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Trabalho digno: uma exigência de saúde mental

Trabalho digno: uma exigência de saúde mental

Dia da Luta Antimanicomial teve, como foco, a questão trabalhista. Não só devido à precarização nos CAPS e à demanda por ocupações para os usuários dos serviços: fim da escala 6×1 também se faz urgente para enfrentar crise de sofrimento psíquico no país

Guilherme Arruda e Denis Saffer

No Brasil, já há alguns anos, o mês de maio dá palco às manifestações e atividades culturais e políticas promovidas nas ruas das cidades e nos equipamentos da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) por trabalhadores, usuários e familiares ligados aos serviços de saúde mental. As ações remetem ao 18 de maio, aclamado como Dia da Luta Antimanicomial pelo Encontro de Bauru (1987), um importante marco na trajetória da Reforma Psiquiátrica brasileira.

Hoje em dia, por meio dessas mobilizações, “a gente continua se articulando e participando da cena política para fazer a política antimanicomial e da RAPS acontecer, assim como prevê a lei”, explica Israel Almeida de Oliveira, membro do Movimento Nacional de Luta Antimanicomial (MNLA) no Amapá. Por um lado, os atos mantêm um fio de continuidade de várias décadas de atuação política em defesa do cuidado em liberdade, em uma história que remonta aos anos 1970. Por outro, ao levantarem novas bandeiras ligadas às principais necessidades percebidas nos territórios, também atualizam as pautas do movimento, renovando seu enraizamento na sociedade.

Para além das demandas locais, ativistas de todo o país sentem a necessidade de  levar a luta antimanicomial às ruas em um contexto geral de “retomada de um processo psiquiátrico muito intenso, avanço de uma ação farmacológica e sucateamento das políticas públicas” da saúde mental, como define Daniel Bermudes, psicólogo e membro do MNLA do Espírito Santo. Em meio ao aumento do sofrimento psíquico e do crescimento dos diagnósticos de depressão e ansiedade entre a população, um conjunto de bandeiras, distintas mas interconectadas, se destacou: aquelas ligadas ao trabalho.

“Quando a gente fala de trabalho e de trabalhadores, a gente não está falando só dos trabalhadores dos serviços de saúde mental. A gente também está falando dos usuários e dos familiares, e o tema se articula com o debate que vem acontecendo nacionalmente sobre o fim da escala 6×1, a redução da jornada de trabalho sem redução salarial, políticas de pleno emprego e, no específico, de políticas de geração de emprego para os usuários da saúde mental”, resumiu um membro do Núcleo Estadual do Movimento de Luta Antimanicomial no Rio de Janeiro. Na capital fluminense, o slogan escolhido para o ato de 18 de maio – “Ainda estamos aqui na luta: antimanicomiais contra a precarização do trabalho e da vida” – sintetizou essa visão.

Uma história de lutas

Até a década de 1980, o Brasil era um verdadeiro polo manicomial, com dezenas de milhares de leitos em hospitais psiquiátricos onde pessoas passavam por vezes suas vidas inteiras subjugadas em condições desumanas. Contrapondo-se a esse cenário, os movimentos de luta antimanicomial e seus apoiadores foram os principais protagonistas de uma grande pressão social que levou o Brasil a empreender uma grande transformação no modelo de cuidado em saúde mental – para muitos, até pela dimensão do país, uma das maiores do mundo. (Sobre o tema, Outra Saúde publicou no ano passado o dossiê Reforma e Contrarreforma Psiquiátrica no Brasil).

Através de décadas de luta, os movimentos tiveram conquistas fundamentais como a Lei nº 10.216/2001, conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica, que estabeleceu os direitos das pessoas com transtornos mentais no Brasil, priorizando o tratamento em liberdade, a inclusão social e a substituição progressiva das internações em hospitais psiquiátricos por cuidados em serviços comunitários.

A partir da lei, estabeleceu-se então uma institucionalização parcial de uma rede de atenção em saúde mental de base comunitária no país, a exemplo dos CAPS, de forma simultânea a uma redução expressiva da oferta de leitos em hospitais psiquiátricos. Entre 2002 e 2024 tivemos a abertura de 2.595 Centros de Atenção Psicossociais e o fechamento de 41.049 leitos em hospitais psiquiátricos no Sistema Único de Saúde (SUS), segundo o Ministério da Saúde.

No entanto, mais recentemente, os setores mobilizados da sociedade – articulados em movimentos e redes nacionais, a exemplo do Movimento Nacional da Luta Antimanicomial (MNLA) e da Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial (RENILA) –  identificam que, no campo do cuidado às pessoas que fazem uso abusivo de álcool e outras drogas, uma visão social higienista foi se estabelecendo no país, levando ao crescimento das Comunidades Terapêuticas, instituições de internação prolongada, muitas vezes de cunho religioso e que ressoam diversas práticas manicomiais.

Além disso, frente ao aumento vertiginoso do sofrimento psíquico na sociedade, acompanhado do crescimento dos diagnósticos de ansiedade e depressão, os movimentos apontam que as políticas públicas têm se movimentado de forma insuficiente para se estruturar frente a essa demanda, gerando casos de desassistência e medicalização. Nesse contexto, torna-se ainda mais urgente a luta por mais serviços comunitários de saúde mental no país, além da melhoria das condições daqueles já existentes – que enfrentam dificuldades de infraestrutura, interferências políticas e, crucialmente, forte precarização dos vínculos trabalhistas.

Essas e outras observações se explicitaram nas entrevistas concedidas a este boletim por representantes de diversos estados do país.

Precarização do trabalho

Em meio à multiplicidade de pautas que marca o Dia da Luta Antimanicomial, atento às demandas específicas dos territórios, nenhuma pauta foi tão unânime quanto a do trabalho.

Em parte, porque a fragilização dos vínculos trabalhistas dos funcionários dos CAPS e demais serviços – cada vez mais geridos por Organizações Sociais da Saúde e submetidos a lógicas privatistas contrárias ao projeto do SUS – ameaça a própria capacidade de mobilização do movimento. “No ano passado, o ato na cidade do Rio de Janeiro foi muito tenso porque houve muitas ameaças e muito assédio para que os profissionais da rede não comparecessem. A gestão dizia em reuniões de equipe que haveria consequências para os que fossem”, exemplifica o psicólogo carioca e membro do NEMLA, que preferiu não se identificar.

O temor se torna mais forte porque cada vez menos profissionais da saúde mental são servidores concursados, que podem enfrentar a interferência política com mais tranquilidade devido à estabilidade no emprego. Os próprios gestores de unidades, que já foram importantes aliados, recuam de qualquer abertura ao movimento. Em sua maioria, chegam ao posto por indicação – e também receiam perder seus empregos, como os demais funcionários.

Além disso, o processo fragiliza o próprio cuidado oferecido aos usuários dos serviços. “A falta de suporte e de atividades coletivas também precisa ser inserida num contexto de precarização do trabalho dos profissionais. Eles estão sobrecarregados e não recebem condições estruturais para fazer o trabalho de cuidado, para que aquele seja um espaço promotor de saúde, que produz acolhimento e laços. Aí é que isso se articula com o processo de privatização dentro do SUS. A gestão das OSS mudou o clima de trabalho nos CAPS”, reflete o trabalhador carioca.

Em síntese, “resistir, hoje, exige mais”, afinal, “É preciso enfrentar o desmonte silencioso que avança sob a lógica da terceirização, das OSS, da precarização do trabalho e da negação do vínculo”, define David dos Santos, membro do Fórum Popular de Saúde Mental da Zona Leste de São Paulo e do Fórum Kilomboleste.

A atenção às problemáticas do mundo do trabalho também se estendeu para além das portas dos CAPS, em tempos de mobilização na sociedade contra a exploração nas relações laborais. No ano passado, como destacou Outra Saúde, o Brasil registrou 400 mil afastamentos do trabalho por razões de saúde mental. Por isso, também estiveram presentes em diversos atos do Dia da Luta Antimanicomial ao redor do país alguns cartazes e bandeiras pelo fim da escala 6×1 – associada ao sofrimento psíquico dos trabalhadores, devido ao caráter extenuante das jornadas.

Palavras de ordem também destacaram a importância das políticas de geração de empregos e atividades ocupacionais para os usuários dos serviços de saúde mental, cada vez mais precarizadas pelo subfinanciamento da RAPS.

Na avaliação dos entrevistados, retomar a radicalidade e a ligação íntima com a mobilização dos trabalhadores que caracterizavam os primeiros dias da luta antimanicomial será essencial para atravessar o atual momento. “Em meio ao avanço das políticas neoliberais e a toda a instabilidade política que a gente vive no Brasil a nível da democracia e da participação social, fazer uma retomada histórica disso é muito fundamental, porque vai refletir diretamente na capacidade de mobilização social”, avalia Daniel Bermudes.

“Em alguns colegas, percebemos um certo entristecimento, um desânimo na continuidade desse trabalho por se acreditar que ele não faz mais sentido, como se fosse uma causa perdida. Relembrar que os avanços foram fruto de muita luta pode retomar o interesse em fazer um trabalho que pense um novo futuro para o cuidado em saúde mental. Não um futuro ideal, mas um horizonte muito possível”, ele completa.

O que corrói a Rede de Atenção Psicossocial

O problema do subfinanciamento, dizem os ativistas, vem se agravando no último período. Por isso, a demanda por investimento nos serviços de saúde mental também apareceu fortemente nos atos, conta Daniel: “A gente coloca como pauta o investimento na RAPS, principalmente a ampliação dos serviços CAPS e das equipes eMulti, mas também uma maior formação e capacitação das equipes de saúde mental. É preciso retomar os investimentos até em condições básicas de trabalho e de assistência que os usuários precisam, como alimentação, material para oficinas, transporte para poder fazer passeios, estrutura física para poder beber água, coisas simples”.

Como consequência do subfinanciamento dos serviços comunitários, “a rotatividade de profissionais, a ausência de educação continuada e a substituição da escuta pela meta corroem a Rede de Atenção Psicossocial. Em seu lugar, cresce o discurso da abstinência como única saída, o retorno de práticas higienistas e o silenciamento das pautas humanitárias”, explica David.

Por essa razão, as manifestações também denunciaram as parcerias de governos locais com comunidades terapêuticas e outros “novos manicômios” que se infiltram nas políticas voltadas para o cuidado com pessoas que fazem uso abusivo de álcool e drogas. No Espírito Santo, essa denúncia se concentrou na Rede Abraço, um programa do governo estadual que “está concentrando investimentos em detrimento da RAPS e que incentiva as internações e a abstinência, e não a redução de danos”, revela Daniel.

No ano passado, o ato do Dia da Luta Antimanicomial no Rio de Janeiro fez críticas similares ao programa Seguir em Frente, iniciativa para a população de rua implementada pela Prefeitura da capital que “vai na direção oposta do que deve ser a atenção psicossocial”, opina o psicólogo carioca ouvido por este boletim. Já neste ano, a manifestação em São Paulo desfraldou na avenida Paulista uma grande faixa com os dizeres “Não às comunidades terapêuticas”.

Na visão do psicólogo capixaba Daniel Bermudes, o momento também é de “ascensão de novos discursos sobre saúde mental” no país, muitos deles contrários aos princípios da Reforma Psiquiátrica. Por isso, os atos do dia 18 de maio também tiveram o papel de “divulgar informações sobre a luta antimanicomial e combater estigmas, como as piadinhas de CAPS que são a nova moda”, complementou Israel Almeida.

Para David, o trabalhador da RAPS paulista, “frases como ‘CAPS não é piada, é liberdade’ e ‘Loucura não se prende’ reafirmaram a centralidade dos CAPS como territórios de cuidado em liberdade, contrapondo o estigma que ainda ronda a saúde mental com a urgência de políticas que acolham sem punir”.

Guilherme Arruda é jornalista do site Outra Saúde.

Denis Saffer é militante antimanicomial e da reforma sanitária, gestor em saúde pública e psicólogo. Faz parte do Movimento pela Saúde dos Povos – Brasil.

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Trabalho digno: uma exigência de saúde mental

Por um direito fundamental à desconexão do trabalho em feriados

Portaria MTE 3.665/2023, que entrará em vigor no próximo dia 1º de julho, promove mudanças substanciais nas normas que regem o trabalho em domingos e feriados, especialmente no segmento do comércio e dos serviços. Revogando autorizações permanentes previstas na Portaria 671/2021, estabelece-se que o labor em dias feriados se submeta à prévia negociação coletiva, imprimindo a esse arranjo laboral as notas da temporariedade, da revisão periódica e da consensualidade coletiva.

Trata-se da recuperação do império da legalidade em sentido formal — que não pode ser superada por portarias administrativas, sobretudo em prejuízo do trabalhador – conforme já dispunham a Lei 10.101/2000 e sua alteração pela Lei 11.603/2007 (art. 6º-A).

Além disso, a normativa reforça a segurança jurídica e valoriza o diálogo social, pois as condições para o trabalho em feriados deixam de ser unilateralmente impostas e passam a ser objeto de negociação entre empregadores e sindicatos, prestigiando a autonomia privada coletiva e reforçando o papel constitucional dos sindicatos (CF, art. 8º, III).

Entre os setores impactados estão supermercados, açougues, farmácias, lojas de veículos e diversos outros ramos do comércio varejista. A exigência de convenções ou acordos coletivos de trabalho impõe novos desafios, sobretudo para pequenas e médias empresas, que poderão enfrentar dificuldades operacionais e financeiras para viabilizar negociações sindicais. Ainda assim, a medida representa uma oportunidade para adoção de práticas laborais mais equitativas, que valorizem a negociação coletiva e reconheçam o descanso como aspecto indissociável da dignidade do trabalhador.

Os críticos da nova portaria alegam riscos de desabastecimento em setores essenciais e excesso de “burocracia”. No entanto, a normativa preserva o funcionamento de serviços definidos como essenciais (Lei 7.783/1989, art. 10), tais como postos de combustíveis, hotéis e feiras livres, que permanecem autorizados a operar nos feriados sem a exigência de negociação coletiva.

Vale ressaltar também que a Portaria 3.665/2023 não altera as regras sobre controle eletrônico de jornada (REP-C, REP-A e REP-P, da Portaria 671/2024), como tampouco interfere – e nem poderia – nas normas municipais sobre o funcionamento do comércio.

Por outro lado, o argumento de que a obrigação de negociar coletivamente antes de suprimir ou relativizar um direito tão sensível seja um “excesso burocrático” chega a ser cínico, quando parte daqueles que, há alguns anos (mais exatamente em 2017, ao tempo da reforma trabalhista), pediam maior espaço para a negociação entre patrões e sindicatos e a redução do papel do Estado na regulação das relações de trabalho. A tese do Estado mínimo só tem serventia quando o Estado regula em prol das classes trabalhadoras?

Em plagas brasileiras, no ano de 2024, os processos trabalhistas envolvendo horas extras e intervalos intrajornada estiveram entre os mais recorrentes no Tribunal Superior do Trabalho (TST): foram 70.508 processos relacionados a horas extraordinárias, representando um aumento de 19,7% em comparação com 2023.

Apenas isso já parece revelar que o trabalho além da 8ª hora e/ou em domingos e feriados é recorrente – e cada vez mais recorrente – no Brasil. Nada obstante, a CLT proíbe o trabalho em feriados (art. 70), assegurando o pagamento integral dos dias não trabalhados; e, se trabalhados e não compensados, cabe remunerá-los em dobro, i.e., com adicional de 100% (Súmula 146 do TST).

A regulamentação administrativa do trabalho em feriados busca justamente compatibilizar o funcionamento de atividades econômicas que não devem sofrer soluções de continuidade (veja-se, na origem, o Decreto 27.048/1949) com o direito fundamental ao repouso e à desconexão.

Do ponto de vista social e econômico, porém, o labor em feriados impacta negativamente a saúde física e mental do trabalhador, reduzindo o convívio social e familiar e aumentando os riscos de estresse e exaustão.

Por isso, a Portaria 3.665/2023 anda bem ao promover a negociação coletiva – e não a individual, em que o empregado amiúde se vê instado a consentir com todas as posições patronais – como forma de garantir compensações justas e preservar a integridade do empregado.

Por meio de acordos e convenções coletivas, com efeito, podem-se pactuar medidas de proteção e equilíbrio — como remuneração adicional, folgas compensatórias e limitações de jornada — que alinhem as necessidades econômicas às exigências humanas do trabalho.

Trata-se, assim, de uma normativa que milita na direção da valorização do trabalho humano e da proteção dos direitos fundamentais. E, para mais, restaura-se o império da legalidade, já que, ao revogar várias das autorizações permanentes previstas na Portaria 671/2021 e ampliar o condicionamento do labor em dias feriados à prévia negociação coletiva, a Portaria 3.665 imprime as notas da temporariedade, da revisão periódica e da consensualidade coletiva ao respectivo arranjo laboral, nos termos do art. 7º, XIII, XV e XXVI, da CRFB, além de atender ao disposto pelo art. 6º-A da Lei nº 10.101/2000, na redação da Lei 11.603/2007: “É permitido o trabalho em feriados nas atividades do comércio em geral, desde que autorizado em convenção coletiva de trabalho e observada a legislação municipal, nos termos do art. 30, inciso I, da Constituição” (g.n.); como se vê, “portarias” ou “atos administrativos” não estão mencionados.

Por fim, voltando à questão do trabalho (e do descanso) e em linha de arremate, merecem reflexão as palavras do saudoso Jorge Bergoglio, o papa Francisco, ao ensejo da Laudato Si: a tradição bíblica, não à toa, “estabelece claramente que esta reabilitação [dos homens] implica a redescoberta e o respeito dos ritmos inscritos na natureza pela mão do Criador. Isto está patente, por exemplo, na lei do Shabbath. No sétimo dia, Deus descansou de todas as suas obras. […] O desenvolvimento desta legislação procurou assegurar o equilíbrio e a equidade nas relações do ser humano com os outros e com a terra onde vivia e trabalhava”.

E, em linha similar, o filósofo francês Michel Foucault reconhecia e denunciava, ao tratar do biopoder nas relações de trabalho, os mecanismos pelos quais o trabalhador obriga-se a alienar uma parte da sua vida e do seu tempo para o empregador. Um cristão, outro ateu; e, de ambos, a mesma mensagem: é preciso limitar convictamente a apropriação econômica do tempo de vida do outro.

Esses são, afinal, os luminosos nortes — de valorização da pessoa humana em face da máquina do consumo e da reabilitação da pessoa trabalhadora com a sua própria natureza biológica — para os quais caminha a Portaria 3.665/2023. Não é perfeita. Mas é o melhor para o momento.

Guilherme Guimarães Feliciano é juiz do Trabalho e professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho no biênio 2017-2019

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Trabalho digno: uma exigência de saúde mental

Motta cria comissão especial para debater regulamentação do trabalho em aplicativos

O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), criou a comissão especial que vai analisar a regulamentação do trabalho em aplicativos.  Segundo Motta, o objetivo do colegiado é estabelecer um arcabouço legal que contemple a realidade de motoristas e entregadores. “O Brasil precisa de uma regulação moderna para o novo mercado de trabalho”, disse o presidente por meio de suas redes sociais.

Ele anunciou ainda o nome do deputado Joaquim Passarinho (PL-PA) para a presidência da comissão e o do deputado Augusto Coutinho (Republicanos-PE) para a relatoria.

Propostas
Alguns projetos sobre o tema já tramitam na Casa. Um deles é o projeto de lei complementar do Poder Executivo (PLP 12/24) com foco apenas nos motoristas de aplicativo. O projeto é alvo de críticas por parte dos trabalhadores. Um dos pontos que não atendeu às expectativas foi a forma de remuneração.

Segundo o governo, a ideia é assegurar direitos trabalhistas e previdenciários – como remuneração mínima e direito à aposentadoria – sem interferências na autonomia dos motoristas na escolha dos horários e das jornadas de trabalho.

Outros dois projetos tratam da regulamentação dos entregadores (PL 3598/24 e PL 3683/24).

Levantamento
Um levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) identificou 1,5 milhão de pessoas trabalhando em 2022 por meio de aplicativos e plataformas digitais.

Esse contingente correspondia naquele ano a 1,7% da população ocupada no setor privado no Brasil (87,2 milhões). A maioria era do sexo masculino (81,3%), com escolaridade em nível médio completo ou superior incompleto (61,3%). Do total de trabalhadores por aplicativos ou plataformas digitais (excluídos os de táxi), 47,2% (ou 704 mil) exerciam a atividade no transporte de passageiros. Já 39,5% (ou 589 mil) atuavam na entrega de comida e de outras mercadorias.

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Trabalho digno: uma exigência de saúde mental

STF dá prazo de 180 dias para Congresso criar crime de retenção dolosa de salários

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, que há omissão do Congresso Nacional ao não criar lei que defina como crime a retenção dolosa dos salários (quando o patrão deixa intencionalmente de pagar o salário do empregado ou parte dele). A Corte deu prazo de 180 dias para que seja elaborada uma norma tipificando o delito.

A decisão foi tomada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 82, na sessão virtual do Plenário encerrada em 23/5. A Procuradoria-Geral da República (PGR), autora da ação, argumentou que havia uma demora inconstitucional do Legislativo em editar lei que criminalize a conduta.

A Constituição Federal estabelece a proteção do salário como direito de todos os trabalhadores urbanos e rurais, “constituindo crime sua retenção dolosa”. Ocorre que não foi editada norma penal para tipificar esse delito desde a promulgação da Carta, em 1988.

O relator da ação, ministro Dias Toffoli, destacou que, passados quase 40 anos, o Legislativo ainda não elaborou norma sobre o crime, apesar de determinação expressa da Constituição. Ele considerou haver “inércia prolongada com repercussão social significativa”. Também afirmou que o salário faz parte do patrimônio mínimo existencial dos trabalhadores e que deve ter ampla proteção jurídica.

Conforme o relator, a jurisprudência do STF reconhece que não há violação à separação dos Poderes nos casos em que a Corte determina um prazo para o Congresso editar norma que vise resolver uma omissão constitucional.

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Trabalho digno: uma exigência de saúde mental

IBGE: salário na construção recua 22% em 2023, na comparação com 2014

A média dos rendimentos dos trabalhadores da construção civil, medida em salários mínimos, recuou 22% em uma década.

Segundo dados da Pesquisa Anual da Indústria da Construção (Paic), divulgada nesta quinta-feira (22), pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a média salarial caiu de 2,7 salários mínimos em 2014 para 2,1 salários mínimos em 2023.

“Essa perda é muito impulsionada pela perda do salário médio do segmento de obras de infraestrutura, que tinha, lá em 2014, 3,7 salários mínimos pagos por pessoa por mês. Esse foi o maior valor da série histórica [iniciada em 2007]. E a gente vê uma perda desse salário pago, ao longo dos anos”, explica o pesquisador do IBGE Marcelo Miranda.

Os segmentos de construção de edifícios e de serviços especializados – como acabamento, demolições, instalações elétricas e preparação de terreno – também tiveram quedas, porém mais moderadas.

Os salários do segmento de construção de edifícios caíram 17%, ao passarem de 2,3 para 1,9 salário mínimo. Já no segmento de serviços especializados a queda foi de 9%, já que passou de 2,2 para 2,0 salários mínimos.

Empregos

A pesquisa mostrou que o número de postos de trabalho na construção em 2023 (2,5 milhões) também caiu em relação a 2014 (-15%). No entanto, houve uma recuperação em relação à 2020, ano de início da pandemia de covid-19, com aumento de 25%.

Em relação a 2014, apenas o segmento de serviços especializados teve crescimento (4%), enquanto os demais tiveram queda: construção de edifícios (-29%) e obras de infraestrutura (-20%).

Média salarial do trabalhador da construção caiu de 2,7 salários mínimos em 2014 para 2,1 salários mínimos em 2023 – Fernando Frazão/Agência Brasil/Arquivo

A PAIC traz dados de 2023. Os dados mais recentes sobre emprego e renda na construção civil são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), que indicam que, no primeiro trimestre deste ano, o rendimento médio do trabalhador manteve-se estável em relação ao último trimestre de 2024, mas cresceu 5,7% na comparação com o primeiro trimestre daquele ano.

Já em relação aos postos de trabalho, a Pnad mostra que no primeiro trimestre deste ano, o setor da construção manteve-se estável em relação ao primeiro trimestre de 2024. Na comparação com o último trimestre daquele ano, houve uma perda de 5% dos postos de trabalho, ou seja, quase 397 mil empregos a menos.

Produtos

As 165,8 mil empresas da construção movimentaram um valor total de R$ 484,2 bilhões em 2023. As construções residenciais representaram 22% do total, em 2023. Os serviços especializados e a construção de rodovias, ferrovias, obras urbanas e obras de arte especiais responderam por aproximadamente 20% do total, cada um.

As regiões Sudeste e Nordeste continuaram liderando entre as regiões com maior valor da construção, representando 49,8% e 18,1% do total nacional, respectivamente.

Contudo, ambas tiveram perdas na participação no total nacional em relação a 2014, quando as regiões respondiam por 52,4% e 18,6%, respectivamente. A região Norte também caiu, ao passar de 6,9% para 6,5%.

Já a Região Sul foi a que mais ampliou sua participação no mercado da construção nacional, ao subir de 12,8% para 16,2% no período. O Centro-Oeste subiu de 9,3% para 9,4%.

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Trabalho digno: uma exigência de saúde mental

‘Ser CLT virou xingamento’: o que está por trás da rejeição ao emprego formal entre os jovens

A sigla CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) virou sinônimo de perrengue nas conversas e nas redes sociais entre parte da juventude brasileira. Para muitos adolescentes e jovens, a ideia de acordar cedo, pegar ônibus lotado e enfrentar um chefe em troca de um salário mínimo passou a representar fracasso, segundo reportagem do g1.

Uma das entrevistadas da reportagem, a publicitária Fabiana Sobrinho, de Mogi das Cruzes (SP), disse ter se surpreendido ao ouvir da filha de 12 anos a frase: “Vou estudar para não virar um CLT.” O termo já circula como forma de deboche entre os mais novos. “Conversei com outros adolescentes e todos tinham o mesmo pensamento: de que ser CLT é ser fracassado”, relatou Fabiana.

A tendência, que ganha força no TikTok e no Instagram, se manifesta em memes e desabafos como: “Imagina ser CLT a vida toda. Deus me livre!”. A aversão ao regime de trabalho formal, porém, não é novidade — mas se intensifica com uma combinação de insatisfação histórica, precarização laboral e a promessa fácil de sucesso no empreendedorismo digital.

Raízes históricas da rejeição à CLT e a fantasia da liberdade

A insatisfação com o trabalho formal no Brasil tem raízes profundas. A antropóloga Rosana Pinheiro-Machado, que estuda transformações no mundo do trabalho, aponta uma herança da escravidão e a crônica desvalorização do emprego no país. “As pessoas preferem se virar e sentir que são livres a ter um patrão que as humilha”, disse ao g1.

Para a pesquisadora, a juventude, especialmente de baixa renda, cresce vendo o desgaste dos pais e, ao mesmo tempo, sendo bombardeada por influenciadores digitais que propagam a ideia de que trabalhar por conta própria e enriquecer na internet é o caminho mais inteligente — e possível.

Erick Chaves, de 19 anos, conhecido como Kinho no TikTok, viralizou ironizando o regime CLT: “Quem quer pegar trem às seis da manhã pra ir pro Brás, seus adultos irresponsáveis?” Ele diz ganhar entre R$ 3 mil e R$ 5 mil mensais com vídeos e já é inspiração para outros jovens do seu bairro, embora reconheça: “É muito difícil crescer nas redes.”

Estudo

O problema é que poucos conseguem repetir essa trajetória. Um estudo da University College Dublin (UCD) analisou 40 mil contas de pequenos aspirantes a influenciadores. Em quatro meses, apenas 1,4% superaram 5 mil seguidores. “A maioria não cresce. Isso gera frustração e autoculpa”, disse Rosana.

Segundo ela, influenciadores aproveitam essa insatisfação legítima para vender cursos e mentorias – como o “coach” e ex-candidato à Prefeitura de São Paulo, Pablo Marçal -, o que, muitas vezes, reforça ilusões e estimula decisões arriscadas — como a evasão escolar ou a recusa de oportunidades de Jovem Aprendiz.

CLT ainda é desejo — mas precisa melhorar

Apesar da onda de rejeição, a maioria dos trabalhadores ainda valoriza a carteira assinada, mostra uma sondagem do FGV Ibre. Segundo o levantamento, 67,7% dos autônomos entrevistados gostariam de ter vínculo formal e 45% deles atuam por conta própria por necessidade, não por escolha.

Para a designer Fernanda Smaniotto Netto, de Porto Alegre (RS), o modelo CLT oferece benefícios que fazem falta na vida do autônomo. “Para ser PJ, tem que ganhar quase o dobro para compensar. Plano de saúde, vale-alimentação e estabilidade pesam muito.”

Essa realidade desmonta o mito de que todos que abandonam a CLT prosperam como empreendedores. Como resume o economista Rodolpho Tobler, do FGV Ibre: “Não é algo tão espontâneo quanto parece.”

Um pacto social pela valorização do trabalho

Antes da CLT, não havia jornada de trabalho, salário garantido em caso de doença ou proteção contra o trabalho infantil. A legislação trabalhista foi criada para dar um mínimo de segurança em um país marcado por desigualdade extrema, lembra o historiador Paulo Fontes, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Ele vê com preocupação os apelos por flexibilização. “Isso tem criado um mundo de trabalho muito mais precarizado. E parte dessa precarização vem com ideologias que culpam a CLT por problemas que são do sistema capitalista.”

Para ele e para Rosana, o debate deveria ser sobre como melhorar a CLT — e não eliminá-la. “Temos que mostrar que estudar, trabalhar e se qualificar vale a pena. Isso é o que os países mais desenvolvidos fazem. Mas estamos indo no sentido oposto”, alertou Rosana.

ICL NOTÍCIAS
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