por NCSTPR | 19/08/24 | Ultimas Notícias
No projeto que visa regular a tecnologia, um tema está ausente: os direitos dos trabalhadores precarizados do “andar de baixo” das Big Tech.
Diversas entidades
No âmbito da análise do Projeto de Lei No 2.338 de 2023, que cria um marco legal para a Inteligência Artificial no Brasil, na Comissão Temporária sobre Inteligência Artificial, os signatários desta carta ressaltam tema ainda ausente no texto. Saudamos a importância da análise pelo Senado Federal e pela Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial no Brasil (CTIA) do Projeto de Lei. O relatório do senador Eduardo Gomes (PL-TO) avançou e apontou para a fixação de diretrizes e obrigações fundamentais para o desenvolvimento e uso dos sistemas de Inteligência Artificial, incluindo medidas para mitigar riscos e assegurar direitos aos vários grupos afetados, especialmente aqueles mais vulneráveis.
O texto tem ensejado intensos debates, com forte e perigoso lobby de setores empresariais contrários ao estabelecimento de necessárias regras para evitar efeitos prejudiciais da implementação e adoção dessas tecnologias. Esta ofensiva das empresas já tem produzido efeitos, com flexibilizações de obrigações fundamentais para garantir o uso responsável e que mitigue consequências danosas para a população. Por isso, é mais do que urgente que a sociedade se mobilize em torno do tema e que o Senado continue persistente em sua autonomia, determinado a aprovar uma nova lei sobre tema da maior relevância para o presente e o futuro de desenvolvimento e bem-estar da população brasileira. Uma legislação soberana, que considere as oportunidades, mitigando riscos e respeitando direitos, colocará o Brasil em posição favorável na cadeia produtiva da economia digital.
Nas últimas discussões na CTIA no Senado Federal, o relator, senador Eduardo Gomes, incorporou uma emenda fundamental para incluir um tema até então pouco tratado entre as medidas: o do trabalho. O acréscimo é de extrema importância, uma vez que o impacto da IA nas relações laborais tem ensejado preocupações em todo o mundo. Reiteramos a importância das propostas de proteção dos trabalhadores contra os efeitos prejudiciais da implementação dos sistemas de IA incluídos no texto. Sobretudo, faz-se necessário incluir a avaliação de riscos por órgãos competentes, vinculados a instituições que regem a saúde e o direito do trabalho, bem como adotar medidas de transparência de gestão e proteção dos trabalhadores com a obrigação de negociar a implementação desses sistemas junto a entidades representativas dos trabalhadores.
Contudo, há ainda um tema chave ausente do PL: os direitos de trabalhadores envolvidos no desenvolvimento da Inteligência Artificial. Pesquisas acadêmicas têm demonstrado como este processo envolve uma quantidade enorme de pessoas em todas as fases do ciclo de produção dos sistemas, da coleta e anotação de dados à revisão e aperfeiçoamento dos modelos. Embora se trate de um processo essencial ao aprendizado de máquinas, esse trabalho é externalizado principalmente para plataformas digitais ou para redes especializadas de terceirização, submetendo os trabalhadores a desproteção trabalhista, bem como a formas de vigilância violadoras dos direitos à privacidade e à proteção dos dados pessoais. Infelizmente, estudos têm revelado como tais trabalhadores têm experimentado condições precárias, especialmente nos países do Sul Global, incluindo o Brasil. Um estudo mostrou que 33% dos trabalhadores neste segmento têm nessas plataformas sua principal fonte de renda; 66% contam com uma quantia mínima de dinheiro a ser obtida nas plataformas para pagar suas contas e possuem rendimento médio 31,5% menor do que a população brasileira.
Outros estudos revelaram que estes trabalhadores sofrem não somente com baixos pagamentos, mas também com trabalho não pago, perfazendo o montante de 8,5 horas por semana. Grupos enormes de trabalhadores são reunidos em fazendas de cliques sem condições trabalhistas adequadas. A esses trabalhadores é imposta uma condição de autônomo, o que retira o acesso a direitos trabalhistas e do sistema de proteção social, como a seguridade social. De um lado, empresas de IA não revelam quem está sendo contratado nas suas cadeias produtivas, de outro muitas companhias e plataformas que fazem este serviço estão fora do Brasil, o que aumenta a vulnerabilidade destes trabalhadores. Essa situação torna as relações de trabalho e as precárias condições de vida destas pessoas invisibilizadas, pois ao não existirem perante a lei, não conseguem sequer reivindicar melhores condições.
A IA é uma tecnologia que se torna cada vez mais relevante na sociedade, mas seu desenvolvimento não pode ser feito às custas da dignidade de trabalhadores. Neste sentido, as evidências dos estudos produzidos pela academia mostram a importância das legislações sobre IA tratarem da proteção ao trabalho e trabalhadores (referente ao Capítulo X, seção II do referido PL) não somente na perspectiva dos efeitos de seu uso e implementação, mas também levando em conta o trabalho envolvido nessa cadeia produtiva, o que implica:
– Estender os normativos e políticas públicas delegados à autoridade competente, autoridades setoriais, o CTIA e o Ministério do Trabalho também aos trabalhadores envolvidos no desenvolvimento dos sistemas de IA.
– Incluir estes trabalhadores nas avaliações de risco e nas obrigações de supervisão humana para decisões tomadas por sistemas automatizados.
– Incluir obrigações de transparência para empresas de IA no tocante às empresas e trabalhadores contratados na sua cadeia produtiva para permitir a fiscalização das autoridades de inspeção do trabalho.
– Assegurar aos trabalhadores envolvidos no desenvolvimento de IA direitos básicos trabalhistas previstos na legislação trabalhista quando cumpridos os requisitos para tal, indicando a necessidade de fiscalização das autoridades nesse setor.
– Delegar à ANPD, em parceria com o CRIA e o Ministério do Trabalho, a emissão de normativos que limitem a coleta abusiva de dados de trabalhadores no âmbito do desenvolvimento e uso de sistemas de IA, incluindo dados psicológicos e relativos a sentimentos.
– Acrescer às diretrizes do capítulo a transparência nos contratos e termos, na definição da alocação de trabalho, na definição de remuneração, na tomada de decisões disciplinares e nos critérios utilizados pelos sistemas de IA, bem como direitos de recurso às decisões tomadas por estes e ou com o auxílio deles.
Compreendemos que este é um momento crucial e final de tramitação do PL 2.338 de 2023 na CTIA, mas não poderíamos nos furtar de alertar para a importância do assunto uma vez que o tema do trabalho passou a fazer parte do escopo. Ao mesmo tempo, somamo-nos aos alertas contra os riscos do lobby das empresas de vários setores que atuam para descaracterizar o texto do PL.
Assinam esta carta:
Laboratório de Pesquisa DigiLabour
Projeto Fairwork
Laboratório de Trabalho, Saúde e Processos de Subjetivação (LATRAPS)
Laboratório de Pesquisa em Economia, Tecnologia e Políticas da Comunicação (Telas)
Centro de Pesquisa em Comunicação e Trabalho da Universidade de São Paulo.
ILO Essex Observatory for Work in the Digital Economy, capítulo Brasil
International Network on Digital Labour (INDL)
Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM)
Associação Brasileira de Ensino de Jornalismo (Abej)
Associação Brasileira de Linguística (ABRALIN)
Associação Brasileira de Estudos Sociais das Ciências e das Tecnologias (ESOCITE.BR)
Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura (ABCiber)
Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo
Associação Brasileira de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (ABRASTT)
Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP)
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd)
ADUFC – Seção Sindical dos Docentes das Universidades Federais do Estado do Ceará
Compolítica – Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação e Política
Frente Ampla em Defesa da Saúde dos Trabalhadores
Rede de Pesquisa Trabalho e Identidade do Jornalista (Retij – SBPJor)
Rede Lavits
Rede Nacional de Combate à Desinformação (RNCD)
União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura, Capítulo Brasil (ULEPICC-Brasil)
Instituto Distributed AI Research (DAIR)
Grupo de Pesquisa Digital Platform Labour (DiPLab)
Cátedra Luiz Beltrão de Comunicação da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap)
Centro de Estudos Subjetividade, Saúde e Trabalho (CESST)
ComunicAtivistas
Coordenação Coletiva Setorial de C&T,I e TI PR RS
CPCiente
Departamento de Técnicas Profissionais e Conteúdos Estratégicos – FACOM/UFJF
EMERGE-UFF – Centro de Pesquisa e Produção em Emergência, Universidade Federal Fluminense
Grupo de Estudos e Pesquisas para o Trabalho (GEPT/UnB)
Grupo de Pesquisa Classes Sociais e Trabalho
Grupo de Pesquisa CPCienTE – Interfaces em Comunicação Pública da Ciência, Tecnologias e Educação: políticas públicas, Comunicação digital e métricas, divulgação científica
Grupo de Pesquisa e Estudos das Poéticas do Cotidiano – EPCO/UEMG
Grupo de Pesquisa Economia Polìtica da Comunicação da PUC-Rio/CNPq
Grupo de Pesquisa em Comunicação, Economia Polítia e Diversidade – Grupo Comum – UFPI
Grupo de Pesquisa Trabalho e Teoria Social (GPTTS) da UnB
GT Inteligência Artificial e Trabalho da Cátedra Oscar Sala do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP)
InfoCom – Grupo de Pesquisa em Competências InfoComunicacionais
Instituto Brasileiro de Políticas Digitais – Mutirão
Instituto de Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas
International Center for Information Ethics
Laboratório ARIDA (Advanced Research in Databases)
Laboratório de Investigação em Comunicação Comunitária e Publicidade Social (Laccops/UFF)
Laboratório de Metodologias de Ensino e Tratamento de Resíduos da Universidade Federal do Ceará
Laboratório de Psicologia Social Jurìdica (UFMG)
Laboratório de Tecnologias Livres -UFABC
MediaLab.UFRJ
Movimento FeliciLab
Núcleo de Jornalismo e Audiovisual (PPGCOM UFJF)
Núcleo de Tecnologia do MTST
Núcleo de Estudos Organizacionais Sociedade e Subjetividade
Núcleo de Pesquisa em Jornalismo e Comunicação-nujoc-UFPI
Observatório de Economia e Comunicação da Universidade Federal de Sergipe (OBSCOM-UFS)
Observatório da Ética Jornalística (objETHOS/UFSC)
Observatório das Plataformas Digitais (OPD/UFMG)
Observatório dos Impactos das Novas Morfologias do Trabalho sobre a Vida e Saúde da Classe Trabalhadora (Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo)
Observatório do Futuro do Trabalho
SETORIAL DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO PT-RS
Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho – SINAIT
SINDPD-PE – Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados, Informática e Tecnologia da Informação do Estado de Pernambuco
SOS Viamão
Trab21 – Grupo de Pesquisa Trabalho no Século XXI
TRAMPO Pesquisa
University of Salento
Fonte: Outras Palavras
Data original da publicação: 30/07/2024
DMT: https://www.dmtemdebate.com.br/e-os-precarizados-que-alimentam-a-ia/
por NCSTPR | 19/08/24 | Ultimas Notícias
Nosso esforço deve ser reconduzido a entender a luta de classes não como uma escolha narrativa, mas como algo dado numa realidade material organizada a partir da exploração necessária à manutenção do capital.
Douglas Barros
No princípio era o chip
Em 1946, Mauchly e Eckert, cientistas da Universidade da Pensilvânia, na frente de uma plateia composta por colegas, curiosos e militares do exército norte-americano deixaram as luzes de toda Filadélfia piscando quando ligaram o ENIAC (calculadora e integrador numérico eletrônico). Esse foi considerado o primeiro computador. Tratava-se de um trambolho de 30 toneladas, 2,75m de altura, 70 mil resistores e 18 mil válvulas a vácuo, uma herança da Segunda Guerra. É muito provável que embora soubessem da importância do empreendimento, eles ignorassem que o piscar das luzes da cidade selaria o início de uma profunda e decisiva transformação tecnológica.1
Com efeito, o chip Intel, inventado por Ted Hoff, vinte e cinco anos depois – 1971 – daria o pontapé inicial à corrida da inovação tecnológica na área da computação. O nascimento do microprocessador tornou-se estopim de uma transformação geral no mundo da eletrônica. Já em 1976, os pós-hippies, Steve Woznick e Steve Jobs, usando a garagem de casa, lançavam a Apple após o sucesso com o Apple II; o primeiro microcomputador comercial. Uma década na qual o Vale do Silício se tornou o quartel general de onde sairiam os maiores nomes da era da informação advindos da “contracultura” da qual o pobre Marcuse, que nada tinha a ver, sofreu com as consequências.
Na corrida, a IBM, diante do sucesso da Apple, criou sua própria versão do microcomputador batizando-o de Personal Computer, o nosso popular PC. Disparos de inventividade que, após diversas experimentações no que concernia ao tráfego de dados, culminaram no desenvolvimento de softwares – adaptados primeiramente por Bill Gates e Paul Allen. Com a consolidação dos softwares, como ferramenta capaz de organizar o tráfego, houve então uma efetiva popularização da Internet que aos poucos romperia as fronteiras da Califórnia. Curiosamente, e não por acaso, tudo isso ocorreu na, assim chamada, última década vermelha quando Cassandras diziam mundo afora que a luta de classes estava arrefecendo.
Consolidada a aliança norte-americana entre a academia e o exército, algo central para o desenvolvimento da tecnologia informacional, a relação com o espaço e o tempo se alterou profundamente ao se tornar homóloga à transnacionalização dos processos de produção e reprodução do capital. Processos guiados por fluxos de produção de mercadoria que passam a ser abalizados por demandas interconectadas em redes globais que ditam just in time a demanda orientada pelos investimentos.
Nos anais dessa história, a agência de projetos de pesquisa avançada (ARPA), do Departamento de defesa dos EUA, criou um sistema de comunicação invulnerável com base numa rede independente de centro de controle. Cada ponto da rede funcionava como toda a rede de modo que não era possível localizar de onde provinha ou para onde ia a informação. Em meio à “gloriosa” Guerra Fria, a estratégia adotada visava a assegurar informações se acaso ocorresse um ataque nuclear. O excedente dessa medida foi tornar a tecnologia digital descentralizada; as mensagens encontravam suas próprias rotas ao longo da rede gerando condições tecnológicas “para a comunicação global horizontal”.2
No rastro dessa revolução informacional – sem lastro na história humana –, e que acompanhava as transformações na reprodução social, foi preciso encontrar um léxico adequado correspondente às formas administrativas que se organizavam nos porões do capitalismo: a ruína do Welfare (Warfare) State. E assim uma nova gramática que substituísse a ideia de luta de classes tornou-se um dos objetivos da reengenharia social que teria na logística sua característica central. Nascia o nosso mundo.
Há algo de podre no reino do capitalismo
A necessidade de interligar mercados passa a ter como uma das metas colher informações para estabelecer algum grau de segurança aos investimentos em sintonia com uma racionalidade cujos teóricos neoliberais, desde o Colóquio Walter Lipmann, aguardavam ansiosos para pôr em prática. A informação, central para reduzir os custos e dispersar a produção geograficamente, tem como resultado a consolidação da concorrência entre regiões do globo e Estados que precisaram vender a ideia de que eram seguros aos negócios. Ou seja, a revolução comunicacional foi paralela à transformação na morfologia do capital que passava por uma reestruturação produtiva e seria acompanhada por uma engenharia da gestão social totalmente nova impactando o Estado.
Foi assim que também um grande sistema de vigilância e colhimento de dados individuais passou a se organizar. As forças de produção high-tech tornaram as relações de produção radicalmente fantasmagóricas; reguladas por formas jurídicas e tratados transnacionais que englobam diversos países. E, portanto, a propriedade da informação se tornou, para acompanhar o argumento de Mackenzie Wark, uma nova propriedade privada que redefiniu as relações de classe.3
Com isso, uma nova gramatica administrativa viria consolidar um imaginário em concordância com as formas de gestão; uma língua administrativa que forjou uma comunidade imaginada global. Nada muito animador aí, pois, quanto mais flexíveis, e em tempo real, se tornaram as transações financeiras tanto mais rígidas e inflexíveis se constituíram as fronteiras entre indivíduos cada vez mais apegados às suas identidades.
No esteio dessas radicais transformações, porém, estavam as crises. Não há dúvida de que nos anos 1970 a crise econômica causada por uma estagflação – a mortífera combinação entre inflação e recessão; preços elevados e baixo poder de compra, endividamento maciço e desemprego – abriu alas para uma radical transformação no sistema de reprodução social. Essa crise foi fundamental ao impulso à nova figura do espírito do capitalismo. No fundo tratava-se de uma crise na absorção da mão-de-obra que impactava a valorização do valor deixando evidente o que Marx prenunciou no século XIX.
Paul Volcker, presidente à época do Federal Reserve, tendo em mente as lições tiradas de 1930, diante de graves sintomas de recessão, decidiu elevar a taxa de juros para combater a inflação. No começo dos anos 1980, o índice inflacionário é revertido,4 mas, a recuperação da economia norte-americana tem um impacto decisivo na América Latina selando qualquer esperança de integração das economias dependentes ao sonhado butim do desenvolvimento e ampliação da concorrência externa. Devemos relembrar que nos anos 1970 muitos governos latino-americanos, sob o chumbo grosso das ditaduras, optaram por projetos neodesenvolvimentistas financiados por capitais estrangeiros mediados por bancos norte-americanos e europeus.
Se a elevação da taxa de juros, por um lado, enxugou o dinheiro no esteio da circulação, por outro, fez com que as dívidas contraídas pelos países da região sul, feitas em moedas estrangeiras, disparassem. Com dólares em menor circulação, uma subida abrupta do valor da moeda dilapidou os valores das moedas locais e tornou impossível aos países honrarem suas dívidas. Foi esse processo que, em 1982, levou o México à moratória causando seu colapso econômico.
No Brasil, vimos um lastro de inflação que depreciou radicalmente os valores da antiga moeda e aprofundou de maneira radical as desigualdades de renda. Esse é um dos possíveis caminhos para explicar a queda abrupta do crescimento econômico e da taxa de produtividade nos países subdesenvolvidos. A fuga de capitais impôs o aprofundamento do subdesenvolvimento às economias latino-americanas que, sob regimes ditatoriais, ainda apostavam no desenvolvimentismo. Isso foi fundamental para a desestabilização das ditaduras. No Brasil isso foi acompanhado por um radical crescimento do movimento operário que, em termos mundiais, fechava as cortinas da luta de classes no século XX.
Com a revolução técnico-cientifica-informacional, como dirá Kurz, os potenciais de racionalização dos processos de produção superam os de consolidação e abertura de novos mercados.5 Se do acaso se faz necessidade e da necessidade leis, esses processos estão reciprocamente imbricados. A capacidade do capitalismo fagocitar todos os espaços da vida social para os tornar rentáveis promovendo uma subjetividade consumidora atada ao trabalho improdutivo se coloca como central.
E, assim, o novo tempo do capitalismo torna-se um tempo acelerado que promove uma financeirização na qual a busca por retornos rápidos aos investimentos dirige as relações econômicas. Os impactos dessa aceleração serão vividos também de maneira subjetiva. Com a alta aceleração “não há mais aqui a suposição de uma ‘vida mais elevada’ nos esperando depois da morte” diz Hartmut, “mas sim a busca por realizar tantas opções quanto possível dentro das vastas possibilidades que o mundo tem a oferecer”.6
Conjugada à dinâmica do consumo, como novo modelo de vida, o desejo individual é capturado pela demanda do mercado e orientado à satisfação. As opções sempre serão maiores do que nossa capacidade de experimentá-las e, por isso, a frustração se torna regra geral da vida coletiva que destrói a subjetividade promovendo patologias psíquicas como identidades e reservas de mercado.
Onde foi parar a luta de classes?
Com o aumento exponencial da produtividade e a transformação tecnológica, porém, a crise se encontra com a ontologia do ser neoliberal. A partir disso uma nova cosmovisão – amparada pela forma de reprodução do capitalismo, agora globalizado graças, entre outras coisas, à consolidação das redes e fluxos de mercado mundo afora – se efetiva de maneira dramática. Do ponto de vista do mundo do trabalho, aqueles enormes parques industriais, que comandavam a dinâmica de cidades inteiras, cedem espaços à ruina.
Como legitimação dos valores da modernização, a Aufklärung, como aliás bem sabiam Adorno e Horkheimer, não se tornou popular; também aquele universalismo relacionado à garantia de reprodução do capitalismo não pôde mais ocultar o sistema de exclusão daquelas identidades não contempladas na forma de sua reprodução. Mesmo o direito e a ideia de democracia entraram em crise e abriu-se uma nova tentativa de contemplar “identidades” excluídas nos processos de modernização.
Na nova língua da administração, o trabalhador se torna um colaborador e os mecanismos de sua atuação e autonomia, enquanto corpo político, são esvaziados pela gestão à esquerda. Vazio logo preenchido pelo fetichismo da inclusão que articula identidades enformadas com base na herança cultural e religiosa. Sendo a identidade, tal como as tradições, uma criação não uma descoberta,7 na nova gestão, a desubstancialização das identidades excluídas no processo de modernização passará pela reconfiguração de sua história, substituindo o aspecto crítico e criterioso da história por narrativas e suas “lutas”. Com isso, a luta de classes desaparece enquanto léxico administrativo sendo substituído pelo sociologismo do conflito social com anuência da intelligentsia globalizada.
No início dos 1950, após a hecatombe da Segunda Guerra feita sob as insígnias da noção racial, fica evidente algo que o conservador Tocqueville previu: a democracia liberal era incapaz de resolver esse problema.8 O direito, base de sustentação da democracia-liberal, na sua imparcialidade, organizada a partir da abstração da realidade histórica, se via numa encruzilhada. Com os modelos aritméticos de abstração em nome da troca e dos contratos, o direito burguês pós-Segunda Guerra, ante contradições no terreno social, se deparou com o seu reflexo: sua universalidade estava restrita ao homem branco e proprietário.
O caráter excludente e abstrato do universalismo formal se torna obsoleto quando o processo de globalização se efetiva e a produtividade torna inabsorvíveis o grosso da população mundial. Uma fundamental crise de valorização do valor, alicerçada na crise do mundo do trabalho, causa um empecilho fundamental à absorção da mão de obra e é precisamente nesse momento que a identidade se assenhora de maneira contraditória do quadro sócio-político.
A centralidade da identidade, que será dada pela forma de gestão dos conflitos no capitalismo de crise, expressa um sintoma do ocaso das formas de absorção de grupos humanos pela modernização. Um abandono das apostas liberais clássicas guiado pelas ilusões perdidas ante a modernidade. É a crise resultante do fracasso de integração à economia global, portanto, que intensifica os pressupostos da identidade de grupos de pertencimento. Esses pressupostos, delimitados pela identificação estatal, serão ativados de maneira inédita para reconfigurar a organização social e integrar identidades à meritocracia e à competição necessárias ao novo modelo de gestão. A noção de pertencimento retoma à cena político-social décadas depois que a pertença Nazi sucumbiu ante o antifascismo.
Daí a entrada em ação dos dispositivos de governo que orientam as demandas de grupos específicos. Há uma via de mão dupla exercida por eles: por um lado, enfraquecem a autonomia dos grupos racializados e excluídos, por outro, servem à identificação estatal que possibilita a otimização das demandas orientando-as à gestão. Esse desdobramento, que tem seu prognóstico no maio de 68, tem sua confirmação com o fim da URSS. Com o campo estreito da política vertida em administração, com a violência radical da vigilância, com a militarização do espaço social, a gestão da identidade passa a ser o funil da sobrevivência que impõe adesão forçada à colaboração por parte dos militantes convertidos em ativistas.
A armadilha do identitarismo se coloca tendo em vista que para pensar uma política da identidade é necessário torná-la fechada e determinada por grupos de afinidades organizados por dados gerenciais através de especialização da demanda frente ao Estado. Nas palavras de Silvio Almeida: “a identidade se torna uma armadilha quando se converte em uma política, ou mais precisamente em política da identidade, ou ‘identitarismo’”.9 Essa redução da política, orientada pelo jogo da semelhança estereotipada, é baseada numa narrativa fragmentada e por subjetivismos atravessados pelo relato do eu posto no seu lugar de fala. O seu limite é a instauração de uma cosmovisão governada pelas fronteiras imaginadas que o próprio mundo objetivo, organizado pelo capitalismo, produziu.
Sob toda essa parafernália ideológica rumoreja a ruína social, cria-se e recria-se diuturnamente uma gramática da gestão e oblitera-se a possibilidade de qualquer conflito político substancial que leve à luta de classes. Assim, para organizar ideologicamente os grupos de pertencimento se recria a história – que se torna mera narrativa – e se oblitera os traumas na raiz da sua construção imaginária. Talvez, o mais importante seja a percepção do esquema sútil: não é que o esquecimento é imposto senão que a memória é reorganizada mudando os significados do passado à sombra das necessidades presentes do sistema. A memória se torna monopólio de mercado organizada pelo entretenimento.
Assim, o desenvolvimento da tecnologia da comunicação possibilitou também uma ofensiva permanente contra a noção de luta de classes que “precisou” ser extirpada do imaginário social. Através do controle daquelas identidades historicamente excluídas transformou-se a desgraça em redenção. A violência, que uma identidade é, passa a ser objeto de celebração e não de superação. E, portanto, um permanente exército de gestores – sociólogos, antropólogos, filósofos, psicólogos etc – é mobilizado diuturnamente para consolidar uma analítica pré-kantiana que estabilize uma ordem hierárquica de demandas que consolide a ideia de classes como só mais uma delas.
O problema é que por mais operações que se façam, por mais policiais que sejam as medidas que evitam dizer luta de classes, a violência da exclusão se processa e se reproduz na opressão de trabalhos cada vez mais precários e executados justamente pelos portadores das “identidades” que os progressistas dizem defender. Aliás, a violência de classe contra essas “identidades” é a marca característica dos nossos dias. Nosso esforço então deve ser reconduzido a entender a luta de classes não como uma escolha narrativa, mas como algo dado numa realidade material organizada a partir da exploração necessária à manutenção do capital. De modo que, olhando bem, sequer faz sentido perguntar se faz sentido falar em luta de classes. Se não há pergunta burra, talvez, essa seja a exceção que confirma a regra!
Notas
1 Cf. WU, T. Impérios da comunicação: do telefone à internet, da AT&T ao Google. São Paulo: Zahar, 2012.
2 CASTELLS, M. A sociedade em rede. Tradução Roneide Venancio Majer. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2021.
3 Cf. WARK, M. O capital está morto. Traduzido por Dafne Melo. São Paulo: Editora Funilaria e sobinfluência edições, 2022.
4 ROUBINI, Nouriel; MIHM, Stephen. A economia das crises: um curso-relâmpago sobre o futuro do sistema financeiro internacional. Tradução Carlos Araújo. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2010.
5 Cf. KURZ, R. Poder mundial e dinheiro mundial: crônicas do capitalismo em declínio. Rio de Janeiro: Consequência Editora, 2015.
6 HARTMUT, R. Alienação e aceleração: por uma teoria crítica da temporalidade tardo-moderna. Tradução de Fábio Roberto Lucas. Petrópolis, RJ: Vozes, p. 41.
7 Aqui concordam figuras dispares: Bauman e Cesairé, Benedict Anderson e Eric Hobsbawm.
8 MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra.
9 HAIDER, A. Armadilha da identidade: raça e classe nos dias de hoje. Tradução Léo Vinicius. São Paulo: Vendeta, 2019.
Douglas Rodrigues Barros é psicanalista e membro do Fórum do Campo Lacaniano. É doutor em ética e filosofia política pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Professor filiado ao Laboratório de experiências coloniais comparadas, ligado ao Instituto de História da Universidade Federal Fluminense (UFF). Professor na pós graduação em filosofia da Unifai. Investiga principalmente a filosofia alemã conjuntamente com o pensamento diaspórico de matriz africana e suas principais contribuições teóricas no campo da arte e da política.
Fonte: Blog da Boitempo
Data original da publicação: 06/08/2024
DMT: https://www.dmtemdebate.com.br/faz-sentido-falar-em-luta-de-classes-hoje/
por NCSTPR | 19/08/24 | Ultimas Notícias
Cuidar de uma criança requer muitas coisas: vontade, dinheiro, carinho, paciência e, sobretudo, tempo. Apesar da constituição brasileira garantir direitos trabalhistas e de auxílio a famílias, a realidade é diferente. Hoje a licença paternidade permite apenas 5 dias de recesso remunerado do trabalho, o que é insuficiente para realizar as várias atividades de cuidado com crianças, especialmente de recém nascidos.
Há uma perspectiva de mudança com o Projeto de Lei 3.773/2023, que propõe a ampliação da licença paternidade para 60 dias, além de permitir a troca entre pais e mães de uso das licenças e atualizar leis relacionadas, como o Programa Empresa Cidadã, que já estende hoje em mais 15 dias a licença para pais. O PL foi aprovado na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) em julho deste ano e segue no processo de análise de outras comissões do congresso. A medida é bem avaliada por especialistas e ativistas da área do direito familiar, mas ainda levanta questões quanto ao impacto econômico e social que pode causar, e revela a passividade em relação à igualdade de gênero no mercado de trabalho.
A legislação atual da licença paternidade e possíveis mudanças
A Constituição de 1988 determinou que a licença paternidade deveria ser regulamentada pelo congresso nacional e, até isso ser feito, o período de recesso seria de 5 dias. Mais de três décadas depois, a pauta não foi votada, o que levou à Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 20 que foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em dezembro do ano passado. A ADO determina que o congresso brasileiro deve editar a lei em até 18 meses ou a pauta será determinada pelo STF. A decisão pode colocar uma pressão adicional sobre os legisladores para avançar com o projeto, porém, com a falta de clareza em quais serão as consequências da ADO, não é garantido que a regulamentação seja aprovada ao final do prazo.
Já o projeto de lei atual surge em agosto de 2023, mas ele é consequência de anos de trabalho de organizações da sociedade civil em defesa dos direitos da família. Segundo Rodolfo Canônico, diretor da ONG Family Talks, a discussão no congresso se deu desde 2020, quando foi realizado um Grupo de Trabalho (GT) sobre licença parental que seria um direito trabalhista para que pais e mães pudessem ter o tempo necessário para criação de seus filhos, e abrange todas as licenças mais conhecidas – maternal, paternal e de adoção. Esse tipo de direito já é garantido em alguns países europeus, como Portugal, e na América Latina apenas o Chile possui uma política similar.
A licença parental é recomendada e bastante discutida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), porém um dos problemas encontrados pelo GT de 2020 foi o desconhecimento tanto da população quanto dos parlamentares para tal política. Vários projetos de lei foram criados ao longo dos anos para expandir ou atualizar estas licenças, porém nenhum está ativamente em trâmite como o PL 3773. Com isso, o foco de trabalho de ONGs da causa passou a ser a licença paternidade, contribuindo para a criação da Coalização Licença Paternidade (CoPai), que une diversas ONGs de direito da família e equidade de gênero. Segundo Canônico, expandir a licença dos pais pode ser uma porta de entrada para expandir o tempo de recesso para pais e mães no futuro e incentivar o trabalho do cuidado em homens, pois, segundo ele, “igualdade de gênero no mercado de trabalho é ter igualdade no cuidado da família.”
Uma das modificações realizadas no projeto original foi o escalonamento do prazo de ampliação da licença-paternidade. Na proposta inicial do senador Jorge Kajuru (PSB-GO), o período de licença dos pais seria equiparado ao das mães, com 120 dias, e poderia ser compartilhado entre os genitores conforme sua preferência, inclusive de maneira simultânea. No entanto, a relatora do projeto, senadora Damares Alves (Republicanos-DF), ajustou o texto para implementar a extensão de forma gradual. Agora, o projeto prevê que a licença-paternidade aumente progressivamente: 30 dias nos dois primeiros anos de vigência da lei, 45 dias no terceiro e quarto anos, e, finalmente, 60 dias após o quarto ano. Segundo ela, o aumento gradual tem como objetivo minimizar o impacto financeiro para o Estado. “Muitos [empresas/Estado] apoiam assistência social e garantia de direitos, mas poucos querem pagar por isso”, avalia Rodolfo Canônico em relação à modificação e como vários projetos sociais sofrem impasse ou alterações por causa de questões econômicas.
Os desafios e oportunidades da ampliação da licença-paternidade
Ronner Botelho, advogado e consultor jurídico do Instituto Brasileiro da Família (IBDFAM), enxerga a proposta de ampliação da licença-paternidade para até 60 dias como uma oportunidade de equilibrar a divisão das tarefas no âmbito familiar, contribuindo para a igualdade de gênero. “A ampliação da licença-paternidade não é apenas uma questão de tempo, mas de redefinir o papel dos pais na família”, afirma. Ele também destaca que a possibilidade de parcelamento da licença em dois períodos é uma inovação que pode impactar positivamente a dinâmica familiar, permitindo que os pais estejam mais presentes em diferentes fases do desenvolvimento da criança, e facilitando o retorno da mulher ao mercado de trabalho.
Fora as obrigações trabalhistas já garantidas por lei, também há o programa Empresa Cidadã que, desde 2016, permite um acréscimo em 15 dias na licença paternidade e 60 dias na licença maternidade, e com a nova lei o período para os pais pode chegar a 75 dias no futuro. Hoje qualquer empresa pode aderir ao programa, porém o incentivo fiscal de redução de impostos é apenas para as que se enquadram no regime de lucro real, ou seja, empresas de grande porte. Mesmo com este corte, isso representaria 160.000 empresas aptas a estender licenças, mas apenas 14% delas fazem parte do programa, segundo pesquisa realizada pela Family Talks em 2022.
Outro desafio relacionado à licença são os impactos econômicos e a garantia dos direitos trabalhistas. Botelho aponta a necessidade de assegurar a proteção contra a demissão para trabalhadores que optarem por usufruir da licença ampliada. Ele acredita que essa “blindagem” é essencial para garantir a segurança jurídica e a efetividade dos direitos dos pais e das crianças. Além disso, ele destaca a importância de considerar o impacto econômico e social das mudanças propostas, sugerindo que o escalonamento da licença, conforme previsto no projeto de lei, pode ser uma forma de equilibrar esses impactos com os direitos das famílias.
Fonte: Humanista
Texto: Melga Marçal
Data original da publicação: 09/08/2024
DMT: https://www.dmtemdebate.com.br/licenca-paternidade-ate-75-dias-nos-proximos-anos/
por NCSTPR | 19/08/24 | Ultimas Notícias
Em agosto de 2022, a Marfrig anunciou que uma nova fábrica de hambúrguer iria incrementar sua produção em 24 mil toneladas na planta de Bataguassu (MS). A empresa já ostentava o título de maior produtora de hambúrguer do mundo, sendo uma das fornecedoras da principal franquia de fast food do planeta, o McDonald’s. “A produção está subindo e tem que bater a meta. É muito puxado”, desabafa Teresa*, funcionária da nova fábrica de hambúrgueres.
O Brasil abateu 42,3 milhões de bois em 2022, um aumento de 5,28% em relação ao período anterior. E essa produção deve aumentar até 2032, mostram projeções da Organização Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD). O Programa de Pesquisa da Repórter Brasil entrevistou empregados de frigoríficos e ouviu relatos sobre como o crescimento do setor está repercutindo nas condições de trabalho. O estudo completo pode ser lido aqui.
“É muita pressão e muito rápido. Eu chorava de dor e me colocavam para trabalhar”, conta Marcela*, que atuava na unidade de abate de bovinos da Marfrig de Bataguassu (recentemente vendida para a Minerva, outra gigante do setor), até ser afastada no início de 2023 com sintomas de depressão.
O ritmo intenso, aliado ao medo de ser demitido por não bater metas, leva funcionários a ignorarem dores e lesões em meio às jornadas de trabalho. Silvia* e Alice*, ambas trabalhadoras da JBS em São Miguel do Guaporé (RO), dizem que chegaram a trabalhar machucadas: “Quando cortei o dedo, não falei com ninguém. Coloquei duas luvas e voltei a trabalhar”, recorda Silvia. Ao final do turno, quando foi cuidar da ferida, precisou levar pontos para fechá-la.
“Eu trabalhei todos os dias quando tive dengue”, completa Alice.
“A maioria de nós sente dores nos braços. Mas a gente insiste em ir levando até não aguentar mais”, concorda Marcos*, que trabalhou como desossador na JBS em Pimenta Bueno, no mesmo estado. “Se não entrega, não presta, não tem mais valor”, resume.
Por isso, Pedro* não se espantou tanto quando, no começo do seu contrato como trabalhador do frigorífico de Bataguassu, um colega mais velho o aconselhou: “você se acostuma com a dor”.
Além de perder benefícios, como o adicional de assiduidade, caso solicitem atestado médico, há medo entre os trabalhadores de eventuais demissões em casos de adoecimento. “O funcionário acha que, se relatar para a empresa, pode perder o emprego”, confirma Carlos Alberto Lopes de Oliveira, procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho da 14ª Região, em Rondônia. “Por isso, é comum que se tome remédios para dor, o que mascara uma doença do trabalho e que lá na frente pode gerar um problema muito mais grave”, completa.
“O trabalho no frigorífico é terrível; é pressão de tudo que é lado. As pessoas não aguentam mais”, corrobora o presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação do Estado de Rondônia (Sintra-Intra), Marcos Cardoso dos Santos.
Procurados, os frigoríficos negaram o problema. A Marfrig disse que os relatos “não são procedentes” e a JBS respondeu que “segue as normas previstas em legislações civis e trabalhistas vigentes”.
A reportagem também entrou em contato com o McDonalds, que afirmou realizar auditorias periódicas em todos os seus fornecedores, e “verifica o cumprimento dos mais altos padrões de compliance, direitos humanos e qualidade em toda sua cadeia de produção”. “Reforça ainda que já solicitou esclarecimentos ao fornecedor sobre as questões levantadas pela reportagem”. As respostas das empresas podem ser acessadas aqui.
Aposentadoria por invalidez
Segundo Roberto Ruiz, médico do trabalho da Universidade Federal de Santa Catarina e consultor de saúde do trabalhador da União Internacional de Trabalhadores da Alimentação (Uita), já há casos de aposentadoria por invalidez provocados por este tipo de situação. “E não são poucos”, observa. “Se o funcionário seguir trabalhando por um tempo com dor, vai chegar um momento que o corpo já não vai responder, não vai ter força nem habilidade nas mãos para seguir trabalhando”, alerta.
Trabalhadores ouvidos pela Repórter Brasil relatam dificuldade em obter ajuda nos departamentos médicos das empresas. “Eu ia no médico [da empresa], tomava injeção e voltava a trabalhar”, complementa Teresa*, a trabalhadora cujo relato abriu esta reportagem. Ela contava com o apoio das colegas para dar conta do serviço: “eu falava para a minha amiga que estava doente, aí ela trabalhava por mim e por ela”. A Marfrig contesta: “é inverídica a informação de que a equipe médica aplica injeções nos colaboradores. A empresa nem sequer conta com esse tipo de recurso em suas instalações”.
Adoecidos, muitos trabalhadores buscam atendimento pela rede pública – mas novamente há temor de notificar órgãos governamentais do problema: “Como vai reclamar [de dor] se o INSS demora três meses [para liberar o recurso]?”, pondera Antônio, funcionário da Marfrig em Ji-Paraná (RO) que lesionou o joelho e precisou pedir apoio ao sindicato para garantir a cesta básica: “Foi uma burocracia louca [para afastar]”.
Também há quem busque ajuda na rede privada de saúde. Mas, neste caso, alguns esbarram nos custos dos tratamentos, impraticáveis para os salários recebidos. “Parecia uma faca cravada nas costas, eu não conseguia andar”, conta Rodrigo*, empregado da Marfrig em Bataguassu que só descobriu que tinha uma hérnia na coluna em uma consulta particular – mas teve que parar a fisioterapia “porque era muito caro e não teve melhora”.
“Segura a faca com dor mesmo, não tem outra saída”, resume Teresa, da Marfrig em Bataguassu.
Apresentada aos relatos, a Marfrig informa que conta com uma equipe profissional especializada que “trata todas as queixas e sintomatologias apresentadas por colaboradores”. A JBS também salienta que suas unidades “contam com equipe de saúde multidisciplinar de prontidão, treinada para avaliar, apoiar e encaminhar os colaboradores que registrem qualquer problema médico”.
*Nomes fictícios para preservar a identidade dos trabalhadores
Fonte: Repórter Brasil
Texto: Isabel Harari
Data original da publicação: 01/08/2024
DMT: https://www.dmtemdebate.com.br/nao-parava-de-chorar-funcionarios-de-frigorificos-relatam-rotinas-de-lesoes/
por NCSTPR | 19/08/24 | Ultimas Notícias
Um problema também recorrente no Brasil. Imaginar que cerca de 75% dos professores da UFJF estão endividados… é motivo de preocupação:
Geração Z quer morar em cidades caras, mas quem tem de bancar o aluguel são os pais; jovens sonham com vida social agitada, mas a geração Z não pode pagar o alto custo de vida do estilo que adota e pede ajuda dos país para morar, comer e pagar outras contas.
A reportagem foi publicada por Fortune e Estadão e reproduzida por Faustino Teixeira, que fez as observações acima, em sua página do Facebook, 12-08-2024
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A geração Z é criticada por gastar dinheiro que não tem em bolsas de grife, caviar e escapadas de luxo.
E um novo estudo do Bank of America nos Estados Unidos destacou que o maior desafio financeiro enfrentado por aqueles nascidos entre 1997 e 2012 é o altíssimo custo de vida. De fato, de acordo com o relatório, mais da metade dos entrevistados da geração Z disse que não ganha o suficiente para viver a vida que deseja.
Mas, em vez de se mudar para os subúrbios — onde os custos de vida são significativamente mais baratos — eles estão pedindo dinheiro aos pais para aluguel, comida e contas. Quase metade dos jovens de 18 a 27 anos depende do apoio financeiro familiar para manter seu estilo de vida atual, e 54% não pagam nada pelos seus custos de moradia graças a mamãe e papai.
Onde cortar? Estratégias da geração Z para lidar com as finanças
Os jovens da geração Z que não conseguem ajuda para pagar o aluguel estão vendo pelo menos um terço do seu salário ir para custos de moradia, segundo o estudo. No entanto, em vez de voltar a morar com os pais ou se mudar para os subúrbios para economizar dinheiro, eles estão implementando grandes mudanças no estilo de vida.
Quase metade dos 1.100 americanos da geração Z ouvidos na pesquisada reduziu os gastos com jantares fora. Outros 24% fazem suas compras de alimentos em supermercados mais baratos, e 27% recusaram convites para sair com amigos. Além disso, com tantos jovens hoje na mesma situação, a pesquisa destacou que ser franco sobre não ter dinheiro para sair tornou-se a norma para esta geração.
Mais de um terço dos jovens da geração Z se sente confortável em admitir que não pode pagar para participar de eventos sociais, enquanto 63% disseram que não se sentem pressionados pelos amigos a gastar além de seus meios. Essa consciência orçamentária é louvável, diz Holly O’Neill, presidente de banking de varejo no Bank of America. Segundo ela, “embora enfrentem obstáculos impulsionados pelo custo de vida, os jovens americanos estão mostrando disciplina e previsão em seus padrões de economia e gastos. É crítico que continuemos a empoderar a geração Z para trabalhar em direção à conquista da saúde financeira e atingir seus objetivos de longo prazo”.
A nova realidade: Por que grandes cidades não são mais o sonho de todos?
Jovens trabalhadores ambiciosos tradicionalmente se mudam para grandes cidades com objetivo de aumentar suas chances de garantir uma carreira de prestígio. Mas grandes cidades como Nova York não são mais selvas de pedra onde os sonhos são realizados.
De fato, estudos diferentes mostram que estudantes em busca de uma oportunidade de emprego estariam melhor se mudando sua busca para cidades menores, como Raleigh ou Baltimore, nos EUA. Isso porque muitas grandes cidades se tornaram extremamente caras, e a competição por empregos é maior do que nunca.
Mudando o jogo: Cidades menores podem ser a chave para o sucesso financeiro da geração Z
Embora os altos salários oferecidos em áreas metropolitanas movimentadas sejam atraentes, esses contracheques não compensam, considerando os custos mais altos de moradia.
“E, para conseguir esse contracheque, antes de tudo você precisa ser contratado”, destaca o relatório do ADP Research Institute, acrescentando que os jovens têm muito mais chances de realmente conseguir um emprego em cidades menores.
Por exemplo: jovens da Geração Z poderiam ganhar mais de US$ 58 mil (R$ 328 mil) por ano se conseguissem um emprego na área da Baía de São Francisco, enquanto o salário em Raleigh é de menos de US$ 53 mil (R$ 299 mil) — no entanto, eles têm mais do que o dobro de chances de serem contratados na cidade menor.
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IHU-UNISINOS
https://www.ihu.unisinos.br/642406-geracao-z-nao-consegue-bancar-seu-estilo-de-vida
por NCSTPR | 19/08/24 | Ultimas Notícias
Thais Manilha
Depois de mais de 300 anos de uma cultura escravagista é muito comum observar que o trabalho ainda é sinônimo de exercício de Poder e não do exercício de serviço.
O assédio moral é um processo multicausal com diferentes abordagens e análises que ora estão focalizadas no indivíduo, ora no contexto ou ainda em ambos. Assim, a abordagem psicológica será mais centrada sobre o indivíduo, enquanto uma abordagem sociológica será mais voltada para as relações sociais e o seu contexto. Mesmo assim, nas pesquisas sobre assédio moral essa distinção muitas vezes é difícil, incorporando o contexto organizacional, a organização do trabalho, não individualizando a questão.
Portanto, iniciemos a reflexão com o contexto histórico e sociológico que demonstrará porque o assédio moral sempre esteve instaurado em nossa sociedade.
(i) Histórico no mundo
A Revolução Industrial foi o período de grande desenvolvimento tecnológico que teve início na Inglaterra a partir da segunda metade do século XVIII e que se espalhou pelo mundo, causando grandes transformações. Ela garantiu o surgimento da indústria e consolidou o processo de formação do capitalismo.
Os operários eram tratados com violência pelos chefes ou capatazes, sendo muitas vezes punidos com castigos físicos. A disciplina exigida nas fábricas era garantida pela vigilância de supervisores. Os patrões também instituíam prêmios para os operários mais disciplinados e multas para os descumpridores de horários e de outras normas.
Surge toda uma nova dinâmica e intensidade de controle sobre o trabalhador, com uma disciplina rígida através do uso dos relógios mecânicos. Assim, o horário de entrada e de saída, o horário de almoço e o tempo gasto para realizar as tarefas produtivas eram controlados pelo relógio, e apenas o supervisor poderia avisar a hora de terminar o trabalho.
As jornadas de trabalho chegavam a 14 ou 16 horas diárias, com pequenas pausas para refeições precárias, salários baixos e nem sempre pagos integralmente, condições de trabalho inseguras e desumanas, em instalações geralmente quentes, úmidas, sujas e escuras.
Muitos trabalhadores adquiriam doenças respiratórias por causa do ar poluído que vinha das máquinas. Os movimentos repetitivos dos braços desgastavam as articulações do corpo e causavam intensas dores. Alguns operários sofriam graves acidentes de trabalho e ficavam incapacitados para o resto da vida.
Os patrões incentivavam o trabalho infantil, pois as crianças recebiam salários mais baixos e eram mais obedientes (o trabalho de crianças a partir de seis anos era comum nas fábricas inglesas). As mulheres e crianças chegavam a receber tão pouco quanto um terço do salário de um homem.
(ii) Histórico no Brasil
No Brasil, quando os portugueses desembarcaram iniciou-se um movimento de aproximação e dominação dos povos indígenas que aqui viviam, com a população indígena sendo subjugada e escravizada intensamente ao longo dos séculos XVI a XVIII. Embora tenha sido substituída aos poucos como principal força de trabalho pelos africanos, a escravidão indígena permaneceu importante em várias regiões secundárias, como São Paulo e o Norte, por exemplo.
Entretanto, diversos fatores contribuíram para que essa força de trabalho fosse substituída. Dentre eles a intensa mortalidade em decorrência de epidemias adquiridas dos brancos e o fato dessas populações terem maior facilidades de fuga, já que conheciam o território e as florestas.
A escravização da população africana foi uma maneira lucrativa que Portugal encontrou de suprir a mão de obra no Brasil. Com isso, indivíduos de diversas etnias foram trazidos ao Brasil através do tráfico negreiro, em navios abarrotados de pessoas em condições desumanas.
Chegando aqui, essas pessoas eram vendidas com o objetivo de trabalharem nas mais variadas funções, tanto nas lavouras de cana-de-açúcar e café, quanto na mineração, construções, serviços domésticos e urbanos. Além disso, os castigos eram frequentes e faziam parte da estrutura de dominação.
A escravidão era tida com o regime de trabalho no qual homens e mulheres eram considerados propriedades de seus senhores, podendo ser vendidas ou trocadas como mercadorias.
As pessoas escravizadas tinham suas liberdades tolhidas, além de forçadas a executar tarefas sem receber qualquer tipo de remuneração.
(iii) Panorama atual
Vejam que por um longo período histórico as relações de trabalho foram desumanas e degradantes, incutindo na sociedade práticas predatórias, que seguem disseminadas até os dias atuais, mesmo que obviamente em menor escala.
Conceitos errôneos e inapropriados nos ambientes de trabalho ainda refletem as premissas de uma época que deveria estar apenas na história. O famoso “eu mando e você faz” é uma prática ultrapassada para forma de gestão contemporânea, vez que o contrato de trabalho é uma relação bilateral onde alguém a serviço de outrem deve ser respeitado e valorizado, não possuindo qualquer distinção. A hierarquia é apenas uma classificação de função, onde todos devem ser tratados de forma isonômica e equânime.
Ou seja, a capacidade de entender que o outro pode estar me servindo, mas não estar subordinado em sua dignidade e sim apenas na entrega do serviço.
Depois de mais de 300 anos de uma cultura escravagista é muito comum observar que o trabalho ainda é sinônimo de exercício de Poder e não do exercício de Serviço
Assim, nos deparamos recorrentemente com práticas de assédio moral, que é uma violência psicológica, praticada de forma reiterada, prolongada e sistematizada, que pode se dar por atos comissivos ou omissivos, objetivando atingir a dignidade emocional e psíquica do trabalhador, com a finalidade de isolá-lo, diminuí-lo ou eliminá-lo do ambiente de trabalho, forçando-o a pedir demissão ou até mesmo a provocando.
Muitas práticas são de difícil evidenciação, por se tratar de condutas veladas e sutil, por exemplo, quando o empregador ou seus representantes adotam uma série de medidas para tornar a permanência do trabalhador na empresa insustentável, criando dificuldades para um bom desempenho profissional, aplicando “dois pesos e duas medidas” e oferecendo condições de trabalho desmotivadoras para induzir o empregado a desistir do jogo.
Tal conduta repressiva, quando não configurada como institucional e prática naturalizada da empresa, nada mais é do que a falta de preparo por parte da liderança em não saber lidar com conflito, posturas e comportamentos diferentes e, até mesmo, ausência de segurança em sua posição. Mesmo assim, a empresa é responsável e deve prevenir, identificar e corrigir tais situações.
O assédio, além de degradar o ambiente de trabalho e o clima organizacional, é conduta profissional antiética e configura a quebra da fidúcia, que é inerente ao contrato de trabalho e obrigação bilateral das partes.
Dentre as diversas modalidades de assédio moral, estão:
a vertical descendente, quando praticada pelo superior hierárquico;
a institucional, configurada por uma prática naturalizada dentro da própria companhia advinda de sua administração;
a horizontal, quando praticada por pares do mesmo nível hierárquico; e
a vertical ascendente, quando praticada pelos colaboradores em relação aos gestores.
Diferentemente do caso brasileiro, em países signatários da Convenção 190 da OIT, tais como: Argentina, Espanha e Reino Unido, o assédio para ser caracterizado não necessita somente da reiteração de conduta, bastando uma única conduta que gere dano para sua configuração.
(iv) Atitudes caracterizadoras do assédio moral
Retirar a autonomia do colaborador ou contestar constantemente suas decisões;
Ignorar a presença do assediado, excluindo-o e dirigindo-se somente aos demais colaboradores;
Passar tarefas humilhantes;
Gritar ou falar de forma desrespeitosa;
Espalhar rumores ou divulgar boatos ofensivos a respeito do colaborador;
Não levar em consideração os problemas de saúde do colaborador;
Atribuir apelidos pejorativos;
Impor punições vexatórias;
Postar mensagens depreciativas em grupos ou redes sociais sobre o empregado;
Desconsiderar ou ironizar as opiniões da vítima;
Retirar cargos e funções sem motivo justo;
Impor condições e regras de trabalho personalizadas, diferentes das que são aplicadas aos demais profissionais;
Delegar tarefas impossíveis de serem cumpridas ou determinar prazos incompatíveis para finalização;
Manipular informações, deixando de repassá-las com a devida antecedência necessária para que o colaborador realize suas atividades;
Vigilância excessiva;
Limitar o número de vezes que o colaborador vai ao banheiro e monitorar o tempo que lá ele permanece;
Advertir arbitrariamente sem fundamento;
Instigar o controle de um colaborador por outro, criando um controle fora do contexto da estrutura hierárquica para gerar desconfiança e evitar a solidariedade entre colegas.
(v) Atitudes não caracterizadoras do assédio moral
Exigências profissionais
Exigir que o trabalho seja cumprido com eficiência e estimular o cumprimento de metas não é assédio moral. Toda atividade profissional apresenta certo grau de imposição de tarefas e de resultados a serem alcançados. No cotidiano do ambiente de trabalho, é natural existir cobranças, críticas e avaliações sobre o trabalho desempenhado ou comportamento profissional, por esta razão, eventuais reclamações por tarefa não cumprida ou realizada com desídia não configuram assédio moral.
Aumento do volume de trabalho
Dependendo do tipo de atividade desenvolvida, pode haver períodos de maior volume de trabalho. A realização de serviço extraordinário é possível, se dentro dos limites da legislação e por necessidade de serviço. A sobrecarga de trabalho só pode ser vista como assédio moral se usada para desqualificar o indivíduo ou se usada como forma de punição.
Uso de mecanismos tecnológicos de controle
Para gerir o quadro de pessoal as organizações cada vez mais se utilizam de mecanismos tecnológicos de controle, tais como: ponto eletrônico, controle de produtividade, etc. Essas ferramentas não podem ser consideradas meios de intimidação, pois fazem parte do Poder de Fiscalização do empregador.
Aplicação de sanções disciplinares
Desde que sejam fundamentadas, proporcionais, graduais e respaldadas por Política Interna, sua aplicação não configura o assédio moral, pois isto faz parte do Poder Diretivo do empregador.
Ainda há um longo caminho a percorrer para a efetiva erradicação do assédio em nossa sociedade, mas já é notório o crescente movimento, promovido por campanhas e normas que demonstram que estamos no caminho para este fim.
Dentre as ações adotadas, verificamos diversas cartilhas e vídeos de conscientização publicados pelos entes públicos, como exemplo do TST e CSJT, bem como entrevistas veiculadas sobre o tema. Em 2022, por meio da Norma MTP 4.219 publicada em dezembro de 2022, a prevenção ao assédio passou a ser função obrigatória da CIPA dentro das empresas.
Muitas empresas passaram a dialogar mais sobre o tema por meio de capacitações, workshops, DDSs entre outras campanhas internas, passando a estruturar seus Códigos de Condutas e Canais de Denúncias e ter menor tolerância disciplinar com tais práticas. O MTE, por sua vez, instaurou comissões internas estruturadas para fiscalizações sobre o assunto e o MPT passou a realizar, quando do recebimento de denúncias, inquéritos investigatórios mais ostensivos sobre práticas discriminatórias, além da ampla atuação dos sindicatos das categorias profissionais.
O combate ao assédio deve ter uma fonte infinita, com engajamento coletivo e monitoramento constante para que seja eficaz.
Condutas antiéticas, inapropriadas e moralmente discutíveis devem ser denunciadas, pois denunciar não é apenas a prática de um direito, é um dever. Dever de todos que buscam uma sociedade livre de assédio!
Thais Manilha
Pós-graduada em ESG e Compliance pela Universidad Católica Argentina (UCA) .
Migalhas: https://www.migalhas.com.br/depeso/413426/por-que-o-assedio-moral-ainda-esta-tao-instaurado-em-nossa-sociedade