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Proporcionalidade ilógica: salário integral para trabalho parcial

Proporcionalidade ilógica: salário integral para trabalho parcial

TRABALHO CONTEMPORÂNEO

Eu havia prometido a mim mesmo não entrar mais em críticas polêmicas. Ando cansado do ódio destilado em redes sociais. Mas parece que a lista de entendimentos da Justiça do Trabalho que causam espanto só aumenta (assim com o número de ações).

Semana passada, chamou minha atenção a seguinte manchete de reportagem publicada no jornal Valor Econômico: “Turmas do TST são favoráveis a salário integral em cobertura de férias”.

Imediatamente defendi a minha instituição, pois a questão se encontra pacificada há tempos pela Súmula 159, I do TST e, a meu ver, de forma correta: “Enquanto perdurar a substituição que não tenha caráter meramente eventual, inclusive nas férias, o empregado substituto fará jus ao salário contratual do substituído”.

Como sou daqueles antigos, que não concluem apenas pelo chamariz, li a reportagem completa, e aí minha surpresa logo no primeiro parágrafo: “O funcionário contratado para substituir trabalhador afastado de licença ou de férias deve ganhar o salário integral da pessoa substituída, mesmo que tenha absorvido somente parte do trabalho. Esse tem sido o entendimento da maioria das turmas do Tribunal Superior do Trabalho (TST), segundo levantamento realizado pelo FAS Advogados”.

A lógica trabalhista supera a lógica matemática. Ainda bem que os postulados matemáticos não estão sujeitos a entendimentos jurisprudenciais, caso contrário, seria o fim de uma ciência, como talvez já tenha ocorrido com o Direito.

Pela maioria do TST, funciona assim: se o empregado A com salário de R$ 3 mil substitui plenamente o B durante suas férias, que recebe R$ 6 mil, com razão, porque passou aquele período executando totalmente as funções e assumindo as responsabilidades de B, A receberá a diferença salarial entre seu próprio vencimento e o do colega substituído, ou seja, R$ 3 mil no nosso exemplo.

Spacca

Agora, se A, durante as férias, assume apenas uma única tarefa dentre as várias de B, sem falar nas diversas responsabilidades, igualmente A receberá a diferença de R$ 3 mil. Entenderam?  Eu não.

Necessidade da integração

A primeira consequência que posso imaginar é o custo trabalhista exponencial, pois se as várias tarefas e responsabilidades de B foram divididas entre, por exemplo, dez empregados, todos eles deverão receber as diferenças salariais. Logo, uma conta de R$ 3 mil pode virar R$ 30 mil na Justiça do Trabalho em um estalar de dedos.

Segundo, o total desprezo pelo uso do ordenamento jurídico como um todo, e não apenas de forma isolada, para proteger o trabalhador contra mais uma “perversidade” empresarial, como parece ser a sempre ávida conclusão em nossa área.

Trata-se de uma questão de direito patrimonial, pois assumir parte das tarefas em substituição a um colega sem o salário correspondente gera uma lesão de cunho material (mais trabalho com o mesmo salário).

A legislação trabalhista possui, apenas, o artigo 450 da CLT sobre o tema, que não fala expressamente de salário, mas sendo óbvio que se um empregado substitui outro e garante a contagem do tempo de serviço naquele cargo, igualmente deve receber o salário, como a citada Súmula 159, I do TST já pacificou.

Entretanto, não há dispositivo legal tratando de substituição meramente parcial, o que leva à necessidade da integração dessa lacuna do Direito do Trabalho. Como proceder? Bem, a CLT dá várias possibilidades no artigo 8º, trazendo em seu parágrafo único o caminho mais óbvio: utilizar a legislação comum de forma subsidiária.

Sendo um caso de dano material, caberia simplesmente aplicar o Código Civil quando este trata da reparação de danos, uma regra geral elementar e cheia de equidade, estampada de forma cristalina no artigo 944: “A indenização mede-se pela extensão do dano”.

Jurisprudência sobre a proporcionalidade

Será tão difícil assim perceber que para assunção integral de funções a diferença salarial deve ser integral e para assunção parcial de funções a diferença deva também ser parcial?

O próprio TST em julgamento na Seção de Dissídios Individuais I (SDI-I) já havia chegado a tal conclusão (TST-E-ED-RR-66600-35.2008.5.03.0027):

“1. O direito ao recebimento de salário igual ao do substituído tem suporte no art. 5º da CLT, segundo o qual ‘a todo trabalho de igual valor corresponderá salário igual, sem distinção de sexo’, e a jurisprudência desta Corte Superior consolidou-se, conforme entendimento consubstanciado na Súmula n° 159, I, no sentido de que ‘enquanto perdurar a substituição que não tenha caráter meramente eventual, inclusive nas férias, o empregado substituto fará jus ao salário contratual do substituído’. 2. In casu, o reclamante substituía o supervisor, que respondia pela segurança da empresa, durante as suas férias, mas segundo o Regional, conforme registrado pelo acórdão turmário, a substituição não se operava de forma plena, porquanto o reclamante assumia as atribuições do supervisor apenas na cidade de Betim, mas não o substituía em toda a região metropolitana de Belo Horizonte, não obstante o substituído respondesse pela segurança da empresa em toda àquela região. 3. Dentro deste contexto fático, enquanto a Turma entendeu que o reclamante fazia jus ao salário-substituição, independentemente de não ter havido a assunção de todas as atividades, a reclamada, nos presentes embargos, alega que a ausência de assunção completa das tarefas do substituído afasta o salário-substituição. 4. Ora, embora o reclamante não tenha substituído pglenamente os haveres do supervisor, no seu período de férias, não pairam dúvidas de que a reclamada lhe conferiu maiores responsabilidades, sem a contraprestação correspondente. Por conseguinte, como o empregado substituiu outro, ainda que parcialmente, assumindo novas responsabilidades, deve ser remunerado pelo aumento de suas atribuições, pois a substituição plena não é requisito ensejador ao pagamento do salário-substituição, tendo em vista que não desnatura a substituição, quando o empregado é investido do cargo do substituído, com alguma alteração das atribuições a este normalmente cometidas, como ocorreu na hipótese. Entretanto, como o autor não exerceu plenamente as tarefas do substituído, conforme supramencionado, deve-se arbitrar o valor do salário-substituição proporcionalmente às tarefas desempenhadas. Recurso de embargos conhecido e parcialmente provido.”

Será que é muito difícil seguir não apenas o óbvio, mas a própria jurisprudência pacificada da SDI-I que existe justamente para isso? Se as próprias Turmas do TST ignoram tal julgamento, cada juiz também pode continuar com seus próprios entendimentos?

Quem imaginou que o novo CPC pudesse gerar mais segurança jurídica, ao retirar a expressão “livre” para o convencimento motivado do juiz, não esperava pelo julgamento freestyle da Justiça do Trabalho. Sigamos sem saber o que fazer.

Proporcionalidade ilógica: salário integral para trabalho parcial

Perda da carteira de trabalho pelo INSS configura dano moral

CHÁ DE SUMIÇO

 

O extravio da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) quando ela está sob posse do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) configura dano moral ao trabalhador, uma vez que a perda do documento põe em risco a obtenção de benefícios trabalhistas. Além disso, é dever legal do Estado assegurar a integridade do que está sob sua guarda, aplicando-se, então, a teoria do risco administrativo.

Com esse entendimento, a 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região manteve uma condenação de primeiro grau ao INSS, que deve indenizar em R$ 5 mil, por danos morais, uma mulher por ter perdido sua CTPS.

A mulher cedeu duas carteiras de trabalho ao INSS para instruir um recurso contra o indeferimento de benefício previdenciário. Os documentos deveriam ter sido devolvidos em 2010, o que não ocorreu. Ela, então, precisou ingressar com uma ação previdenciária e, após decisão favorável, em 2019, passou a receber o benefício em 2020.

No recurso ao TRF-3, o INSS sustentou que não havia provas de que a CTPS da autora da ação estava sob sua posse. Além disso, alegou que o documento não tinha mais serventia, uma vez que os vínculos dela constam no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS).

Responsabilidade objetiva

Ao discordar da alegação do INSS, o desembargador Luiz Alberto de Souza Ribeiro, relator do caso no TRF-3, observou que está consagrado no Direito brasileiro que a responsabilidade civil do Estado é objetiva, nos termos do parágrafo 6º do artigo 37 da Constituição Federal, e se baseia na teoria do risco administrativo, “com exigência da ocorrência de dano, de uma ação administrativa, e o nexo causal entre ambos”. Ele acrescentou que a tese se aplica “mesmo sem haver atuação dos agentes estatais, porque a omissão, neste caso, se iguala a uma conduta comissiva”.

O relator lembrou um caso semelhante julgado pela corte e afirmou que “o extravio do documento nas dependências da autarquia não pode ser considerado mero aborrecimento”, pela importância da CPTS para a guarda de conteúdo muitas vezes irrecuperável e para sustentar a reivindicação de direitos do trabalhador.

“Demonstrado o dano moral sofrido pela parte autora pelo extravio de sua CTPS, bem como o nexo causal entre a conduta desidiosa e o prejuízo suportado, mostra-se devida a condenação”, disse o relator. A decisão foi unânime.

“Mais uma vez a tese do dano moral previdenciário foi utilizada contra o INSS pela triste e surpreendente desídia com relação aos documentos apresentados pelos trabalhadores”, comentou o professor Sérgio Salvador, coautor do livro Dano Moral Previdenciário, escrito em parceria com o também docente e pesquisador Theodoro Agostinho.

Clique aqui para ler o acórdão
Processo 5001418-38.2021.4.03.6140

Proporcionalidade ilógica: salário integral para trabalho parcial

Analfabetos sempre existiram, mas eram envergonhados…!

SENSO INCOMUM

Banho de descarrego — só o livro expulsa o algoritmo das pessoas!

1. A tempestade perfeita

Repito parte do que escrevi há uns meses como frontispício. As redes sociais são o repositório final do caos. O lugar. Vivemos o refluxo comunicativo, que se pode chamar de shitstorm (não farei a tradução, mas é a composição das palavras shit e storm — o estagiário levanta a placa “sarcasmo”). A grande mídia não quis colocar a palavra shitstorm (falei disso em dois veículos). Somos pudicos…

Originalmente o conceito de shitstorm serve para uma porção de coisas. Byung-Chul Han trabalha bem o tema no livro No Enxame. Faço aqui uma adaptação, porque o modo como alguns influencers lidam com alguns temas e o efeito que isso causa tem muito a ver com o refluxo e com uma tempestade… Porque o Instagram (principalmente esse) faz um shitstorm geral.

2. O orgulho do analfabetismo

Umberto Eco, Carlo Cippoli, Mauro Mendes Dias, Nestor de Holanda e tantos outros já escreveram sobre a estupidez e tentaram elaborar uma epistemologia do fenômeno. Quais são as condições pelas quais esse fenômeno exsurge?

Um dos critérios para identificar estupidezes é mensurar o grau de vergonha alheia. Essa tese já é minha. Nossa empatia vai até qual limite?

Spacca

A estupidez se auto orgulha. Nas redes sociais ela chega sobranceira. Se impondo. Cercada de likes. Virou obrigação. O errado é o sujeito que tenta lutar contra a ignorância. Algo como acontece na Alegoria da Caverna. Bonito é ser néscio.

O império do simples e da simplificação veio para ficar. O mundo, desencantado na modernidade, corre para um reencantamento. Querem colar significante e significado. Colar o “relé”. Por isso as pessoas já não entendem alegorias. Nem ironias. Ou metáforas. Coloquei a charge abaixo no Twitter. Muita gente não entendeu. Coisas como “ah, uma coisa é prestar falso testemunho; outra é mentir”. Atualmente até metáforas precisam de nota de rodapé. Eis:

De todo modo, há que se reconhecer que existe, nas redes sociais, um espaço para uma metalinguagem que consegue fazer uma crítica a esse mundo de ficções. Ainda bem. As redes criticadas de dentro das redes. É que busco fazer.

Por todos, cito Jesus Quintero — que, ao seu tempo, dirigia sua crítica à televisão. Mas vale muito para as redes sociais. Assista aqui. E faço aqui a transcrição já vertida para o português:

Sempre existiram analfabetos, mas a falta de cultura e a ignorância sempre foram sentidas como uma vergonha.

Nunca antes as pessoas se gabaram de nunca terem lido um puto livro na vida, de não se importarem com nada que pudesse ter um leve cheiro de cultura ou que exigisse uma inteligência ainda que ligeiramente superior à do primata.

Os analfabetos de hoje são os piores porque na maioria dos casos tiveram acesso à educação, sabem ler e escrever, mas não praticam.

Cada dia aumentam em número e cada dia o mercado lhes cuida mais e neles pensa.

A televisão [e as redes sociais] está se tornando cada vez mais adaptada a você.

Os horários dos diferentes canais competem na oferta de programas pensados ​​para pessoas que não leem, que não entendem, que ignoram a cultura, que querem se divertir ou se distrair, mesmo que seja com os crimes mais brutais ou com os mais sujos trapos de lava-chão.

O mundo inteiro está sendo criado para se adequar a esta nova maioria.

Tudo é superficial, frívolo, elementar, primário… para que possam compreender e digerir.

Esses são socialmente a nova classe dominante, embora sejam sempre a classe dominada, precisamente pelo seu analfabetismo e falta de cultura, que impõe a sua falta de gosto e as suas regras mórbidas.

E assim vale para aqueles de nós que não estão satisfeitos com tão pouco, para aqueles de nós que aspiram a um pouco mais de profundidade.

Um pouco mais, cara, um pouco mais,

um pouco mais… p….!

Autoexplicativo.

Nada mais precisa ser dito.

Para quem teve a paciência de ler mais de dez linhas, permito-me dizer: ainda há tempo.  Como escrevi aqui dia desses, temos de desabituar.

Algoritmo e redes sociais: saiam desse corpo que não lhes pertence…! Descarrego neles!  A charge a seguir é autoexplicativa:

Proporcionalidade ilógica: salário integral para trabalho parcial

Desafios jurídicos do PL sobre IA e proteção ao trabalhador

OPINIÃO

 

Este artigo baseia-se em parte do parecer elaborado pela Comissão Especial de IA e Inovação do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) sobre o Projeto de Lei 2.338/2023, com a complementação de voto do último dia 4 julho.

A análise, baseada na experiência como juíza do trabalho, formadora de juízes e vice-coordenadora do Laboratório de Inovação do Tribunal do Trabalho do Rio de Janeiro, visa a prevenir futuras antinomias jurídicas decorrentes de ambiguidades e contradições terminológicas. A seguir, apresenta-se uma análise detalhada dos principais pontos do projeto de lei, suas inadequações terminológicas e propostas de correção.

Contextualização sistematizada do PL e metodologia utilizada

O projeto de lei examinado visa a regulamentar o uso de sistemas de inteligência artificial (IA) em diversos contextos, com ênfase na proteção ao trabalho e aos trabalhadores. Entre os dispositivos mais relevantes, destacam-se:

Art. 14: Define sistemas de IA de alto risco, incluindo aqueles utilizados em recrutamento, triagem, avaliação de candidatos, decisões sobre promoções e controle de desempenho.

Art. 56: Estabelece diretrizes para mitigar impactos negativos e potencializar impactos positivos da IA sobre os trabalhadores, evitando demissões em massa sem negociação coletiva.

Aplicou-se o método semântico na análise do projeto de lei, concentrando-se no significado das palavras e expressões utilizadas no texto normativo, identificando ambiguidades, vaguezas e contradições que possam gerar interpretações divergentes e conflitantes.

Analisou-se o contexto em que termos atrelados à proteção ao trabalho e ao trabalhador foram utilizados, tanto dentro do próprio projeto de lei quanto em relação ao ordenamento jurídico vigente (isso incluiu a verificação de significados atribuídos a esses termos em outras leis, doutrina e jurisprudência).

Principais termos analisados e inadequações identificadas

Trabalho: o termo “trabalho” aparece constantemente no texto normativo, sem distinção clara entre “trabalho subordinado” e “trabalho autônomo”. Essa ambiguidade pode causar interpretações conflitantes. Quando o projeto menciona “crescimento inclusivo, desenvolvimento sustentável e bem-estar, incluindo a proteção do trabalho e do trabalhador”, não fica claro se a proteção do trabalho refere-se a empregados ou a trabalhadores lato sensu. Para evitar futuras confusões interpretativas, é essencial especificar o tipo de trabalho conforme o contexto.

Trabalhadores: o termo “trabalhadores” é utilizado de forma genérica, abrangendo uma ampla gama de situações. Sem especificações, o termo pode ser interpretado de várias maneiras, incluindo trabalhadores subordinados, autônomos, entre outros. Para assegurar clareza, seria benéfico definir os trabalhadores como “trabalhadores subordinados”, “empregados” ou “trabalhadores autônomos”, conforme aplicável ao contexto a ser normatizado.

Contrato de trabalho: o projeto utiliza o termo “contrato de trabalho” em contextos que podem incluir várias formas de relações laborais. Entretanto, se a intenção é referir-se especificamente à relação de emprego regida pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o termo mais adequado seria “contrato de emprego”. Essa substituição ajudaria a evitar ambiguidades.

Emprego e trabalho: “emprego” e “trabalho” são termos frequentemente confundidos no texto. O projeto menciona “gestão de trabalhadores e acesso ao emprego por conta própria”, uma expressão contraditória, já que “emprego” implica trabalho subordinado, enquanto “conta própria” sugere autonomia. Para maior precisão, “emprego” deveria ser utilizado exclusivamente para trabalho subordinado e “trabalho” para outras formas de relação laboral.

Conta própria: a expressão “conta própria” é utilizada de forma equivocada. O termo “emprego por conta própria” é uma contradição, já que o emprego pressupõe subordinação. Seria correto referir-se a “emprego por conta própria” (sic) como “trabalho autônomo” ou “trabalho independente”.

Dispensa: o termo “dispensa” também é problemático. Usado genericamente, pode referir-se tanto a “dispensa por justa causa” quanto a “dispensa sem justa causa”, o que pode gerar confusão. Especificar o tipo de dispensa em cada contexto evitaria essas ambiguidades.

Demissão em massa: finalmente, o termo “demissão em massa” não possui correlação no ordenamento jurídico trabalhista brasileiro. A “demissão” tecnicamente refere-se à ação do empregado de romper o contrato, enquanto “dispensa” é a ação do empregador.

Além disso, a dogmática jurídica distingue dispensa coletiva e dispensa plúrima. A dispensa coletiva, também conhecida como dispensa em massa, caracteriza-se pela dispensa simultânea de um grupo de empregados por um motivo único, geralmente relacionado à redução do quadro de pessoal da empresa. Por outro lado, a dispensa plúrima ocorre quando há a dispensa de um número significativo de empregados, porém por motivos diversos e individuais, não necessariamente relacionados a uma reestruturação empresarial.

É importante ressaltar que a dispensa plúrima não se configura como dispensa coletiva quando ocorre dentro dos padrões normais de rotatividade da empresa. A análise da normalidade leva em consideração o histórico de dispensas da empresa, o setor de atuação e as condições do mercado de trabalho.

Assim, para alinhar-se à terminologia adequada, seria melhor substituir “demissão em massa” por “dispensa coletiva” e definir claramente esses termos no projeto.

Conclusões

A análise revelou várias inadequações terminológicas no projeto de lei, especialmente no uso dos termos “trabalho”, “trabalhadores”, “contrato de trabalho”, “emprego”, “conta própria”, “dispensa” e “demissão em massa”. As propostas de correção apresentadas no parecer elaborado pela Comissão Especial de IA e Inovação do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) visam a garantir clareza e precisão jurídicas, prevenindo futuras antinomias. Isso contribui para a segurança jurídica, previsibilidade das decisões judiciais e a efetividade do direito.

O projeto de lei brasileiro, com o complemento de voto em 4 de julho, alinha-se com as melhores práticas internacionais em muitos aspectos, especialmente na avaliação de impacto e supervisão humana. As inovações trazidas pelos incisos VI (avaliação e impacto algorítmico), VII e VIII do artigo 56 garantem uma proteção robusta aos trabalhadores, similar às regulamentações da União Europeia, Estados Unidos e Reino Unido.

No entanto, o inciso VII sobre coibir “demissões em massa” sem negociação coletiva é um importante diferencial normativo que, somente se adequadamente normatizado, sinalizará o compromisso do Brasil tanto com a proteção ao trabalho quanto com o desenvolvimento do uso de sistemas de inteligência artificial no país, que tragam melhores condições de trabalho humano em geral.

  • é juíza titular de Vara do Trabalho da Capital do Rio de Janeiro, presidente da Ajutra (Associação dos Juízes do Trabalho), membro da Comissão Especial de Inteligência Artificial e Inovação do IAB (Instituto de Advogados do Brasil), vice-coordenadora do Subcomitê do CNJ no TRT-1 de Inovação no Poder Judiciário, vice-coordenadora do Laboratório de Inovação do TR-T1, especialista em Inovação/IA no Poder Judiciário, formadora de juízes pelo TST/Enamat/CSJT e pela Escola de Magistratura Nacional Francesa (École Nationale de la Magistrature — ENM), doutoranda em Ciências Jurídicas Filosóficas (Teoria da Decisão) pela Universidade de Coimbra, Portugal, mestre em Ciências Jurídicas Processuais pela Universidade Clássica de Lisboa, professora e conteudista da Escola de Magistratura TRT-1, membro do Conselho Pedagógico da Escola Judicial do TRT-1, consultora da ABA Nacional (Associação dos Advogados do Brasil) — CNDPT e coordenadora pedagógica da PM Cursos Especializados.

    CONJUR

    https://www.conjur.com.br/2024-jul-11/desafios-juridicos-do-pl-sobre-ia-e-protecao-ao-trabalhador/

Proporcionalidade ilógica: salário integral para trabalho parcial

TST aumenta indenização de empresa por assédio a adolescente de 17 anos

CONTATO FORÇADO

A 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho julgou dois casos de assédio sexual que resultaram em condenações às empresas. Em um deles, chamou a atenção o fato de que a trabalhadora tinha apenas 17 anos quando foi contratada e passou a ser assediada.

O valor de R$ 8 mil de indenização fixado pelas instâncias anteriores foi considerado irrisório pelo colegiado, que o majorou para R$ 100 mil, diante da gravidade do caso.

A ação foi apresentada por uma auxiliar administrativa da Saudesc Administradora de Planos de Assistência à Saúde Ltda., empresa de Florianópolis. Ela relatou que começou a trabalhar aos 17 anos e, durante três anos, foi assediada por seu supervisor.

Ele fazia gestos obscenos, forçava contato físico, a chamava para ir a motéis, falava para os colegas que estava tendo relações sexuais com ela e chegou a tentar puxá-la para dentro de um banheiro.

A empresa, em sua defesa, disse que as alegações da auxiliar eram “absurdas”, entre outros pontos porque ela não seria subordinada ao suposto assediador. Sustentou, ainda, que caberia à empregada comprovar os fatos relatados.

Testemunhas, porém, confirmaram a conduta do supervisor, e uma delas disse que havia saído da empresa porque também tinha sido assediada. O juízo da 6ª Vara do Trabalho de Florianópolis concluiu que ele praticava assédio sexual ambiental, intimidando as subordinadas e contaminando o ambiente de trabalho. Fixou, então, a indenização em R$ 8 mil. A sentença foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (SC).

No recurso de revista, a trabalhadora argumentou que o valor era irrisório para alguém que “ficou exposta a um ambiente insalubre, do ponto de vista psicológico, submetida a tratamento desrespeitoso e vexatório”. O relator, ministro Agra Belmonte, concordou com a argumentação.

“O valor da indenização é ínfimo dentro dos critérios de proporcionalidade e razoabilidade, se considerada especialmente a gravidade do dano perpetrado contra os direitos da personalidade da trabalhadora”, afirmou.

Ele ressaltou que, de acordo com as testemunhas, outras empregadas também sofreram assédio pelo mesmo superior. “O que se observa é que a prática era reiterada, o que certamente tornou o ambiente de trabalho prejudicial à saúde  psicológica das trabalhadoras que tinham que lidar rotineiramente com o abusador”.

Para o relator, trata-se de ofensa gravíssima, inclusive tipificada como crime no Código Penal. Em casos como esse, decorrente de ambiente de trabalho inadequado e hostil, a empresa não pode se abster de tomar medidas para fiscalizar ou mesmo punir o ofensor, pois é de sua responsabilidade manter o zelo e a proteção da segurança física e psicológica de suas colaboradoras”, assinalou.

Com base em critérios como o porte econômico da empresa e a alta gravidade das ofensas praticadas — sobretudo o fato de que o assédio começou quando a auxiliar tinha apenas 17 anos —, o colegiado concluiu que a condenação devia ser majorada para R$ 100 mil.

Trabalhadora relatou “terror”

No segundo caso, a ação foi proposta por uma empregada que atuava como caixa da Garcia e Pinheiro Comércio de Alimentos, razão social de um restaurante mexicano de Brasília.

Segundo seu relato, quando trabalhava até a meia-noite, “vivia um verdadeiro terror”, porque o gerente a constrangia com abordagens sexuais chulas e gestos obscenos, além de contato físico forçado e exibicionismo. Por não corresponder às investidas, disse que passou a ser perseguida e prejudicada no trabalho.

Ainda de acordo com ela, o comportamento do gerente era dispensado também a outras empregadas, e os proprietários, mesmo cientes dos fatos, qualificavam a conduta como “brincadeira”.

Diante da confirmação do relato por uma das testemunhas, a 9ª Vara do Trabalho de Brasília entendeu configurado o assédio e condenou o restaurante a pagar R$ 30 mil de indenização, valor mantido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (DF/TO).

Dessa vez, o recurso de revista foi do empregador, que alegava, entre outros pontos, contradições nos depoimentos das testemunhas, omissões do TRT na abordagem de alguns aspectos e valor excessivo da condenação.

Para o ministro Evandro Valadão, relator do caso, o assédio foi devidamente comprovado pelas instâncias ordinárias, a quem cabe examinar fatos e provas. “Ao expor a empregada a situações violadoras de direitos da personalidade no ambiente de trabalho, a empresa deve responder pela devida indenização por dano moral”, afirmou.

O ministro lembrou que o Conselho Nacional de Justiça adotou, em 2021, o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, que demonstra como o ambiente de trabalho pode ser hostil e intimidativo às mulheres em razão de microagressões e outras condutas, que culminam com o assédio sexual.

Em relação ao montante da indenização, o ministro observou que ele não ultrapassa o patrimônio disponível da empregadora nem é exorbitante a ponto de justificar a intervenção do TST. Com informações da assessoria de comunicação do TST.

Processo 1401-72.2017.5.12.0036
Processo 1399-43.2017.5.10.0009

CONJUR

https://www.conjur.com.br/2024-jul-11/tst-aumenta-indenizacao-de-empresa-por-assedio-a-adolescente-de-17-anos/

Proporcionalidade ilógica: salário integral para trabalho parcial

Licença por auxílio-doença não impede demissão por justa causa, afirma TST

CONDUTA ILEGAL

A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o recurso de uma ex-empregada da Petrobras que, após ser demitida por justa causa durante afastamento previdenciário, pretendia ser reintegrada imediatamente no emprego.

Segundo o colegiado, a garantia provisória de emprego, mesmo decorrente do gozo de licença médica, não impede a rescisão contratual por justa causa.

A empregada foi dispensada depois que a empresa apurou que ela havia apresentado recibos superfaturados de mensalidades escolares ao pedir reembolso de benefício educacional. Segundo a empresa, a demissão se deu a partir de uma apuração rigorosa.

A empregada, então, apresentou a ação trabalhista alegando que, em casos semelhantes, a Petrobras não havia aplicado a mesma penalidade. Pedia, assim, uma antecipação de tutela para ser imediatamente reintegrada, enquanto o processo corria, que foi deferida pelo juízo de primeiro grau.

Contra essa decisão, a Petrobras entrou com um mandado de segurança no Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG), que manteve a reintegração. Para o TRT-3, a penalidade não era proporcional à falta cometida e, no momento da dispensa, o contrato de trabalho estava suspenso em razão de licença-saúde.

Licença não impede justa causa

No TST, o entendimento foi outro. Segundo o relator, ministro Amaury Rodrigues, o fato de a trabalhadora estar em licença médica não garante a manutenção do vínculo se ela foi dispensada por justa causa.

Rodrigues lembrou também que a alegada desproporcionalidade entre a falta cometida e a punição exige análise de fatos e provas, o que não se pode fazer em mandado de segurança. No caso, as provas já registradas não são suficientes para confirmar essa conclusão.

O ministro também observou que, ainda que o contrato de trabalho seja suspenso durante o benefício previdenciário, o vínculo permanece íntegro, “de modo que não há impedimento para a rescisão contratual por justa causa”. Com informações da assessoria de comunicação do TST.

Processo 0011574-11.2023.5.03.0000

CONJUR

https://www.conjur.com.br/2024-jul-11/licenca-por-auxilio-doenca-nao-impede-demissao-por-justa-causa-afirma-tst/