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JUSTIÇA SOCIAL

TRT-2: Banco indenizará funcionário por ofensas homofóbicas

TRT-2: Banco indenizará funcionário por ofensas homofóbicas

Trabalhista

Colegiado considerou que discriminação foi evidenciada por testemunhas e perícia.

Da Redação

A 8ª turma do TRT da 2ª região manteve sentença que condenou banco ao pagamento de indenização a bancário vítima de ofensas homofóbicas. No entanto, o valor da indenização, inicialmente fixado em R$ 50 mil, foi reduzido para R$ 30 mil, já que o tribunal não reconheceu a alegação de cobrança abusiva de metas.

No caso, o funcionário moveu ação trabalhista contra a instituição financeira, alegando cobrança abusiva de metas e tratamento discriminatório. O banco, por sua vez, negou as acusações.

Testemunhas e perícia

A relatora do caso, desembargadora Cynthia Gomes Rosa, considerou que, embora não tenha ficado comprovado o abuso relacionado às metas, a discriminação homofóbica ficou evidente no processo.

Uma testemunha do próprio banco confirmou as ofensas, buscando minimizá-las como “brincadeiras”. Além disso, a testemunha apresentada pelo funcionário relatou falas agressivas por parte dos seguranças, incluindo ameaças de violência física.

Para o colegiado, a gravidade das ofensas foi corroborada por perícia, que apontou o tratamento recebido como fator que contribuiu para o agravamento do transtorno de ansiedade e depressão do funcionário.

Assim, ao final, a turma reconheceu o sofrimento psicológico do trabalhador, ressaltando que a indenização por dano moral é devida mesmo que ele esteja apto ao trabalho.

O tribunal não informou o número do processo.

Migalhas: https://www.migalhas.com.br/quentes/410702/trt-2-banco-indenizara-funcionario-por-ofensas-homofobicas

TRT-2: Banco indenizará funcionário por ofensas homofóbicas

PF indicia Bolsonaro e mais 11 em inquérito das joias sauditas

11 indiciados

Ex-presidente está sob suspeita de ter cometido os crimes de peculato, lavagem de dinheiro e associação criminosa.

Da Redação

Nesta quinta-feira, 4, a Polícia Federal indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro no caso das joias sauditas. O relatório parcial da investigação foi encaminhado ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, relator do caso.

A investigação revelou a atuação de uma organização criminosa que desviava e vendia presentes recebidos de autoridades estrangeiras durante o governo Bolsonaro.

De acordo com as normas do TCU, esses presentes deveriam ser incorporados ao GADH – Gabinete Adjunto de Documentação Histórica, órgão da Presidência da República responsável pela guarda dos presentes, não podendo permanecer no acervo pessoal de Bolsonaro.

As investigações apontam que os desvios começaram em meados de 2022 e se estenderam até o início do ano passado, sendo operacionalizados pelo ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid.

Bolsonaro está sob suspeita de ter cometido os crimes de peculato, lavagem de dinheiro e associação criminosa. Também foram indiciadas outras 11 pessoas – todas por associação criminosa, 7 por peculato, 9 por lavagem de dinheiro e 1 por advocacia administrativa:

Bento Albuquerque, ex-ministro de Minas e Energia de Bolsonaro (peculato e associação criminosa);
José Roberto Bueno Júnior, ex-chefe de gabinete do Ministério de Minas e Energia (peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro);
Julio César Vieira Gomes, auditor-fiscal e ex-secretário da Receita peculato, associação criminosa, lavagem de dinheiro e advocacia administrativa);
Marcelo da Silva Vieira, chefe do gabinete de Documentação Histórica da Presidência da República no mandato de Bolsonaro (peculato e associação criminosa);
Marcelo Costa Câmara, ex-assessor de Bolsonaro (lavagem de dinheiro);
Marcos André dos Santos Soeiro, ex-assessor de Bento Albuquerque (peculato e associação criminosa);
Mauro Cesar Barbosa Cid, tenente-coronel do Exército e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro (peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro);
Fabio Wajngarten, advogado de Bolsonaro e ex-secretário de Comunicação (lavagem de dinheiro e associação criminosa);
Frederick Wassef, advogado do ex-presidente (lavagem de dinheiro e associação criminosa);
Mauro Cesar Lourena Cid, general da reserva do Exército (lavagem de dinheiro e associação criminosa);
Osmar Crivelatti, assessor de Bolsonaro (lavagem de dinheiro e associação criminosa).
Com os indiciamentos, o caso será encaminhado à Procuradoria-Geral da República, que decidirá se o ex-presidente e os demais envolvidos serão denunciados ao STF.

Durante as investigações, a PF descobriu que parte das joias foi transportada em uma mala no avião presidencial. Em um dos casos, o general Cid recebeu US$ 68 mil pela venda de um relógio Patek Philippe e um Rolex, valor que foi depositado em sua conta bancária. Na época, ele trabalhava no escritório da Apex em Miami.

Entre os itens desviados estão esculturas folheadas a ouro de um barco e uma palmeira, recebidas por Bolsonaro durante uma viagem ao Bahrein em 2021.

Até o momento, a defesa de Bolsonaro não se pronunciou sobre o indiciamento. Pelo Twitter, o senador Flávio Bolsonaro criticou a ação da PF, acusando-a de perseguição.

“A perseguição a Bolsonaro é declarada e descarada! Alguém ganha um presente, uma comissão de servidores públicos decide que ele é seu. O TCU questiona e o presente é devolvido à União. Não há dano ao erário! Aí o grupo de PFs, escalados a dedo pra missão, indicia a pessoa”, escreveu o senador.

Fábio Wajngarten, advogado de Bolsonaro e ex-secretário do governo, também foi indiciado. Em nota, ele afirmou que seu indiciamento pela PF é ilegal, alegando que tomou conhecimento do caso das joias pela imprensa e, na condição de defensor, orientou a entrega dos itens ao TCU.

“Portanto, a iniciativa da Polícia Federal de pedir meu indiciamento no caso dos presentes recebidos pelo ex-presidente é arbitrária, injusta e persecutória. É uma violência inominável e um atentado ao meu direito de trabalhar”, declarou Wajngarten.

Migalhas: https://www.migalhas.com.br/quentes/410720/pf-indicia-bolsonaro-e-mais-11-em-inquerito-das-joias-sauditas

TRT-2: Banco indenizará funcionário por ofensas homofóbicas

Terceirização: ônus da prova e responsabilização do ente público

PRÁTICA TRABALHISTA

 

Não é de hoje que o assunto envolvendo a terceirização de serviços causa inúmeros debates na Justiça do Trabalho. Além disso, muitas foram as dúvidas e as controvérsias instauradas após as recentes decisões proferidas pela Suprema Corte envolvendo a matéria.

Dito isso, surgem algumas incertezas quando o assunto envolve a terceirização de serviços na Administração Pública e o ônus da prova para a possível responsabilização do ente público.

Terceirização na Administração Pública

De início, impende destacar que o Poder Público não pode se eximir das suas responsabilidades contratuais nas questões envolvendo a fiscalização e cumprimento das obrigações assumidas perante a empresa tomadora de serviços. Contudo, essa responsabilização não é automática.

Com efeito, se encontra ainda pendente de julgamento no âmbito da Suprema Corte o Recurso Extraordinário (RE) 1.298.647/SP [1], onde se discute justamente a temática envolvendo o ônus da prova da conduta culposa do ente público no desacerto dessa fiscalização.

Spacca

 

Entrementes, algumas reflexões sobre o tema são necessárias: (i) Qual o posicionamento dos Tribunais Superiores em relação ao encargo probatório para a comprovação da conduta culposa da Administração Pública? (ii) Poderia o trabalhador ter que produzir eventual prova diabólica se tal ônus lhe competir? (iii) É possível presumir a culpa do agente público na fiscalização dos serviços terceirizados? (iv) A quem caberia o ônus probatório de conduta culposa: ao trabalhador ou ao tomador de serviços?

Por certo, o assunto é polêmico, tanto que a temática foi indicada por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista, nesta ConJur [2], razão pela qual agradecemos o contato.

Lição de especialista

A respeito da temática, oportunos são os ensinamentos de Ricardo Calcini e Amanda Paoleli Câmara [3]:

A terceirização é uma relação triangular ou trilateral, e o ônus probatório deve considerar a possibilidade de prova de cada parte, à luz da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova e do princípio da sua aptidão, sem incidir no que a doutrina moderna vem chamando de “prova diabólica” (…).

Até a entrada da Lei 13.467/2017, somente as atividades-meios podiam ser terceirizadas, restrição alterada pela reforma trabalhista com a introdução do art. 4ª-A da Lei 6.019/74, que passou a possibilitar a terceirização da atividade principal (atividade fim), matéria confirmada pelo STF no julgamento da Arguição de Descumprimento do Preceito Fundamental 324/DF, resultando no Tema 725 da repercussão geral (Torres, 2020). Ademais, foi admitida a terceirização em quaisquer atividades do ente público federal pelo Decreto 9.507/2018, que também passou a dispor previsões sobre a gestão e a fiscalização da execução dos contratos (art. 10), imputando ao Poder Público um conjunto de ações que, entre outas questões, tenham por objetivo “verificar a regularidade das obrigações previdenciárias, fiscais e trabalhistas”, prestando o “apoio à instrução processual e ao encaminhamento da documentação pertinente (…) com vistas a assegurar o cumprimento das cláusulas do contrato” (Sako, 2019).

 Legislação

Do ponto de vista normativo no Brasil, de um lado, a Constituição estabelece em seu artigo 37, XXI [4], acerca da possibilidade de contratação de obras e serviços por meio de licitação pública; lado outro, a Lei 14.133/2021 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos) aborda em seu artigo 121, caput, § 2º [5], a responsabilidade do Poder Público nos encargos trabalhistas, em sendo revelada a falha na prestação de serviços.

Dados estatísticos

De acordo com os dados do TRT-15 em 2023, foi registrado um aumento de 6,3% no número de ações judiciais relacionadas à temática acidente de trabalho e de 9% sobre doença ocupacional, sendo que a terceirização foi apontada como um dos principais fatores, em razão da precariedade de orientação e procedimentos de saúde e segurança no trabalho [6].

De outro norte, nos últimos tempos, foi veiculado recentemente na mídia que o Brasil bateu recordes de resgates no trabalho análogo à escravidão, de sorte que para alguns a terceirização facilita este trabalho precário [7].

Spacca

 

Nesse diapasão, ao se falar no dever de fiscalização do ente público, esse decorre dos princípios de Direito Administrativo, muito embora não possa a Administração Pública se valer da mão de obra do trabalhador sem prezar pela contraprestação devida, assim como deve agir com noção ética e de adequação social do meio buscado para atingir a sua finalidade pública.

Aliás, o Poder Público deve dar o exemplo no que tange ao respeito dos direitos sociais ao se utilizar de tal modalidade de contratação, pois se é verdade que a terceirização pode trazer benefícios para a sociedade, de igual modo não se deve violar os direitos humanos fundamentais do trabalhador.

STF

Destarte, é forçoso ressaltar que a Suprema Corte, ao julgar o Tema 246 da Tabela de Repercussão Geral [8], fixou a seguinte tese:

“O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, §1º, da Lei nº 8.666/93.”

Vale dizer, o ente público, segundo a tese vinculativa, será responsabilizado pelos encargos trabalhistas, mas, para isso, o ônus de comprovar a conduta culposa na fiscalização será, pelo STF, do trabalhador.

A propósito, a referida tese foi fixada dada a divergência que se estabeleceu entre o conflito interpretativo na aplicação da orientação contida na ADC nº 16 [9] do STF e a Súmula 331 do TST [10].

TST

A tal respeito, a Corte Superior Trabalhista já foi provocada a emitir juízo de valor sobre a temática, de sorte que o entendimento caminhou, no caso concreto, no sentido de que não se pode imputar, automaticamente, a responsabilidade subsidiária à Administração Pública [11].

Em seu voto, a ministra relatora ponderou:

“Contudo, em prosseguimento, o Município de Suzano (2º reclamado) ingressou com reclamação constitucional perante o Supremo Tribunal Federal, julgada procedente em decisão proferida pelo Exmo. Ministro André Mendonça, para ” cassar o acórdão da Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho no processo nº TST-Ag-AIRR-1000719-64.2020.5.02.0492 e determinar que outra decisão seja proferida com observância dos critérios estabelecidos na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16/DF e no Recurso Extraordinário nº 760.931/DF (Tema RG nº 246), no que diz respeito à responsabilidade subsidiária do ente público .” (fls. 318/319). Logo, por disciplina judiciária, impõe-se a reanálise do tema conforme tese fixada pela Suprema Corte, no sentido da impossibilidade de presumir a culpa do agente público na fiscalização dos serviços terceirizados ou sequer de lhe imputar o ônus da prova. Nessa linha, constatado que o acórdão regional imputou à Administração Pública a responsabilidade subsidiária de forma automática, além de atribuir-lhe a obrigação de comprovar a diligente fiscalização, verifica-se contrariedade à Súmula 331, V, do TST, por má-aplicação, conforme entendimento manifestado na reclamação constitucional nº 55.663/DF julgada pelo Supremo Tribunal Federal. Assim, ausente premissa fática indispensável para caracterizar a sua conduta culposa, resta demonstrada a má aplicação da Súmula 331, V, do TST.”

Conclusão

Em arremate, não obstante a terceirização seja uma realidade cada dia mais presente na sociedade brasileira, não se pode permitir retrocessos sociais e a precarização. Atualmente, o STF possui o entendimento de ser impossível a transferência automática das obrigações trabalhistas ao ente público, porém, a tese fixada não aborda especificamente sobre o ônus da prova para a fiscalização da conduta culposa, e, por isso, é importante se debruçar melhor sobre o tema, evitando-se que seja imposto ao trabalhador um encargo que não possa ser efetivamente cumprido.

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[1] Disponível em https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6048634 . Acesso em 2.7.2024.

[2] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[3] Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 27, n. 1, 2023, página 58.

[4] Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…). XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

[5] Art. 121. Somente o contratado será responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato. (…). § 2º Exclusivamente nas contratações de serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, a Administração responderá solidariamente pelos encargos previdenciários e subsidiariamente pelos encargos trabalhistas se comprovada falha na fiscalização do cumprimento das obrigações do contratado.

[6] Disponível em https://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/2024/04/30/precarizacao-faz-aumentar-acoes-judiciais-sobre-acidente-de-trabalho-e-doenca-ocupacional-no-interior-de-sp.ghtml. Acesso em 2.7 2024.

[7] Disponível em https://www.cut.org.br/noticias/entenda-como-a-terceirizacao-e-a-porta-de-entrada-para-o-trabalho-escravo-33d7 . Acesso em 01.07.2024.

[8] Disponível em https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/tema.asp?num=246. Acesso em 2.7.2024.

[9]  RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. Subsidiária. Contrato com a administração pública. Inadimplência negocial do outro contraente. Transferência consequente e automática dos seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, resultantes da execução do contrato, à administração. Impossibilidade jurídica. Consequência proibida pelo art., 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666/93. Constitucionalidade reconhecida dessa norma. Ação direta de constitucionalidade julgada, nesse sentido, procedente. Voto vencido. É constitucional a norma inscrita no art. 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666, de 26 de junho de 1993, com a redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995.

[10] Súmula nº 331 do TST CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011

I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974). II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial. V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada. VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

[11] Disponível em https://consultaprocessual.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=1000719&digitoTst=64&anoTst=2020&orgaoTst=5&tribunalTst=02&varaTst=0492&submit=Consultar. Acesso em 2.7.2024

  • é professor, advogado, parecerista e consultor trabalhista, sócio fundador de Calcini Advogados, com atuação estratégica e especializada nos tribunais (TRTs, TST e STF), docente da pós-graduação em Direito do Trabalho do Insper, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do comitê técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD), pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (Ius Gentium Coninbrigae), da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho, da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

    CONJUR

    https://www.conjur.com.br/2024-jul-04/terceirizacao-onus-da-prova-da-fiscalizacao-e-responsabilizacao-do-ente-publico/

TRT-2: Banco indenizará funcionário por ofensas homofóbicas

Relatório da JT: Litigiosidade na Justiça do Trabalho e a justiça gratuita

OPINIÃO

Recentemente foi publicado o “Relatório Geral Estatístico da Justiça do Trabalho”, retratando o cenário de 2023. E um dos dados que comporta reflexão consiste no avanço da quantidade de ações ajuizadas.

Não é de hoje a compreensão, ou constatação, de que não há como produzir ciência com neutralidade e isenção.  Mas ao mesmo tempo isso não impede que se tente observar fenômenos e dados sem entrar no debate político relacionado a esses mesmos fenômenos.

O tema da litigiosidade, principalmente envolvendo a Justiça do Trabalho, conta com potencial para ser objeto do debate político. Porém, essa condição não afasta a tentativa de observação das características do presente fenômeno de forma isenta, principalmente considerando a recente publicação do Relatório Geral da Justiça do Trabalho de 2023.

Dentre os dados relacionados à litigiosidade, seguramente um dos mais importantes corresponde ao volume de ações ajuizadas. Observando o gráfico quanto ao período de 2017 a 2023, constata-se uma linha descendente de maior inclinação (2017 a 2020), seguida por uma linha ascendente de menor inclinação (de 2021 a 2023), conforme a imagem a seguir [1].

Reprodução
Um fator que pode estar influenciando e ajudar a entender os dois movimentos corresponde ao tratamento da justiça gratuita, ou ao menos a percepção desse tratamento.

Reforma trabalhista

A Lei 13.467/2017 (reforma trabalhista), vigente a partir de novembro de 2017, havia estabelecido que o beneficiário da justiça gratuita poderia ter seu crédito comprometido para pagamento de honorários advocatícios e periciais (artigos 790-B, § 4º e artigo 791-A, §4º). Em outubro de 2021, ao julgar a ADI 5.766, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucionais as referidas regras.

O aumento ou diminuição de ações ajuizadas na Justiça do Trabalho podem ser causados ou influenciados por diversas variáveis, conhecidas e desconhecidas. E por conta disso não seria possível afirmar que a explicação para o referido movimento de diminuição e posterior aumento das ações trabalhistas corresponda exclusivamente à justiça gratuita.

Porém, há outro dado que pode ajudar a entender o fenômeno, também divulgado no último Relatório Geral. Trata-se do aumento das improcedências totais, situação na qual se conclui que nada é devido ao reclamante.

Tanto em 2022, quanto em 2023, cerca de 62% das sentenças proferidas foram de procedência parcial, situação na qual há algum direito reconhecido, e outros rejeitados. Quanto às situações de procedência total e improcedência total, em 2022 15,1% dos casos foram de procedência total e 22,9% de improcedência total, enquanto em 2023 foram 13,7% de procedência total e 24,3% de improcedência total.

Logo, houve aumento na quantidade de processos em que se concluir não haver nenhum direito devido, aumento esse que em termos absolutos correspondeu precisamente a 25.668 processos. Ou seja, ainda em termos absolutos, em 2022 houve 196.201 processos nos quais se concluiu que nada era devido, enquanto em 2023 houve 221.869 processos nos quais se concluiu que nada era devido.

Portanto, aumentaram as ações e também aumentaram as sentenças de improcedência total.

Outro dado que poderia influenciar o volume de ações ajuizadas na Justiça do Trabalho seria a quantidade de desligamentos de empregados, isto é, o possível impacto do mercado de trabalho, envolvendo a perda do emprego.

Comparando os desligamentos registrados no Caged [2] e as ações ajuizadas [3], temos o seguinte cenário quanto aos últimos anos [4]:

Reprodução
Os referidos dados indicam que, em termos relativos, em 2023 aumentou mais o ajuizamento de ações (12,5%), do que os desligamentos (5,4%). E outra constatação é que que enquanto em 2022 as ações ajuizadas correspondiam a 7,9% dos desligamentos, em 2023 passou a ser 8,4%. Assim, haveria alguma dificuldade para explicar o aumento das ações ajuizadas com base no mercado de trabalho.

Com isso é possível considerar que: (1) houve aumento no volume de ações ajuizadas em 2023; (2) houve aumento no volume de sentenças nas quais se constatou que nada seria devido ao autor da ação; (3) os desligamentos, em termos proporcionais, cresceram menos que as ações ajuizadas.

Portanto, considerando os dados apontados, é possível que o aumento das ações na Justiça do Trabalho seja explicado pelo tratamento dado à justiça gratuita. Ao mesmo tempo isso não afasta a possibilidade de que outras variáveis ajudem a entender o fenômeno.

A única certeza é de que o tema exige atenção, estudo e reflexão.

________________

[1] Fonte: Relatório Geral da Justiça do Trabalho de 2023.  Imagem extraída do Relatório geral com destaque realizado pelo autor. [https://tst.jus.br/documents/10157/2374827/RGJT.pdf/6f862c0f-9272-8319-89eb-7e8ff063ecab?t=1719859755306].

[2] Fonte: CAGED – Ministério do Trabalho. [http://pdet.mte.gov.br/caged].

[3] Fonte: Relatório Geral da Justiça do Trabalho de 2023. [https://tst.jus.br/documents/10157/2374827/RGJT.pdf/6f862c0f-9272-8319-89eb-7e8ff063ecab?t=1719859755306].

[4] Planilha organizada pelo autor.

TRT-2: Banco indenizará funcionário por ofensas homofóbicas

Proteção legal do meio ambiente do trabalho na CLT

REFLEXÕES TRABALHISTAS

Recepcionada pela Constituição, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), no Capítulo V, trata da segurança e medicina do trabalho, trazendo importantes disposições que, se efetivamente cumpridas, contribuirão na prevenção dos riscos ambientais laborais, evitando acidentes e doenças e, com isso, protegendo a saúde dos trabalhadores.

Spacca

 

Citarei alguns dos mais importantes artigos incluídos na CLT pela Lei nº 6.514/1977, que alterou substancialmente o Capítulo V da CLT, num momento em que o Brasil figurava no primeiro lugar no ranking mundial de acidentes de trabalho.

Hoje, de acordo com levantamento da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Brasil ocupa o quarto lugar no ranking mundial de mortes por acidentes de trabalho.

Dispositivos

Por oportuno, dentre tais dispositivos legais incluídos na CLT destaco, pela sua importância, o artigo 156 (artigo 156 – Compete especialmente às Delegacias Regionais do Trabalho, nos limites de sua jurisdição: I – promover a fiscalização do cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho; II – adotar as medidas que se tornem exigíveis, em virtude das disposições deste Capítulo, determinando as obras e reparos que, em qualquer local de trabalho, se façam necessárias; III – impor as penalidades cabíveis por descumprimento das normas constantes deste Capítulo, nos termos do artigo 201”), que trata da competência do Estado, por meio das Delegacias Regionais do Trabalho e de outros órgãos de fiscalização sobre a orientação, fiscalização, adoção de medidas de proteção ao meio ambiente do trabalho e aplicação das penalidades cabíveis no caso de descumprimento das normas atinentes, incluindo a interdição e o embargo.

Já o artigo 157 (artigo 157 – “Cabe às empresas: I – cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho; II – instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais; III – adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente; IV – facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente”), por seu turno, determina aos tomadores de serviços a obrigação de cumprirem e fazerem cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho, adotando medidas coletivas e individuais de prevenção e proteção necessárias, orientando e instruindo os trabalhadores sobre a implementação dessas medidas e informando-os a respeito dos riscos decorrentes das atividades desenvolvidas.

Também importante é o artigo 158 (artigo 158 – “Cabe aos empregados: I – observar as normas de segurança e medicina do trabalho, inclusive as instruções de que trata o item II do artigo anterior; Il – colaborar com a empresa na aplicação dos dispositivos deste Capítulo. Parágrafo único – Constitui ato faltoso do empregado a recusa injustificada: a) à observância das instruções expedidas pelo empregador na forma do item II do artigo anterior; b) ao uso dos equipamentos de proteção individual fornecidos pela empresa”), que obriga os empregados a cumprirem as normas ambientais laborais, seguindo as orientações do empregador, sob pena de incorrerem em ato faltoso, punível proporcionalmente à sua gravidade.

O artigo 160 estabelece a obrigatoriedade da inspeção prévia nos estabelecimentos, antes do seu funcionamento, como a mais importante forma de prevenção dos agravos à saúde do trabalhador, embora, na prática seja pouco cumprido (artigo 160 – “Nenhum estabelecimento poderá iniciar suas atividades sem prévia inspeção e aprovação das respectivas instalações pela autoridade regional competente em matéria de segurança e medicina do trabalho.§ 1º – Nova inspeção deverá ser feita quando ocorrer modificação substancial nas instalações, inclusive equipamentos, que a empresa fica obrigada a comunicar, prontamente, à Delegacia Regional do Trabalho. § 2º – É facultado às empresas solicitar prévia aprovação, pela Delegacia Regional do Trabalho, dos projetos de construção e respectivas instalações”).

O artigo 161 (artigo 161 – “O Delegado Regional do Trabalho, à vista do laudo técnico do serviço competente que demonstre grave e iminente risco para o trabalhador, poderá interditar estabelecimento, setor de serviço, máquina ou equipamento, ou embargar obra, indicando na decisão, tomada com a brevidade que a ocorrência exigir, as providências que deverão ser adotadas para prevenção de infortúnios de trabalho”) assegura ao Delegado Regional do Trabalho, hoje Superintendente Regional do Trabalho, ante a existência de risco grave e iminente para o trabalhador, interditar estabelecimento, setor de serviço, máquina ou equipamento ou embargar obra, o que representa um dos mais efetivos e ágeis instrumentos de prevenção do meio ambiente e de eliminação de risco de vida para os trabalhadores. Esse dispositivo legal, que nos seus primórdios teve pouquíssima aplicação, vem sendo utilizado com certa frequência pelos órgãos do Ministério do Trabalho e Emprego como forma de preservação da saúde do trabalhador.

O artigo 184 (artigo 184 – “As máquinas e os equipamentos deverão ser dotados de dispositivos de partida e  parada e outros que se fizerem necessários para a prevenção de acidentes do trabalho, especialmente quanto ao risco de acionamento acidental. Parágrafo único – É proibida a fabricação, a importação, a venda, a locação e o uso de máquinas e equipamentos que não atendam ao disposto neste artigo”) dispõe sobre a necessidade de as máquinas e equipamentos que ofereçam perigo para os trabalhadores conterem dispositivos de proteção, impondo a responsabilidade solidária pelo cumprimento dessa obrigação ao fabricante, ao importador, ao vendedor, ao locador e ao usuário.

Cabe registrar que as alterações incluídas na CLT pela Lei nº 6.514/1977, que alterou seu Capítulo V, endurecendo as normas sobre segurança e saúde no trabalho, juntamente com algumas políticas de prevenção foram responsáveis pela diminuição do índice de acidentes de trabalho no Brasil, que, de qualquer forma, ainda registra indicies preocupantes, com grandes prejuízos financeiros, sociais e humanos. Por isso, sempre é necessário reiterar que o melhor remédio para evitar acidentes de trabalho é a prevenção dos riscos ambientais laborais.

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30 anos do Plano Real: estabilidade trouxe alívio para o cidadão

Após o trauma de seguidos planos econômicos frustrados, brasileiros viram, finalmente, os preços se acomodarem

Maria Beatriz Giusti

Em 30 de junho de 1994, mais de 940 milhões de cédulas e 688 milhões de moedas foram distribuídas no Brasil, de acordo com as informações do Banco Central. Depois de mais de um ano de transição, finalmente, o brasileiro podia segurar no dinheiro real.

O fim de 1994 ainda enfrentou a inflação de 916% no acumulado de 12 meses, mas o controle econômico acompanhou os próximos anos e, já em 1995, o percentual era de 22%. Somente quem viveu a inflação desenfreada no Brasil pode perceber a diferença.

Durante a transição do Cruzeiro Real para o Real, foi lançada a Unidade Real de Valor (URV), uma moeda contábil que pavimentou o caminho para a introdução do real, moeda que permanece até hoje. Esse processo transformou a alta inflação, mais de 80% ao mês, que atormentava a vida dos brasileiros em uma lembrança do passado. As gerações nascidas após o início da estabilidade econômica não conseguem imaginar como era viver em um país com hiperinflação.

Em 1992, a recém-casada Silvana Oliveira, 48 anos, recorda que, mesmo no final do período crítico da hiperinflação, o cenário era ‘caótico’ para um jovem casal. “Quando casei, em meados de 92, senti drasticamente o cenário caótico que o Brasil atravessava. Todo o mês, os preços subiam e era uma luta constante para ajustar o orçamento familiar. O cenário por si só me tirava um pouco da esperança que tinha no Brasil: eu e meu ex-marido, dois jovens começando a vida, com sonhos que pareciam muito difíceis de concretizar”.

Oliveira lembra, no entanto, que a chegada de 1994 trouxe um alívio para vida dos brasileiros que começaram a ter esperança na nova moeda. “Quando o Plano Real foi lançado, parecia que um milagre tinha acontecido. A inflação estava fora de controle e, de repente, com a nova moeda, tudo começou a estabilizar”, recorda.

Confisco da poupança

Durante o governo do ex-presidente Fernando Collor, o Brasil enfrentou um dos momentos mais traumáticos de sua história econômica, quando em 1990, o presidente confiscou poupanças e bloqueou contas bancárias como parte de um plano para conter a hiperinflação. Esse confisco repentino deixou milhões de brasileiros sem acesso ao seu próprio dinheiro, ou forçando as vítimas do golpe a negociar metade do valor de volta, agravando a crise financeira e semeando desconfiança no sistema bancário, enquanto o país já lutava contra preços que subiam diariamente e uma economia em colapso.

O empresário Edimar Mothe, 65, relembra o impacto da medida, que marcou sua vida pessoal e profissional. “Eu me lembro de assistir à notícia na televisão praticamente hipnotizado, e fiquei assim durante uns dois dias. Eu me lembro, com exatidão, de ouvir aquilo sem saber o que fazer. Eu tinha contas para pagar e, de todo o dinheiro que nós tínhamos no banco, para as empresas, suprir compromissos, folha de pagamento, aluguel, fornecedores, sobraram 50 mil. Aquilo impactou muito. Foi uma loucura. Eu procurava entender aquele Plano Collor”.

Para Edimar, o confisco foi um golpe quase fatal. “O governo, com o tempo, foi criando a condição de poder pagar impostos com o dinheiro que foi congelado. Se você tinha dinheiro no banco, perdia cerca de 20% a 30%. As empresas que tinham impostos para pagar, pagavam 70% e ficavam com o crédito, o dinheiro congelado, para pagar impostos. Todo mundo perdeu, na melhor das hipóteses, uns 30% do seu capital. Isso para quem conseguiu descongelar, pois muita gente não conseguiu”, conta.

O então bancário, Nicolas Bonvakiades, 56, relembra como os bancos eram sempre cheios de pessoas tentando pagar as contas sem os juros. Hoje assessor de imprensa, ele conta que viveu a hiperinflação de duas formas. “Pelo fato de ser bancário, eu via a agonia das pessoas que não conseguiam pagar os juros enormes do cheque especial, enquanto eu também passava por uma situação semelhante”.

O assessor recorda que viveu uma situação “inusitada” durante os congelamentos no governo Collor, mas que o tirou de um débito grande. “Eu tinha uma dívida de cheque especial e, de repente, para liberar dinheiro, começou a poder fazer a transferência da dívida para quem teve as contas congeladas. Você vendia a dívida para quem queria descongelar o dinheiro e a sua dívida era paga por essa pessoa. Uma coisa completamente absurda”.

Entre aqueles que se moldaram ao sistema da época, está o fotógrafo Jorge de Medeiros, 64, que viveu o começo de sua carreira profissional em um país onde os preços mudavam diariamente. “Viver em um país com hiperinflação foi muito desagradável. Principalmente para os mais pobres. Não tinha certeza se o que ganhavam era o suficiente para bancar as despesas”. Para ele, que trabalhava como autônomo, a situação era ainda mais complicada. “Eu não era assalariado, já que vivia como autônomo fotografando. Por isso, os serviços que eu pegava vinham com valores atualizados de acordo com a inflação. Eu ia corrigindo. A inflação gerou muita insegurança para a população”.

O comerciante Cláudio Damaceno, 51, viveu dificuldades antes da estabilização econômica trazida pelo Plano Real, que forçava os trabalhadores a lidarem com dinheiro em espécie, mas não possibilitava comprar o básico. “Cartão de crédito era só para a burguesia. Naquela época, andávamos com um salário mínimo dentro da carteira. Recebia do patrão o dinheiro em espécie e já saia com a carteira recheada na rua. Quando chegava no mercado, o pagamento ficava lá”, recordou.

“Comprávamos o básico, por exemplo, um kg de carne levava 1/3 do salário. As coisas eram mais difíceis, o preço não nos deixava ter. Carne era só uma vez por semana. O pobre comia ovos”, contou. A hiperinflação reduzia drasticamente o poder de compra e limitava o acesso a alimentos, obrigando famílias a adotarem dietas restritas.

Houve um processo de adaptação à nova moeda e a estabilização dos preços. “Os primeiros anos do real foram complicados. As coisas começaram a melhorar depois de uns sete anos”, disse Cláudio.

Estoque de comida

O contador Adão Passos, 60, relembra os tempos difíceis da hiperinflação no Brasil, quando os preços subiam várias vezes ao dia, tornando o planejamento financeiro impossível e obrigando os brasileiros a correrem para estocar alimentos. Com a moeda desvalorizada e produtos básicos desaparecendo das prateleiras, os brasileiros transformavam seus salários em alimentos para o mês inteiro.

“O salário era corroído diariamente na compra de produtos e serviços. Os preços eram remarcados de manhã, de tarde e de noite. Não era possível um planejamento familiar, nem tampouco financeiro. Era muito curioso você ir ao supermercado correndo nas prateleiras para pegar o produto com o preço do início da manhã, pois já tinha o cara com a maquininha fazendo a remarcação dos preços. Estocar comida era necessário”, comenta, lembrando que a renda do brasileiro não era capaz de proporcionar compras no dia a dia. Ele recorda ainda que até produtos faltavam nos supermercados. “Nossa moeda não tinha nenhum valor”, completa.

A introdução do Plano Real se tornou um ponto de virada na economia. Permitindo que os brasileiros finalmente se libertassem da constante alta de preços. “Possibilitou fazer planejamento financeiro e familiar. Acabou a correria no supermercado para comprar produtos sem alterar o preço do dia para a noite. Acabou a necessidade de estocar comida. O salário passou a ter poder de compra. Nada de comprar comida para o mês todo. O preço estabilizou. Na época, eu nem sonhava em ter um carro, uma casa ou, até mesmo, acesso a produtos e serviços de lazer. Hoje, reservando uma quantia por mês, tenho acesso a todas as opções que eu quero”, concluiu o contador.

Para a professora de idiomas, Gianna Xavier, 66, o drama era o mesmo. Mãe de três crianças pequenas na época, a professora conta que precisava levar cheque para todas as lojas porque não sabia quanto ia gastar no dia. “A gente andava com cheque para absolutamente tudo, para ir na padaria tinha que ser com cheque. Não sabia quanto de dinheiro tinha que levar, um dia era um saquinho, no outro já eram dois saquinhos. A gente chamava de ‘pataca’ a moeda da época, porque vivia mudando”.

Xavier lembra que a família não podia se dar ao luxo de comprar algumas marcas, já que a ida ao mercado era sempre uma surpresa dos valores. “Quando recebia o salário, a gente corria para o supermercado para fazer estoque, muito leite em caixinha e em pó, mas tudo que pudesse estocar, a gente estocava. Os produtos eram sempre de marca branca que eram um pouco mais barato”.

necessidades basicas serie plano real
necessidades basicas serie plano real(foto: editoria de arte)

Geração do real

Para a geração que nasceu no período do real, alguns hábitos podem parecer desnecessários, mas muito comuns para os familiares mais velhos. O gerente de projetos e estudante de economia, Paulo Zhara, de 27 anos, conta que quando criança os pais e os avós sempre faziam compras de mês. “Aquelas compras muito grandes no supermercado, com vários pacotes de arroz, de feijão, muitos produtos enlatados eram muito comuns na minha família”.

Mesmo depois de 30 anos do Plano Real, Paulo diz que a hiperinflação não o assusta, mas questiona a forma como os governos vêm lidando com as crises econômicas. “Se for parar para pensar, o Brasil não mudou tanto a maneira de fazer política e de fazer políticas econômicas. Ainda é muito baseada no controle da inflação por meio da determinação da taxa de juros. Eu vejo que esse cenário da hiperinflação pode acontecer no médio ao longo prazo”.

*Estagiárias sob a supervisão de Edla Lula

CORREIO BRAZILIENSE

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