NOVA CENTRAL SINDICAL
DE TRABALHADORES
DO ESTADO DO PARANÁ

UNICIDADE
DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

PEC da autonomia financeira do BC acirra disputa entre Lula e Campos Neto

PEC da autonomia financeira do BC acirra disputa entre Lula e Campos Neto

Em discussão no Senado, a Proposta de Emenda à Constituição do Banco Central (BC) divide opiniões de especialistas, incluindo de ex-chefes da instituição e acirra o confronto entre o presidente Lula e o atual comando do BC. O principal ponto é a possibilidade de a autonomia orçamentária e financeira da instituição como colocada pela PEC pode interferir nas atividades de Estado do banco, entre elas:

  • controle sobre a inflação do país;
  • execução da política monetária brasileira;
  • determinação da taxa básica de juros no Brasil;
  • garantir a segurança e eficiente do sistema financeiro;
  • emissão da moeda nacional, o real; e
  • fiscalização dos bancos que atuam no país.

Atualmente, o BC já conta com autonomia operacional. Ou seja, o governo federal, seja ele qual for, não pode interferir nas escolhas feitas pela cúpula do Banco Central, como a taxa de juros. Essa autonomia pode levar a atritos políticos, como tem sido a relação do atual presidente da instituição, Roberto Campos Neto, e o presidente Lula (PT).

O que a PEC propõe é como dar autonomia financeira e administrativa para a atuação do BC. Como empresa pública, o Banco Central poderia utilizar sua própria receita como fonte de recursos – atualmente, como autarquia, as receitas do BC são enviadas para o Tesouro Nacional. A mudança seria para “prever a garantia de recursos para que as atividades relevantes da Autoridade Monetária para a sociedade sejam executadas sem constrangimentos financeiros, tanto para o Banco Central quanto para o Tesouro Nacional”, segundo o relatório. Na prática, o texto concede independência ao BC para gerir seus próprios recursos, contratar pessoal e definir planos de carreiras e salários.

Proposta pelo senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO) e relatada por Plínio Valério (PSDB-AM), a PEC 65 de 2023 tramita no Senado há sete meses. Inicialmente, o texto seria votado na Comissão de Constituição e Justiça na semana passada, mas senadores indicaram a necessidade de ao menos uma audiência pública ser realizada.

Na audiência, ficou claro que não há um consenso entre especialistas em BC, incluindo atuais e ex-funcionários, sobre a proposta. Para alguns, a PEC é a única forma de manter o Banco Central funcionando, já para outros, o texto pode colocar em perigo a missão e o papel estatal da instituição.

A forma de dar ao BC a autonomia financeira, pela PEC, é transformar a autarquia em uma empresa pública. O Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal) afirma ao  Congresso em Foco que esse é o principal problema do texto e o motivo de a categoria ter se colocado contra a medida em votação oficial do sindicato.

“É transformar em empresa pública, algo como a Caixa, uma instituição que faz atividades de Estado. Para nós, isso é inconstitucional”, disse Fabio Faiad, presidente do Sinal. “Esse regime jurídico também fragiliza controles e procedimentos do BC. E essa não é a única forma para a autonomia orçamentária de outras formas. Não somos contra a autonomia, somos contra a PEC como está, somos contra transformar uma autarquia em uma empresa”.

Para o Sinal, uma empresa pública estará aberta a influências do mercado, o que pode afetar as atividades que são puramente de Estado. O sindicato coloca que sem maior controle como autarquia, como a ação da Controladoria Geral da União (CGU), o BC ficaria vulnerável a interesses de terceiros.

Em nota divulgada semana passada com críticas ao presidente do BC e à atual política de juros da instituição, o PT criticou a PEC. “Também nos manifestamos contrariamente à proposta de emenda constitucional que pretende conferir autonomia ainda maior — financeira e administrativa — ao Banco Central. A nocividade da autonomia já em vigor da autoridade monetária ficou patente pela conduta irresponsável do presidente e dos diretores nomeados pelo governo passado, que se valeram de seus mandatos para sabotar a economia do país, com vistas aos objetivos políticos do bolsonarismo”, diz o texto.

Já a Associação Nacional dos Analistas do Banco Central do Brasil (ANBCB) vê a medida como necessária. Natacha Gadelha Rocha, presidente da associação, afirmou ao Congresso em Foco que no modelo atual, o BC “não dura” muito tempo e defende que a instituição precisa de mais verbas para manter suas funções.

“Está claro que o Banco Central tem uma questão orçamentária que precisa ser resolvida”, diz Rocha. “Resolver isso passa pela autonomia orçamentária e financeira, ou seja, gerenciar as próprias receitas. Eu gostaria de dizer que há outra solução [que não virar empresa pública], mas eu não achei”.

A PEC transforma o BC em uma empresa pública “que exerce atividade estatal e dotada de poder de polícia”, de acordo com a versão mais recente do parecer de Plínio Valério. Para o senador, é preciso deixar claro no texto que a instituição presta serviços de Estado ao país.

A mudança no texto foi feita na quarta-feira (19), um dia depois da audiência pública. Depois da única discussão pública sobre o tema, os senadores já podem votar a PEC. Apesar disso, o relator, senador Plínio Valério, indica que agora deve haver negociações políticas para definir quando o tema realmente será votado, já que a PEC não conta com apoio do governo no Senado.

Gabriella Soares

GABRIELLA SOARES Jornalista formada pela Unesp, com experiência na cobertura de política e economia desde 2019. Já passou pelas áreas de edição e reportagem. Trabalhou no Poder360 e foi trainee da Folha de S.Paulo.

PEC da autonomia financeira do BC acirra disputa entre Lula e Campos Neto

Mesmo com forte reação popular, PL do Estupro ganhou 27 novos autores. Veja a lista

Apesar da forte reação que tirou o projeto da pauta, o PL 1904/2024, conhecido como PL do Aborto ou PL do Estupro, ganhou mais de duas dezenas de assinaturas para além das originais, chegando atualmente ao total de 56 nomes. A maioria dos signatários integra a oposição, mas há também parlamentares de partidos com ministério no governo Lula, como PSD, Republicanos e União Brasil (veja a lista mais abaixo). O presidente Lula afirmou que é contra a proposta.

Em sua proposição original, o PL do Estupro inclui no Código Penal o conceito de “viabilidade fetal”, cuja violação por meio do aborto resulta em pena equivalente ao crime de homicídio simples. Ele presume a viabilidade a partir da 22ª semana de gravidez, tornando criminoso mesmo o abortamento para interrupção de gravidez decorrente de estupro.

O projeto, patrocinado pela bancada evangélica, avançou rapidamente na segunda semana de junho, quando teve sua urgência aprovada em Plenário sem passar antes pela análise das comissões. Tanto parlamentares da bancada feminina quanto ligados a movimentos sociais se mobilizaram para que o texto fosse arquivado, até que Arthur Lira decidiu criar uma comissão representativa para discutir a proposta a partir do segundo semestre.

Ao longo desse período, o projeto recebeu novos apoios. Os deputados Marcos Pollon (PL-MS) e Fred Linhares (Republicanos-DF) apresentaram requerimentos próprios para que fossem incluídos como signatários. Pollon chegou a solicitar que fosse apensado um projeto próprio, anterior ao PL do Estupro, mas de mesmo teor.

Uma das signatárias originais solicitou sua retirada: graças à mobilização em torno do projeto, a deputada Renilce Nicodemos (MDB-PA) apresentou um requerimento para que excluída da relação de autores. Em nota, ela afirmou ter reavaliado o projeto e concluído “que esse projeto não irá favorecer nem as mulheres, nem as crianças, somente os agressores e estupradores”.

Outros 25 nomes foram acrescentados na última terça-feira (18), em requerimento do próprio autor do projeto, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ). Tratam-se em sua maioria de parlamentares que também compõem a bancada evangélica, que se somaram à autoria do texto para aumentar a pressão para que sua tramitação avance na Câmara.

Confira a seguir a lista de deputados que somaram suas assinaturas após a apresentação inicial do PL do Estupro:

Adilson Barroso (PL-SP)
André Fernandes (PL-CE)
Cabo Gilberto Silva (PL-PB)
Cezinha de Madureira (PSD-SP)
Coronel Assis (UNIÃO-MT)
Coronel Chrisóstomo (PL-RO)
Delegado Caveira (PL-PA)
Delegado Éder Mauro (PL-PA)
Delegado Fabio Costa (PP-AL)
Eros Biondini (PL-MG)
Filipe Barros (PL-PR)
Fred Linhares (Republicanos-DF)
General Girão (PL-RN)
Gustavo Gayer (PL-GO)
José Medeiros (PL-MT)
Marcelo Moraes (PL-RS)
Marcos Pollon (PL-MS)
Mauricio Marcon (Podemos-RS)
Messias Donato (Republicanos-ES)
Pastor Diniz (União-RR)
Paulo Freire Costa (PL-SP)
Rodolfo Nogueira (PL-MS)
Rodrigo Valadares (União-SE)
Sargento Fahur (PSD-PR)
Sargento Gonçalves (PL-RN)
Silvia Waiãpi (PL-AP)
Zé Trovão (PL-SC)

Veja a lista original de autores do PL do Estupro ou PL do Aborto

LUCAS NEIVA Repórter. Jornalista formado pelo UniCeub, foi repórter da edição impressa do Jornal de Brasília, onde atuou na editoria de Cidades.

PEC da autonomia financeira do BC acirra disputa entre Lula e Campos Neto

TST: Gerente grávida que teve função esvaziada terá rescisão indireta

Trabalhista

Corte entendeu que comunicação da organização de que a posição da gerente seria eliminada foi inadequada e ofensiva.

Da Redação

Por unanimidade, a 6ª turma do TST manteve acórdão que reconheceu a rescisão indireta de uma gerente executiva, cujas funções foram esvaziadas após ela comunicar gravidez. A Corte considerou a prática como conduta inadequada, comparável a um tratamento ofensivo e vexatório.

Esvaziamento de função

Prática laboral na qual responsabilidades e atividades atribuídas a um funcionário são significativamente reduzidas ou eliminadas, sem justificativa razoável.

A gerente, admitida em abril de 2019, informou ao empregador sobre a gravidez em dezembro de 2020. Pouco tempo depois, foi comunicada que sua posição seria eliminada a partir de 2021 e que, portanto, seria desligada da organização.

A entidade ofereceu uma compensação de R$ 220 mil pela estabilidade gestacional e R$ 80 mil em verbas rescisórias. A gerente, no entanto, recusou a oferta, destacando a importância da manutenção do plano de saúde durante a gestação. Em resposta, a organização sugeriu criar uma nova gerência para ela, intitulada “Projetos Especiais”, sem equipe subordinada.

Leia Mais
TST anula dispensa sem aval sindical de grávida forçada a se demitir

Insatisfeita com as propostas, a gerente solicitou judicialmente a rescisão indireta do contrato de trabalho, alegando que o esvaziamento de suas funções configurava uma conduta inadequada do empregador.

Situação desconfortável

Em 1ª instância o pedido foi negado, mas o TRT da 2ª região reformou a decisão, reconhecendo a rescisão indireta. O colegiado concluiu que a gerente foi colocada em uma situação desconfortável e que a empresa havia violado seu compromisso de não realizar demissões em 2020, assumido pela presidente da entidade.

Com base nos fatos, o TRT determinou que a empregadora pagasse todas as verbas devidas em casos de dispensa sem justa causa e indenização pela estabilidade gestacional, além de manter o plano de saúde até o fim do período de estabilidade.

A decisão de 2ª instância foi mantida pelo TST. O relator do recurso, ministro Augusto César, afirmou que a violação do compromisso de não demitir e o esvaziamento das funções da gerente configuravam tratamento ofensivo e vexatório, justificando a rescisão indireta.

O processo está em segredo de Justiça.

Migalhas: https://www.migalhas.com.br/quentes/409967/tst-gerente-gravida-que-teve-funcao-esvaziada-tera-rescisao-indireta

PEC da autonomia financeira do BC acirra disputa entre Lula e Campos Neto

TRF-1 admite aviso prévio indenizado em contribuição de aposentadoria

INSS

Relator ressaltou que o período de aviso prévio indenizado é válido para todos os fins previdenciários.

Da Redação

1ª turma do TRF da 1ª região reconheceu que o aviso prévio indenizado deve ser contado como tempo de contribuição para a concessão de aposentadoria de um trabalhador. A decisão do colegiado confirmou a sentença do juízo Federal da 3ª vara da Seção Judiciária da Bahia.

O INSS – Instituto Nacional do Seguro Social havia negado a concessão do benefício por tempo de contribuição, alegando que o idoso não possuía tempo suficiente para se aposentar.

Ao examinar o caso, o relator, juiz Federal convocado Fausto Mendanha Gonzaga, ressaltou que o período de aviso prévio indenizado é válido para todos os fins previdenciários, incluindo o tempo de contribuição para a aposentadoria.

Processo: 1004683-28.2019.4.01.3300

Migalhas: https://www.migalhas.com.br/quentes/409952/trf-1-admite-aviso-previo-indenizado-em-contribuicao-de-aposentadoria

PEC da autonomia financeira do BC acirra disputa entre Lula e Campos Neto

TST: Camareira que limpava 25 quartos por dia receberá insalubridade

Trabalhista

Colegiado destacou que o hotel é utilizado por um grande número de pessoas, sendo essa situação é equiparada à coleta de lixo urbano, justificando o pagamento do adicional.

Da Redação

5ª turma do TST reafirmou a concessão do adicional de insalubridade em grau máximo a uma funcionária responsável pela limpeza de banheiros em um hotel. O colegiado ressaltou que o ambiente apresenta circulação indeterminada de pessoas, diferindo das condições de limpeza em residências e escritórios.

Nos autos, a camareira afirmou que atuava na higienização de instalações sanitárias de apartamentos do hotel, atividade que incluía a limpeza e a coleta de lixo de banheiros. Conta, ainda, que chegou a limpar 25 apartamentos diariamente.

Em contestação, o hotel afirmou que a atividade de camareira não se caracteriza como atividade insalubre, conforme comprovação por laudo pericial da inexistência de insalubridade. Alegou, ainda, que, ao contrário do que afirma a funcionária, não há grande rotatividade ou muitos usuários dos quartos e banheiros suficientes para gerar a obrigatoriedade de pagamento de adicional.

No TRT, o colegiado determinou, com base nos elementos de prova dos autos, que as atividades desenvolvidas pela trabalhadora envolviam exposição a agentes insalubres biológicos, concedendo, assim, o adicional de insalubridade.

Em recurso, o relator do caso, ministro Breno Medeiros ressaltou que a jurisprudência da Corte é firme no sentido de que a limpeza e a retirada de lixo de quartos e banheiros de hotéis autorizam o pagamento de adicional de insalubridade, em grau máximo, nos termos do item II da Súmula 448 do TST, pois se equipara à coleta de lixo urbano.

“Se trata, claramente, de local pelo qual circula número indeterminado de pessoas, diferindo da hipótese de limpeza em residências e escritórios.”

Assim, o TST, por unanimidade, conheceu o agravo, mas negou-lhe provimento, mantendo a decisão do TRT. Com isso, foi confirmada a condenação ao pagamento de adicional de insalubridade em grau máximo para a trabalhadora.

A advogada Carolina Cabral Mori, do escritório Ferraz dos Passos Advocacia e Consultoria, atua no caso.

Processo: Ag-AIRR-794-19.2020.5.10.0001

Migalhas: https://www.migalhas.com.br/quentes/409969/tst-camareira-que-limpava-25-quartos-por-dia-recebera-insalubridade

PEC da autonomia financeira do BC acirra disputa entre Lula e Campos Neto

30 anos do Plano Real: entre DRU e sistema de metas de inflação

CONTAS À VISTA

 

O Plano Real completa 30 anos em 2024. Institucionalmente, sua origem coincide com a edição da Medida Provisória nº 542, de 30 de junho de 1994.

Spacca

A MP nº 542/1994 foi reeditada e alterada diversas vezes até ser formalmente convertida na Lei nº 9.069, de 29 de junho de 1995, que “dispõe sobre o Plano Real, o Sistema Monetário Nacional, estabelece as regras e condições de emissão do Real e os critérios para conversão das obrigações para o Real, e dá outras providências”.

Entre os diversos instrumentos normativos que lhe subsidiaram a consecução ao longo dessas três décadas, destacam-se os institutos da Desvinculação de Receitas da União (DRU) e o Sistema de Metas de Inflação (SMI).

A desvinculação de receitas foi estabelecida e redesenhada sucessivas vezes nos artigos 71, 72, 76, 76-A e 76-B do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) ao longo dos seus 30 anos de vigência. O Sistema de Metas de Inflação, por seu turno, foi fixado pelo Decreto 3.088, de 21 de junho de 1999, onde persiste há 25 anos de forma relativamente estável, sem maiores alterações.

Originalmente, a desvinculação de receitas foi concebida como Fundo Social de Emergência (FSE), com posteriores redesignações para Fundo de Estabilização Fiscal (FEF) e desvinculação de receitas da União, a qual foi estendida ulteriormente aos estados e aos municípios, donde a tríade DRU, DRE e DRM.

O FSE foi instituído pela Emenda Constitucional de Revisão nº 1, de 1º de março de 1994, para viger até 1995, “com o objetivo de saneamento financeiro da Fazenda Pública Federal e de estabilização econômica”. Supostamente os recursos parcialmente desvinculados seriam “aplicados no custeio das ações dos sistemas de saúde e educação, benefícios previdenciários e auxílios assistenciais de prestação continuada, inclusive liquidação de passivo previdenciário, e outros programas de relevante interesse econômico e social”.

O decurso do tempo comprovou que a alegada finalidade de desvincular parcela significativa das receitas destinadas à seguridade social supostamente para custear as ações de saúde, previdência e assistência social era falaciosa. A bem da verdade, a razão estrutural dos instrumentos de desvinculação FSE/FEF/DRU era mitigar a relação de instrumentalidade entre as contribuições sociais e o Orçamento da Seguridade Social previsto nos artigos 165, §5º, III, 195, §2º, 198, §1º e 204, todos da Constituição de 1988.

Desde sua instituição até os presentes dias, foram 12 Emendas Constitucionais, que cuidaram — direta ou indiretamente — da desvinculação de receitas, prevendo-a, redesignando-a, ampliando-a e, sobretudo, prorrogando-a no ADCT. A tabela abaixo contempla os respectivos dados basilares:

Como se não bastassem tantas alterações, começa a ser aventada a 13ª emenda constitucional sobre a desvinculação de receitas, vez que o governo federal tem buscado alternativas de ajuste fiscal que mitiguem a necessidade de uma revisão imediata da Lei Complementar 200/2023 (Regime Fiscal Sustentável, alcunhado vulgarmente de “Novo Arcabouço Fiscal”) já em 2025.

A pauta que começa a ser ventilada na imprensa seria não só a de prorrogar a DRU para além de 31/12/2024, como também de estender seus efeitos sobre a sistemática dos pisos em saúde e educação. Tal proposta de ampliar o escopo da DRU para mitigar o alcance do dever federal de gasto mínimo em saúde e educação trata-se de um inconstitucional e incoerente retrocesso em relação ao artigo 5º da Emenda 59/2009 e artigo 2º da Emenda 103/2019, que, respectivamente, acrescentaram ao artigo 76 do ADCT os §§3º e 4º, visando a excluir tais recursos vinculados da incidência daquele instituto.

Aliás, a redação atualmente vigente dos artigos 76, 76-A e 76-B é contrária à inserção dos pisos em saúde e educação nas hipóteses de desvinculação de receitas da União, dos estados e dos municípios:

“Art. 76. São desvinculados de órgão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2024, 30% (trinta por cento) da arrecadação da União relativa às contribuições sociais, sem prejuízo do pagamento das despesas do Regime Geral de Previdência Social, às contribuições de intervenção no domínio econômico e às taxas, já instituídas ou que vierem a ser criadas até a referida data.

[…]

§ 2° Excetua-se da desvinculação de que trata o caput a arrecadação da contribuição social do salário-educação a que se refere o § 5º do art. 212 da Constituição Federal .

[…]

§ 4º A desvinculação de que trata o caput não se aplica às receitas das contribuições sociais destinadas ao custeio da seguridade social.

Art. 76-A. São desvinculados de órgão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2032, 30% (trinta por cento) das receitas dos Estados e do Distrito Federal relativas a impostos, taxas e multas já instituídos ou que vierem a ser criados até a referida data, seus adicionais e respectivos acréscimos legais, e outras receitas correntes.

Parágrafo único. Excetuam-se da desvinculação de que trata o caput:

I – recursos destinados ao financiamento das ações e serviços públicos de saúde e à manutenção e desenvolvimento do ensino de que tratam, respectivamente, os incisos II e III do § 2º do art. 198 e o art. 212 da Constituição Federal;

[…]

Art. 76-B. São desvinculados de órgão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2032, 30% (trinta por cento) das receitas dos Municípios relativas a impostos, taxas e multas, já instituídos ou que vierem a ser criados até a referida data, seus adicionais e respectivos acréscimos legais, e outras receitas correntes.

Parágrafo único. Excetuam-se da desvinculação de que trata o caput:

I – recursos destinados ao financiamento das ações e serviços públicos de saúde e à manutenção e desenvolvimento do ensino de que tratam, respectivamente, os incisos II e III do § 2º do art. 198 e o art. 212 da Constituição Federal;

[…]”

Segundo José Roberto Afonso [1], “[…] vale criticar um pouco mais a ideia da desvinculação, que as autoridades federais enxergam como o caminho necessário para se racionalizar o gasto [público] e implantar políticas fiscais anticíclicas”, porque “[…] não há relação de causa e efeito — isto é, nem vincular, muito menos desvincular, por si só, asseguram boas ou más performances do gasto”. Embasam a afirmação em pauta as constatações feitas pelo citado autor (2004, p. 19-21) de que:

a) “num exemplo extremo, se as contribuições para a seguridade social fossem convertidas em impostos de livre aplicação, por si só, isso não significaria desobrigar a previdência social de pagar aposentadorias e pensões, nem mesmo aos que ainda trabalham, mas têm direitos adquiridos”; embora seja sempre “alegado que, sem tal processo [de desvinculação], seria impossível cumprir as metas fiscais, porém, as mais duras firmadas com o FMI, inclusive após a elevação da meta de superávit primário para patamar nunca observado na história recente, foram sucessiva e plenamente cumpridas”;

b) “após a implantação do caixa único do Tesouro Nacional, sempre há opção de simplesmente contingenciar as dotações orçamentárias e manter entesourado os recursos, como atalho mais curto para assegurar a geração do superávit”;

c) “no âmbito estadual e municipal, o atendimento das metas de superávit primário tem sido fruto justamente de uma vinculação: de proporção da receita corrente para pagamento mensal do serviço da dívida renegociada com o Tesouro Nacional”;

d) existe severa contradição no “discurso oficial recente de que a vinculação prejudica a eficiência e a eficácia da provisão de serviços sociais básicos, porque elas [as vinculações de receitas para a seguridade social e de percentual mínimo de gastos para saúde e educação] foram aprovadas no Congresso justamente com o objetivo inverso”;

e) enquanto “o pretexto [da desvinculação] foi de assegurar a continuidade do financiamento e da despesa com benefícios e serviços sociais básicos, inclusive para permitir a pactuação de uma nova divisão de responsabilidades entre esferas de governo que promovesse a descentralização das ações e também para custear o aumento dos gastos correntes resultantes das novas e maiores inversões esperadas”, efetivamente, “é inegável que a política fiscal do governo federal foi e continuará sendo beneficiada pela desvinculação de 20% de sua receita tributária”, sendo que “o maior efeito prático desta medida era liberar contribuições da seguridade (Cofins, CSLL) para financiar os benefícios dos servidores [públicos] inativos”, o que seria burla à diferenciação dos regimes geral e próprio de previdência social; e, enfim,

f) cumpre lembrar o relevante papel de poupança interna da “[…] vinculação que foi desenhada com um regime especial, visando gerar uma poupança pública no presente que financie o gasto futuro, ou mesmo procure evitá-lo — caso particular da destinação constitucional da contribuição sobre receitas (do PIS/PASEP) para aplicações através do BNDES e para custeio do seguro-desemprego, no âmbito do Fundo de Amparo aos Trabalhadores (o FAT)”.

Em meio a tantas controvérsias e inconsistências, fato é que a desvinculação — que fora criada para durar inicialmente dois anos — já se prolonga por três décadas. O supostamente provisório se perenizou de forma errática em meio a 12 Emendas Constitucionais (ECR nº 1/1994, bem como EC’s nº 10/1996, 17/1997, 27/2000, 42/2003, 56/2007, 59/2009, 68/2011, 93/2016, 103/2019, 126/2022 e 132/2023).

Tamanho redesenho no arranjo constitucional da desvinculação de receitas (independentemente do nome que a veicule: FSE/FEF/DRU/DRE/DRM) contrasta com a manutenção praticamente inalterada do Decreto 3.088, de 1999, que fixou o Sistema de Metas de Inflação.

Passados 25 anos desde sua edição, não houve mudança significativa no Decreto 3.088, nem mesmo em função da edição da Lei Complementar 179, de 24 de fevereiro de 2021, que modificou profundamente o regime jurídico do Banco Central. A autoridade monetária passou a gozar de mandato fixo para seus dirigentes, para que pudesse não só perseguir as metas de inflação, mas também para que devesse institucionalmente “zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego”, na forma do parágrafo único do artigo 1º da LC 179/2021.

Muito embora a institucionalidade do Sistema de Metas de Inflação pareça mais estável, ela é, em essência, lacunosa. A forma como a política monetária tem sido conduzida no Brasil traz consigo severos impactos sociais, econômicos e fiscais, que mereceriam debate mais detido e aprimoramento intertemporal.

Diferentemente do que se sucede com a DRU, há uma interdição temática à reflexão sobre como aprimorar o devido processo da política monetária em que se dá o manejo da taxa básica de juros pelo Banco Central, visando a entregar a inflação dentro dos limites de oscilação da meta projetada pelo Conselho Monetário Nacional.

No Texto para Discussão 2403, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Luís Carlos Magalhães e Carla Rodrigues Costa suscitam que as despesas financeiras decorrentes, majoritariamente, da atuação finalística do Banco Central seriam uma categoria ausente na tematização da agenda de ajuste fiscal do Brasil:

“a elevada despesa com serviços de juros da dívida pública federal é um fator importante que dificulta a obtenção do equilíbrio fiscal, como também o crescimento econômico do país. As evidências apresentadas no trabalho sugerem que a obtenção de equilíbrio fiscal sustentável requer alteração da atual institucionalidade da gestão da dívida pública, herdada do período de alta inflação. Além disso, por diversas regras de funcionamento dos mercados primários e secundários da dívida pública, discutidas no trabalho, este equilíbrio impede que a despesa pública com serviço de juros convirja para padrões internacionais. Ao custo fiscal do arranjo institucional da gestão da Dívida Pública Mobiliária Federal interna (DPMFi), somam-se os custos das complementaridades institucionais construídas nas últimas décadas com a política monetária e cambial. Essas complementaridades criam uma rede de arranjos institucionais com atributo de path dependence, o que dificulta sua alteração de forma a reduzir esses custos fiscais.” (Magalhães; Costa, 2018, p. 7)

Larissa Dornelas e Fábio Terra oferecem diagnóstico semelhante sobre o mercado da dívida pública no Brasil, que congrega tanto a gestão de liquidez da política monetária, quanto o resultado da política fiscal no âmbito do Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic):

“[…] houve no Brasil uma fusão dos mercados monetário e de dívida pública com a criação do Sistema Especial de Liquidação e Custódia (SELIC), em 1979, de modo que se passou a ter no País um único e grande mercado de dívida pública, chamado de mercado SELIC, no qual se marca a taxa básica de juros no Brasil, a taxa Selic. Nele utilizam-se os mesmos títulos públicos, emitidos pelo Tesouro Nacional (TN), para a realização tanto da política monetária quanto para a gestão da dívida pública. Dessa forma, no mercado SELIC instrumentalizam-se operações de mercado aberto, além de se transacionarem títulos para fins fiscais, já que todas as transações que envolvem títulos públicos se dão em seu âmbito.

[…] a estrutura do sistema financeiro nacional (SFN) convencionou-se e habitou-se com o perfil da circulação de títulos no tempo da zeragem automática e da alta inflação: a demanda por ativos financeiros centra-se em compor carteira com investimentos de curto prazo, com liquidez elevada, que gere rentabilidade com baixo risco.

[…] por conta da pós-fixação dos títulos públicos componentes da dívida mobiliária (inclusive nos usados nas operações compromissadas), a taxa de juros básica do BCB precisa permanecer em patamares elevados para ter eficácia no controle inflacionário. Porém, como esta taxa é a mínima que remunerará outros ativos no País, inclusive do rendimento dos títulos públicos para fins fiscais, gera-se assim, uma contaminação da política monetária na gestão da dívida pública, cuja volatilidade da taxa Selic, quando ocorre, impregna-se nos juros dos títulos da política fiscal e, dada a elevada taxa básica historicamente praticada, tem-se um alto custo para o financiamento do governo. Como se não bastasse o alto e volátil custo do financiamento da dívida pública, cria-se um ciclo vicioso: cobram-se altos prêmios pela falta de credibilidade de um governo que emite dívida de curto prazo e, com a continuidade desse perfil de dívida, o custo dela aumenta.”

As análises coincidem, mas sequer chegam a ser debatidas amplamente nas arenas públicas mais expressivas de reflexão sobre os rumos das contas públicas, a despeito de as despesas com juros alcançarem cerca de 8% do PIB ao ano. Nesse contexto, soa contraditória, quando não enviesada a preferência por pautar a desvinculação dos gastos sociais (pisos em saúde e educação, garantia de que os benefícios da previdência e da assistência social não sejam inferiores ao salário mínimo etc), antes de qualquer retomada séria desse ajuste ausente sobre as despesas financeiras.

Neste aniversário de 30 anos do Plano Real, desvendar tamanho impasse é ponto de partida e dever de equidade, para que seja possível tanto lhe corrigir os rumos, quanto lhe resguardar sustentabilidade e legitimidade para as próximas décadas.


[1] AFONSO, José Roberto. LRF: por que parou? Rio de Janeiro, 2004, p. 19-21.