, se os investidores começam a vender — como aconteceu nos Estados Unidos após os anúncios de Trump sobre as tarifas — é porque algo não vai tão bem.

“Existe um movimento de desvalorização e de aumento da desconfiança no dólar que foi agravado pelo presidente Donald Trump e as suas políticas erráticas e imprevisíveis em relação à política comercial americana”, avalia Fernanda Brandão, coordenadora do curso de Relações Internacionais da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Por que a confiança no dólar está caindo?

Mas a aplicação de novas tarifas pelo governo americano não é o único fator que, segundo os especialistas, vem erodindo a segurança no dólar.

A forma como o governo americano usa a moeda como um instrumento para punição de transgressões na área geopolítica, por meio de sanções econômicas, é um dos principais motivos para a queda de confiança entre investidores, diz Robert McCauley, pesquisador sênior da Universidade de Boston que passou a maior parte de sua carreira no Banco de Compensações Internacionais e no Fed de Nova York.

Países, empresas, bancos ou indivíduos sancionados pelos EUA podem ser totalmente excluídos do sistema monetário financeiro internacional e do sistema de pagamentos global, a depender do nível das sanções.

Foi o que aconteceu com a Rússia, por exemplo, após a invasão da Ucrânia. Ou o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, enquadrado na Lei Magnitsky, de violações de direitos humanos e práticas de corrupção, em meio a uma disputa política com os Estados Unidos.

“As tarifas foram um choque adicional que se se somam ao congelamento dos ativos russos e da exclusão de alguns bancos russos da parcela do dólar do sistema financeiro internacional”, diz McCauley.

Segundo o pesquisador da Universidade de Boston, essas práticas podem estar encorajando alguns atores a tentar contornar o dólar para evitar, eventualmente, serem colocados em uma situação semelhante.

Os títulos do Tesouro americano ocupam há décadas “a base da pirâmide da estrutura das finanças internacionais” como os ativos mais seguros, afirma o especialista. Mas quando detentores importantes, como bancos ou investidores russos, passam a ter seus ativos congelados, essa ideia fica ameaçada.

“A presunção é que os títulos do Tesouro dos EUA são o lugar certo para se recorrer quando as coisas ficam difíceis”, diz McCauley.

“Mas o fato de que o ativo de refúgio pode repentinamente se tornar ativo nenhum para um grande detentor é um choque. Faz os investidores pensarem melhor.”

Outro ponto levantado é o aumento dos déficits fiscais dos países desenvolvidos nos últimos anos.

No caso dos Estados Unidos, o país terminou 2024 com US$ 35,46 trilhões em dívida federal, uma quantia que equivale a 123% do seu PIB, de acordo com o Tesouro americano.

Segundo Luis Oganes, há um temor entre investidores de que, no futuro, possa haver pressão sobre a moeda para que ela se desvalorize, a fim de reduzir ou liquidar os déficits comerciais — para alguns economistas, isso tornaria as exportações americanas mais competitivas, porque ficam mais baratas para os compradores estrangeiros.

“Há uma sensação de que há necessidade de diversificar as moedas, especialmente em países de mercados emergentes. No passado, vimos países encontrarem dificuldades quando sua relação dívida/PIB aumentou muito, o que poderia eventualmente levar à pressão sobre suas moedas para se depreciarem a fim de reduzir ou liquidar o ônus da dívida”, diz Oganes.

“Isso está se combinando com razões geopolíticas para fazer os investidores de longo prazo questionarem a sensatez de manter a alocação ao dólar ou se deve haver uma mudança estrutural ou uma maior diversificação.”

O pesquisador do J.P.Morgan afirma ainda que há a expectativa de que o Fed anuncie novos cortes nas taxas de juros nos próximos meses, o que pode reduzir o apelo do dólar para os investidores.

Com juros menores nos EUA, os rendimentos de títulos americanos caem, e os investidores podem buscar países com juros maiores, o que aumenta a oferta de dólar no mercado e faz seu valor cair.

O Fed normalmente reduz a taxa de juros quando a economia está em dificuldades e a aumenta se o ritmo de alta dos preços começar a acelerar demais.

As autoridades do banco central americano há muito tempo indicam que esperam reduzi-las em algum momento deste ano, seguindo os passos de outros bancos centrais, incluindo o do Reino Unido.

Mas eles têm adiado a redução por muito mais tempo do que o previsto, preocupados com o impacto das tarifas e outras novas políticas do governo Trump, incluindo cortes de impostos, na economia.

Há ainda cada vez mais setores acusando o presidente americano de interferência no banco central americano, algo que também pode afastar investidores.

O presidente americano chegou a ameaçar demitir o chefe do Fed, Jerome Powell embora tenha dito recentemente que não considerava mais tal medida necessária.

Nesta semana, Trump anunciou que demitiria Lisa Cook, uma das diretoras do Fed e membro do comitê de 12 membros responsável por definir as taxas de juros nos EUA. Ele a acusa de fraude em um contrato imobiliário pessoal.

Cook, que tem mandato previsto para durar até 2038, contesta a ordem de Trump, dizendo que ele não tem autoridade para isso, e se nega a pedir demissão. Seu advogado anunciou na terça-feira (26/08) um processo na Justiça contra a ordem do republicano, indicando uma longa disputa judicial sobre a questão.

Trump também atacou o Fed por demorar muito para cortar as taxas de juros, afirmando que a medida ajudaria o governo a economizar dinheiro no pagamento da dívida pública e impulsionariam o mercado imobiliário.

O presidente minimizou ainda nos últimos meses as preocupações de que suas tarifas pudessem elevar os preços ou prejudicar o crescimento do país.

Brics e desdolarização

Há ainda quem considere que a desconfiança em relação ao dólar data de antes da maior parte das sanções ou do tarifaço e suas consequências.

“Começa nos anos de 2008 e 2009, quando uma crise financeira tem origem no mercado americano e leva a economia internacional a uma pequena recessão e, desde então, os países desenvolvidos a uma certa estagnação econômica”, aponta Fernanda Brandão, do Mackenzie.

“Essa crise é simbólica e importante porque apontou ou mostrou as vulnerabilidades em se depender do dólar como a moeda global.”

Segundo Brandão, depois desse momento, o mundo passou a ter mais clareza sobre o fato de que qualquer perturbação na economia americana que altere as políticas monetárias colocadas em práticas pelo Fed e pela Casa Branca pode gerar “consequências que vão afetar outras economias”.

E, segundo a especialista, é a partir daí que surgem os primeiros movimentos políticos encabeçados por nações em desenvolvimento em prol da desdolarização.

Atualmente, o bloco Brics é visto como a principal força dessa corrente. O grupo era até pouco tempo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, mas se expandiu com a entrada de 10 novos membros desde 2024.

Para Fernanda Brandão, o fato de muitos países emergentes terem sofrido as consequências da crise financeira de 2008, apesar da crise ter começado nos EUA, fez com que o Brics adotasse uma política de desdolarização desde sua criação.

“A partir dali ficou muito claro que existe uma vulnerabilidade causada pela dependência em relação ao dólar”, diz Brandão.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva manifestou seus desejos de desdolarização do comércio global durante a última cúpula do Brics, em julho no Rio de Janeiro.

“Acho que o mundo precisa encontrar um jeito de que a nossa relação comercial não precise passar pelo dólar. Quando for com os EUA, ela passa pelo dólar. Quando for com a Argentina ou China, não precisa. Ninguém determinou que o dólar é a moeda padrão. Em que fórum foi determinado?’, disse Lula.

Na ocasião, o presidente brasileiro afirmou ainda que a substituição de dólar no comércio internacional é “uma coisa que não tem volta, vai acontecer até que seja consolidada”.

O Brics já ampliou o uso das moedas nacionais de seus membros no comércio interno, em especial da chinesa. E a Rússia vem impulsionando o estabelecimento de uma plataforma digital própria para pagamentos, em uma tentativa de minimizar os impactos das sanções internacionais.

O bloco também discute a criação de uma moeda própria. Nada oficial foi anunciado até agora, mas as tratativas já foram vistas como uma ameaça pelo governo americano.

Trump já afirmou que o grupo é “um ataque ao dólar” e usou a participação da Índia no bloco como um agravante para a imposição de tarifas mais altas às exportações do país no Estados Unidos.

“Eles têm o Brics, que é basicamente um grupo de países que são anti-Estados Unidos”, disse o presidente americano no final de julho. “É um ataque ao dólar, e não vamos deixar ninguém atacar o dólar.”

Qual o plano de Trump?

Dentro do governo Trump, parece haver perspectivas conflitantes e por vezes contraditórias sobre o que o domínio do dólar significa para os interesses políticos dos EUA, dizem analistas.

Por um lado, com suas declarações sobre os Brics e alternativas de pagamentos globais, Trump trata o papel internacional da moeda como um símbolo do nacionalismo americano e de sua estratégia de “America first” (América em primeiro lugar, em português).

Uma lei aprovada em julho nos Estados Unidos, que regulamenta as “stablecoins” com valor fixo em relação ao dólar, parece servir esse plano.

Essas criptomoedas são projetadas para manter paridade com o valor do dólar e oferecer mais estabilidade dentro do ecossistema cripto. Por isso, dizem alguns economistas, elas podem ampliar ainda mais a preponderância da moeda americana no sistema financeiro mundial.

Por outro lado, com sua política tarifária, Trump arrisca minar o domínio do dólar, segundo Fernanda Brandão, do Mackenzie.

Especula-se na imprensa e no mercado que esse pode ser exatamente seu objetivo, seguindo uma corrente dentro da Casa Branca que prega que a força da moeda americana pode estar impedindo o avanço da indústria americana, como aponta em um artigo recente o centro de estudos de relações internacionais Atlantic Council.

Essa ideia é defendida principalmente por Stephen Miran, ex-presidente do Conselho de Assessores Econômicos do governo americano que foi recentemente nomeado por Trump para o Conselho de Governadores do Fed.

Em um artigo publicado em 2024, Miran afirma que por conta de sua posição como reserva mundial, o dólar “está persistentemente supervalorizado”, levando a desequilíbrios comerciais e prejudicando os próprios cidadãos dos EUA.

A demanda global por dólares, segundo este argumento, aumenta seu valor, encarecendo os produtos fabricados nos EUA — o que, por sua vez, gera déficits comerciais persistentes, e incentiva os fabricantes americanos a transferir a produção para o exterior, destruindo empregos locais.

Outros assessores de Trump também já defenderam a ideia de que um enfraquecimento do dólar poderia tornar as exportações americanas mais competitivas no mercado internacional, uma vez que ficam mais baratas para os compradores estrangeiros. Ao mesmo tempo, os produtos importados que entram nos EUA aumentariam de preço.

“Trump não quer um dólar forte porque isso aumenta as importações”, afirmou Gabriela Siller, diretora de análise econômica do grupo financeiro BASE, com sede no México, em junho à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC.

Uma teoria é que Trump tem um plano com vários de seus principais conselheiros — o chamado “Acordo Mar-a-Lago”, que teria sido proposto por Miran, com o objetivo final de obrigar os parceiros comerciais dos EUA a desvalorizar o dólar americano no mercado internacional, aponta Anthony Zurcher, correspondente da BBC na América do Norte.

Tal medida tornaria as exportações americanas mais acessíveis aos mercados estrangeiros e diminuiria o valor das grandes reservas de moeda americana da China.

Mas ideias defendidas por Miran e outros assessores de Trump não são bem aceitas por uma parcela dos economistas.

“O plano de Miran, por mais astuto que pareça, se baseia em um diagnóstico equivocado”, escreveu Kenneth Rogoff, professor de economia e políticas públicas da Universidade de Harvard, nos EUA, e ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Embora a função do dólar como principal moeda de reserva do mundo tenha um papel importante, o economista observa que “este é apenas um dos muitos fatores que contribuem para os persistentes déficits comerciais dos EUA”.

E, se o déficit comercial tem várias causas, “a ideia de que as tarifas podem ser uma panaceia é, na melhor das hipóteses, duvidosa”, acrescenta.

É importante ressaltar que, a rigor, o presidente não controla diretamente o valor do dólar em relação a outras moedas porque a taxa de câmbio flutua livremente.

Washington não pode intervir diretamente para fazer a moeda subir ou descer, já que seu valor é determinado por um vasto mercado global de divisas, e são os grandes investidores que compram ou vendem dólares de acordo com suas expectativas.

No entanto, a política econômica do governo dos EUA envia sinais ao mercado, e isso influencia a evolução do valor do dólar e outros fatores importantes, como as taxas de juros.

Dólar ainda ‘é rei’

Mas os últimos acontecimentos não são um sinal do fim da hegemonia da moeda americana na visão de parte dos analistas.

Para alguns dos especialistas consultados pela BBC News Brasil, o início do fim do dólar ainda não chegou. “A afirmação de que estamos vivendo o começo do fim do dólar é prematura”, diz Robert McCauley, da Universidade de Boston.

Apesar de uma retração em alguns setores, a moeda ainda impera quando falamos de transações em comércio internacional. E segundo a grande maioria dos analistas, não há no momento nenhuma outra capaz de substituí-la.

“A dolarização provavelmente continuará, mas o que vai limitá-la, a velocidade com que ela pode se desenvolver, é o fato de que ‘para onde ir em vez disso’, certo? Não há muitas outras moedas líquidas ou países nos quais você pode investir facilmente ou com um mercado de liquidez profunda”, afirma Luis Oganes.

Mesmo a moeda chinesa, que tem crescido e sendo usada por muitos bancos centrais para reservas, não tem ainda força suficiente ainda para substituir o dólar, segundo os especialistas.

Além disso, os depósitos bancários em dólar americano cresceram em muitos países emergentes na última década, indicando uma tendência de busca pela moeda americana em momentos de estresse econômico.

Há ainda quem argumente que mesmo países como Rússia e China, que promovem a discussão sobre a desdolarização, tem dificuldade de se desvincular totalmente do dólar americano.

“Me impressiona o quão lenta a desdolarização foi na Rússia, apesar da clara intenção do governo de reduzir sua exposição ao dólar americano”, diz Robert McCauley.

“Acredito que isso se deve ao fato de o setor privado não ser facilmente persuadido a abandonar o uso do dólar como forma de empréstimo e transação, mesmo em detrimento da moeda nacional.”

O especialista afirma ainda que a China não tem usado todo o potencial de seus empréstimos ou projetos de infraestrutura em países em desenvolvimento em meio à Iniciativa Cinturão e Rota para impulsionar alternativas à moeda americana.

“As autoridades chinesas parecem estar satisfeitas em conceder empréstimos pelo Banco de Exportação-Importação da China [China Eximbank] e pelo Banco de Desenvolvimento da China (CDB) a países africanos e asiáticos em dólar”, diz McCauley.

“Há uma excelente oportunidade para desdolarizar as contas externas da China, mas que não tem sido aproveitada.”

BBC

https://www.bbc.com/portuguese/articles/cjr1zpnr4gvo

Fim do dólar? Por que moeda vem perdendo força no mundo — e isso pode ser o que Trump quer

PL 638, a economia do cuidado no Brasil e sua contabilização

PL 638/2019, de autoria da deputada Luzianne Lins (PT-CE), aprovado pela Câmara dos Deputados no último dia 1º de julho,  representa uma iniciativa transformadora para o reconhecimento formal da economia do cuidado no Brasil.

O texto propõe a aferição do valor econômico e do impacto da “economia do cuidado” no desenvolvimento econômico e social do país por meio de uma conta-satélite vinculada ao Sistema de Contas Nacionais (SCN), além de alterar a Lei 7.735/1985 para incluir nas competências do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher o acompanhamento da implementação dessa conta-satélite.

O projeto surge em um cenário de reconhecida importância das chamadas atividades de cuidado não remunerado para a manutenção da vida, da sociedade e da própria economia.

Essas atividades, desempenhadas majoritariamente por mulheres, integram a “economia do cuidado”, que, conforme definida no projeto, engloba um conjunto de atividades essenciais à reprodução social e ao bem-estar da população, incluindo tarefas domésticas, cuidados diretos a crianças, idosos, pessoas com deficiência e enfermos, além de serviços comunitários não remunerados. Apesar de indispensáveis para a manutenção da força de trabalho e da sociedade, não são contabilizadas como produção econômica.

De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) de 2022, analisados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), no Brasil, o fato de ser mulher acrescenta, em média, 11 horas semanais no trabalho doméstico e de cuidado não remunerado em relação aos homens[1].

Em 2022, as mulheres despenderam semanalmente 21h36min, e os homens 11h48min neste trabalho[2]. As mulheres dedicam, em média, 25,7 horas semanais a trabalhos domésticos e de cuidados não remunerados, enquanto os homens dedicam cerca de 10,8 horas por semana a essas atividades.

Considerando a “dupla jornada”, com uma diferença de aproximadamente 11,1 horas semanais em afazeres domésticos, as mulheres acumulam, ao longo de um ano, cerca de 577 horas a mais que os homens, o que corresponde a aproximadamente 72 dias de trabalho adicional por ano (considerando uma jornada diária de 8 horas).

Estudo do Ipea, publicado em 2023[3], com base na PNAD Contínua de 2022, reforça que as mulheres, especialmente as mais pobres, enfrentam uma carga significativamente maior de trabalho não remunerado. O estudo aponta que mulheres em domicílios com renda de até um quarto de salário-mínimo por pessoa dedicam, em média, 25,7 horas semanais a afazeres domésticos, enquanto as mais ricas (com renda superior a 8 salários-mínimos por pessoa) dedicam 15,5 horas.

Essa desigualdade de gênero no trabalho doméstico e de cuidados não remunerados tem impactos negativos na vida das mulheres, especialmente em termos de tempo disponível para lazer, educação ou progressão na carreira.

Essa sobrecarga, conhecida como “dupla jornada”, impacta negativamente o tempo disponível para lazer, educação e progressão profissional, especialmente entre mulheres em situação de vulnerabilidade socioeconômica. As tarefas de cuidado, historicamente invisibilizadas e majoritariamente desempenhadas por mulheres, não são contabilizadas como produção econômica, apesar de serem indispensáveis para a manutenção da sociedade e da força de trabalho.

O PL 638 alinha-se aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas, particularmente o ODS 5, que promove a igualdade de gênero, e o ODS 8, que foca no trabalho decente e no crescimento econômico inclusivo.

A proposta complementa a Lei 15.069/2024, que instituiu a Política Nacional de Cuidados, visando garantir a corresponsabilização social e entre gêneros na provisão de cuidados, considerando as múltiplas desigualdades estruturais presentes na sociedade brasileira.

O reconhecimento da economia do cuidado é um passo fundamental para visibilizar o trabalho não remunerado, majoritariamente feminino, e subsidiar políticas públicas que promovam igualdade, proteção social e valorização do trabalho doméstico.

A proposta busca criar um mecanismo sistemático para quantificar e valorizar essas atividades, que, apesar de sua relevância socioeconômica, permanecem ausentes das contas nacionais.

No mercado de trabalho formal, segundo dados do Dieese, em 2022 25% dos homens tinham jornada de trabalho semanal superior a 44 horas. As mulheres ocupadas tinham jornada de 55,1 horas semanais, quando somados afazeres domésticos e outros trabalhos[4].

Apesar da relevância socioeconômica dessas funções, não há ainda um mecanismo sistemático que quantifique e valorize formalmente essa economia do cuidado no Brasil, onde as desigualdades de gênero são marcantes, e a visibilidade dessa economia pode ser um avanço significativo.

A proposta central do PL é a criação de uma conta-satélite no âmbito do SCN para mensurar o valor econômico e o impacto social do trabalho de cuidado não remunerado, abrangendo atividades como organização do lar, preparação de alimentos, limpeza, cuidados diretos a dependentes e serviços comunitários voluntários.

Diferentemente do PIB, que se restringe a atividades mercantis, a conta-satélite permitirá capturar atividades não monetizadas, funcionando como um indicador socioeconômico complementar, sem integrá-las ao cálculo oficial do PIB. Essa abordagem preserva a metodologia tradicional do PIB, mas cria espaço para novas métricas que podem, no futuro, apoiar a incorporação do trabalho não remunerado nas contas nacionais.

A conta-satélite será baseada na Pesquisa de Uso do Tempo, conduzida pelo IBGE em 2009 e 2019, que coleta dados detalhados sobre o tempo dedicado a atividades domésticas e de cuidado, permitindo estimativas econômicas por meio de técnicas de valoração, como o custo de oportunidade ou o custo de substituição.

A implementação da conta-satélite exigirá coordenação intersetorial entre o IBGE e os Ministérios da Fazenda, Planejamento e Orçamento, Mulher, Família e Direitos Humanos, com atualizações dos dados previstas a cada cinco anos. Os resultados subsidiarão a formulação, implementação e monitoramento de políticas públicas voltadas ao cuidado, promovendo a institucionalização do tema na agenda de desenvolvimento nacional.

O Conselho Nacional dos Direitos da Mulher desempenhará um papel crucial no acompanhamento da implementação, em parceria com universidades, órgãos de controle e organizações sociais, reforçando a perspectiva de gênero. Essa abordagem reconhece que a maior parte do trabalho de cuidado é realizada por mulheres, especialmente em situação de vulnerabilidade, e busca promover políticas que reduzam as disparidades relacionadas ao tempo e à carga de cuidado, que limitam a participação feminina em outras esferas da vida.

O impacto socioeconômico da proposta é amplo e significativo. Ao visibilizar o trabalho de cuidado, o PL contribuirá para a redução das desigualdades de gênero, alinhando-se à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), ratificada pelo Brasil em 2002.

Dados do Fórum Econômico Mundial (2023) posicionam o Brasil na 89ª colocação no Índice de Desigualdade de Gênero, e a formalização da economia do cuidado pode impulsionar políticas públicas que ampliem o acesso a creches, serviços de assistência a idosos e programas de proteção social para cuidadores informais. Essas medidas podem aliviar a sobrecarga sobre as mulheres, promovendo maior equidade na divisão do trabalho e melhores condições para sua inserção no mercado formal, educação e lazer.

Estudos internacionais reforçam a relevância econômica do trabalho de cuidado não remunerado. O Relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de 2018 estima que, em 53 países, esse trabalho representa cerca de 9% do PIB global, com variações de 2,1% a 41,3% dependendo do país e da metodologia utilizada.

No Brasil, cálculos[5] indicam que o trabalho doméstico não remunerado equivale a aproximadamente 11% do PIB, o que, considerando o PIB de 2024 (R$ 11,7 trilhões), representaria entre R$ 1,2 e R$ 1,75 trilhões. A ONU Mulheres e a Cepal (2021) apontam que, na América Latina, o trabalho não remunerado das mulheres contribui com 15,9% a 25,3% do PIB, sendo 75% desse valor atribuído às mulheres. Esses números destacam o impacto potencial da conta-satélite na economia brasileira, fornecendo uma base empírica para políticas públicas mais assertivas.

Experiências internacionais oferecem referências valiosas para o PL 638/2019. A Austrália, pioneira desde 2006, utiliza a Pesquisa de Uso do Tempo e o método de custo de substituição para estimar o trabalho não remunerado, que representa 41,6% a 58,7% do PIB. O Canadá, com atualizações entre 2015 e 2019, calculou que o trabalho doméstico não remunerado equivale a 37,2% do PIB (US$ 860,2 bilhões em 2019).

O México, desde 2013, estima esse trabalho em 26,3% do PIB (2019), utilizando dados da Pesquisa Nacional sobre o Uso do Tempo para subsidiar políticas de igualdade de gênero, como licenças parentais igualitárias. Na União Europeia, países como a Suécia utilizam contas-satélite para estimar valores entre 25% e 40% do PIB, apoiando políticas de parentalidade e creches universais.

O PL 638 posiciona o Brasil em linha com essas práticas, mas destaca-se por vincular explicitamente a implementação ao Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, reforçando o foco na igualdade de gênero.

A implementação da conta-satélite enfrenta desafios significativos. A quantificação do trabalho de cuidado é metodologicamente complexa, envolvendo aspectos econômicos, sociais e emocionais, além da subjetividade na definição das atividades. A exclusão desses dados do cálculo do PIB pode ser vista como uma limitação, mantendo o trabalho de cuidado à margem da economia formal.

Além disso, a efetividade da proposta dependerá de vontade política, investimento em capacitação técnica e coordenação entre instituições governamentais, universidades e sociedade civil. Outro desafio é garantir que os dados gerados se traduzam em políticas públicas eficazes, como a redistribuição das responsabilidades de cuidado, a ampliação de serviços públicos de qualidade e a valorização do trabalho feminino.

O PL 638 é uma iniciativa inovadora que posiciona o Brasil na vanguarda do reconhecimento da economia do cuidado, uma dimensão essencial para a sustentabilidade social e econômica do país. Ao visibilizar o trabalho predominantemente feminino, muitas vezes desvalorizado, o projeto fomenta o debate sobre justiça social e igualdade na divisão do trabalho doméstico e de cuidado.

Sua implementação pode transformar a forma como o Brasil aborda o desenvolvimento nacional, promovendo políticas públicas que reduzam as desigualdades estruturais, especialmente de gênero, e alinhem o país com compromissos internacionais de direitos humanos e desenvolvimento sustentável.

A criação da conta-satélite fornecerá uma base empírica robusta para políticas de cuidado, como incentivos à formalização do trabalho doméstico, ampliação de serviços públicos e redistribuição das responsabilidades de cuidado, contribuindo para um futuro mais equitativo e inclusivo.


[1] https://repositorio.ipea.gov.br/server/api/core/bitstreams/0c205514-5f9d-4ab8-a005-e82390995894/content

[2] https://www.ipea.gov.br/portal/retrato/indicadores/trabalho-domestico-e-de-cuidados-nao-remunerado/apresentacao

[3] https://www.ipea.gov.br/portal/categorias/45-todas-as-noticias/noticias/14024-estudo-aponta-desigualdade-de-genero-no-trabalho-domestico-e-de-cuidados-nao-remunerado-no-brasil

[4] https://www.dieese.org.br/boletimespecial/2024/1demaio.pdf

[5] Ver Hildete Pereira de Melo e Lucilene Morandi. Mensurar o trabalho não pago no Brasil: uma proposta metodológica. Economia e Sociedade, Campinas, v. 30, n. 1 (71), p. 187-210, janeiro-abril 2021.

Luiz Alberto dos Santos é consultor legislativo (aposentado) do Senado. Mestre em Administração, doutor em Ciências Sociais/Estudos Comparados, advogado e professor colaborador da Ebape/FGV

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https://www.dmtemdebate.com.br/pl-638-a-economia-do-cuidado-no-brasil-e-sua-contabilizacao/

Fim do dólar? Por que moeda vem perdendo força no mundo — e isso pode ser o que Trump quer

‘Pejotização é mais grave que a terceirização e ameaça proteção social’, diz Marinho

“A pejotização é ainda mais grave que a terceirização, pois prejudica não apenas os trabalhadores diretamente, mas todo o país, ao fragilizar o sistema de proteção social”, afirmou o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, durante reunião com representantes da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais (Contar), na terça-feira (12/8).

Segundo Marinho, essa modalidade não apenas prejudica diretamente os trabalhadores, como compromete todo o sistema de proteção social. Ao substituir vínculos formais por contratos de prestação de serviços via CNPJ, há uma queda significativa na arrecadação de fundos essenciais, como o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), o Sistema S e a Previdência Social, recursos fundamentais para o pagamento de benefícios como seguro-desemprego, aposentadorias, auxílios e para o financiamento de programas de qualificação profissional.

Além disso, afirmou que a pejotização fragiliza a rede de direitos trabalhistas construída ao longo de décadas, retirando garantias como férias remuneradas, 13º salário, licença-maternidade e estabilidade em situações específicas. Para o ministro, essa prática integra um processo mais amplo de precarização das relações de trabalho, com impactos sociais e econômicos severos.

O tema será debatido em audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF), e o ministro defendeu a participação ativa de representantes da sociedade civil organizada, considerando a relevância estratégica do debate para o futuro do trabalho e para a preservação das políticas públicas de proteção ao trabalhador no país.

A audiência pública

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF) marcou para o dia 10 de setembro de 2025 uma audiência pública para discutir a pejotização no Brasil. No despacho chamando para a reunião, o ministro elencou perguntas exemplificativas que ele pretende discutir, que vão desde o que se entende por pejotização, a dimensão do fenômeno na economia brasileira, qual o impacto financeiro da pejotização na arrecadação tributária da União e no equilíbrio do sistema previdenciário, como se dá o tratamento tributário de pessoas físicas versus pessoas jurídicas no contexto da pejotização, dentre outros tópicos.

A relação de inscritos habilitados a participar da audiência pública será divulgada nesta sexta-feira (15/8). A audiência será transmitida pela TV Justiça e pela Rádio Justiça.

O caso concreto do ARE 1532603 versa sobre um franqueado que buscava o reconhecimento de vínculo empregatício com uma franqueadora. Porém, ao admitir a repercussão geral do caso, a discussão foi expandida para decidir a “competência e ônus da prova nos processos que discutem a existência de fraude no contrato civil/comercial de prestação de serviços; e a licitude da contratação de pessoa jurídica ou trabalhador autônomo para essa finalidade”.

Gilmar Mendes deu entrevistas dizendo que poderia levar o caso a julgamento neste segundo semestre. Contudo, o ministro Edson Fachin assume a presidência do Supremo no dia 29 de setembro, o que deixa a dúvida se ele colocaria o tema tão logo no plenário físico. Por ora, já são mais de 25,6 mil processos suspensos na Justiça do Trabalho em todo o país, segundo dados fornecidos pela Gestão de Precedentes do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Atualmente são mais de 15 milhões de Microempreendedores Individuais (MEIs) no Brasil e cerca de 1,5 milhão de trabalhadores por aplicativos.

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Fim do dólar? Por que moeda vem perdendo força no mundo — e isso pode ser o que Trump quer

Do sucesso à demissão: saiba por que algumas empresas têm se incomodado com os ‘blogueiros CLT’

Virou mania nacional criar conteúdo nas redes sociais sobre a própria rotina. Em novembro, o g1 mostrou como esse hábito passou a fazer parte da vida do trabalhador, com o surgimento dos “blogueiros CLT”.

Mostrar os perrengues do dia a dia deu fama a uma porção de novos influenciadores que passaram a tirar uma grana extra com a internet. Mas, recentemente, uma nova faceta desse fenômeno apareceu: o incômodo das empresas com quem cria conteúdo, que tem levado inclusive a demissões.

A psicóloga Thamiris Castro, de 30 anos, atuou por quase dois anos em presídios no Rio de Janeiro. Em abril do ano passado, decidiu publicar uma trend nas redes sociais compartilhando curiosidades sobre sua profissão.

Depois que seus vídeos sobre a rotina no trabalho viralizaram no TikTok, ela passou a registrar o dia a dia sem roteiro, iluminação ou filtros. Em junho deste ano, cerca de um ano e dois meses após o primeiro vídeo, acabou sendo demitida.

Thamiris desconfia que o uso das redes sociais tenha influenciado, já que sua chefe começou a segui-la nas redes sociais uma semana antes do desligamento.

“Nunca recebi advertência, ninguém disse que eu estava errada. Depois que aconteceu, pensei: se fosse um problema, poderiam ter me dado a chance de escolher. Faltou diálogo, poderia ter havido uma conversa ou negociação, mas isso não aconteceu”, afirma.

A psicóloga explica que teria ajustado o conteúdo se tivesse sido avisada: “Talvez eu não parasse, mas mudaria algumas coisas, como não mostrar crachá ou citar casos específicos. O combinado não sai caro”, explica.

  • 🔎 Legalmente, a empresa não pode proibir ou limitar as publicações dos empregados nas redes sociais. Mas o trabalhador também não pode divulgar informações sigilosas ou que prejudiquem a imagem da empresa.

Inclusive, o trabalhador pode até ser demitido por justa causa em casos de má conduta nas redes sociais, especialmente quando as publicações afetam a reputação da empresa. (entenda mais sobre o tema)

A atenção nas redes não se restringe aos “blogueiros CLT”. A influenciadora e profissional de marketing Geovanna Pedroso, de 23 anos, trabalhou por cerca de quatro anos em sua área, passando por agências, consultorias e empresas de tecnologia.

Em 2019, começou a produzir conteúdo digital como hobby, focado em comportamento, moda e inovação. Enquanto estudava e trabalhava, mantinha um “segundo turno” como criadora e, com o tempo, acabou se profissionalizando.

“Sempre foi uma válvula de escape. Eu mostrava os produtos que comprava, como blush e iluminador. Muitas meninas se identificaram e começaram a me seguir para acompanhar minha rotina”, conta a influenciadora.

“Sempre levei como um hobby, nunca como um trabalho principal. Gravava vídeos à noite ou nos fins de semana, sempre depois do expediente”, diz Geovanna.

Mesmo sem expor seu emprego nas redes, Geovanna conta que sofreu represálias de colegas e chefes. “Cheguei a ouvir piadas em reuniões, como: ‘vamos fazer igual à Geovanna, postar uma publi agora, porque se a gente for demitido, pelo menos teremos alguma garantia’.”

Geovanna Pedroso é uma das influenciadoras impactadas pela onda de demissões dos “blogueiros CLTs”. — Foto: Arquivo Pessoal/Reprodução Redes Sociais

“Quando ouvi o primeiro comentário nesse tom pejorativo, senti medo. Me senti coagida e percebi que talvez minha posição dentro da empresa estivesse ameaçada”, relata.

Em setembro de 2023, a empresa promoveu um corte de funcionários e ela foi desligada. O trabalho como influenciadora não foi citado como motivo, mas outros colegas que também produziam conteúdo digital acabaram demitidos.

Desde então, sua carreira no marketing foi interrompida e a internet virou sua única fonte de renda. A nova fase, porém, é marcada pela instabilidade. “Consigo me manter, mas não tenho segurança financeira. Em alguns meses fecho boas publicidades e ganho bem. Em outros, fico no limite”, diz.

Diferentemente dos grandes influenciadores, Geovanna não tem contrato com uma agência de marketing que a apoie na carreira. Por isso, busca sozinha parcerias e publicidades. “O que era um hobby acabou virando uma obrigação”, conclui.

🤔 “Blogueiros CLTs” podem ser aliados

Para Geovanna, muitas empresas ainda veem os funcionários que produzem conteúdo como uma ameaça — especialmente quando esses trabalhadores conquistam mais visibilidade do que a própria marca.

Ela acredita que falta compreensão no ambiente corporativo sobre o novo perfil dos trabalhadores e como os “blogueiros” podem ser aliados, ajudando as próprias empresas.

“Acredito que seja mais por uma questão de proteger a imagem e os interesses da empresa. Mas, muitas vezes, essas conversas não se alinham. Se a empresa está bem estruturada, não precisa enxergar esse funcionário influenciador como ameaça”, explica.

Para Leandro Oliveira, diretor da Humand no Brasil e especialista em gestão de pessoas, essa postura defensiva mostra falta de maturidade para lidar com a era digital e, principalmente, a perda de uma oportunidade estratégica.

“A empresa que enxerga isso como risco está perdendo espaço. Está desperdiçando uma força de trabalho que já existe internamente e que poderia ser um catalisador em áreas normalmente difíceis de alcançar”, afirma.

Segundo o especialista, algumas empresas ainda cultivam a ideia de não ter presença ativa nas redes sociais. Mas, como muitos clientes estão no ambiente digital, é fundamental repensar essa estratégia.

Outro ponto levantado por Leandro é valorizar o que os colaboradores já sabem fazer, em vez de gastar tempo e dinheiro em algo sem retorno. Ou seja: em vez de contratar um influenciador de fora, aproveitar o próprio trabalhador e remunerá-lo por isso.

Leandro ainda critica o modelo de comunicação “top-down”, em que tudo parte do alto escalão e não há espaço para protagonismo dos trabalhadores da base. “Empresas que não criam canais de escuta e participação interpretam mal a visibilidade desses colaboradores”, diz.

Para Dado Schneider, doutor em comunicação pela PUC/RS, nem mesmo o conceito de “blogueiros CLT” é exatamente novo. O fenômeno apenas ganhou novos formatos com a expansão da era digital.

Segundo ele, há diferentes perfis de influenciadores CLT:

  • Os que promovem a empresa de forma espontânea;
  • Os que usam o nome da empresa para fortalecer a imagem pessoal;
  • Os que apenas seguem tendências, sem estratégia definida.

“Os costumes mudam mais rápido do que nossa capacidade de entender e regular. Por isso, muitas empresas preferem simplificar: se a pessoa é blogueira, afastam logo, para não incomodar os demais”, explica.

Schneider compara os influenciadores à proibição de telas em salas de aula. Para ele, o Brasil tem a tendência de simplificar demais: em vez de buscar soluções, prefere simplesmente eliminar o “problema”.

“Essas pessoas começaram a divulgar as empresas ou a se promover por meio delas, e alguns cresceram tanto que a primeira reação foi afastá-los, quando, na verdade, poderiam estar ajudando muito”, afirma.

Além disso, as empresas ainda não conseguem acompanhar o ritmo das transformações digitais. Para o especialista, o principal motivo das demissões nem sempre é a quebra de regras, mas ressentimentos internos.

“A maior parte das demissões dos ‘blogueiros CLT’ acontece por inveja ou ciúme profissional. Alguns realmente passam dos limites, mas a maioria mais ajuda do que atrapalha”, diz o especialista.

Há ainda o alerta para o risco enfrentado pelos criadores de conteúdo demitidos, que podem ter dificuldade de se recolocar no mercado, especialmente em setores mais conservadores. Isso acontece por causa da chamada “lista negra”.

Ou seja: quando um trabalhador é desligado, empregadores do setor se comunicam, relatam o motivo e o incluem em uma lista para não contratá-lo.

“Isso sempre existiu, principalmente com profissionais vistos como ‘perigosos’ ou ‘incômodos demais’. Acho essa prática injusta: o trabalhador tem o direito de errar em uma empresa e dar certo em outra. Mas, infelizmente, acontece”, conclui.

🤑 Nova fonte de renda

Para Jéssica Palin Martins, especialista em saúde emocional corporativa, as redes sociais são apenas mais uma forma de renda extra, o que não deveria ser visto como problema, desde que não prejudique o desempenho profissional.

“Tem gente que vende produtos de beleza, faz trufas, bolos no pote, trabalha como garçom à noite. Rede social é só mais uma forma de renda extra. Se não atrapalha a entrega, está tudo certo”, explica a especialista.

Segundo ela, o problema aparece quando não há entrega de resultados ou quando a exposição serve para atacar a própria empresa: “Se estiver tudo acordado e for positivo, ótimo. Caso contrário, é justo reavaliar”, diz.

Não há proibição legal para que um funcionário CLT tenha renda extra como influenciador digital. No entanto, é importante verificar se o contrato de trabalho prevê algum impedimento. (entenda mais sobre o tema)

🎯 Dá para virar o jogo?

Yuri Santos trabalhou como assistente de social media e aparecia com frequência nos conteúdos da própria empresa. Após quase dois anos, foi desligado — prefere não detalhar o motivo por questões de sigilo contratual.

“Eu era uma figura pública dentro da empresa e também nas minhas redes. Quando saí, muita gente se surpreendeu”, diz o jovem de 23 anos, formado em marketing.

Yuri afirma que, antes desse emprego, não era uma pessoa ativa nas redes. “Existe um antes e depois de entrar nessa empresa. Eu não gostava de aparecer, mas passei a curtir e a produzir conteúdo. Gosto de gravar vídeos e aprendi tudo isso lá dentro”, completa.

Se há um ponto positivo é que a visibilidade que conquistou abriu novos caminhos: após o desligamento, usou LinkedIn e Instagram para anunciar a saída e, com isso, atraiu novas oportunidades. Hoje, já está empregado em uma marca do setor de beleza.

Além do novo emprego CLT, Yuri mantém um perfil pessoal ativo nas redes e ainda administra, com amigas, uma segunda conta sobre cultura, moda e entretenimento.

“É uma jornada tripla. Gravo nos fins de semana, edito à noite e programo os posts. Às vezes durmo só 1h da manhã para acordar às 6h. Mas eu amo essa rotina”, conta Yuri, que ainda não pensa em largar a CLT para ser influenciador.

Já a psicóloga Thamiris Castro foi surpreendida por uma onda de apoio dos seguidores e viu aumentar a procura por atendimentos após a demissão. Ela passou a atender pacientes que a conheceram pelas redes sociais e encontrou uma nova fonte de renda.

“Foi terapêutico. Eu achava que minha exposição podia ser um problema, mas foi justamente o que me aproximou dessas pessoas. Atendo jovens que assistem aos meus vídeos e se identificam com minha linguagem”, afirma.

Além dos atendimentos, ela também orienta estudantes, cobrando um valor simbólico por conversas, entrevistas acadêmicas e palestras. Thamiris ainda não sabe o rumo da carreira, mas, por enquanto, quer aproveitar o momento na internet.

“Ainda tem muita coisa se encaixando na minha cabeça. É um momento de descobertas e também de cuidado. Trabalhar em casa tem me trazido novas possibilidades, então vou seguir assim enquanto fizer sentido e enquanto eu estiver gostando”, conta.

❌ O que o trabalhador NÃO pode compartilhar

Carolina Dostal, diretora regional da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-SP), alerta que é essencial ter alguns cuidados ao publicar conteúdos relacionados ao trabalho nas redes.

  • 🚫 Não publicar dados confidenciais da empresa;
  • 🚫 Evitar compartilhar produtos ou serviços que são lançamentos;
  • 🚫 Não postar a tela do computador;
  • 🚫 Não divulgar reuniões estratégicas;
  • 🚫 Evitar abordar assuntos polêmicos;
  • 🚫 Tomar cuidado com erros de português;
  • 🚫 Não compartilhar notícias falsas;
  • 🚫 Não falar mal do patrão ou da empresa publicamente;
  • 🚫 Não compartilhar fofocas do trabalho;
  • 🚫 Não publicar conteúdos que são contra ao posicionamento da companhia;
  • 🚫 Evitar qualquer informação que possa prejudicar a imagem do empregador.

“O trabalhador precisa estar alinhado com a empresa, compartilhando os mesmos valores e a mesma cultura”, explica Carolina Dostal. Para ela, os empregadores devem enxergar o funcionário influenciador como um benefício.

A especialista defende que o empregador ofereça treinamento aos funcionários que publicam conteúdos relacionados ao trabalho nas redes sociais. Já o colaborador precisa organizar bem a rotina entre o emprego CLT e a vida de influenciador.

“O que não pode é comprometer a atividade principal nem gerar concorrência ou danos à imagem da empresa”, afirma a advogada trabalhista Juliane Facó, sócia do Pessoa & Pessoa Advogados.

A especialista reforça que o trabalhador não deve expor informações confidenciais nem conteúdos que prejudiquem a imagem da empresa. Além disso, é fundamental preservar a intimidade e a privacidade de colegas, clientes e prestadores de serviço.

G1

https://g1.globo.com/trabalho-e-carreira/noticia/2025/08/26/do-sucesso-a-demissao-saiba-por-que-algumas-empresas-tem-se-incomodado-com-os-blogueiros-clt.ghtml

Fim do dólar? Por que moeda vem perdendo força no mundo — e isso pode ser o que Trump quer

Fiscais aplicam quase 200 autuações ao Madero por irregularidades trabalhistas

A rede de restaurantes Madero foi alvo de uma operação que gerou 193 autos de infração devido a diversas irregularidades trabalhistas.

A fiscalização, realizada entre março e julho de 2025 por auditores da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Minas Gerais (SRTE/MG), inspecionou 12 unidades da rede no estado.

O relatório dos fiscais, obtido com exclusividade pelo g1, aponta problemas como falta de registro de empregados, alojamentos inadequados, discriminação por idade e estado civil, jornadas exaustivas, e ausência de políticas de prevenção ao assédio moral e sexual.

Em nota, o Grupo Madero diz que recebeu o relatório com atenção e investe em capacitação, alimentação e acompanhamento das equipes. A empresa disse ainda estar aberta ao diálogo com as autoridades para avaliar os pontos indicados e adotar melhorias quando necessário. (veja o texto na íntegra abaixo)

De acordo com auditores fiscais do trabalho, o modelo de gestão do Madero “viola direitos fundamentais” e “aumenta a vulnerabilidade de jovens recrutados” em cidades do interior do Norte e Nordeste.

O relatório aponta que os jovens eram enviados para unidades em outras regiões do país sem poder escolher o destino e, em alguns casos, começavam a trabalhar antes de ter o registro formal na carteira de trabalho.

Parte dos anúncios, segundo os auditores, incluía exigências de faixa etária entre 18 e 25 anos ou questionamentos obrigatórios sobre estado civil e filhos. Essas práticas são consideradas discriminatórias e proibidas pela Lei nº 9.029/1995 e por convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

“Encontramos editais de contratação que pediam faixa etária específica, o que é proibido por lei. Isso gerou autos de infração por discriminação etária”, explicou Odete Cristina Pereira Reis, auditora fiscal que coordenou a ação.

Os auditores identificaram regras rígidas nos alojamentos, descontos salariais variáveis e penalizações por descumprimento de normas internas, como não fazer faxina ou receber visitas.

Em alguns casos, os alojamentos ficavam a até 40 minutos a pé dos restaurantes, sem fornecimento de vale-transporte, mesmo para funcionários que terminavam o turno após a meia-noite.

Os auditores também apontaram práticas de assédio moral organizacional, com monitoramento constante, metas rígidas de produtividade e campanhas como “funcionário do mês” baseadas em critérios subjetivos.

A rede foi autuada ainda por desrespeitar o direito à desconexão, já que, segundo a investigação, os funcionários permaneciam sob vigilância constante, inclusive nos alojamentos.

Os auditores concluíram que o modelo de gestão do Madero “intensifica a exploração da força de trabalho” e “afronta direitos constitucionais”, como o convívio familiar e a proteção integral da juventude.

As 193 autuações foram aplicadas às unidades de Belo Horizonte (MG) e à matriz da empresa, em Ponta Grossa (PR).

Os autos de infração serão encaminhados aos órgãos competentes, como o Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público Estadual, sindicatos e coordenações da Secretaria de Inspeção do Trabalho.

Cada infração pode gerar multas administrativas, cujo valor varia de acordo com a gravidade e o porte da empresa. A Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) estima que o total possa alcançar R$ 3,4 milhões.

  • 🔎 No entanto, a secretaria ressalta que os autos de infração ainda estão em análise e os valores são aproximados, podendo aumentar em alguns casos ou ser reduzidos se a empresa apresentar defesa.

O Madero poderá ser obrigado a regularizar os registros dos empregados, adaptar os alojamentos às normas legais e implementar medidas de combate ao assédio. Caso não cumpra essas exigências, a empresa poderá enfrentar ações judiciais e novas fiscalizações mais rigorosas.

“Nosso trabalho termina com os autos e com o relatório. A partir daí, o Ministério Público do Trabalho e outros órgãos acompanham os desdobramentos. O que podemos afirmar é que as irregularidades foram comprovadas e a empresa precisará responder”, concluiu a auditora Odete Cristina.

O que diz o Madero

O Grupo Madero recebeu com respeito e atenção o relatório da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Minas Gerais e reafirma seu compromisso em garantir o bem-estar de seus colaboradores, de acordo com o previsto pela legislação trabalhista brasileira.

A empresa tem orgulho de cumprir uma função social importante, oferecendo oportunidades de primeiro emprego a milhares de jovens de todo o Brasil, especialmente em regiões onde o mercado formal é escasso. Muitos desses jovens encontram no Grupo Madero a chance de ingressar no mercado de trabalho e construir uma trajetória profissional que talvez não fosse possível sem essa iniciativa.

O Grupo Madero também reforça sua preocupação com o conforto e a segurança de seus times, investindo em programas de capacitação, alimentação balanceada durante a jornada e acompanhamento constante para garantir condições adequadas de trabalho.

A empresa está aberta ao diálogo com a Superintendência e demais autoridades, bem como disposta a analisar cada ponto trazido pelo relatório, implementando ajustes e melhorias sempre que necessário. O Grupo Madero acredita que a transparência e a cooperação são os melhores caminhos para seguir contribuindo com o desenvolvimento de seus colaboradores e da sociedade.

G1

https://g1.globo.com/trabalho-e-carreira/noticia/2025/08/27/fiscais-aplicam-quase-200-autuacoes-ao-madero-por-irregularidades-trabalhistas.ghtml

Fim do dólar? Por que moeda vem perdendo força no mundo — e isso pode ser o que Trump quer

Sanções a Magnitsky expõem dependência do dólar no Brasil em meio à pressão do BRICS pela desdolarização. Artigo de Uriel Araujo

O setor financeiro brasileiro está em crise após o Ministro da Justiça, Flávio Dino, alertar os bancos contra o cumprimento das sanções da Global Magnitsky impostas pelos EUA ao Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. O impasse reforça a postura neomonroísta de Trump, levantando questões sobre a soberania jurídica do Brasil, a dependência do dólar e o futuro da desdolarização do BRICS.

O artigo é de Uriel Araujo, publicado por Info Brics.

Uriel Araujo é doutor em Antropologia, é um cientista social especializado em conflitos étnicos e religiosos, com ampla pesquisa sobre dinâmicas geopolíticas e interações culturais.

Eis o artigo.

Os bancos brasileiros mergulharam em turbulência após o Ministro da Justiça, Flávio Dino, ameaçar punir instituições que cumpram as sanções americanas contra o Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. As ações dos principais bancos do país caíram acentuadamente após o alerta de Dino, enquanto as instituições financeiras se viram repentinamente no meio de uma disputa geopolítica crescente. O impasse ilustra como a postura neomonroísta de Donald Trump está remodelando drasticamente as relações entre EUA e Brasil, arrastando não apenas a mais alta corte de Brasília, mas também seu sistema bancário para a máquina de sanções de Washington.

No cerne da questão estão as chamadas sanções globais Magnitsky. Originalmente concebidas para atingir violadores de direitos humanos e autoridades corruptas, a Lei Magnitsky foi aprovada pela primeira vez em 2012 contra figuras russas controversamente acusadas de envolvimento na morte do advogado Sergei Magnitsky. Em 2016, foi expandida para um instrumento global, concedendo ao Tesouro dos EUA a capacidade de congelar ativos, bloquear propriedades e cortar o acesso ao sistema financeiro americano de indivíduos designados em todo o mundo.

O sistema sempre foi menos uma ferramenta de direitos humanos do que uma arma geopolítica. Ser “Magnitskyado” hoje significa ser excluído dos circuitos financeiros dominantes do mundo, visto que praticamente todas as transações internacionais passam por mecanismos de compensação em dólares, sujeitos à influência de Washington. Esta é uma das razões pelas quais a agenda de desdolarização do grupo BRICS é vista pelos EUA como uma grande ameaça, aliás: minaria enormemente o poder de alavancagem americano.

Quando o Tesouro de Trump colocou Moraes e outros ministros da Suprema Corte sob a designação Global Magnitsky, o judiciário brasileiro respondeu de forma desafiadora. A Suprema Corte anunciou que “anularia” as sanções internamente, ordenando efetivamente aos bancos nacionais que ignorassem as determinações de Washington. No entanto, sanções não são algo que um tribunal estrangeiro possa simplesmente apagar. As instituições financeiras operam globalmente, com sistemas de conformidade que não podem selecionar jurisdições. Para os bancos, desafiar Washington significa arriscar o acesso ao próprio sistema do dólar — uma opção inviável, por enquanto.

Curiosamente, Moraes já havia ganhado destaque global em 2024, durante sua disputa com Elon Musk, quando a Justiça tornou o Twitter (agora X) ilegal no Brasil por um breve período. Com Musk emergindo posteriormente como um aliado influente de Trump, a posição de Moraes sempre atraiu a ira de Washington. Mesmo após o rompimento de laços entre Trump e Musk, o peso político e econômico das Big Techs (4) continua a pesar sobre essas disputas, como já observei em outro lugar .

Agora, o Ministro Dino alerta os bancos que, se cumprirem as regras de Magnitsky, enfrentarão sanções em casa. O Supremo Tribunal Federal insinuou ter sua própria ” carta na manga ” caso Trump agrave ainda mais a situação. Mas o setor financeiro permanece cético: apesar das ameaças político-legais, os principais banqueiros brasileiros admitem que, em última análise, terão que ceder às exigências de Washington. Basta dizer que esse cabo de guerra destaca o estado frágil da segurança jurídica do Brasil — ou seja, sua previsibilidade jurídica ou certeza jurídica. Quando as instituições emitem ordens contraditórias, os bancos ficam em um estado de insegurança.

O dilema não é meramente legalista. Os bancos brasileiros, como a maioria no mundo, dependem dos sistemas de mensagens SWIFT e da compensação de dólares por meio de bancos correspondentes em Nova York. Essas redes formam a espinha dorsal das finanças modernas, e ficar de fora delas equivale a uma asfixia comercial. Nenhuma decisão nacional pode reverter essa realidade, por enquanto. Daí o paradoxo: enquanto Brasília proclama soberania, seu próprio setor financeiro admite discretamente que deve se submeter às regras americanas. Essa desconexão corrói a confiança na estabilidade das instituições brasileiras e envia um sinal assustador aos investidores.

O confronto expõe realidades mais amplas. As tarifas de Trump de até 50% sobre produtos brasileiros, combinadas com as sanções de Magnitsky, demonstram um esforço deliberado para monopolizar o Brasil economicamente. Curiosamente, essa pressão coincide com uma nova investida americana para dominar minerais estratégicos, ecoando as políticas voltadas para o uso de recursos naturais que Trump aplicou à Groenlândia. O padrão é inconfundível: coerção, sanções e tarifas como ferramentas para reafirmar a hegemonia hemisférica em meio à Nova Guerra Fria com a China.

No entanto, o Brasil não está sozinho em enfrentar esse tipo de pressão extraterritorial. Washington aplicou táticas semelhantes a bancos europeus que negociam com o Irã, a empresas chinesas que negociam com a Rússia e até mesmo a empresas canadenses envolvidas na disputa da Huawei. Em todas as ocasiões, a lição foi a mesma: independentemente das leis nacionais de um determinado país, as sanções americanas tendem a prevalecer na prática devido à centralidade do sistema do dólar. O caso do Brasil torna-se, assim, mais um capítulo em uma história maior de dependência financeira e vulnerabilidade estratégica.

As implicações vão além do setor bancário. Se o Brasil for forçado a cumprir a lei apesar das decisões do Supremo Tribunal Federal, suas instituições enfrentarão uma grave erosão de autoridade. A agenda de desdolarização do BRICS, portanto, ganha urgência sob essa ótica: somente construindo mecanismos paralelos de comércio e finanças as economias emergentes poderão se proteger do poder extraterritorial dos EUA. Iniciativas como sistemas de liquidação em moeda local, moedas digitais de bancos centrais e plataformas de pagamento alternativas ainda estão em fase inicial. Mas, sem elas, a resistência de Brasília permanecerá retórica, e seus bancos continuarão a servir como executores relutantes da vontade de Washington.

Por enquanto, o Brasil se encontra em uma posição nada invejável: pressionado por Washington, contrariado por seus próprios tribunais e com os mercados punindo seus bancos em tempo real. A ofensiva neomonroísta de Trump, por mais contundente que seja, continua eficaz precisamente porque explora a arquitetura das finanças globais. Na verdade, é essa mesma arquitetura — mais do que diplomacia ou poder militar — que assegura o domínio dos EUA. Até que o Brasil e seus parceiros do BRICS consigam alterar essa arquitetura, eles provavelmente permanecerão bastante vulneráveis ​​à próxima rodada de sanções, tarifas ou imposições de Washington.

DM TEM DEBATE

https://www.ihu.unisinos.br/656318-sancoes-a-magnitsky-expoem-dependencia-do-dolar-no-brasil-em-meio-a-pressao-do-brics-pela-desdolarizacao-artigo-de-uriel-araujo