Um dos desafios mais candentes de regulação dos sistemas de inteligência artificial (IA), atualmente em discussão no Senado (Projeto de Lei 2.338/2023), é integrar a proteção dos direitos autorais com este novo ambiente tecnológico. E as intensas paixões e rejeições que o assunto suscita, quando exacerbadas, inviabilizam a compreensão das dimensões necessárias à sua regulação adequada.
Desafios tecnológicos e regulatórios não são novidade para os direitos autorais. A proteção das expressões artísticas e culturais está diretamente ligada à inovação tecnológica, que tem possibilitado, ao longo dos tempos, diversas formas de expressar, difundir e utilizar criações, como mostra a história da fotografia, do cinema e da música, entre outros.
São justamente essas expressões humanas criativas, minimamente originais, e que traduzem a cultura de um tempo, que são protegidas pelos direitos autorais. A pessoa física autora ou artista e suas expressões são, por isso, a razão de ser desses direitos.
Obstáculos
O mais sensível problema da regulação desse tema é assegurar a continuidade da atividade cultural humana remunerada diante de uma tecnologia disruptiva como a IA, que produz textos, imagens e sons que emulam as criações artísticas. E o entrave principal é assegurar uma remuneração justa e equitativa para os efetivos autores e artistas, que enfrentam obstáculos de duas ordens: tecnológica e contratual.
O primeiro diz respeito aos impactos das IAs nas artes, principalmente a insegurança sobre a viabilidade econômica da atividade, o medo de substituição e concorrência direta com produtos de IA, e a insegurança de não saber, entender ou controlar os usos e efeitos sobre seu futuro profissional e pessoal. E o fato de não serem inéditos nem específicos das atividades criativas, em nada alivia a dor real que acompanha essa percepção. Inclusive, por exemplo, os tradutores, que são tão autores quanto os demais criadores, vivem hoje sob o impacto das traduções automatizadas na comunicação pessoal e profissional. Além disso, o surgimento de novos intermediários distancia ainda mais os criadores do público e da renda.
O segundo obstáculo diz respeito ao funcionamento da indústria cultural, e nada tem a ver com a tecnologia. Poucos titulares, geralmente empresas de grande porte, controlam a remuneração por direitos autorais de inúmeros artistas, que, por sua vez, não têm acesso aos recursos provenientes de suas obras. Neste contexto de dominação, as condições contratuais determinadas por estes agentes são particularmente desfavoráveis aos interesses e direitos dos criadores, artistas e dos produtores culturais independentes, sejam regionais ou locais.
Nova remuneração
E aqui o novo e o velho se encontram. Dentro da indústria cultural, o desequilíbrio contratual e a consequente baixa remuneração dos criadores são clássicos dos direitos autorais e anteriores às atuais IAs. A ascensão das empresas de tecnologia, como as plataformas, trouxe novos e poderosos intermediários que controlam os fluxos das obras e receitas no ambiente digital. E, neste cenário, os acordos e pagamentos ocorrem entre as matrizes dos grandes titulares de direitos autorais e empresas de tecnologia, invariavelmente situadas no Norte global.
Uma nova remuneração está proposta no PL 2.338/2023 sobre a disponibilização comercial de IAs que utilizem obras protegidas em seu treinamento. Contudo, problemas antigos são perpetuados sem garantias legais de que tal remuneração chegará aos criadores pessoas físicas.
As desigualdades na negociação dos contratos são obstáculos concretos, acentuadas pela concentração econômica nas mãos de pouquíssimos titulares e plataformas que detêm grandes bancos de dados com obras protegidas. E, neste cenário, os ganhos dos titulares de direitos autorais comumente não se revertem em remuneração para os autores e artistas. São barreiras praticamente intransponíveis, daí a importância de se estabelecer uma remuneração inafastável contratualmente e em benefício exclusivo dos autores e artistas, pessoas físicas, sob risco concreto de nada receberem.
O PL ainda pode e merece melhorias. É possível garantir uma remuneração obrigatória aos reais criadores, pelo menos no que tange aos usos de obras nas IAs, e assim evitar que os únicos beneficiados sejam os titulares de grandes catálogos e bancos de dados, controlados pela indústria cultural ou pelas plataformas, em prejuízo inclusive de eventuais novos concorrentes no mercado de IA, como já vimos acontecer com o streaming.
é presidente do Instituto Brasileiro de Direitos Autorais (IBDAutoral), professor e pesquisador da UFRJ/PPED e da UFRRJ/ITR, doutor em Direito Civil pela Uerj, consultor jurídico e advogado.
Comenta-se que técnicos que estão à frente da reforma tributária classificam os tributaristas entre aqueles do bem e do mal, sendo estes últimos os que estão alegadamente contra a reforma tributária. Se for verdadeiro, trata-se de um erro de perspectiva, pois, uma vez aprovada a EC 132, em dezembro de 2023, a trajetória se tornou definitiva e nos resta, a todos, aperfeiçoá-la.
Spacca
Este texto analisa o PLP 68, em trâmite na Câmara dos Deputados, com previsão de aprovação até 12 de junho de 2024, para que seja enviado ao Senado e concluída a fase legislativa ainda este ano. Trata-se de análise técnica, sem ser do bem ou do mal.
Constata-se existir uma espécie de bate-cabeças entre as diversas equipes governamentais que, de uma forma ou de outra, influem direta ou indiretamente nos aspectos tributários envolvidos, como será demonstrado.
A EC 132, em dezembro de 2023, criou no artigo 8º (cautela, pois se trata de norma não inserida no corpo da Constituição, constando apenas da referida EC) a Cesta Básica Nacional de Alimentos, que considerará a “diversidade regional e cultural da alimentação do País e garantirá a alimentação saudável e nutricionalmente adequada, em observância ao direito social à alimentação previsto no artigo 6º da Constituição Federal”, sendo a definição dos produtos que a comporão feita por lei complementar, com alíquotas de IBS e CBS reduzidas a zero.
Cesta básica
Em 5 de março deste ano, o presidente da República por meio do Decreto 11.932/24 (aqui) definiu cesta básica como o “conjunto de alimentos que busca garantir o direito humano à alimentação adequada e saudável, à saúde e ao bem-estar da população brasileira” (artigo 2º, I). Existe até mesmo um espaço federativo na norma para que Estados e Municípios possam orientar suas ações de acordo com as diretrizes fixadas (artigo 4º, §6º).
No dia posterior, o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome editou a Portaria 966/24 (aqui), com uma relação, que denominou de “não exaustiva”, definindo os alimentos que deveriam compor tal Cesta Básica Nacional com dez grupos de alimentos: feijões (leguminosas); cereais; raízes e tubérculos; legumes e verduras; frutas; castanhas e nozes (oleaginosas); carnes e ovos; leites e queijos; açúcares, sal, óleo e gorduras; café, chá, mate e especiarias.
Ocorre que o PLP 68, em seu artigo 114 e Anexo I, traz uma lista esquelética para essa cesta básica, com apenas 15 alimentos, com forte dissonância em face daquela mencionada no Decreto 11.932, de março/24. Nela não consta, por exemplo, nenhuma carne ou ovos, e, de frutas, apenas cocos. De fato, os 10 grupos de alimentos previstos no Decreto ficaram reduzidos a apenas 15 produtos/alimentos no PLP 68.
Na justificativa oficial para essa escolha magérrima (Exposição de Motivos do PLP 68, itens 104 a 109) são apresentados 03 argumentos: (1) “priorização dos alimentos in natura ou minimamente processados e dos ingredientes culinários”; (2) “a priorização de alimentos majoritariamente consumidos pelos mais pobres”, e (3) “assegurar que os alimentos da atual Cesta Básica do PIS/Cofins tenham sua tributação reduzida, com exceção daqueles de consumo muito concentrado entre os mais ricos”. O texto resume o intuito oficial declarado: “distribuir o peso da carga tributária de maneira mais justa e, ao mesmo tempo, induzir boas práticas de alimentação saudável”.
Ora, se a ideia central é a de “induzir boas práticas de alimentação saudável”, a lista não deveria ser ampliada? Não conheço nada sobre nutrição, mas a ausência de proteínas essenciais, como carnes e ovos me parece estranha. E ter apenas cocos como frutas me parece insuficiente. Existe até mesmo um Ministério da Pesca e Aquicultura (aqui) no Brasil, e não consta nenhum peixe nessa relação fiscal favorecida. Parece ter prevalecido na lista tributária apenas os produtos que os “mais pobres” comem (argumento 2), e não o propósito de “induzir boas práticas de alimentação saudável” (resumo do argumento).
O ponto central é que há uma discrepância entre o Decreto 11.932/24 e o PLP 68, que deve ser revista, pois, tal como está, resta incongruente e incoerente.
Como solucionar esta questão?
No âmbito da política legislativa isso deve ser ajustado pelo Congresso durante o trâmite do PLP 68. Espera-se que os parlamentares não se intimidem com as ameaças de aumento da alíquota do CBS+IBS, pois, enquanto não for apresentada a memória de cálculo oficial pela qual se chegou ao alegado percentual de 27,5%, esse será apenas um chute oficial.
Posteriormente poderá ocorrer a discussão judicial perante o STF, pois não está sendo cumprida a previsão do artigo 8º da EC 132, de que a Cesta Básica Nacional de Alimentos considerará “a diversidade regional e cultural da alimentação do País”, o que simplesmente foi esquecido pelo PLP 68, configurando-se, prima facie, como uma flagrante inconstitucionalidade.
é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Bentes, Lobato & Scaff – Advogados.
TST promove a exposição que ficará aberta ao público até sexta-feira (21)
Em 2024, se completam 200 anos desde que foi outorgada a primeira Constituição do Brasil, uma jornada marcada por avanços, desafios e conquistas no âmbito dos direitos sociais e trabalhistas. Para marcar esse bicentenário, o TST promove a exposição “Constitucionalização dos Direitos Trabalhistas – 200 anos de Constituinte”, que ficará aberta ao público até o dia 21 de junho, das 9h às 17h.
“A história e a memória são instrumentos de extrema importância para, ao relembrar o passado, nos dar luzes para o nosso caminhar em direção ao porvir, ao futuro”, afirma o ministro Evandro Valadão Lopes, presidente da Comissão de Documentação do Tribunal Superior do Trabalho e coordenador do Comitê Gestor do Programa Nacional de Resgate da Memória da Justiça do Trabalho.
Para ele, o compromisso com a memória e a história é importante na defesa de um futuro comprometido com as igualdades, a liberdade e a dignidade do ser humano. “Um futuro em que se possa dizer que trabalhamos para uma sociedade mais fraterna e mais solidária”, complementa.
Conheça, a seguir, alguns marcos das transformações legais que buscaram, com o avançar da história, garantir condições de trabalho mais dignas e que são detalhados na exposição do TST.
Foi uma Constituição outorgada no Brasil Império, quando predominava a mão de obra escravizada. Ela não prevê em seu texto direitos trabalhistas e sociais.
“Embora tenha estabelecido bases para organização do estado brasileiro, ela ignorou e silenciou por completo as questões que tratavam da escravidão, uma realidade que marcou profundamente a história do Brasil e deixou até hoje cicatrizes e marcas que reverberam na nossa sociedade”, analisa o ministro.
Apesar disso, o advogado Luiz Gama utilizou a Constituição para ressignificar a luta antiescravista. A partir do artigo 179, que tratava da inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos brasileiros, juntamente com a lei de 7 de novembro de 1831, que proibia a importação/tráfico de escravos, ele passou a exigir liberdade para os escravizados através de habeas corpus em casos de violência física.
Seu legado só foi reconhecido postumamente. Em 2015, a Ordem dos Advogados do Brasil o reconheceu como advogado. Em 2018, ele foi declarado patrono da abolição da escravidão no Brasil e seu nome foi inscrito no Livro dos Heróis da Pátria.
Resultado de uma mudança conjuntural que incluiu a abolição da escravatura em 1888 e a Proclamação da República em 1889, essa Constituição impactou e condensou mudanças sociais, políticas e econômicas ocorridas no país no final do século XIX.
No âmbito dos direitos sociais e trabalhistas, a Constituição de 1891 garantiu o livre exercício de qualquer profissão. Porém, nada foi feito para garantir reparação e promover a inclusão de homens e mulheres pretos no mercado de trabalho.
Além disso, as vozes das lideranças operárias e parlamentares que propuseram e defenderam projetos de amparo ao trabalhador foram silenciadas, impedindo a efetivação de medidas mais significativas nesse sentido.
Nesse período, porém, destacou-se a atuação de Rui Barbosa para alterar a legislação e proteger direitos sociais.
“Houve uma forte discussão entre os atores políticos na defesa de normas positivadas para a proteção aos direitos sociais e para incluir a proteção dos trabalhadores”, lembra o ministro Evandro Valadão.
A Constituição de 1934, promulgada em 16 de julho, foi a primeira a conter, em seu texto, a garantia de direitos para trabalhadores, deixando claro o objetivo de promover a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos.
Isso decorreu de um contexto histórico: entre as décadas de 1910 e 1930, impulsionado pela urbanização e pela industrialização, o Brasil viu eclodir greves, protestos e a luta de trabalhadores e das mulheres reivindicando direitos e melhores condições de vida. O debate se tornou ainda mais intenso após a assinatura do Tratado de Versalhes e a entrada do Brasil na Organização Internacional do Trabalho (OIT), ambas em 1919.
Em 1930, Getúlio Vargas subiu ao poder, o que marcou um ponto crucial na história do país, por consolidar muitos dos avanços trabalhistas que vinham sendo arduamente reivindicados.
A Constituição de 1934 previu:
a proibição da diferença de salário para um mesmo trabalho por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil;
salário mínimo;
jornada diária de oito horas;
proibição do trabalho para menores de 14 anos e do trabalho noturno para menores de 16;
repouso semanal;
férias anuais remuneradas;
indenização em caso de demissão por justa causa.
As mulheres entraram na cena política e foram decisivas. Com isso, a Constituição:
acabou com a restrição ao trabalho para mulheres casadas;
previu descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego;
e garantiu igualdade salarial pelo mesmo trabalho e igualdade de acesso a carreiras públicas por meio de concurso.
Também reconheceu as convenções coletivas e tratou da garantia de assistência médica aos trabalhadores e da criação da previdência – mediante contribuição da União, do empregador e do empregado – para a velhice e para casos de licença-maternidade, acidentes de trabalho, invalidez e morte.
A Constituição de 1934 marca, ainda, a criação da Justiça do Trabalho.
Em 1937, inaugurou-se o período ditatorial chamado de Estado Novo. A Constituição outorgada em 10 de novembro daquele ano proibiu o direito de greve, comprometendo o exercício de direitos trabalhistas.
Entretanto, a ideia de criação de uma Justiça do Trabalho foi mantida, o que acabou acontecendo em maio de 1941.
O texto tratou de direitos trabalhistas. Mas, na prática, eles foram ampliados e assegurados por outro instrumento: a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), publicada em 1943.
Por outro lado, a ação dos sindicatos e das representações trabalhistas se mostrou, na prática, bastante enfraquecida, o que impactou a luta por direitos dos trabalhadores.
Para se ter uma ideia, um dos artigos da Carta diz que a greve, assim como o lock-out, “são declarados recursos anti-sociais nocivos ao trabalho e ao capital e incompatíveis com os superiores interesses da produção nacional”.
Em 1946, no início de um novo período democrático após a Ditadura Vargas, a Assembleia Nacional Constituinte elaborou uma nova Constituição, promulgada naquele ano.
Ela instituiu:
a Justiça do Trabalho no âmbito do Poder Judiciário brasileiro; e
o Tribunal Superior do Trabalho como instância máxima para julgar matérias relativas ao direito do trabalho no país, um marco para a construção dos direitos sociais e trabalhistas.
Também foram introduzidos novos direitos para os trabalhadores, como:
adicional noturno;
repouso semanal remunerado;
participação nos lucros da empresa;
retomada do direito de greve e liberdade de atuação dos sindicatos.
Com o golpe civil-militar de 1º de abril de 1964, o Brasil mergulhou novamente no autoritarismo. No âmbito trabalhista, foi eliminada a estabilidade após 10 anos de serviço na mesma empresa e restringiu-se o direito de greve. O arrocho salarial foi adotado como política econômica.
Apesar das medidas repressivas, a Constituição de 1967 incluiu alguns artigos importantes, como a valorização do trabalho como condição de dignidade humana, e assegurou direitos aos trabalhadores visando à melhoria social.
Também se reconheceu a atuação da Justiça do Trabalho enquanto uma das poucas saídas – por vezes, a única – para que o trabalhador conseguisse, de alguma forma, assegurar seus direitos.
Passados os anos de repressão, a Constituição de 1988 tornou-se o principal símbolo do processo de redemocratização nacional, fruto de uma Assembleia Nacional Constituinte e da colaboração de diversos movimentos sociais e organizações da sociedade civil.
Ela deu ênfase inédita aos direitos sociais e trabalhistas, reconhecendo a relevância de garantias fundamentais para o bem-estar coletivo e a equidade, a fim de assegurar condições dignas de vida a todos os cidadãos.
O ministro Evandro Valadão destaca que a Constituição de 1988 traz grandes avanços e profundas inovações na garantia e no resgate dos direitos individuais e das minorias. “Ela foi uma resposta à supressão de garantias individuais durante o regime militar”, assinala. “No artigo 5º, conferiu-se o status de cláusula pétrea aos direitos e deveres individuais e à igualdade entre homens e mulheres em direitos e obrigações, a livre manifestação do pensamento, a inviolabilidade, a liberdade de consciência e de crenças, sendo assegurado o livre exercício de cultos religiosos e a proteção aos locais de cultos e suas liturgias”.
Já o artigo 6º da Constituição consagrou direitos sociais à educação, à saúde e ao trabalho.
O artigo 7º constitucionalizou o rol de direitos trabalhistas e unificou os direitos de trabalhadores urbanos e rurais;
limitou a jornada de trabalho a oito horas diárias e 44 horas semanais;
majorou as horas o valor do adicional das horas extras para 50%, acima da hora normal;
ampliou a licença maternidade para 120 dias.
A Constituição ainda firmou bases para a proteção de populações vulneráveis. “O artigo 3º fala da promoção do bem de todos como um dos objetivos da República, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade. Portanto, a Constituição de 1988 é pródiga em normas, e regramentos que objetivam resguardar e proteger direitos e garantias das minorias”, lembra o ministro.
Outro ponto importante foi estabelecido no artigo 8º, que tratou da liberdade sindical, e no artigo 9º, sobre o direito de greve.
Para a 3ª Turma, a discriminação de gênero e a reiteração das agressões agravaram o quadro
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho elevou de R$ 5 mil para R$ 25 mil a indenização que a AutoBrasil Itavema Seminovos Ltda., do Rio de Janeiro (RJ), terá de pagar por assédio moral contra uma vendedora. De acordo com os ministros, o fato de a agressão ser contra mulher agrava mais a situação, e o valor fixado nas instâncias anteriores não repara o dano nem tem caráter pedagógico para a empresa.
Sócio e gerente usavam agressões e palavrões
Na ação judicial, a vendedora registrou que a violência, praticada pelo gerente e por um dos sócios, ocorria em reuniões para cobrança de metas. Segundo a profissional, era comum escutar do sócio, na frente dos colegas, frases ofensivas com muitas expressões chulas. Segundo ela, as ofensas geraram, evidentemente, abalos. Como reparação, pediu indenização a partir de R$ 50 mil.
A empresa, em sua defesa, alegou que “havia cobrança normal de produtividade, para que os funcionários atingissem as metas, dentro dos parâmetros razoáveis de exigência”.
Testemunhas confirmaram fatos
O juízo da 39ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro (RJ) constatou o assédio moral e determinou o pagamento de indenização de R$ 5 mil. A sentença considerou como provas principais dois depoimentos de testemunhas. Uma delas disse que presenciou o gerente gritando com a vendedora, desrespeitando-a na frente das pessoas. E, quanto ao sócio, afirmou que ele se dirigia aos vendedores com palavras de baixo nível em reuniões de cobrança. “Chamava os vendedores de vagabundos, filho da …, mandava tomar naquele lugar”, afirmou, acrescentando que as reuniões eram feitas no salão de vendas, perante os clientes.
Outro depoimento confirmou as agressões do proprietário, contudo reforçou o aspecto generalista. Para o juízo de primeiro grau, o fato de as palavras serem dirigidas ao grupo, e não a uma pessoa, não altera o assédio sobre a empregada em questão. O Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região manteve a condenação.
Reiteração agrava o assédio
O ministro Mauricio Godinho Delgado, relator do recurso de revista da vendedora, observou que, de acordo com o TRT, a trabalhadora vivenciou numerosas situações de assédio moral, destacando o caráter reiterado e permanente da conduta. “A vendedora prestou serviços à empresa por mais de seis anos”, assinalou.
Segundo o relator, a Convenção 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre a Eliminação da Violência e do Assédio no Mundo do Trabalho, em processo de ratificação pelo Brasil, dispensa a reiteração para caracterizar o assédio. Com isso, a seu ver, essa circunstância agrava o dano e, portanto, requer uma reparação mais expressiva.
Assédio contra mulher
Outro aspecto avaliado pelo ministro foi o fato de que agressões desse tipo direcionadas a mulheres precisam ser reprovadas ainda mais. “A depreciação pública do trabalho de mulheres representa sério obstáculo ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável número 5 da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas: igualdade de gênero e empoderamento feminino”, ressaltou.
Segundo ele, as comunicações entre os superiores e a vendedora tinham conteúdos de extrema lesividade ao decoro e à honra da trabalhadora. “A profissional, em razão de vulnerabilidades sociais suportadas pelas mulheres, tinha maior sofrimento psicológico, com aumento de risco à sua integridade psicológica”, avaliou.
Com essas ponderações, Godinho Delgado concluiu que o valor arbitrado pelas instâncias anteriores “passa longe de representar a finalidade pedagógica da condenação, em razão da situação econômica da empresa e da profundidade dos danos causados, que envolvem questões de gênero”.
Os menores salários médios mensais em 2022 foram pagos por alojamento e alimentação, atividades administrativas e serviços complementares e agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura
Fernanda Strickland
Os salários e outras remunerações somaram, em 2022, R$ 2,3 trilhões, resultando em um salário médio mensal de R$ 3.542,19, equivalente a 2,9 salários mínimos. O país contabilizou naquele ano 9,4 milhões de empresas e organizações ativas formalmente, empregando um total de 63 milhões de pessoas em 31 de dezembro. Do total, 50,2 milhões (80,0%) eram trabalhadores assalariados, enquanto 12,5 milhões (20,0%) eram sócios ou proprietários. Essas informações estão nas Estatísticas do Cadastro Central de Empresas (CEMPRE), pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgada nesta quinta-feira (20/6).
Entre as atividades econômicas, os maiores valores foram pagos pelo setor de eletricidade e gás (R$ 8.312,01), seguido por atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados (R$ 8.039,19) e organismos internacionais e outras instituições extraterritoriais (R$ 6.851,77).
“Apesar de tais atividades pagarem salários médios mensais mais elevados, ocuparam, juntas, 1,3 milhão de pessoas, ou seja, somente 2,6% do pessoal ocupado assalariado”, destaca Eliseu Oliveira, analista da pesquisa.
Os menores salários médios mensais foram pagos por alojamento e alimentação (R$ 1.769,54), atividades administrativas e serviços complementares (R$ 2.108,28) e agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura (R$ 2.389,15). “Essas atividades que pagaram salários médios mensais menores absorveram juntas cerca de 7,6 milhões de pessoas, ou seja, 15,2% do pessoal ocupado assalariado”, pontua.
Entre as atividades econômicas, o setor de comércio, reparação de veículos automotores e motocicletas registrou as maiores participações em três das quatro variáveis analisadas: número de empresas e outras organizações (29,1%), pessoal ocupado total (21,0%) e pessoal ocupado assalariado (19,0%), enquanto em salários e outras remunerações ficou na terceira colocação (13,0%).
O setor de indústrias de transformação ocupou a segunda colocação em pessoal ocupado total (14,0%), salários e outras remunerações (16,4%) e pessoal assalariado (15,8%). “Administração pública, defesa e seguridade social ocupou a terceira colocação em pessoal assalariado, com 15,7%, e foi a primeira em salários e outras remunerações, com 23,3%. É possível observar que essa atividade tem um quantitativo pequeno de empresas e outras organizações, com apenas 0,5%, mas paga o maior quantitativo de massa salarial”, relata o analista do IBGE.
Atividades administrativas e serviços complementares ficou na segunda posição em número de empresas (9,8%) e na quarta posição em pessoal ocupado total (9,7%) e pessoal ocupado assalariado (10,4%).
O Nordeste é a região com os menores salários médios do Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2022, o pessoal ocupado assalariado na região recebeu, em média, R$ 2.809,16 por mês, enquanto a média nacional foi de R$ 3.542,19 — uma diferença de 26,1%.
Outras duas regiões registraram médias menores que a do país: Norte, com salário de R$ 3.274,07, e Sul, com R$ 3.382,09.
Já a região com o maior salário médio foi a Centro-Oeste, com R$ 3.941,54, seguida pelo Sudeste, que registrou uma média de R$ 3.841,47.
O levantamento foi feito com base no Cadastro Central de Empresas (CEMPRE), que reúne dados de empresas e seus empregados, incluindo salários. Os dados não incluem os empresários enquadrados como Microempreendedor Individual – MEI.
Embora o Nordeste tenha o menor salário médio, é a terceira região com o maior número de unidades locais (entre empresas e outras organizações formais ativas): eram mais de 1,6 milhão até 31 de dezembro de 2022.
A região com o maior número de unidades é a Sudeste, com mais de 5,4 milhões, seguida pelo Sul, com cerca de 2,1 milhões.
Norte e Centro-Oeste, até 2022, eram as únicas regiões com menos de um milhão de unidades locais, sendo 897 mil na primeira e quase 496 mil na segunda.
Paraíba tem o menor salário médio e Distrito Federal, o maior
Olhando para os estados, o Distrito Federal era o que tinha o maior salário médio em 2022. Segundo os dados do CEMPRE, o DF tinha uma média salarial de R$ 5.902,12, o equivalente a 4,9 salários mínimos da época.
Na sequência, ficou Amapá, com R$ 4.190,94 (3,5 salários mínimos), e São Paulo, com R$ 4.147,84 (3,4 salários mínimos).
Já os menores salários médios foram registrados na Paraíba, com R$ 2.636,31, e Alagoas, com R$ 2.645,65, ambos cerca de 2,2 salários mínimos.
Detalhes da pesquisa
Em 2022, segundo o IBGE, o Brasil tinha 9,4 milhões de empresas e outras organizações formais ativas, que ocupavam 63 milhões de pessoas. Desse total, 6,6 milhões de empresas não tinham pessoal assalariado, mas ocupavam 8,4 milhões de pessoas que recebiam sua renda como sócios e/ou proprietários.
Outros 2,9 milhões de empresas empregavam 54,3 milhões de pessoas, dos quais 50,2 milhões eram funcionários assalariados e 4,1 milhões eram sócios e/ou proprietários.
Essas organizações pagaram R$ 2,3 trilhões em salários e outras remunerações. O salário médio mensal foi de R$ 3.542,19, o que corresponde a 2,9 salários mínimos.
Olhando para os mais de 50 milhões de pessoas assalariadas, 54,7% eram homens e 45,3%, mulheres.
Em relação ao porte das empresas e o número de funcionários assalariados, 76,8% possuíam de 1 a 9 profissionais, 19,8% tinham de 10 a 49, 2,6%, 50 a 249 funcionários, e 0,8% das empresas possuíam 250 pessoas ou mais.
Apesar de serem em menor quantidade, as organizações com maior porte foram responsáveis por empregar mais da metade do pessoal ocupado assalariado (54,1%) e pegar 69,3% dos salários totais.
Quanto maior a empresa, maiores são os salários. Os dados mostram que empresas com 250 funcionários ou mais pagaram em média R$ 4.528,67 por mês. O número é 152,6% maior que o salário pago por aquelas de 1 a 9 profissionais: R$ 1.793,08.
Escolaridade
A pesquisa aponta que 76,6% das pessoas ocupadas assalariadas em 2022 não tinham ensino superior, enquanto 23,4% possuíam.
As que tinham maior escolaridade receberam em média R$ 7.094,17 por mês. Já os trabalhadores que não tinham nível superior receberam R$ 2.441,16, cerca de três vezes menos.
Os três setores que mais empregaram pessoas com ensino superior foram, em ordem crescente: educação (64,3%); atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados (60,6%); e administração pública, defesa e seguridade social (47,4%).
Em contrapartida, as áreas que mais possuíam funcionários de menor nível de instrução foram: alojamento e alimentação (96,1%); agricultura, pecuária, produção florestal e aquicultura (94,1%); e construção (92,6%).
Atividades econômicas
Das 9,4 milhões de empresas, 29,1% são da área de comércio, reparação de veículos automotores e motocicletas, o maior número registrado. O setor também obteve o maior percentual de pessoas ocupadas totais (21%) e pessoas ocupadas assalariadas (19%). Em contrapartida, ficou com a terceira colocação no ranking de salários e outras remunerações (13%).
A área de Indústrias de transformação obteve o segundo lugar em pessoas ocupadas totais (14%), assalariadas (15,8%) e salários (16,4%).
Já administração pública, defesa e seguridade social ficou na terceira colocação em pessoas assalariadas (15,7%) e foi o ramo que mais distribuiu salários em 2022 (23,3%).
Sobre os valores salariais, o setor de eletricidade e gás foi o que pagou mais: R$ 8.312,01, na média mensal. Em segundo e terceiro lugar, ficaram atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados (R$ 8.039,19) e organismos internacionais e outras instituições extraterritoriais (R$ 6.851,77), respectivamente.
Apesar dos salários altos, essas áreas empregaram juntas 1,3 milhões de pessoas, o que representa apenas 2,6% do total.
Mulheres ganham menos em 82% das áreas de atuação
As mulheres receberam salários menores que os homens em empresas de 82% das principais áreas de atuação no Brasil em 2022, informou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nesta quinta-feira (20).
Segundo o levantamento, o salário médio das mulheres ficou em R$ 3.241,18 em 2022, valor 17% menor do que o dos homens, de R$ 3.791,58.
De acordo com a pesquisa, a média salarial das mulheres somente ficou igual ou maior do que a dos homens em 63 das 357 áreas de atuação com números disponíveis para análise — o equivalente a 18%.
A área de atuação com a maior diferença salarial entre homens e mulheres foi a de fabricação de mídias virgens, magnéticas e ópticas. Enquanto homens ganharam uma média mensal de R$ 7.509,33 em 2022, mulheres tiveram um salário médio de R$ 1.834,09 no mesmo período, valor 309,4% menor.
Já a área em que o salário médio das mulheres mais superou o dos homens foi a de organismos internacionais e outras instituições extraterritoriais. Nesse caso, o salário médio das mulheres foi 47,7% maior que o dos homens: enquanto elas ganharam R$ 9.018,70 por mês, eles receberam R$ 4.717,09.
Olhando para os 20 grandes grupos de atuação, seguindo a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), as mulheres ganham salários menores que os homens em 17 deles.
A maior diferença salarial foi registrada no grupo de Atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados. Enquanto homens ganharam, em média, R$ 10.469,21 mensais em 2022, mulheres receberam R$ 6.205,02 — valor 68,7% menor.
Os únicos três grupos em que as mulheres receberam salários médios maiores que os dos homens foram:
Organismos internacionais e outras instituições territoriais, com elas ganhando R$ 9.018,70, 47,7% a mais que os R$ 4.717,09 deles;
Construção, com elas ganhando R$ 3.381,12, 17,9% a mais que os R$ 2.776,09 deles;
Indústrias extrativas, com elas ganhando R$ 6.791,76, 6,8% a mais que os R$ 6.328,57 deles.
*Estagiária sob supervisão de Bruna Miato e Isabela Bolzani