por NCSTPR | 13/02/25 | Ultimas Notícias
ACORDO COLETIVO
A 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho decidiu que um banco não pode usar acordo coletivo para compensar gratificação de função com horas extras já reconhecidas judicialmente. O colegiado, sob a relatoria do ministro José Roberto Freire Pimenta, entendeu que a cláusula da convenção coletiva dos bancários vigente entre 2018 e 2022 não pode ser aplicada retroativamente a contratos encerrados antes de sua vigência.
Gratificação de função não pode ser abatida de valores devidos de horas extras
O caso envolvia uma ação de cumprimento de sentença em que trabalhadores cobravam valores reconhecidos em uma ação ajuizada em 2013.
A convenção coletiva dos bancários de Mato Grosso permitia que a gratificação de função paga aos empregados fosse abatida dos valores devidos por horas extras decorrentes da sétima e da oitava horas trabalhadas. No entanto, o Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região (MT) afastou essa compensação para contratos encerrados antes da vigência do acordo, acolhendo a tese do Sindicato dos Bancários do estado.
O banco recorreu ao TST, mas a 3ª Turma manteve a decisão. Pimenta destacou que a cláusula coletiva não pode ser aplicada de forma retroativa para alterar direitos já garantidos por decisão judicial. Para ele, permitir essa compensação violaria o princípio da segurança jurídica e a irretroatividade das normas trabalhistas.
A decisão foi unânime. Com informações da assessoria de imprensa do TST.
Clique aqui para ler o acórdão
Ag AIRR 607-56.2022.5.23.0008
CONJUR
https://www.conjur.com.br/2025-fev-13/horas-extras-reconhecidas-na-justica-nao-podem-ser-compensadas-com-gratificacao/
por NCSTPR | 13/02/25 | Ultimas Notícias
São Paulo
Ministros divergem sobre competência estadual para aplicar sanções fiscais.
Da Redação
O STF retomou na sexta-feira, 7, o julgamento de ação que questiona a validade da lei 14.946/13, do Estado de São Paulo, que prevê a cassação da inscrição no cadastro de contribuintes do ICMS para empresas envolvidas, direta ou indiretamente, com trabalho análogo à escravidão.
Até o momento, o relator, ministro Nunes Marques, votou pela constitucionalidade parcial da lei, sendo seguido por Cristiano Zanin, enquanto Alexandre de Moraes abriu divergência. O julgamento ocorre no plenário virtual e segue até a próxima sexta-feira, 14.
O que diz a lei questionada
A lei 14.946/13 prevê sanções para estabelecimentos comerciais que vendam produtos fabricados com uso de trabalho escravo, determinando a cassação da inscrição estadual no ICMS. Além disso, os sócios das empresas penalizadas ficam impedidos de atuar no mesmo ramo por um período de dez anos.
A CNC – Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, autora da ação, sustenta que a norma viola garantias constitucionais, como a intranscendência das penas e o devido processo legal, ao punir empresas e seus sócios sem exigir a comprovação de dolo ou culpa.
Também argumenta que a legislação invade competência privativa da União para legislar sobre direito do trabalho.
STF julga constitucionalidade de lei paulista sobre trabalho análogo à escravidão.
Mediante comprovação de dolo ou culpa
O ministro Nunes Marques votou pela parcial procedência da ação, conferindo interpretação conforme à Constituição para que a aplicação da penalidade dependa da comprovação de dolo ou culpa, tanto das empresas quanto de seus sócios.
“Para aplicação da penalidade prevista no art. 1º da lei estadual 14.946/13 de São Paulo, deve ficar comprovado, em processo administrativo sob as garantias do contraditório e da ampla defesa, que o preposto do estabelecimento comercial sabia ou tinha como suspeitar da participação de trabalho escravo na cadeia de produção das mercadorias adquiridas.”
O relator aplicou o mesmo entendimento ao artigo 4º da lei, exigindo a comprovação de que os sócios tiveram participação ativa ou omissiva na aquisição de mercadorias fabricadas com trabalho escravo.
Veja a íntegra do voto do relator.
O ministro Cristiano Zanin acompanhou o voto do relator
Competência da União
O ministro Alexandre de Moraes abriu divergência e votou pela inconstitucionalidade da lei, entendendo que o Estado de São Paulo invadiu competência da União ao estabelecer normas de fiscalização e punição para empresas envolvidas com trabalho escravo.
S. Exa. citou precedentes do STF que declararam inconstitucionais normas estaduais que impunham sanções administrativas sobre matéria de competência federal.
Segundo Moraes, a legislação paulista extrapola a autonomia estadual ao criar restrições para empresas e seus sócios sem previsão em normas federais.
Acesse o voto divergente:chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.migalhas.com.br/arquivos/2025/2/96BDE7EC6E8204_adi5465moraes.pdf
O julgamento segue no plenário virtual até sexta-feira, 14, com expectativa da manifestação dos demais ministros.
Processo: ADIn 5.465
MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/quentes/424525/stf-julga-lei-que-cassa-cadastro-de-contribuinte-por-trabalho-escravo
por NCSTPR | 13/02/25 | Ultimas Notícias
Jorge Lopes Bahia Junior
A demissão de trabalhadora gestante é uma prática discriminatória que persiste, desrespeitando direitos fundamentais. A Constituição de 1988 visa assegurar dignidade e igualdade no trabalho.
Prática discriminatória que transcende o tempo e permanece viva em pleno sec. XXI.
A trajetória das mulheres em busca de igualdade no mercado de trabalho é marcada por inúmeros desafios ao longo do tempo, embora se reconheça avanços significativos ao longo das décadas, a discriminação ainda se manifesta de diversas formas, sobretudo quando a gravidez mulher, fato natural e inevitável. A dispensa de uma trabalhadora pelo simples fato de estar grávida não é apenas uma afronta aos direitos individuais, mas também uma prática que perpetua estigmas, preconceitos e prejuízos sociais num contexto em que a proteção à maternidade deveria ser prioridade, haja vista que perpetua a existência da espécie humana.
Um olhar histórico: A realidade antes da Constituição de 1988
Antes da promulgação da CF/88, as trabalhadoras gestantes enfrentavam um cenário de extrema vulnerabilidade legislativa. Embora a lei 6.136/74 já previsse uma licença-maternidade de 84 dias, a ausência de garantias constitucionais contra a dispensa arbitrária ou discriminatória fazia com que muitas mulheres perdessem seus empregos logo após a confirmação da gravidez.
A gravidez desde aquela época era vista como um “problema para empresa” que implicava afastamento temporário devido a exames, consultas e licenças, além, havia uma diminuição da força de trabalho devido à indisposição, enjoos e afastamentos.
Assim, para fins puramente empresariais, a demissão era a melhor saída, a fim de não comprometer a segurança econômica da empresa.
Avanços jurídicos e o combate à discriminação
A Constituição de 1988 representou um marco ao consagrar o direito à estabilidade no emprego para gestantes, impedindo a demissão sem justa causa desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, conforme disposto no art. 10, inciso II, alínea “b”, do ADCT. Esse dispositivo legal não só reforçou a proteção da trabalhadora, mas também reconheceu que a maternidade não pode ser tratada como um “problema” para empresa.
Além disso, a lei 9.029/95 reforçou o combate às práticas discriminatórias no ambiente de trabalho, vedando expressamente a demissão motivada pela gravidez. Quando comprovada a discriminação, a legislação assegurou à gestante o direito de ser reintegrada à função ou, alternativamente, a receber uma indenização, em dobro, que compense os salários perdidos durante o período de estabilidade.
Os desafios cotidianos no ambiente de trabalho
A gestação impõe uma série de transformações físicas e emocionais que demandam compreensão e apoio por parte dos empregadores. Sintomas como enjoos, cansaço e a necessidade de cuidados médicos constantes evidenciam que, longe de ser um obstáculo, a gravidez é um momento delicado que merece ser acompanhado com respeito e condições adequadas de trabalho.
Registre-se, ainda, que de acordo com o art. 394-A da CLT e com normas como a NR-15 do Ministério do Trabalho, uma trabalhadora gestante não pode ser exposta a ambientes insalubres que possam prejudicar sua saúde e a do bebê. Assim, se o local de trabalho apresentar condições nocivas, a empregada deve ser realocada para uma função segura, garantindo a proteção da mãe e do nascituro.
Entretanto, é frequente que gestantes sejam tratadas com desconfiança e, em casos extremos, demitidas sem justificativa plausível, o que configura uma prática ilegal e profundamente discriminatória.
Reintegração ou indenização
Em caso de demissão ilegal, a lei confere à gestante a opção de buscar a reintegração ao emprego ou optar por uma indenização. A jurisprudência da maior corte trabalhista do Brasil – TST, tem definido que a própria trabalhadora pode preferir não retornar a um ambiente que, por vezes, se mostra hostil ou desvalorizador. Independentemente da escolha, a legislação visa garantir que a mulher não seja penalizada financeiramente durante um período em que a segurança e o bem-estar devem prevalecer, protegendo não apenas a mãe, mas também ao nascituro (bebê).
A importância da estabilidade para mãe e filho
A estabilidade no emprego transcende a proteção individual da gestante; ela é fundamental para assegurar condições dignas para a criação e o desenvolvimento do bebê. O amparo legal possibilita que a mulher enfrente a gravidez com a tranquilidade necessária para garantir uma gestação saudável, livre do temor constante de perder o sustento familiar. Dessa forma, a legislação não só resguarda o direito ao trabalho, mas também contribui para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva.
Assim, a perpetuação de demissões de cunho discriminatório pode gerar uma insegurança nas trabalhadoras e desestimulação geral na decisão de ter filhos, contribuindo para uma queda progressiva na taxa de natalidade e, em um raciocínio extremo, sugerindo que tal prática poderia levar, a longo prazo, à diminuição da população de forma tão acentuada que até mesmo se cogitasse a hipótese da extinção da espécie humana; contudo, sabemos que dificilmente isso irá acontecer, mas devemos reafirmar a necessidade de políticas públicas eficazes e de proteção dos direitos das mulheres para garantir um ambiente de trabalho que valorize a maternidade e promova erradicação da demissão arbitrária.
Considerações finais
A prática da demissão de gestantes é uma manifestação de preconceito que precisa ser erradicada de vez. A legislação brasileira, ao estabelecer dispositivos que protegem a maternidade, reforça o compromisso com a igualdade de direitos e o respeito à dignidade humana. É fundamental que, diante de qualquer situação de discriminação, as trabalhadoras busquem orientação jurídica para assegurar que seus direitos sejam integralmente respeitados. Somente assim poderemos avançar rumo a um ambiente de trabalho verdadeiramente inclusivo, onde a maternidade seja celebrada e protegida como um direito inalienável.
Jorge Lopes Bahia Junior
Jorge Lopes Bahia Junior. Advogado trabalhista. Advogado especializado em Direito do Trabalho, atuando na defesa dos trabalhadores desde 2017. Atuou em mais 2.500 processos trabalhistas em todo Brasil
MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/depeso/424455/demissao-de-gestantes-a-persistencia-da-discriminacao-no-trabalho
por NCSTPR | 13/02/25 | Ultimas Notícias
Ricardo Luiz Cesario Junior
A estabilidade da gestante visa proteger contra demissão arbitrária. Contudo, há casos onde se busca apenas a indenização, desviando o foco da reintegração.
Com a mutabilidade das relações trabalhistas, regidas pela constante evolução da sociedade, um tema que sempre está em discussão é a estabilidade provisória da gestante.
Antes de um passo adiante, importante ressaltar a necessidade da estabilidade provisória à gestante, prevista no art. 10, II, b do ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, in verbis:
Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição:
(…)
II – fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:
(…)
b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.
Não é descontextualizado mencionar a grande luta das mulheres por igualdade salarial, diga-se de passagem, ainda em curso nos dias atuais, muito em razão da possibilidade de gravidez. Portanto, importantíssimo haver uma lei severa que impeça a dispensa discriminatória nesta hipótese.
Mesmo não sendo a temática central deste artigo, necessário trazermos a necessidade do cuidado com o tema, para que não seja banalizado um direito deveras importante para toda a sociedade, inclusive previsto em nossa CF/88.
A principal questão trazida à baila sobre este tema é a divergência entre direito ao trabalho em contrapartida com o direito simplesmente de uma indenização substitutiva.
Aclarando a celeuma, em muitas reclamações trabalhistas o que se almeja não é o direito de retorno ao trabalho e, sim, o pagamento pela ex-empregadora de uma verdadeira “indenização”, como se fosse um prêmio gestacional.
No intuito de exemplificar, citamos casos onde ocorre a demissão sem justa causa da obreira sem que a empregadora ou até mesmo a empregada tenha ciência do estado gravídico. Nesta seara, após a ciência da gravidez pela ex-empregada, nenhuma informação é passada à empresa, assim como há morosidade na distribuição da reclamação trabalhista, forçando a ex-empregadora a proceder com o pagamento de uma indenização substitutiva de todo período sem que a empresa possa utilizar a mão de obra da empregada.
Nesta situação hipotética a própria ex-empregada obstaculiza sua readmissão na empresa e após certo período, ingressa com uma reclamação trabalhista apenas cobrando a indenização relativa à data da dispensa até 5 meses após o parto.
Tal situação é possibilitada em razão da prescrição bienal para o ingresso da reclamação trabalhista, prevista nos arts. 7°, XXIX da CF/88 e 11° da CLT, em conjunto com o entendimento da súmula 244 do TST.
XXIX – ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;
Art. 11. A pretensão quanto a créditos resultantes das relações de trabalho prescreve em cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho.
Insta salientar que a intenção quando da edição da súmula 244 do TST foi manter em todos os 24 tribunais o direito à proteção do nascituro e da gestante, concedendo a estabilidade provisória nos termos do ADCT supracitado.
Entretanto, o que se observa em muitos casos é a utilização desse entendimento com o único desejo de receber uma indenização pecuniária pela gravidez.
Para uma análise aprofundada sobre o tema, necessário retornar ao preceito fundamental da norma, ou seja, qual foi a real intenção do legislador quando da edição da lei.
Assim, é de uma clareza solar que a intenção do legislador foi impedir a dispensa discriminatória, concedendo uma estabilidade provisória a gestante desde o início da gravidez até 5 meses após o parto e não simplesmente determinar que o empregador dê um prêmio pela gravidez.
Ao analisar os precedentes que levaram o TST a editar a súmula 244, constata-se que havia uma grande insegurança jurídica, ou seja, se em casos de dispensas sem justa causa e sem o conhecimento da gravidez também se enquadraria no art. 10, II, b do ADCT.
Desta feita, para que não houvesse uma lacuna na lei, foi ampliada a proteção da gestante por intermédio da edição da súmula n° 244 que preconiza o seguinte:
I – O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, II, “b” do ADCT).
II – A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade.
III – A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado.
Neste ponto que chegamos em um dilema!
De um lado a ex-empregada que de fato não sabia de seu estado gravídico no momento da dispensa sem justa e assim que descobre avisa imediatamente sua ex-empregadora e/ou ingressa rapidamente com a reclamação trabalhista requerendo sua readmissão e de outro lado a ex-empregada que após a ciência do seu estado gravídico prefere aguardar alguns meses e somente após ingressa com a reclamação trabalhista cobrando indenização substitutiva de todo o período.
O TST em recente julgamento sobre o tema, manteve o entendimento do direito ao pagamento da indenização substitutiva mesmo com a morosidade da reclamante em ajuizar a ação, conforme ementa abaixo do recurso de revista 0000008-46.2021.5.12.0045 de relatoria do ministro Luiz José Dezena da Silva julgado em 6/11/24, in verbis:
RECURSO DE REVISTA. LEI N.º 13.467/2017. EMPREGADA GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. GESTAÇÃO ANTERIOR À RESCISÃO CONTRATUAL. DESCONHECIMENTO DO ESTADO GRAVÍDICO NO MOMENTO DA DISPENSA IMOTIVADA. GARANTIA DE EMPREGO PREVISTA NO ART. 10, II, B, DA ADCT. INDENIZAÇÃO SUBSTITUTIVA DEVIDA. OBSERVÂNCIA DO ITEM I DA SÚMULA N.º 244 DO TST . TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. Esta Corte tem entendido que a estabilidade provisória da gestante apenas tem como requisitos a concepção no curso da contratualidade e a dispensa imotivada, conforme art. 10, II, b, do ADCT e diretriz consubstanciada nos itens I e II da Súmula n.º 244 do TST. Dessa forma, o desconhecimento da gestação no momento da dispensa pelo empregador não tem o condão de afastar o direito à estabilidade da empregada gestante, como também o fato de a trabalhadora ajuizar a Reclamação Trabalhista após o transcurso do período de estabilidade não afasta o direito à estabilidade da gestante. Decisão regional reformada para reconhecer o direito à estabilidade provisória da gestante e condenar a reclamada ao pagamento da indenização substitutiva à garantia provisória de emprego. Recurso de Revista conhecido e provido.
(TST – RR: 00000084620215120045, Relator: Luiz Jose Dezena Da Silva, Data de Julgamento: 06/11/2024, 1ª Turma, Data de Publicação: 08/11/2024)
Com a constante evolução do Direito do Trabalho, necessário que uma nova discussão seja criada sobre esse tema, haja vista que o ADCT é do ano de 1988, assim como a súmula 244 do TST é do ano de 2012, ou seja, se passaram muito anos, havendo drásticas e significativas mudanças neste período.
Por mais que seja necessária a atuação do judiciário para modular os efeitos da lei, esta atuação não pode alterar significativamente o sentido e principalmente, a intenção do legislador ao editá-la.
Para o Direito atual não há espaço para que sobre um direito legítimo tenhamos verdadeiros pedidos de cunho exclusivamente econômico, causando um verdadeiro enriquecimento ilícito.
Diante do quanto explicitado neste artigo, cabe aos advogados combaterem a súmula, não para que seja revogada, muito pelo contrário, para que seja adequada e evite situações de enriquecimento ilícito.
Para tanto bastaria criar algumas regras, ou seja, tempo máximo para ingresso da reclamação trabalhista e/ou aviso a ex-empregadora demitida sem justa causa do estado gravídico, quando do ingresso da reclamação trabalhista necessariamente haja pedido de tutela de urgência de reintegração ao trabalho.
Apenas com a adaptação de um direito deveras importante para toda a sociedade, certamente haverá mais justiça, que é exatamente o que se busca ao judicializar uma demanda.
Ricardo Luiz Cesario Junior
Advogado – Parada Advogados
MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/depeso/424507/estabilidade-gestante–direito-trabalho-ou-indenizacao-substitutiva
por NCSTPR | 13/02/25 | Ultimas Notícias
Arnaud Orain publicou Le Monde confisqué. Neste livro, o historiador decifra a racionalidade das estratégias violentas e rentistas empregadas pelas elites econômicas e políticas, que voluntariamente confabulam para se apossar de “um bolo que não pode crescer”. É um livro que dá sentido à brutalidade de Trump, às ofensivas dos gigantes digitais, à apropriação de terras agricultáveis em todo o planeta e ao investimento sem precedentes da China na sua marinha. Com a publicação de Le Monde confisqué. Essai sur le capitalisme de la finitude (XVIᵉ-XXIᵉ siècle) [O mundo confiscado. Ensaio sobre o capitalismo da finitude (séculos XVI-XXI)], editado pela Flammarion), o historiador Arnaud Orain ousa propor uma leitura global dos acontecimentos que chocam e marcam uma mudança de época.
A entrevista é de Fabien Escalona e Romaric Godin, publicada originalmente em Mediapart, e reproduzida por Sin Permiso, 06-02-2025. A tradução é do Cepat.
Orain afirma que as nossas sociedades vivem um “capitalismo da finitude”, cujos avatares já existiam em séculos anteriores. Abertamente “predatório, violento e rentista”, prospera com a promessa de prosperidade universal, possibilitada pelo mercado e regulamentada pela lei. “O neoliberalismo acabou”, afirma o autor, diferenciando-se neste ponto de outros pensadores da época, como Quinn Slobodian e seu Capitalismo destrutivo. Os radicais do mercado e a ameaça de um mundo sem democracia (Objetiva, 2024).
Em declarações ao Mediapart, Arnaud Orain desenvolve os principais argumentos da sua tese e explica a sua periodização alternativa da trajetória do capitalismo. Destaca a linha que deve ser encontrada entre o risco de subjugação, face à nova onda imperialista do século XXI, e o risco de afundar numa corrida antidemocrática, desigualitária e ecocida.
Eis a entrevista.
Para explicar as turbulências do nosso tempo (ameaças de guerra, recuo democrático, protecionismo, etc.), você propõe a noção de um “capitalismo de finitude”. Quais são suas principais características?
A ideia era sair da habitual dicotomia entre períodos de triunfo do liberalismo e períodos de forte intervenção do Estado. Nunca esqueci o que nos diziam aqueles professores que estudavam o sistema soviético no departamento de economia: liberalismo e capitalismo são duas coisas muito diferentes.
Prefiro identificar dois tipos de capitalismo. Existe um capitalismo que é compatível com o liberalismo. Baseia-se na concorrência, na redução ou mesmo ausência de direitos alfandegários, na liberdade dos mares e numa utopia de aumento da riqueza individual e coletiva, numa dinâmica que beneficiaria a todos. É a época que muitos de nós vivemos, dos anos trinta aos setenta do século passado.
E depois existe o capitalismo, por vezes chamado de capitalismo “mercantilista”, que chamo de capitalismo “finito”. Refere-se a um mundo em que as elites acreditam que o bolo não pode crescer mais. A partir daí, a única forma de preservar ou melhorar a sua posição, na ausência de um sistema alternativo, passa a ser a expropriação. Esta é a era em que acredito que estamos entrando.
Você escreve que o capitalismo já passou por fases desse tipo nos séculos anteriores. Que períodos são esses?
A trajetória do capitalismo pode ser descrita da seguinte forma. Do século XVI ao XVIII: trata-se de uma fase em que foram criadas potências imperiais que criaram grandes empresas com monopólios, comércio exclusivo com as suas colônias e guerras de natureza estritamente econômica. Foi o primeiro período do capitalismo de finitude. Seguiu-se uma fase de liberalização, após as Guerras Napoleônicas, vencidas pelos britânicos.
Alguns acreditam que esta Pax Britannica continuou até 1914, mas ignoram a segunda grande onda de colonização que começou na década de 1880. Nesta época, voltaram as tarifas, os armazéns imperiais, os cartéis e as conquistas territoriais em busca de “recursos”, tendências que se acentuaram na década de 1930, como consequência da Grande Depressão, e culminaram na Segunda Guerra Mundial.
Em 1945 começou uma nova fase liberal. Baseou-se numa promessa de abundância sem precedentes, inicialmente para o mundo ocidental e depois estendida a todo o mundo a partir da década de 1990. Assim como é “centrado no Ocidente” pensar na ruptura com o passado em 1914, também o é acreditar que a era neoliberal mudou tudo. O verdadeiro momento em que a promessa foi quebrada, especialmente em relação aos limites ecológicos do planeta, foi na década de 2010.
A referência obsessiva de Trump à Era Dourada estadunidense deve ser levada a sério. Foi a era dos monopólios, da difamação da concorrência, das grandes desigualdades sociais, mas também do grande retorno da colonização, que os próprios Estados Unidos praticaram em Porto Rico e no Havaí.
Na sua opinião, a “broligarquia” tecnológica que ganhou destaque na posse de Trump é uma ilustração perfeita deste capitalismo de finitude. Tem-se a impressão de que são a versão do século XXI de algumas das companhias marítimas que organizaram a contraeconomia séculos atrás…
Na verdade, existe um paralelo entre estas diferentes encarnações de “empresas-Estado”. Durante muito tempo, contou-se uma história romântica sobre as empresas das Índias Orientais. A VOC [Companhia Holandesa das Índias Orientais], por exemplo, tinha dezenas de milhares de escravos e praticava uma violência que beirava o genocídio, como nas Ilhas Banda. Na Índia, os britânicos não compravam muita coisa no final do século XVIII: saqueavam e tributavam a população.
Estas empresas tinham seus próprios direitos, fortalezas e exércitos, o que podia inclusive causar atritos com os Estados de onde provinham. O importante é lembrar que monopolizavam áreas para gerar renda a partir de uma lógica rentista, em vez de gerar lucros a partir da livre concorrência. No final do século XIX, empresas deste tipo ressurgiram durante o renascimento da colonização, especialmente na África.
Hoje, os gigantes digitais combinam o poder do mercado com o poder soberano. São capazes de mobilizar o espaço público através das redes sociais, fornecer conexões à internet para áreas inteiras, interferir na esfera militar com satélites e tentar extrair dinheiro aproveitando uma posição monopolista sobre os dados.
No entanto, há uma diferença de uma época para outra. As empresas dos séculos XVII e XVIII desempenhavam um papel importante na política dos seus respectivos Estados, mas não se tratava de se impor dentro da metrópole. Agora os gigantes tecnológicos apropriam-se de prerrogativas soberanas dentro dos seus próprios Estados. No entanto, como no passado, pode haver divergências entre estas empresas: Elon Musk e Peter Thiel, por exemplo, não compartilham a mesma opinião sobre a desvinculação econômica da China.
A sua tese também nos permite compreender melhor o significado histórico de outro fenômeno que tem ganhado as manchetes: a interrupção da liberdade de navegação no Mar Vermelho pelos hutis do Iêmen, no contexto da guerra no Oriente Médio. Você insiste no fato de que o capitalismo de finitude é acima de tudo o fechamento dos mares.
Há cerca de dez anos que os oceanos voltaram a ser um tema importante nas relações internacionais. No capitalismo de finitude, fazemos comércio com os nossos amigos, os nossos vassalos, as nossas colônias, num regime em que somos protegidos pelo nosso poder imperial, porque não existe mais uma potência hegemônica capaz de garantir a liberdade dos mares para todos.
Embora ainda não tenhamos chegado a esse ponto, há fortes indícios de que isso está acontecendo. É significativo o fato de que os hutis não estejam atacando navios chineses e russos, enquanto as empresas ocidentais têm agora de contornar a África. Neste contexto, assistimos a um enfraquecimento da marinha estadunidense e, pelo contrário, a um enorme aumento do poder da marinha chinesa, tanto mercante como militar. Para garantir a liberdade dos mares, não pode haver duas potências hegemônicas. Só funciona com uma.
É claro que o movimento MAGA em torno de Trump já não quer pagar pela segurança mundial. É preciso dizer que os Estados Unidos não estão longe de ter energia suficiente entre gás, petróleo e painéis solares domésticos, e que estão bem abastecidos de matérias-primas na América do Sul. A vontade de anexar a Groenlândia responde ao objetivo de ter acesso a determinados recursos minerais para completar a panóplia.
Anuncia-se um novo mundo, com rotas marítimas seguras para alguns, mas não para outros. Para as potências europeias, acostumadas há oitenta anos à liberdade dos mares garantida pelo seu principal aliado, a ruptura é considerável.
É compreensível que o capitalismo baseado na finitude não combine bem com os princípios democráticos. Mas, o vínculo não é mais complexo? Afinal, vimos a qualidade dos regimes democráticos deteriorar-se durante a era neoliberal, do mesmo modo que vimos avanços democráticos no final do século XIX.
Não existe uma conexão necessária entre capitalismo e autoritarismo, assim como não existe entre liberalismo econômico e democracia. O fato é que o capitalismo de finitude claramente não precisa da democracia e que esta representa inclusive um obstáculo.
Na verdade, as exigências democráticas são geralmente mais igualitárias, com vias para que os pequenos produtores e trabalhadores possam expressar seus interesses. Já o capitalismo de finitude valoriza o empresário que alcança o monopólio e, portanto, a desigualdade. A tomada de poderes soberanos por empresas estatais, que não prestam contas a ninguém, também é contraditória aos princípios do governo representativo.
No capitalismo da finitude, contudo, as aspirações populares podem ser capturadas argumentando a favor da natureza protetora das medidas de fechamento. É o que Trump está fazendo. Destacar o progresso tecnológico e as novas fronteiras que imaginamos que se estenderão ao espaço é também uma forma de ampliar a sua base eleitoral.
É o que a extrema-direita europeia não compreendeu. Quando não se tem empresas estatais em setores estratégicos, nem grandes frotas militares, poucos recursos energéticos próprios… o risco, num mundo “trumpizado”, é, sobretudo, o empobrecimento que leva ao servilismo.
Voltemos à sua periodização das fases liberais e das fases marcadas pela consciência da “finitude”. Como você explica a sua alternância?
Não abordo diretamente a questão da causalidade destas alternâncias. Mas vejamos o que disse Karl Polanyi sobre o colapso da fase liberal no século XIX. À medida que a promessa de abundância coletiva e individual se tornava cada vez mais difícil de cumprir, o mais-valor teve de ser extraído de outra forma, por meios imperialistas, destruindo as estruturas tradicionais do mundo recentemente colonizado. As elites teorizaram sobre isso e os críticos do imperialismo denunciaram-no na época.
Desde o final do século XX e início do XXI, um fenômeno relativamente semelhante vem ocorrendo. A partir do momento em que os países emergentes e as novas classes médias começam a consumir proteínas animais e combustíveis fósseis de acordo com os padrões ocidentais, a promessa de abundância se choca com as limitações dos recursos. Torna-se difícil crescer sem novos mecanismos de expropriação, que não podem ser alcançados num quadro liberal.
No neoliberalismo, o Estado e as instituições internacionais impõem um quadro rigoroso para garantir um ambiente competitivo. Estamos em vias de sair deste quadro, porque não basta manter o nível de vida ou garantir os lucros das grandes empresas tecnológicas. A saída é um capitalismo menos padronizado, mais brutal, com formas de dominação mais diretas que prescindem do mercado.
Você aponta a finitude dos recursos naturais, mas o problema não é também interno ao próprio sistema de acumulação? O capital luta para encontrar seu valor, no Ocidente, mas também na China. É por isso que o neoliberalismo representou uma ruptura com o passado: mudou a base da acumulação, que se tornou mais financeirizada e menos favorável ao mundo do trabalho.
Nós não discordamos. Os promotores do neoliberalismo tentaram claramente dar continuidade, através de uma lógica competitiva exacerbada, a um modo de produção que já estava esgotado na década de 1970. Mas depois da grande recessão de 2008, o crescimento econômico alcançado através das exportações revelou-se um bolo cada vez mais limitado. Nos países do Norte, assistimos a um relativo empobrecimento das classes média e trabalhadora.
A França e os Estados Unidos foram os primeiros a sentir o impacto da entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC), e agora chegou à Alemanha. Na prática, os ocidentais estão descobrindo que a teoria que justificou o livre comércio – a especialização baseada na vantagem comparativa – não funciona. O emplastro do neoliberalismo já não é suficiente para conter os problemas de uma indústria em colapso. Isto contribui para o aumento das rivalidades geopolíticas dentro do capitalismo global.
A fase liberal do capitalismo iniciada em 1945, mais ou menos temperada pelo Estado social, foi também a fase da “grande aceleração” da degradação ecológica do sistema Terra. Você não subestima o caráter permanente da dimensão expropriadora da lógica capitalista?
Durante os Trinta Gloriosos e o período neoliberal, houve trocas claramente desiguais em todo o planeta. Mas foram as relações de mercado que predominaram. Tomemos o caso da terra. No mundo liberal, este ativo é como líquido. Os preços são fixados e cada Estado compra, no mercado mundial, o que não tem para consumo da sua população. Este é o modelo centrado na OMC.
Desde os distúrbios alimentares de 2007-2008, e novamente após a pandemia da Covid, algo diferente está acontecendo: uma apropriação direta de terras, sobretudo por parte de empresas estatais dos Emirados Árabes Unidos e da China, mas também por empresas estadunidenses e holandesas. Elas compram a terra, fornecem insumos e sementes e se apropriam das colheitas sem intermediários ou preços de mercado. Algo semelhante acontece com os recursos minerais e pesqueiros.
Em termos mais gerais, chama a atenção o crescimento, tanto na esfera intelectual como empresarial, da ideia de que o capitalismo é um jogo de soma zero. Escritores críticos como Dylan Riley e Robert Brenner desenvolveram recentemente esta ideia na New Left Review, mas como historiador, podemos encontrar ecos disso no século XVII, quando os primeiros pensadores do capitalismo explicaram que nem todos no mundo podiam participar dos grandes mercados têxteis.
O capitalismo finito do século XXI tem uma qualidade especial em comparação com fases anteriores deste tipo? Poderíamos imaginar um retorno quase tranquilizador, mas o sistema capitalista está envelhecendo.
Temos um novo problema. A finitude do mundo é, sem dúvida, a finitude dos recursos naturais e a saturação do mercado mundial: a finitude da velha escola, por assim dizer. Mas é também o fato de que, para alcançar uma transição energética que evite mudanças climáticas desastrosas, precisamos de enormes quantidades de minerais e metais. O planeta é duplamente finito: precisamos de recursos para manter o capitalismo fóssil, mas também para fazer a transição. Não vejo como isso não causará grandes conflitos.
Para você, o “mundo confiscado” segue sendo um mundo capitalista, onde o problema é o imperativo da acumulação, seja feita ou não com energia de carbono. Então, opõe-se a teses como as de Yánis Varoufákis ou Cédric Durand, que falam da emergência de um “tecnofeudalismo” em vez do capitalismo?
Eu não concordo com esse termo. O feudalismo implica uma relação mais política do que econômica, um poder baseado em hierarquias extraeconômicas, justificadas de forma teológica ou tradicional. Mas continuamos num sistema em que a relação de dominação se baseia no dinheiro, em benefício dos capitalistas.
Só que alguns destes capitalistas também querem ser soberanos, com um guarda-chuva de comerciante e outro de (para-)Estado. Essa é a mudança que está ocorrendo: uma lógica capitalista segue operando, mas é acompanhada pela tomada da terra, do mar, do ar e inclusive do ciberespaço e do espaço público, o que pode ser descrito como a tomada da soberania.
Você defende uma economia ecológica, que é uma versão radical da “ecologia de guerra” defendida por Pierre Charbonnier: basicamente, preservar a autonomia através da sobriedade, em vez de entrar no jogo dos impérios. Mas isto é possível diante da sua capacidade de chantagem e coerção?
Como manter um regime democrático diante de impérios que querem o mesmo que nós? A minha esperança é ver surgir uma política de transição energética muito ambiciosa, com uma redução drástica do consumo de energia, porque isso envolverá necessariamente recursos minerais e metálicos.
É uma linha muito tênue: uma transição forte que nos permita não seguir muito uma política de imperialismo e de vassalagem, e ao mesmo tempo garanta autonomia face aos impérios predatórios, que serão, no longo prazo, vencedores. Mas isto implica uma reorganização tão radical da nossa organização social que não sei se é possível.
Esta questão levanta a problemática de um governo baseado nas necessidades, em vez de uma corrida precipitada em direção à acumulação. Precisamos realmente de milhões de veículos elétricos individuais? Não precisamos mudar o nosso estilo de vida para escapar da corrida imperial?
IHU – UNISINOS
https://www.ihu.unisinos.br/648445-e-evidente-que-o-capitalismo-de-finitude-nao-precisa-da-democracia-entrevista-com-arnaud-orain
por NCSTPR | 13/02/25 | Ultimas Notícias
Vídeos que ensinam como burlar sistema de verificação etária foram removidos pelo TikTok após questionamento da Repórter Brasil; iFood diz que monitora conteúdos associados à marca, mas que que “não tem ingerência sobre as regras das plataformas de transmissão”
A reportagem é de Isabel Harari, publicada por Repórter Brasil, 11-02-2025.
“Se você quiser rodar, eu aconselho você, caso você esteja precisando muito, pegar uma conta de uma pessoa próxima – pegar do teu pai ou da tua mãe.”
Essa é a recomendação de um dos três vídeos derrubados pelo TikTok, com dicas sobre como adolescentes podem burlar o cadastro exigido pelo iFood para trabalhar como entregador de aplicativo. As postagens foram retiradas do ar após questionamentos enviados à rede social pela Repórter Brasil.
O iFood proíbe a atuação de pessoas com menos de 18 anos, como diz a lei. Na prática, porém, jovens conseguem contornar as restrições usando contas de parentes ou amigos.
O trabalho infantil é proibido no Brasil, salvo algumas exceções, como o trabalho artístico e o de “jovem aprendiz”– sujeito a uma série de regras para combinar a formação profissional com a educacional.
No caso do serviço de entrega, há um agravante: ao expor adolescentes ao risco de acidentes, à chuva, ao frio e ao calor excessivo, a ocupação pode ser enquadrada na lista oficial de piores formas de trabalho infantil.
Mesmo assim, estratégias para driblar as restrições de idade correm soltas no TikTok e no Youtube. A reportagem mapeou uma série de vídeos nas duas plataformas com orientações sobre o uso de perfis fraudulentos. Até ensinamentos sobre como enganar ferramentas de reconhecimento facial, usadas por aplicativos para confirmar a identidade dos entregadores, são compartilhados.
Enquanto o TikTok removeu ao menos três desses conteúdos, a assessoria de imprensa do Youtube respondeu dizendo que a empresa “não vai comentar” – os vídeos com dicas sobre as fraudes continuam públicos, mas não serão veiculados nesta matéria.
A reportagem também questionou o iFood. Por meio de nota, a empresa afirma que “o uso de cadastros por menores de idade é uma fraude, conforme previsto nos termos e condições da plataforma”. Leia aqui a resposta na íntegra.
O posicionamento diz ainda que a empresa monitora ativamente conteúdos relacionados à marca e que, ao identificar postagens como as mencionadas, registra denúncias diretamente nos canais de ajuda das plataformas. “Reforçamos que o iFood não tem ingerência sobre as regras de uso das distribuidoras de conteúdo”, conclui a nota.
A Rappi também é mencionada nos vídeos e comentários. Procurada pela Repórter Brasil, reiterou que não permite o trabalho infantil e “tampouco contribui para que isso ocorra em sua plataforma”. A empresa não respondeu, no entanto, se faz algum tipo de monitoramento sobre os conteúdos publicados no TikTok e no Youtube. A íntegra pode ser lida aqui.
STF debate responsabilidade de plataformas sobre conteúdos postados por usuários
Atualmente, o STF (Supremo Tribunal Federal) debate a regulamentação de plataformas digitais, incluindo a responsabilização dessas empresas por conteúdos publicados pelos usuários.
Em dezembro, o presidente da corte Luís Roberto Barroso defendeu que as empresas devem ter uma postura proativa para evitar postagens criminosas. “Os provedores têm o dever de cuidado de mitigar os riscos sistêmicos criados ou potencializados por suas plataformas”, disse. O julgamento foi suspenso após pedido de vista do ministro André Mendonça.
“O discurso de apologia ao trabalho infantil é muito grave. Além disso, é crime apresentar uma documentação falsa, agir em nome de outro”, alerta Moacir Nascimento Júnior, promotor de Justiça da Bahia e colaborador da Comissão da Infância, Juventude e Educação do Conselho Nacional do Ministério Público.
“As empresas que mantém esse tipo de conteúdo depois de notificadas extrajudicialmente devem ser responsabilizadas”, reforça Nascimento, explicando que autoridades públicas, organizações da sociedade civil e até mesmo pessoas comuns podem pedir às plataformas a retirada de posts contrários à lei.
Esse também é o entendimento de Renata Tomaz, professora da FGV Comunicação Rio (Escola de Comunicação, Mídia e Informação da Fundação Getulio Vargas). “É responsabilidade das plataformas garantir que não haja não só a prática ilícita, mas a promoção da prática ilícita”, avalia.
Adolescentes usam contas de amigos e familiares para trabalhar no iFood
“É fácil, rapaziada, é só botar o documento de alguém ‘de maior’”, afirma um vídeo no Youtube. Nele, um menino que aparenta ter menos de 18 anos afirma ter usado a documentação da mãe.
O conteúdo foi postado há mais de três anos com o título “como entregar sendo de menor”, já acumula 58 mil visualizações e segue movimentando a caixa de comentários.
Ali, os perfis trocam incentivos, dicas e relatos: “vlw pela dica man vou trabalhar com 11 anos vou pode junta um dinheiro pra min”, diz uma postagem de novembro de 2024.
“Também uso o documento da minha mãe, e já fiz várias entregas”, diz um post feito em dezembro. Outro, de janeiro deste ano, promete: “vou pegar a conta do meu irmão mais velho”.
“Se há uma fraude na hora da criação da conta e isso é sabido, devem ser adotadas medidas para evitar que isso aconteça. Temos tanta tecnologia, não é possível que não se consiga fazer uma verificação etária efetiva”, pondera Luísa Carvalho Rodrigues, da Coordinfância (Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente), do MPT (Ministério Público do Trabalho).

Vídeos dão dicas para driblar reconhecimento facial
Um dos mecanismos implementados pelas empresas para impedir fraudes é o monitoramento via reconhecimento facial. A medida exige que os entregadores enviem fotos de tempos em tempos para confirmar sua identidade.
Mas também há maneiras de burlar essa exigência. Jovens ouvidos pela Repórter Brasil contaram que a “facial”, como eles chamam, normalmente é solicitada antes ou logo após as primeiras entregas. Eles começam o serviço nas proximidades da casa do dono da conta – amigo ou parente. Assim que o aplicativo solicita a confirmação de identidade, é só pedalar até lá e pedir a foto.
“Esse amigo morava na mesma comunidade. Eu fazia a primeira entrega, aqui perto mesmo, e voltava. Aí ele fazia a ‘facial’, e eu podia fazer a entrega o restante do dia”, conta um dos entrevistados, ouvido sob condição de anonimato.
Esses relatos encontram eco nos vídeos no Youtube e TikTok. “Eu conheço pessoas que vão em casa e voltam com a ‘facial’ da pessoa que está com a conta e depois volta a trabalhar. Até hoje não foi pego”, diz um dos vídeos que foi removido pelo TikTok, postado em fevereiro de 2024.
O esquema, porém, não é isento de falhas. Isso porque as empresas podem pedir fotos em horários aleatórios. Nesses casos, a orientação contida em alguns vídeos é encerrar o expediente para não correr o risco de bloqueio.
No Youtube alguns perfis se gabam por conseguir burlar a verificação etária de outra maneira. Em um vídeo com mais de 27 mil visualizações, o autor sugere usar um segundo celular com várias fotos do dono da conta armazenadas: “quando pedia para tirar foto, colocava um celular de frente para o outro, e o aplicativo aceitava”.
Em outra publicação, dessa vez no TikTok, um usuário diz que usou essa técnica com sucesso. “Eu fazia o reconhecimento facial com um vídeo da minha mãe, apontando um celular pro outro. De verdade, nunca deu errado”, diz o post publicado em julho de 2024.
Em nota, o iFood afirma que tem aprimorado suas ferramentas de segurança. “Por outro lado, sabemos que uma prática irregular que pode ocorrer após o cadastro é o aluguel ou empréstimo de contas”, diz em nota. “Para coibir essa fraude, utilizamos checagens periódicas por biometria facial, garantindo que a pessoa que está acessando a conta é, de fato, o titular cadastrado”.
A Rappi também disse implementar mecanismos robustos para verificar a identidade do entregador após o cadastro. Um deles é o envio de um código de verificação cada vez que a pessoa entra na plataforma, além da solicitação de uma foto em tempo real. “Essa imagem é comparada, por meio de um avançado software, com a foto do seu documento de identidade, para garantir a segurança do ecossistema”. Leia as notas enviadas pelas empresas na íntegra.
Luísa Carvalho, do Ministério Público do Trabalho, reconhece que houve um avanço nas medidas de monitoramento das empresas, mas alerta que ainda existem brechas. “As tecnologias e as formas de burlá-las vão evoluindo muito rapidamente, então os mecanismos mais efetivos [de verificação etária] precisam estar sempre em aprimoramento”, finaliza.
IHU – UNISINOS
https://www.ihu.unisinos.br/648435-tiktok-derruba-videos-com-dicas-sobre-trabalho-infantil-no-ifood-youtube-mantem