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Mentiras contadas pelo seu patrão!

Mentiras contadas pelo seu patrão!

Ricardo Nakahashi

Infelizmente, muitos trabalhadores enfrentam situações em que o patrão não é completamente transparente ou, em alguns casos, pode até mentir sobre direitos, benefícios e condições de trabalho.

Mentiras contadas pelo seu patrão: Como reconhecer e proteger seus direitos

Infelizmente, muitos trabalhadores enfrentam situações em que o patrão não é completamente transparente ou, em alguns casos, pode até mentir sobre direitos, benefícios e condições de trabalho. Se você já se deparou com promessas vazias ou informações distorcidas por parte da empresa, não está sozinho. Neste artigo, vamos explorar algumas das mentiras mais comuns contadas pelos patrões e como você pode se proteger.

1. “Não temos obrigação de pagar horas extras.”

Essa é uma das mentiras mais frequentes. Muitos empregadores tentam convencer os funcionários de que as horas extras não precisam ser pagas, ou que não há necessidade de registrar esse tempo. No entanto, isso é uma falácia.

A verdade: O empregador é, sim, obrigado a pagar pelas horas extras, que devem ser remuneradas com um acréscimo de, no mínimo, 50% sobre o valor da hora normal, conforme a CLT. Além disso, as horas extras devem ser registradas corretamente no ponto, caso contrário, o trabalhador pode exigir o pagamento dessas horas extras mesmo sem registro.

2. “Você não tem direito a férias porque não completou o ano.”

Muitos patrões tentam convencer os trabalhadores de que, ao não completarem o período de 12 meses de trabalho, não têm direito a férias. No entanto, isso não é verdade.

A verdade: De acordo com a CLT, o trabalhador tem direito a 30 dias de férias após completar 12 meses de trabalho, mas, caso o período de trabalho seja inferior a esse, o trabalhador tem direito a férias proporcionais. Ou seja, a cada mês de trabalho, o trabalhador adquire 1/12 de férias, e no caso de uma demissão, ele receberá as férias proporcionais ao tempo trabalhado.

3. “Não precisa registrar as horas de intervalo para refeição.”

Outro truque comum é dizer que o intervalo para refeição não precisa ser controlado ou registrado de maneira adequada. Essa prática pode ser um grande erro por parte do empregador, que acaba prejudicando o funcionário.

A verdade: A CLT exige que o intervalo para refeição e descanso seja, no mínimo, de uma hora para jornadas de trabalho superiores a seis horas diárias. Esse intervalo deve ser registrado corretamente. Caso a empresa não ofereça o intervalo correto ou não o registre adequadamente, o trabalhador pode exigir o pagamento dessas horas como extras.

4. “Você não tem direito a estabilidade porque o contrato foi interrompido.”

Alguns patrões tentam enganar os trabalhadores dizendo que não têm direito a estabilidade no emprego, especialmente após afastamentos, como licença médica ou acidente de trabalho.

A verdade: Se você foi afastado por motivo de acidente de trabalho ou doença ocupacional, tem direito à estabilidade de 12 meses após a alta médica. Além disso, outras situações garantem estabilidade, como no caso de gestantes ou representantes sindicais. Ou seja, qualquer demissão durante esse período é considerada ilegal, e o trabalhador tem direito a ser reintegrado ou compensado.

5. “Você não precisa de registro de ponto, vamos confiar em você.”

Alguns patrões tentam persuadir os trabalhadores a não registrar o ponto, prometendo “confiar” em sua boa vontade. Isso pode parecer uma maneira de simplificar a vida, mas é, na verdade, uma tática que prejudica o trabalhador.

A verdade: O registro de ponto é obrigatório, e o trabalhador tem o direito de registrar as horas trabalhadas, seja por meio de relógio de ponto ou sistemas eletrônicos. A falta de registro pode levar a disputas trabalhistas, e o empregado pode ter direito a compensação por horas não registradas.

6. “Aumentos salariais não são obrigatórios, só quando a empresa estiver bem.”

Os aumentos salariais são, frequentemente, uma forma de motivar os trabalhadores, mas muitos patrões tentam convencer seus funcionários de que aumentos são uma “gentileza” da empresa e não um direito.

A verdade: O aumento salarial não é obrigatório, mas a empresa deve cumprir o que está acordado no contrato de trabalho ou nas negociações coletivas. No entanto, a inflação e os reajustes previstos em convenções coletivas podem garantir um aumento anual, independentemente da situação financeira da empresa.

7. “Você não tem direito a seguro-desemprego.”

Se o patrão demitir você sem justa causa, ele pode tentar enganar dizendo que você não tem direito ao seguro-desemprego. Isso pode ocorrer quando a demissão não é formalizada corretamente.

A verdade: O trabalhador tem direito ao seguro-desemprego quando é demitido sem justa causa, desde que atenda aos requisitos, como o tempo mínimo de trabalho com registro formal. O empregador deve fornecer as informações necessárias para que o trabalhador consiga solicitar o benefício.

8. “Você não tem direito a insalubridade porque o trabalho não é perigoso.”

Existem diversas atividades que envolvem condições insalubres, mas muitos patrões tentam esconder esse direito do trabalhador, afirmando que o ambiente de trabalho não se enquadra como “perigoso”.

A verdade: Se você trabalha em condições insalubres (como exposição a agentes químicos, físicos ou biológicos), tem direito a um adicional de insalubridade, que pode ser de 10%, 20% ou 40% sobre o salário mínimo, dependendo da periculosidade da função.

Como se proteger das mentiras do seu patrão?

Conheça seus direitos: Estar informado sobre a legislação trabalhista é fundamental. A CLT – Consolidação das Leis do Trabalho é a principal base dos direitos do trabalhador no Brasil.
Mantenha registros: Guarde todos os documentos importantes, como contracheques, recibos de férias, comprovantes de horas extras e de intervalo para refeição.
Exija o cumprimento da lei: Caso perceba alguma irregularidade ou mentira, converse com seu patrão e exija seus direitos. Se necessário, busque orientação jurídica ou entre em contato com o sindicato da categoria.
Não tenha medo de denunciar: Caso a empresa insista em descumprir os direitos trabalhistas, o trabalhador pode procurar a Justiça do Trabalho e denunciar a prática.
Conclusão

As mentiras contadas pelos patrões podem prejudicar seriamente o trabalhador, mas o mais importante é saber identificar essas falácias e buscar os seus direitos. Se você está sendo enganado, procure ajuda e se informe sobre a legislação. Conhecer seus direitos é o primeiro passo para garantir um ambiente de trabalho justo e respeitoso.

Ricardo Nakahashi
Advogado e Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Especialista em Direito do Trabalho.

MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/depeso/439753/mentiras-contadas-pelo-seu-patrao

Mentiras contadas pelo seu patrão!

TRT-2 admite penhora de FGTS para quitar dívida trabalhista

Decisão reconhece natureza alimentar do crédito e autoriza expedição de ofícios à Caixa Econômica Federal.

Da Redação

A 1ª turma do TRT da 2ª região autorizou a expedição de ofícios à Caixa Econômica Federal para verificar a existência de saldos de FGTS em nome de sócios de empresa executada.

O colegiado reconheceu a possibilidade de penhora desses valores para pagamento de dívidas trabalhistas.

O caso

Na execução, a parte exequente pleiteou a consulta e eventual bloqueio de valores depositados em contas vinculadas ao FGTS de sócios da empresa. Em primeiro grau, o pedido foi negado sob o argumento de que a legislação (lei 8.036/90) estabelece a impenhorabilidade desses depósitos. A decisão levou o trabalhador a interpor agravo de petição.

Ao analisar o caso em recurso, o relator, desembargador Willy Santilli, destacou que, embora a lei 8.036/90 preveja a impenhorabilidade das contas vinculadas do FGTS, a interpretação sistemática do ordenamento jurídico leva a conclusão diversa.

Para ele, os depósitos fundiários possuem natureza de salário diferido, o que permite equipará-los a verbas salariais em hipóteses excepcionais.

Segundo o magistrado, a jurisprudência já admite a penhora de salários e até de proventos de aposentadoria para garantir créditos trabalhistas, dada sua natureza alimentar.

“Por mais fortes razões, em tese, também poder-se-ia penhorar o FGTS”, afirmou em seu voto.

O escritório Tadim Neves Advocacia atua no caso.

Processo: 1000553-31.2023.5.02.0232
Leia aqui o acórdão:chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.migalhas.com.br/arquivos/2025/9/8DA3C94BE5C669_trt-2-1.pdf

MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/quentes/439908/trt-2-admite-penhora-de-fgts-para-quitar-divida-trabalhista

Mentiras contadas pelo seu patrão!

Volkswagen é condenada em R$ 165 milhões por trabalho escravo na ditadura

A VOLKSWAGEN DO BRASIL foi condenada em primeira instância pela Justiça do Trabalho no Pará a pagar R$ 165 milhões em indenização por trabalho escravo ocorrido em uma fazenda de gado do grupo alemão, no sul do Pará, durante a ditadura militar. A montadora declarou que vai recorrer da sentença.

Publicada nesta sexta-feira (29), a decisão da Vara do Trabalho de Redenção (PA) determina ainda que a empresa assuma responsabilidade pública pelos fatos e faça um “pedido público de desculpas dirigido aos trabalhadores atingidos e à sociedade brasileira”. A sentença é assinada pelo juiz Otávio Bruno da Silva Ferreira.

“O fato de, à época, não ter havido responsabilização formal pela via administrativa ou criminal não impede a atuação da Justiça do Trabalho em ação civil pública, especialmente quando se trata de apuração de violações graves a direitos humanos trabalhistas”, escreve o juiz na decisão.

ação movida pelo MPT (Ministério Público do Trabalho) acusa a Volkswagen do Brasil de aliciamento, endividamento forçado, condições degradantes de trabalho e moradia, dentre outras violações, na fazenda Vale do Cristalino, em Santana do Araguaia (PA), entre 1974 e 1986.

Em nota, a Volkswagen do Brasil informou que “seguirá sua defesa em busca de justiça e segurança jurídica nas instâncias superiores”. O texto diz que “a empresa defende consistentemente os princípios da dignidade humana e cumpre rigorosamente todas as leis e regulamentos trabalhistas aplicáveis.” Por fim, a empresa “reafirma seu compromisso inabalável com a responsabilidade social, que está intrinsecamente ligada à sua conduta como pessoa jurídica e empregadora”.

No decorrer do processo, a Volkswagen argumentou que não contratou os trabalhadores escravizados e que não mantinha relações formais com os intermediários. Durante a audiência de instrução ocorrida em Redenção no final de maio, o representante da empresa afirmou que “a Volkswagen apurou todas as denúncias de irregularidades, mas não foram identificadas e confirmadas”. A montadora destacou ainda que investigações foram feitas na época pela Polícia Civil do Pará, mas sem responsabilização da empresa.

Para o juiz, a falta de “responsabilização formal pela via administrativa ou criminal não impede a atuação da Justiça do Trabalho em ação civil pública, especialmente quando se trata de apuração de violações graves a direitos humanos trabalhistas”.

O magistrado relembrou o caso “Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs. Brasil”, julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, ao citar que “a omissão ou a insuficiência de investigações realizadas no passado não pode servir como fundamento para perpetuar a impunidade de violações relacionadas ao trabalho escravo”. Para o juiz, é “dever do Estado” reabrir a análise “sempre que novos elementos probatórios forem apresentados ou quando se verificar que a apuração anterior foi incompleta ou parcial.”

Anúncio pago pela Sudam na revista Veja em 1971. Três anos antes de a Fazenda Volkswagen de fato existir, o govero militar usava a marca da empresa para atrair investidores à Amazônia (Foto: Reprodução/Revista Veja)
Anúncio pago pela Sudam na revista Veja em 1971. Três anos antes de a Fazenda Volkswagen de fato existir, o govero militar usava a marca da empresa para atrair investidores à Amazônia (Foto: Reprodução/Revista Veja)

Volkswagen reconheceu abusos em São Bernardo do Campo

Antes de acionar a Justiça em dezembro de 2024, o MPT se reuniu cinco vezes com a fabricante para tentar uma conciliação. A Volks, porém, se retirou das conversas em 2023, alegando não ser responsável pelos fatos.

Três anos antes, a empresa havia assinado um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) com o MPT, o Ministério Público Federal e o MP de São Paulo, reconhecendo a perseguição e tortura de ex-funcionários em sua fábrica em São Bernardo do Campo (SP) durante a ditadura militar (1964-1985) e aceitando pagar R$ 36 milhões em compensações.

No processo trabalhista na Amazônia, a montadora alegou que firmou o TAC para encerrar qualquer discussão sobre sua atuação durante o regime militar. Disse ainda que o MPT, mesmo sendo parte do acordo, conduzia investigação paralela e sigilosa sobre a fazenda.

Para o juiz, no entanto, a apuração das violações de direitos humanos ocorridas na Fazenda Vale do Rio Cristalino (trabalho escravo e tráfico de pessoas) não foram tratados pelo TAC, que “cuidou de fatos diversos, ligados à repressão política no ambiente fabril, sem relação com o recrutamento e exploração de trabalhadores rurais na Amazônia”.

Redenção, Pará, Brasil 29-05-2025 Retrato dos trabalhadores rurais que trabalharam na juventude na Fazenda Volkswagen durante a ditadura militar. A Volkswagen foi acusada pelo MPT de escravizar centenas de trabalhadores entre 1974 e 1986 quando manteve a fazenda no Pará. Identificação dos trabalhadores: Pedro Valdo Pereira Vasconcelos (de óculos), José Ribamar( bigode branco), Raul Batista( Grisalho) e Raimundo Batista. (Fotos: Fernando Martinho/Repórter Brasil)
Os lavradores que trabalharam na juventude na Fazenda Volkswagen e acusam de trabalho escravo. Da esquerda para direita: Pedro Valdo Pereira Vasconcelos, Raul Batista, Raimundo Batista e José Ribamar (Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil)

Pedido de desculpa e treinamento interno

Na decisão, o juiz Otávio Bruno da Silva Ferreira determina que os R$ 165 milhões da indenização sejam destinados ao Fundo Estadual de Promoção do Trabalho Digno e de Erradicação do Trabalho em Condições Análogas à de Escravo no Pará (Funtrad/PA).

A empresa também terá de publicar manifestações por internet, rádio e televisão nas quais assuma as responsabilidade e faça um “pedido público de desculpas”.

A Volkswagen também foi condenada a assumir um “compromisso público com a reparação e com a tolerância zero a trabalho escravo/tráfico de pessoas”, além da indicação de um “canal de denúncia”.

A decisão também afirma que a empresa terá de incluir cláusulas contratuais de “vedação a trabalho análogo ao de escravo” nos acordos celebrados com terceiros. Também precisará criar um programa de treinamento “sobre trabalho escravo e tráfico de pessoas para gestores, compradores e equipes de campo” e implementar um “processo de diligência em direitos humanos”.

Entenda as acusações contra a Volkswagen

A Volkswagen do Brasil é acusada de aliciar trabalhadores rurais e submetê-los a condições análogas à escravidão na fazenda Vale do Rio Cristalino, em Santana do Araguaia (PA), entre 1974 e 1986.

Em dezembro de 2024, após décadas de denúncias de organizações como a CPT (Comissão Pastoral da Terra) e sindicatos de trabalhadores, além de frustradas tentativas de acordo com a montadora alemã, o MPT (Ministério Público do Trabalho) denunciou a Volks por violações aos direitos humanos.

O processo contra a Volkswagen se destaca pela abundância de documentos históricos, depoimentos, fotos, investigações parlamentares e reportagens no Brasil e na Alemanha nos últimos 40 anos. A documentação detalha episódios de violência, tortura, escravidão por dívida, perseguições e ameaças atribuídos a funcionários e intermediários da antiga fazenda da montadora na Amazônia, dedicada à pecuária e extração de madeira.

A ação sustenta que o caso reúne os quatro elementos que, mesmo isoladamente, configuram trabalho escravo, de acordo com a legislação brasileira: trabalho forçado, servidão por dívida, condições degradantes ou jornada exaustiva.

O número de trabalhadores afetados é incerto. Segundo a denúncia do MPT, os lavradores escravizados eram recrutados em cidades distantes e levados para atuarem na derrubada da mata nativa para abertura de pasto. A cada ano, até mil peões atuavam ao mesmo tempo em várias frentes de desmate. A CPT estimou na época ao menos mil vítimas.

Fonte: Repórter Brasil
Texto: Diego Junqueira
Data original da publicação: 29/08/2025

DM TEM DEBATE

https://www.dmtemdebate.com.br/volkswagen-e-condenada-em-r-165-milhoes-por-trabalho-escravo-na-ditadura/

Mentiras contadas pelo seu patrão!

‘Trabalhei sete dias seguidos e até de madrugada’, diz demitido do Itaú em home office

Marcos (nome fictício) trabalhou quase dez anos no Itaú na área de tecnologia. Foi promovido e premiado por desempenho. Ainda assim, foi demitido nesta semana sob a acusação de baixa produtividade no home office.

Quando a notícia chegou, não era exatamente inesperada.

Ele havia acabado de saber que um colega tinha sido desligado. Pouco depois, seu coordenador perguntou quando ele iria ao escritório — Marcos trabalhava em regime híbrido e só ia ao local ocasionalmente. Ao chegar, foi levado a uma sala diferente da habitual, onde soube da demissão.

Ele pediu que a BBC News Brasil preservasse seu nome verdadeiro, pois está em busca de novo emprego.

O motivo oficial alegado por seu supervisor foi “baixa produtividade no home office, atrelada ao tempo de tela.”

“Já trabalhei em final de semana, mais de sete dias seguidos. Isso nos últimos seis meses. Mesmo assim, foi alegado que eu tinha baixa produtividade.”

“Em alguns casos, foram identificados padrões incompatíveis com nossos princípios de confiança, que são inegociáveis para o banco”, afirma a nota do Itaú a veículos de imprensa.

Mas como o Itaú media essa produtividade dos trabalhadores remotos?

A empresa considera o uso de mouse ou teclado, de softwares licenciados, se entrou em chamadas de vídeo, enviou mensagens, fez cursos à distância, dentre outras métricas.

Há exceções para esse controle: segundo a empresa, a política de monitoramento não permite capturar telas, áudios ou vídeos.

Itaú disse que esse modelo híbrido, adotado desde 2022, dá mais autonomia aos funcionários. Mas também demanda um controle da jornada.

O banco afirma que esse controle estava previsto em políticas internas assinadas pelos colaboradores e em acordo com os sindicatos.

Mas Marcos diz que nunca ficou claro como esse monitoramento era feito.

“A gente suspeitava, porque tem um monte de monitoramentos nos nossos computadores. Mas não sabíamos que monitoravam cliques, alt tab, scroll, tempo em reunião, coisas assim”, disse.

“Várias vezes almocei na frente do computador porque não podia parar naquele momento, depois tirei minha pausa do almoço mais tarde. Mesmo assim, isso não foi visto.”

O banco diz ter identificado uma minoria de trabalhadores com baixos níveis de atividade digital e que isso seria um comportamento padrão, não uma situação pontual. Algumas pessoas teriam trabalhado só em 20% do tempo, de forma sistemática.

Marcos reclama de não ter tido a oportunidade de provar que trabalhou em tempo integral, sem pausas.

“Eu não posso nem provar, pois não vi qual era minha porcentagem (de tempo trabalhado). Ouvi falar que era 80% fora da máquina. Eu sei que nunca fiquei trabalhando apenas duas horas e depois fiquei em outro lugar. Sempre fiz minhas oito horas. Não vimos a plataforma, não sabemos como é. Então só ficamos na suspeita e querendo saber por quê. Por que essas pessoas foram escolhidas, como foram escolhidas?”

Segundo ele, os cortes foram feitos de forma abrupta, sem diálogo prévio. “Não teve feedback. Não foi nada avisado, conversado. Rodou um facão e quem estava com a perna embaixo foi cortado”, afirmou.

“É preocupante. Chega um momento em que percebemos que nos dão o home office como benefício, mas no final eles encontram uma desculpa que não faz sentido. Meu coordenador falou que eu era produtivo e que ele não tinha planos de fazer isso.”

Marcos diz que não pensa em processar a empresa e que já está em busca de novos empregos. “Sabemos que isso queima um pouco no mercado. Sou jovem e acho que isso não vale a pena.”

Faltou transparência nos motivos que levaram às demissões no Itaú?

O Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região questionou o Itaú sobre a falta de transparência nas medidas adotadas. E alega que o número de desligamentos é excessivo, desproporcional e injustificável.

A organização diz ainda que “não é razoável usar mecanismos de monitoramento e vigilância para justificar cortes em massa. É preciso estabelecer limites claros para a vigilância digital, pois esse tipo de prática pode gerar pressão excessiva, afetar a saúde mental e criar um ambiente de trabalho opressivo”.

Para o advogado especialista em direito de trabalho e professor da FGV Direito Rio Paulo Renato Fernandes da Silva, é direito do empregador fiscalizar os empregados.

“Se o empregado trabalha em casa, dentro da empresa ou dentro de um cliente, em tese, a empresa continua com poder de fiscalizar.”

Ele ressalta, no entanto, que é recomendável que os contratos tratem de como será feito esse monitoramento.

“É muito importante que os contratos criem, por exemplo, cláusulas que expliquem que há algum tipo de controle. É o recomendável. A forma de controle, em tese, deve ser combinada com o trabalhador. Para que ele possa corresponder àquela situação. É uma espécie de dever de boa fé, de lealdade, transparência, deveres inerentes ao contrato de emprego.”

Ele lembra que a legislação brasileira prevê que o empregado pode ser desligado a qualquer momento, sem a necessidade de comunicar o motivo. Mas que há boas práticas adotadas por empresas, como dar mais prazo ao funcionário, conversar previamente com o trabalhador, oferecer cursos de capacitação, dentre outras opções.

O que disse o banco sobre as demissões?

Itaú confirmou os desligamentos em uma nota e disse que eles são “decorrentes de uma revisão criteriosa de condutas relacionadas ao trabalho remoto e registro de jornada.”

Disse ainda que “em alguns casos, foram identificados padrões incompatíveis com nossos princípios de confiança, que são inegociáveis para o banco” e que “essas decisões fazem parte de um processo de gestão responsável e têm como objetivo preservar nossa cultura e a relação de confiança que construímos com clientes, colaboradores e a sociedade.”

Destacou também que o monitoramento de atividades digitais tem respaldo em diversas políticas internas e assinadas por seus colaboradores não apenas em seus contratos de trabalho, como também na retirada de equipamentos corporativos, entre outros termos.

G1

https://g1.globo.com/economia/noticia/2025/09/11/trabalhei-sete-dias-seguidos-e-ate-de-madrugada-diz-demitido-do-itau-em-home-office.ghtml

Mentiras contadas pelo seu patrão!

O capitalismo como modo de produção de doenças e morte

O ambiente de trabalho contemporâneo, moldado pela lógica incessante do capitalismo, tem se revelado um espaço cada vez mais inóspito para a saúde física e mental dos trabalhadores. A máxima de otimização de recursos e maximização de lucros, pilar da gestão capitalista, frequentemente se traduz em uma precarização das condições laborais que ultrapassa o mero desconforto, tornando-se um vetor de adoecimento e, em casos extremos, de morte.

O sistema de produção capitalista, orientado pela maximização da eficiência e da lucratividade, produz de forma sistemática ambientes laborais marcados pelo assédio moral, pela incidência crescente da Síndrome de Burnout e por um número alarmante de acidentes de trabalho. Esses fenômenos não podem ser compreendidos como fatalidades ou desvios pontuais, mas sim como efeitos diretos e previsíveis de uma racionalidade gerencial que subordina a vida humana aos imperativos do lucro. Trata-se de uma lógica estrutural que transforma o sofrimento em ferramenta de controle e gestão.

A tríade do adoecimento laboral: Assédio, Burnout e acidentes

Para compreender a profundidade do problema, é fundamental conceituar os três pilares que sustentam a degradação da saúde do trabalhador no contexto atual.

O assédio moral no trabalho manifesta-se através de ações, gestos, palavras e comportamentos que visam humilhar, constranger e desqualificar o indivíduo, deteriorando o ambiente laboral. A imposição de metas inatingíveis, a atribuição de tarefas excessivas, o tratamento agressivo e preconceituoso são práticas que, ao agredirem psicológica e fisicamente o trabalhador, configuram uma violência sutil, porém devastadora.

Este assédio pode ocorrer de forma individual, mas também se apresenta de maneira coletiva ou difusa, quando a própria cultura organizacional da empresa se baseia em uma “gestão por exaustão”, normalizando a pressão e o sofrimento como ferramentas para extrair maior produtividade.

A análise de Ricardo Antunes (2018) sobre a “pejotização” e a “uberização” do trabalho revela como essas novas modalidades de exploração transferem para o trabalhador não apenas os riscos da atividade econômica, mas também a responsabilização por seu próprio adoecimento.

Diretamente ligada ao assédio, a Síndrome de Burnout representa o colapso, o esgotamento físico e psíquico resultante da exposição contínua a altos níveis de estresse no trabalho. Reconhecida como doença ocupacional pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a síndrome é a resposta do corpo e da mente a um ambiente de exigências desmedidas, onde o trabalhador não consegue mais lidar com o peso da pressão. É o ponto em que a energia vital se esvai, deixando um rastro de exaustão, cinismo e ineficácia profissional.

Completando a tríade, os acidentes de trabalho emergem como uma consequência quase inevitável de um ambiente precarizado. Um trabalhador física e psicologicamente esgotado, com sua atenção e capacidade de reação diminuídas, torna-se exponencialmente mais vulnerável a acidentes, mesmo em funções consideradas de baixo risco. A fadiga crônica, a ansiedade e a depressão, sintomas comuns do assédio e do Burnout, criam o cenário perfeito para a ocorrência de falhas que podem resultar em lesões graves ou fatais. A negligência com normas de segurança, frequentemente justificada pela redução de custos, agrava ainda mais este quadro, expondo a crua realidade de que, na lógica do capital, a segurança do trabalhador é um custo a ser minimizado.

A radiografia dos fatos: privatizando lucros, socializando custos

Os números revelam uma realidade alarmante e inegável. Em 2024, o Brasil registrou o maior número de afastamentos por transtornos mentais em 10 anos, com 472 mil casos, um aumento de 68% em relação ao ano anterior. Dados indicam que 46% dos brasileiros sentem estresse diariamente e o país é o quarto com mais trabalhadores estressados na América Latina. Cerca de 30% das trabalhadoras brasileiras sofrem com a Síndrome de Burnout. A ansiedade e a depressão lideram os motivos de afastamento, com mais de 140 mil e 113 mil casos, respectivamente.

Este cenário expõe uma das facetas mais perversas do sistema que Antunes (2018) denomina “sociabilidade da barbárie”. Segundo o autor, “o capital financeiro mundializado encontrou no trabalho flexibilizado e precarizado a forma de transferir seus custos e riscos para a classe trabalhadora” [1]. A empresa privada apropria-se da força de trabalho e da energia vital do indivíduo e, uma vez que este adoece, o devolve para a sociedade, transferindo os custos de seu tratamento e recuperação para o Estado.

É o sistema público, financiado por toda a coletividade, que arca com os pagamentos de auxílios e tratamentos, enquanto a gestão privada que originou a doença se isenta de responsabilidade. Como observa Antunes, “privatizam-se os lucros e socializam-se os prejuízos, numa clara demonstração de como o capital parasita a sociedade” [1]. O capitalismo, portanto, não apenas produz doentes, mas socializa os prejuízos de sua lógica predatória.

No que tange aos acidentes fatais, os dados são igualmente sombrios. Entre 2012 e 2024, foram registrados 8,8 milhões de acidentes de trabalho, com 32 mil mortes apenas no mercado formal. Em 2024, foram 742 mil acidentes e 2.400 mortes, o que equivale a um acidente a cada 43 segundos. Setores como transporte rodoviário, supermercados, hospitais e construção civil lideram as estatísticas, evidenciando o descumprimento deliberado de normas regulamentadoras em nome da redução de custos. Até mesmo os mais jovens são vitimados: mais de 32 mil acidentes envolveram jovens de 14 a 17 anos no mesmo período, revelando um sistema que mói vidas indiscriminadamente.

Antunes (2018) alerta para o fato de que “a precarização estrutural do trabalho se tornou a regra, não a exceção, configurando um verdadeiro processo de desumanização que atinge todas as dimensões da vida social” [1]. Os dados brasileiros confirmam essa análise, revelando como a lógica do capital transforma corpos e mentes em recursos descartáveis.

A captura da subjetividade e a gestão do sofrimento

Um aspecto fundamental destacado por Antunes (2018) é como o capitalismo contemporâneo desenvolveu mecanismos sofisticados de “captura da subjetividade operária”. Segundo o autor, “o capital busca apropriar-se não apenas da força física do trabalhador, mas também de sua dimensão intelectual, cognitiva, emocional” [1]. Essa captura se manifesta através de discursos empresariais que responsabilizam o trabalhador por seu próprio bem-estar, transformando o sofrimento em uma questão de “gestão pessoal” ou “falta de resiliência”.

A proliferação de programas de “qualidade de vida” nas empresas, muitas vezes, funciona como uma cortina de fumaça que oculta as verdadeiras causas estruturais do adoecimento. Como observa Antunes, “enquanto se multiplicam os discursos sobre sustentabilidade e responsabilidade social, intensifica-se a exploração e precarização do trabalho vivo” [1]. Essa contradição revela a natureza ideológica de tais iniciativas, que buscam mais administrar o sofrimento do que eliminá-lo.

Da responsabilidade individual à luta política coletiva

É imperativo que a questão da saúde do trabalhador transcenda a esfera do problema individual e seja tratada como uma questão pública, social e, fundamentalmente, política. O adoecimento no trabalho não é uma falha do trabalhador, mas um sintoma de um sistema doente. As empresas não podem continuar a extrair a saúde de seus funcionários e a devolver indivíduos adoecidos para a sociedade arcar com as consequências.

Antunes (2018) enfatiza que “a luta pela humanização do trabalho é, simultaneamente, uma luta pela humanização da vida” [1]. O autor defende que a resistência deve se dar tanto no plano imediato, através da organização sindical e da luta por direitos, quanto no plano estratégico, questionando a própria lógica do sistema capitalista.

A luta por melhores condições de trabalho e salário, pauta histórica do movimento sindical, deve incorporar com centralidade a defesa de um meio ambiente de trabalho saudável. É preciso elevar o debate, questionando a própria gestão e organização do trabalho impostas pela lógica capitalista. Como alerta Antunes, “sem uma crítica radical ao modo de produção capitalista, as conquistas parciais serão sempre limitadas e reversíveis” [1].

Enquanto a busca por lucro continuar a se sobrepor ao direito a uma vida digna, o ambiente de trabalho permanecerá sendo um espaço de produção de doença e morte. A conscientização e a organização coletiva são as ferramentas essenciais para forçar uma mudança estrutural, defendendo que a vida e a saúde dos trabalhadores não são recursos a serem otimizados, mas valores inegociáveis. Como conclui Antunes, “a emancipação do trabalho é condição sine qua non para a emancipação humana” [1].

Assista ao vídeo Capitalismo: adoecimento e morte.

Referências

[1] ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2018.

Leandro do Erre é mestrando em Sociologia e Ciência Política na PUCRS e responsável pelo canal no YouTube “A questão política”. Redes Sociais: X: @leandrodoerre Facebook: Leandro do Erre

DM TEM DEBATE

https://www.dmtemdebate.com.br/o-capitalismo-como-modo-de-producao-de-doencas-e-morte/

Mentiras contadas pelo seu patrão!

Por que o gênero importa?

A presença das mulheres no mercado de trabalho brasileiro aumentou nas últimas décadas, mas as desigualdades de gênero seguem profundas. Muitas trabalhadoras enfrentam uma dupla vulnerabilidade: a precarização das relações laborais e a persistência da discriminação baseada em seu gênero. Esse cenário é especialmente grave nos casos de assédio sexual, que continuam sendo subnotificados, mal compreendidos e, muitas vezes, invisibilizados pelo sistema de justiça.

Apesar de o assédio sexual estar tipificado no Código Penal desde 2001, são raros os casos que chegam ao Judiciário com julgamento favorável às vítimas. O principal entrave está na exigência de provas diretas — algo difícil de se produzir em situações que geralmente ocorrem sem testemunhas. O medo de retaliação, a vergonha e a falta de acolhimento institucional contribuem para o silêncio de muitas mulheres.

Diante dessa realidade, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou, em 2021, o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero. O documento orienta juízes e juízas a levarem em consideração as desigualdades estruturais nos casos que envolvem mulheres, com o objetivo de garantir decisões mais justas e sensíveis às dinâmicas da violência de gênero. Em 2023, o CNJ reforçou essas diretrizes com a Resolução 492.

Embora o Protocolo seja uma recomendação e não uma obrigação, ele representa um importante avanço institucional. No entanto, sua aplicação ainda é limitada e desigual entre os tribunais. Em muitas decisões, persiste a tendência de julgar com base em estereótipos ou critérios tradicionais que desconsideram o contexto de vulnerabilidade da mulher trabalhadora.

Este artigo analisa como o Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (TRT5), na Bahia, tem utilizado — ou não — o Protocolo em julgamentos de casos de assédio sexual. A ideia é entender se a criação dessa ferramenta tem realmente provocado mudanças na prática judicial ou se continua apenas como uma diretriz formal, pouco integrada ao cotidiano dos tribunais.

Os primeiros dados sugerem que, apesar do discurso institucional de proteção, há uma distância significativa entre o que o Protocolo propõe e o que efetivamente se vê nas decisões. A persistência de exigências probatórias elevadas e a falta de sensibilidade nos julgamentos mostram que o Judiciário ainda precisa avançar muito para garantir justiça às mulheres vítimas de assédio no trabalho.

Esse olhar diferenciado é especialmente importante nos casos de assédio e violência no ambiente profissional, onde os impactos físicos, emocionais e econômicos são profundos. O Protocolo, elaborado pelo CNJ, estrutura sua proposta em quatro eixos — desigualdades, discriminações, assédios/violências e segurança/saúde no trabalho — e destaca que a Justiça do Trabalho deve considerar os contextos de poder e vulnerabilidade nos quais esses conflitos ocorrem.

Esse esforço se conecta a compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, como a Convenção CEDAW da ONU e a Convenção 190 da OIT, que reforçam o dever do Estado de combater todas as formas de discriminação e garantir acesso efetivo à justiça.

Estudos mostram que a atuação de juízes e juízas ainda carrega estereótipos de gênero que influenciam a avaliação de provas e a própria credibilidade das vítimas. Por isso, a Recomendação Geral n. 33 da CEDAW defende que o acesso das mulheres à justiça não seja prejudicado por padrões culturais discriminatórios. A Recomendação n. 35 vai além e afirma que os Estados são responsáveis não só pelos atos diretos de seus agentes, mas também por omissões que permitam a perpetuação da violência de gênero. Assim, garantir julgamentos imparciais e sensíveis é uma obrigação jurídica e ética dos tribunais.

Nesse sentido, o recente protocolo publicado pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho reafirma que aplicar a perspectiva de gênero não é contrariar a imparcialidade judicial, mas sim adotar uma metodologia capaz de reconhecer desigualdades concretas. A proposta busca tornar o processo mais justo desde a fase inicial da reclamação até a decisão final. A igualdade formal, embora importante, é insuficiente. A promoção da igualdade real exige reconhecer a hipossuficiência das trabalhadoras e enfrentar os estereótipos que ainda operam no cotidiano da Justiça.

Para entender como o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero tem sido aplicado na Justiça do Trabalho, especialmente em casos de assédio sexual contra mulheres, esta pesquisa analisou todas as decisões proferidas em 2024 pelo TRT5. O objetivo foi verificar a aderência prática às diretrizes do CNJ, especialmente após a publicação da Resolução CNJ 254/2023 e do Protocolo TST/CSJT de 2024.

A investigação teve início com a avaliação de ferramentas já disponíveis para o monitoramento de julgados trabalhistas, como o Banco de Decisões Judiciais do CNJ e o Monitor do Trabalho Decente, este último desenvolvido pelo SmartLab da Justiça do Trabalho.

No entanto, constatou-se que essas plataformas, embora promissoras, ainda apresentam limitações: o banco do CNJ carece de abrangência e não permite saber quantas decisões deixaram de aplicar o Protocolo; já o Monitor ainda está em fase experimental e teve, durante os testes, um índice de acerto de 80%, o que compromete sua confiabilidade.

Diante disso, a equipe optou por realizar uma busca direta e exaustiva no repositório oficial do TRT5, o Sistema Falcão. Foram utilizados os seguintes filtros: decisões publicadas entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 2024, apenas acórdãos (decisões colegiadas), contendo o termo “assédio sexual” no corpo do texto, com abrangência limitada à 5ª Região. Essa busca resultou em 169 documentos inicialmente identificados.

Em seguida, foi realizada uma triagem rigorosa, dividida em cinco etapas: (1) exclusão de documentos duplicados ou com erros de indexação; (2) exclusão de decisões de natureza administrativa; (3) eliminação de acórdãos que tratavam de assédio moral, mas não sexual; (4) exclusão de casos em que a parte autora não era mulher; e (5) exclusão de decisões interlocutórias que não analisavam o mérito. Ao final, restaram 33 acórdãos válidos para análise qualitativa e quantitativa: 30 eram ações individuais ajuizadas por trabalhadoras, e 3 eram ações civis públicas promovidas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).

Do total de 33 acórdãos, 26 resultaram no reconhecimento do assédio sexual e condenação do empregador ao pagamento de indenização por danos morais (procedência total ou parcial dos pedidos), representando 78,79% dos casos analisados. Os 7 restantes foram julgados improcedentes, seja por ausência de provas, seja por desclassificação da conduta como assédio sexual.

Dentre as ações individuais, as autoras eram majoritariamente mulheres negras em ocupações subalternas — como auxiliares de serviços gerais, recepcionistas, operadoras de caixa e atendentes —, o que reflete a interseção entre gênero, classe e raça na configuração da violência.

Chama atenção o fato de que apenas 9 dos 33 acórdãos analisados (27,27%) fizeram menção explícita ao Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero. Os 24 restantes (72,73%) decidiram sem qualquer referência ao documento ou às diretrizes de julgamento sensível ao gênero. Essa subutilização do Protocolo foi observada em todas as turmas do tribunal: por exemplo, a 5ª Turma julgou quatro ações, todas procedentes, mas nenhuma delas aplicou o Protocolo; a 3ª Turma, por sua vez, aplicou o Protocolo em apenas uma das seis ações julgadas.

Quando o Protocolo foi aplicado, os resultados foram significativamente mais favoráveis às vítimas: todos os 9 casos em que ele foi utilizado terminaram com condenação dos réus — ou seja, 100% de procedência. Já entre os 24 casos em que o Protocolo não foi utilizado, 17 resultaram em procedência e 7 em improcedência, o que representa uma taxa de sucesso de 70,83%. A diferença é expressiva e aponta para a eficácia do Protocolo como instrumento de correção das assimetrias que afetam a palavra e a posição processual da vítima nos litígios trabalhistas.

Do ponto de vista qualitativo, os acórdãos que aplicaram o Protocolo demonstraram maior atenção à dificuldade probatória típica de casos de assédio sexual, valorizando provas indiretas e testemunhos, bem como levando em consideração o contexto de vulnerabilidade da vítima. Já nas decisões que não o aplicaram, foi comum a exigência de provas diretas ou o uso de padrões excessivamente formais para o juízo de credibilidade da vítima, muitas vezes desconsiderando os efeitos psicológicos e sociais da violência.

Esses dados revelam não apenas uma subutilização do Protocolo no TRT5, mas também sua capacidade concreta de promover julgamentos mais justos e sensíveis às desigualdades de gênero. A pesquisa aponta que o Protocolo ainda precisa ser melhor difundido entre magistrados e incorporado de forma mais sistemática na cultura decisória da Justiça do Trabalho. Sua aplicação não compromete a imparcialidade, mas fortalece o compromisso constitucional com a igualdade material e o acesso efetivo à justiça.

As experiências de assédio sexual no ambiente de trabalho revelam uma desigualdade estrutural marcada por gênero, classe e raça. As mulheres, especialmente em ocupações mais precarizadas, enfrentam uma realidade em que o medo da demissão, a vergonha e a sensação de impotência dificultam a denúncia.

O baixo número de ações judiciais movidas por vítimas — apenas 33 processos no TRT5 durante todo o ano de 2024 — indica que a maior parte dos casos segue invisibilizada, o que contribui para a impunidade dos agressores e a perpetuação do problema. A comparação com os homens é ilustrativa: apenas 5 ações foram ajuizadas por trabalhadores do sexo masculino, o que demonstra o recorte de gênero do fenômeno.

Esse silêncio é alimentado por estereótipos que colocam em dúvida a palavra da mulher. Em muitos julgamentos, ainda se exige da vítima uma prova quase impossível: testemunhos diretos ou evidências cabais sobre fatos que, na maioria das vezes, ocorrem em ambientes fechados e longe dos olhos de terceiros.

Nesses casos, a aplicação do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero se mostra essencial, pois orienta os juízes a valorarem indícios e contextos, reconhecendo a natureza oculta da violência sexual. Como afirmou o desembargador Rubem Dias, é preciso considerar uma “constelação de indícios” para compreender esses casos com justiça.

A pesquisa demonstrou que, quando o Protocolo é aplicado, há impactos reais nos resultados. Todas as ações em que ele foi utilizado resultaram em condenação, o que confirma sua eficácia como ferramenta de enfrentamento à desigualdade.

Ainda assim, ele foi mencionado em apenas 27,27% dos acórdãos analisados. Isso revela que sua adoção segue dependendo da iniciativa individual de juízes e juízas, e não de uma política institucional consolidada. A diferença entre as turmas do TRT5 — algumas mais sensíveis ao tema, outras completamente alheias ao Protocolo — aponta para a necessidade de formação continuada e integração do documento às rotinas processuais.

Concluir que o Protocolo é útil, mas pouco utilizado, não basta. É preciso transformar esse instrumento em prática cotidiana, com respaldo das corregedorias, comissões de gênero e instâncias administrativas dos tribunais. O caminho para uma Justiça do Trabalho verdadeiramente igualitária não passa apenas pela criação de normas, mas pela coragem de romper com padrões de julgamento que reproduzem a desigualdade.

O Protocolo oferece uma oportunidade concreta de mudança — mas, para que produza efeitos reais, deve deixar de ser visto como uma diretriz opcional e passar a ser entendido como compromisso ético e jurídico com a dignidade das trabalhadoras.

Ana Terra Borges Antunes Ribeiro é mestre em Direito pelo PPGD da Universidade Católica do Salvador. Professora de Direito e Processo do Trabalho. Advogada trabalhista.

Alexandre Douglas Zaidan de Carvalho é procurador federal em exercício na Procuradoria Federal do Inep, doutor em Direito, Estado e Constituição pela UnB, com doutorado sanduíche na Universitat Pompeu Fabra de Barcelona. Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Católica do Salvador e líder do grupo de pesquisa Constituição, Política e Instituições Judiciais/CPIJ (DGP/CNPq)

DM TEM DEBATE

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