por NCSTPR | 27/08/25 | Ultimas Notícias
O PL 638/2019, de autoria da deputada Luzianne Lins (PT-CE), aprovado pela Câmara dos Deputados no último dia 1º de julho, representa uma iniciativa transformadora para o reconhecimento formal da economia do cuidado no Brasil.
O texto propõe a aferição do valor econômico e do impacto da “economia do cuidado” no desenvolvimento econômico e social do país por meio de uma conta-satélite vinculada ao Sistema de Contas Nacionais (SCN), além de alterar a Lei 7.735/1985 para incluir nas competências do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher o acompanhamento da implementação dessa conta-satélite.
O projeto surge em um cenário de reconhecida importância das chamadas atividades de cuidado não remunerado para a manutenção da vida, da sociedade e da própria economia.
Essas atividades, desempenhadas majoritariamente por mulheres, integram a “economia do cuidado”, que, conforme definida no projeto, engloba um conjunto de atividades essenciais à reprodução social e ao bem-estar da população, incluindo tarefas domésticas, cuidados diretos a crianças, idosos, pessoas com deficiência e enfermos, além de serviços comunitários não remunerados. Apesar de indispensáveis para a manutenção da força de trabalho e da sociedade, não são contabilizadas como produção econômica.
De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) de 2022, analisados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), no Brasil, o fato de ser mulher acrescenta, em média, 11 horas semanais no trabalho doméstico e de cuidado não remunerado em relação aos homens[1].
Em 2022, as mulheres despenderam semanalmente 21h36min, e os homens 11h48min neste trabalho[2]. As mulheres dedicam, em média, 25,7 horas semanais a trabalhos domésticos e de cuidados não remunerados, enquanto os homens dedicam cerca de 10,8 horas por semana a essas atividades.
Considerando a “dupla jornada”, com uma diferença de aproximadamente 11,1 horas semanais em afazeres domésticos, as mulheres acumulam, ao longo de um ano, cerca de 577 horas a mais que os homens, o que corresponde a aproximadamente 72 dias de trabalho adicional por ano (considerando uma jornada diária de 8 horas).
Estudo do Ipea, publicado em 2023[3], com base na PNAD Contínua de 2022, reforça que as mulheres, especialmente as mais pobres, enfrentam uma carga significativamente maior de trabalho não remunerado. O estudo aponta que mulheres em domicílios com renda de até um quarto de salário-mínimo por pessoa dedicam, em média, 25,7 horas semanais a afazeres domésticos, enquanto as mais ricas (com renda superior a 8 salários-mínimos por pessoa) dedicam 15,5 horas.
Essa desigualdade de gênero no trabalho doméstico e de cuidados não remunerados tem impactos negativos na vida das mulheres, especialmente em termos de tempo disponível para lazer, educação ou progressão na carreira.
Essa sobrecarga, conhecida como “dupla jornada”, impacta negativamente o tempo disponível para lazer, educação e progressão profissional, especialmente entre mulheres em situação de vulnerabilidade socioeconômica. As tarefas de cuidado, historicamente invisibilizadas e majoritariamente desempenhadas por mulheres, não são contabilizadas como produção econômica, apesar de serem indispensáveis para a manutenção da sociedade e da força de trabalho.
O PL 638 alinha-se aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas, particularmente o ODS 5, que promove a igualdade de gênero, e o ODS 8, que foca no trabalho decente e no crescimento econômico inclusivo.
A proposta complementa a Lei 15.069/2024, que instituiu a Política Nacional de Cuidados, visando garantir a corresponsabilização social e entre gêneros na provisão de cuidados, considerando as múltiplas desigualdades estruturais presentes na sociedade brasileira.
O reconhecimento da economia do cuidado é um passo fundamental para visibilizar o trabalho não remunerado, majoritariamente feminino, e subsidiar políticas públicas que promovam igualdade, proteção social e valorização do trabalho doméstico.
A proposta busca criar um mecanismo sistemático para quantificar e valorizar essas atividades, que, apesar de sua relevância socioeconômica, permanecem ausentes das contas nacionais.
No mercado de trabalho formal, segundo dados do Dieese, em 2022 25% dos homens tinham jornada de trabalho semanal superior a 44 horas. As mulheres ocupadas tinham jornada de 55,1 horas semanais, quando somados afazeres domésticos e outros trabalhos[4].
Apesar da relevância socioeconômica dessas funções, não há ainda um mecanismo sistemático que quantifique e valorize formalmente essa economia do cuidado no Brasil, onde as desigualdades de gênero são marcantes, e a visibilidade dessa economia pode ser um avanço significativo.
A proposta central do PL é a criação de uma conta-satélite no âmbito do SCN para mensurar o valor econômico e o impacto social do trabalho de cuidado não remunerado, abrangendo atividades como organização do lar, preparação de alimentos, limpeza, cuidados diretos a dependentes e serviços comunitários voluntários.
Diferentemente do PIB, que se restringe a atividades mercantis, a conta-satélite permitirá capturar atividades não monetizadas, funcionando como um indicador socioeconômico complementar, sem integrá-las ao cálculo oficial do PIB. Essa abordagem preserva a metodologia tradicional do PIB, mas cria espaço para novas métricas que podem, no futuro, apoiar a incorporação do trabalho não remunerado nas contas nacionais.
A conta-satélite será baseada na Pesquisa de Uso do Tempo, conduzida pelo IBGE em 2009 e 2019, que coleta dados detalhados sobre o tempo dedicado a atividades domésticas e de cuidado, permitindo estimativas econômicas por meio de técnicas de valoração, como o custo de oportunidade ou o custo de substituição.
A implementação da conta-satélite exigirá coordenação intersetorial entre o IBGE e os Ministérios da Fazenda, Planejamento e Orçamento, Mulher, Família e Direitos Humanos, com atualizações dos dados previstas a cada cinco anos. Os resultados subsidiarão a formulação, implementação e monitoramento de políticas públicas voltadas ao cuidado, promovendo a institucionalização do tema na agenda de desenvolvimento nacional.
O Conselho Nacional dos Direitos da Mulher desempenhará um papel crucial no acompanhamento da implementação, em parceria com universidades, órgãos de controle e organizações sociais, reforçando a perspectiva de gênero. Essa abordagem reconhece que a maior parte do trabalho de cuidado é realizada por mulheres, especialmente em situação de vulnerabilidade, e busca promover políticas que reduzam as disparidades relacionadas ao tempo e à carga de cuidado, que limitam a participação feminina em outras esferas da vida.
O impacto socioeconômico da proposta é amplo e significativo. Ao visibilizar o trabalho de cuidado, o PL contribuirá para a redução das desigualdades de gênero, alinhando-se à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), ratificada pelo Brasil em 2002.
Dados do Fórum Econômico Mundial (2023) posicionam o Brasil na 89ª colocação no Índice de Desigualdade de Gênero, e a formalização da economia do cuidado pode impulsionar políticas públicas que ampliem o acesso a creches, serviços de assistência a idosos e programas de proteção social para cuidadores informais. Essas medidas podem aliviar a sobrecarga sobre as mulheres, promovendo maior equidade na divisão do trabalho e melhores condições para sua inserção no mercado formal, educação e lazer.
Estudos internacionais reforçam a relevância econômica do trabalho de cuidado não remunerado. O Relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de 2018 estima que, em 53 países, esse trabalho representa cerca de 9% do PIB global, com variações de 2,1% a 41,3% dependendo do país e da metodologia utilizada.
No Brasil, cálculos[5] indicam que o trabalho doméstico não remunerado equivale a aproximadamente 11% do PIB, o que, considerando o PIB de 2024 (R$ 11,7 trilhões), representaria entre R$ 1,2 e R$ 1,75 trilhões. A ONU Mulheres e a Cepal (2021) apontam que, na América Latina, o trabalho não remunerado das mulheres contribui com 15,9% a 25,3% do PIB, sendo 75% desse valor atribuído às mulheres. Esses números destacam o impacto potencial da conta-satélite na economia brasileira, fornecendo uma base empírica para políticas públicas mais assertivas.
Experiências internacionais oferecem referências valiosas para o PL 638/2019. A Austrália, pioneira desde 2006, utiliza a Pesquisa de Uso do Tempo e o método de custo de substituição para estimar o trabalho não remunerado, que representa 41,6% a 58,7% do PIB. O Canadá, com atualizações entre 2015 e 2019, calculou que o trabalho doméstico não remunerado equivale a 37,2% do PIB (US$ 860,2 bilhões em 2019).
O México, desde 2013, estima esse trabalho em 26,3% do PIB (2019), utilizando dados da Pesquisa Nacional sobre o Uso do Tempo para subsidiar políticas de igualdade de gênero, como licenças parentais igualitárias. Na União Europeia, países como a Suécia utilizam contas-satélite para estimar valores entre 25% e 40% do PIB, apoiando políticas de parentalidade e creches universais.
O PL 638 posiciona o Brasil em linha com essas práticas, mas destaca-se por vincular explicitamente a implementação ao Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, reforçando o foco na igualdade de gênero.
A implementação da conta-satélite enfrenta desafios significativos. A quantificação do trabalho de cuidado é metodologicamente complexa, envolvendo aspectos econômicos, sociais e emocionais, além da subjetividade na definição das atividades. A exclusão desses dados do cálculo do PIB pode ser vista como uma limitação, mantendo o trabalho de cuidado à margem da economia formal.
Além disso, a efetividade da proposta dependerá de vontade política, investimento em capacitação técnica e coordenação entre instituições governamentais, universidades e sociedade civil. Outro desafio é garantir que os dados gerados se traduzam em políticas públicas eficazes, como a redistribuição das responsabilidades de cuidado, a ampliação de serviços públicos de qualidade e a valorização do trabalho feminino.
O PL 638 é uma iniciativa inovadora que posiciona o Brasil na vanguarda do reconhecimento da economia do cuidado, uma dimensão essencial para a sustentabilidade social e econômica do país. Ao visibilizar o trabalho predominantemente feminino, muitas vezes desvalorizado, o projeto fomenta o debate sobre justiça social e igualdade na divisão do trabalho doméstico e de cuidado.
Sua implementação pode transformar a forma como o Brasil aborda o desenvolvimento nacional, promovendo políticas públicas que reduzam as desigualdades estruturais, especialmente de gênero, e alinhem o país com compromissos internacionais de direitos humanos e desenvolvimento sustentável.
A criação da conta-satélite fornecerá uma base empírica robusta para políticas de cuidado, como incentivos à formalização do trabalho doméstico, ampliação de serviços públicos e redistribuição das responsabilidades de cuidado, contribuindo para um futuro mais equitativo e inclusivo.
[1] https://repositorio.ipea.gov.br/server/api/core/bitstreams/0c205514-5f9d-4ab8-a005-e82390995894/content
[2] https://www.ipea.gov.br/portal/retrato/indicadores/trabalho-domestico-e-de-cuidados-nao-remunerado/apresentacao
[3] https://www.ipea.gov.br/portal/categorias/45-todas-as-noticias/noticias/14024-estudo-aponta-desigualdade-de-genero-no-trabalho-domestico-e-de-cuidados-nao-remunerado-no-brasil
[4] https://www.dieese.org.br/boletimespecial/2024/1demaio.pdf
[5] Ver Hildete Pereira de Melo e Lucilene Morandi. Mensurar o trabalho não pago no Brasil: uma proposta metodológica. Economia e Sociedade, Campinas, v. 30, n. 1 (71), p. 187-210, janeiro-abril 2021.
Luiz Alberto dos Santos é consultor legislativo (aposentado) do Senado. Mestre em Administração, doutor em Ciências Sociais/Estudos Comparados, advogado e professor colaborador da Ebape/FGV
DM TEM DEBATE
https://www.dmtemdebate.com.br/pl-638-a-economia-do-cuidado-no-brasil-e-sua-contabilizacao/
por NCSTPR | 27/08/25 | Ultimas Notícias
“A pejotização é ainda mais grave que a terceirização, pois prejudica não apenas os trabalhadores diretamente, mas todo o país, ao fragilizar o sistema de proteção social”, afirmou o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, durante reunião com representantes da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais (Contar), na terça-feira (12/8).
Segundo Marinho, essa modalidade não apenas prejudica diretamente os trabalhadores, como compromete todo o sistema de proteção social. Ao substituir vínculos formais por contratos de prestação de serviços via CNPJ, há uma queda significativa na arrecadação de fundos essenciais, como o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), o Sistema S e a Previdência Social, recursos fundamentais para o pagamento de benefícios como seguro-desemprego, aposentadorias, auxílios e para o financiamento de programas de qualificação profissional.
Além disso, afirmou que a pejotização fragiliza a rede de direitos trabalhistas construída ao longo de décadas, retirando garantias como férias remuneradas, 13º salário, licença-maternidade e estabilidade em situações específicas. Para o ministro, essa prática integra um processo mais amplo de precarização das relações de trabalho, com impactos sociais e econômicos severos.
O tema será debatido em audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF), e o ministro defendeu a participação ativa de representantes da sociedade civil organizada, considerando a relevância estratégica do debate para o futuro do trabalho e para a preservação das políticas públicas de proteção ao trabalhador no país.
A audiência pública
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF) marcou para o dia 10 de setembro de 2025 uma audiência pública para discutir a pejotização no Brasil. No despacho chamando para a reunião, o ministro elencou perguntas exemplificativas que ele pretende discutir, que vão desde o que se entende por pejotização, a dimensão do fenômeno na economia brasileira, qual o impacto financeiro da pejotização na arrecadação tributária da União e no equilíbrio do sistema previdenciário, como se dá o tratamento tributário de pessoas físicas versus pessoas jurídicas no contexto da pejotização, dentre outros tópicos.
A relação de inscritos habilitados a participar da audiência pública será divulgada nesta sexta-feira (15/8). A audiência será transmitida pela TV Justiça e pela Rádio Justiça.
O caso concreto do ARE 1532603 versa sobre um franqueado que buscava o reconhecimento de vínculo empregatício com uma franqueadora. Porém, ao admitir a repercussão geral do caso, a discussão foi expandida para decidir a “competência e ônus da prova nos processos que discutem a existência de fraude no contrato civil/comercial de prestação de serviços; e a licitude da contratação de pessoa jurídica ou trabalhador autônomo para essa finalidade”.
Gilmar Mendes deu entrevistas dizendo que poderia levar o caso a julgamento neste segundo semestre. Contudo, o ministro Edson Fachin assume a presidência do Supremo no dia 29 de setembro, o que deixa a dúvida se ele colocaria o tema tão logo no plenário físico. Por ora, já são mais de 25,6 mil processos suspensos na Justiça do Trabalho em todo o país, segundo dados fornecidos pela Gestão de Precedentes do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Atualmente são mais de 15 milhões de Microempreendedores Individuais (MEIs) no Brasil e cerca de 1,5 milhão de trabalhadores por aplicativos.
DM TEM DEBATE
https://www.dmtemdebate.com.br/pejotizacao-e-mais-grave-que-a-terceirizacao-e-ameaca-protecao-social-diz-marinho/
por NCSTPR | 27/08/25 | Ultimas Notícias
O setor financeiro brasileiro está em crise após o Ministro da Justiça, Flávio Dino, alertar os bancos contra o cumprimento das sanções da Global Magnitsky impostas pelos EUA ao Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. O impasse reforça a postura neomonroísta de Trump, levantando questões sobre a soberania jurídica do Brasil, a dependência do dólar e o futuro da desdolarização do BRICS.
O artigo é de Uriel Araujo, publicado por Info Brics.
Uriel Araujo é doutor em Antropologia, é um cientista social especializado em conflitos étnicos e religiosos, com ampla pesquisa sobre dinâmicas geopolíticas e interações culturais.
Eis o artigo.
Os bancos brasileiros mergulharam em turbulência após o Ministro da Justiça, Flávio Dino, ameaçar punir instituições que cumpram as sanções americanas contra o Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. As ações dos principais bancos do país caíram acentuadamente após o alerta de Dino, enquanto as instituições financeiras se viram repentinamente no meio de uma disputa geopolítica crescente. O impasse ilustra como a postura neomonroísta de Donald Trump está remodelando drasticamente as relações entre EUA e Brasil, arrastando não apenas a mais alta corte de Brasília, mas também seu sistema bancário para a máquina de sanções de Washington.
No cerne da questão estão as chamadas sanções globais Magnitsky. Originalmente concebidas para atingir violadores de direitos humanos e autoridades corruptas, a Lei Magnitsky foi aprovada pela primeira vez em 2012 contra figuras russas controversamente acusadas de envolvimento na morte do advogado Sergei Magnitsky. Em 2016, foi expandida para um instrumento global, concedendo ao Tesouro dos EUA a capacidade de congelar ativos, bloquear propriedades e cortar o acesso ao sistema financeiro americano de indivíduos designados em todo o mundo.
O sistema sempre foi menos uma ferramenta de direitos humanos do que uma arma geopolítica. Ser “Magnitskyado” hoje significa ser excluído dos circuitos financeiros dominantes do mundo, visto que praticamente todas as transações internacionais passam por mecanismos de compensação em dólares, sujeitos à influência de Washington. Esta é uma das razões pelas quais a agenda de desdolarização do grupo BRICS é vista pelos EUA como uma grande ameaça, aliás: minaria enormemente o poder de alavancagem americano.
Quando o Tesouro de Trump colocou Moraes e outros ministros da Suprema Corte sob a designação Global Magnitsky, o judiciário brasileiro respondeu de forma desafiadora. A Suprema Corte anunciou que “anularia” as sanções internamente, ordenando efetivamente aos bancos nacionais que ignorassem as determinações de Washington. No entanto, sanções não são algo que um tribunal estrangeiro possa simplesmente apagar. As instituições financeiras operam globalmente, com sistemas de conformidade que não podem selecionar jurisdições. Para os bancos, desafiar Washington significa arriscar o acesso ao próprio sistema do dólar — uma opção inviável, por enquanto.
Curiosamente, Moraes já havia ganhado destaque global em 2024, durante sua disputa com Elon Musk, quando a Justiça tornou o Twitter (agora X) ilegal no Brasil por um breve período. Com Musk emergindo posteriormente como um aliado influente de Trump, a posição de Moraes sempre atraiu a ira de Washington. Mesmo após o rompimento de laços entre Trump e Musk, o peso político e econômico das Big Techs (4) continua a pesar sobre essas disputas, como já observei em outro lugar .
Agora, o Ministro Dino alerta os bancos que, se cumprirem as regras de Magnitsky, enfrentarão sanções em casa. O Supremo Tribunal Federal insinuou ter sua própria ” carta na manga ” caso Trump agrave ainda mais a situação. Mas o setor financeiro permanece cético: apesar das ameaças político-legais, os principais banqueiros brasileiros admitem que, em última análise, terão que ceder às exigências de Washington. Basta dizer que esse cabo de guerra destaca o estado frágil da segurança jurídica do Brasil — ou seja, sua previsibilidade jurídica ou certeza jurídica. Quando as instituições emitem ordens contraditórias, os bancos ficam em um estado de insegurança.
O dilema não é meramente legalista. Os bancos brasileiros, como a maioria no mundo, dependem dos sistemas de mensagens SWIFT e da compensação de dólares por meio de bancos correspondentes em Nova York. Essas redes formam a espinha dorsal das finanças modernas, e ficar de fora delas equivale a uma asfixia comercial. Nenhuma decisão nacional pode reverter essa realidade, por enquanto. Daí o paradoxo: enquanto Brasília proclama soberania, seu próprio setor financeiro admite discretamente que deve se submeter às regras americanas. Essa desconexão corrói a confiança na estabilidade das instituições brasileiras e envia um sinal assustador aos investidores.
O confronto expõe realidades mais amplas. As tarifas de Trump de até 50% sobre produtos brasileiros, combinadas com as sanções de Magnitsky, demonstram um esforço deliberado para monopolizar o Brasil economicamente. Curiosamente, essa pressão coincide com uma nova investida americana para dominar minerais estratégicos, ecoando as políticas voltadas para o uso de recursos naturais que Trump aplicou à Groenlândia. O padrão é inconfundível: coerção, sanções e tarifas como ferramentas para reafirmar a hegemonia hemisférica em meio à Nova Guerra Fria com a China.
No entanto, o Brasil não está sozinho em enfrentar esse tipo de pressão extraterritorial. Washington aplicou táticas semelhantes a bancos europeus que negociam com o Irã, a empresas chinesas que negociam com a Rússia e até mesmo a empresas canadenses envolvidas na disputa da Huawei. Em todas as ocasiões, a lição foi a mesma: independentemente das leis nacionais de um determinado país, as sanções americanas tendem a prevalecer na prática devido à centralidade do sistema do dólar. O caso do Brasil torna-se, assim, mais um capítulo em uma história maior de dependência financeira e vulnerabilidade estratégica.
As implicações vão além do setor bancário. Se o Brasil for forçado a cumprir a lei apesar das decisões do Supremo Tribunal Federal, suas instituições enfrentarão uma grave erosão de autoridade. A agenda de desdolarização do BRICS, portanto, ganha urgência sob essa ótica: somente construindo mecanismos paralelos de comércio e finanças as economias emergentes poderão se proteger do poder extraterritorial dos EUA. Iniciativas como sistemas de liquidação em moeda local, moedas digitais de bancos centrais e plataformas de pagamento alternativas ainda estão em fase inicial. Mas, sem elas, a resistência de Brasília permanecerá retórica, e seus bancos continuarão a servir como executores relutantes da vontade de Washington.
Por enquanto, o Brasil se encontra em uma posição nada invejável: pressionado por Washington, contrariado por seus próprios tribunais e com os mercados punindo seus bancos em tempo real. A ofensiva neomonroísta de Trump, por mais contundente que seja, continua eficaz precisamente porque explora a arquitetura das finanças globais. Na verdade, é essa mesma arquitetura — mais do que diplomacia ou poder militar — que assegura o domínio dos EUA. Até que o Brasil e seus parceiros do BRICS consigam alterar essa arquitetura, eles provavelmente permanecerão bastante vulneráveis à próxima rodada de sanções, tarifas ou imposições de Washington.
DM TEM DEBATE
https://www.ihu.unisinos.br/656318-sancoes-a-magnitsky-expoem-dependencia-do-dolar-no-brasil-em-meio-a-pressao-do-brics-pela-desdolarizacao-artigo-de-uriel-araujo
por NCSTPR | 27/08/25 | Ultimas Notícias
Decisão reconheceu que, embora permitida por lei, a demissão por videochamada expôs o trabalhador a constrangimento.
Da Redação
A 4ª câmara do TRT da 15ª região condenou empresa do setor sucroalcooleiro e de energia a pagar R$ 22 mil por danos morais a ex-funcionário demitido por videochamada, após mais de duas décadas de serviços prestados como tesoureiro.
Conforme relatado, o desligamento ocorreu pelo aplicativo Teams, enquanto o empregado estava presencialmente na empresa. Ele foi chamado para uma sala, participou da reunião virtual com seu coordenador, que estava em “home office”, recebeu a notícia da dispensa e, visivelmente abatido, retornou à sua mesa para recolher os pertences.
Em defesa, a empresa alegou que a modalidade virtual foi adotada por segurança e prevenção à Covid-19, sustentando ainda que o trabalhador estaria fora da sede. No entanto, testemunhas confirmaram que ele estava no local de trabalho no momento da demissão e que nenhum outro funcionário havia sido desligado por esse meio.
Em 1ª instância, o pedido de indenização foi rejeitado sob o entendimento de que não houve abuso por parte da empregadora.
Contudo, ao analisar o caso no TRT, a relatora, desembargadora Mari Angela Pelegrini, reformou a decisão.
Para a magistrada, a dispensa foi constrangedora, inédita e discriminatória, especialmente pelo longo tempo de dedicação do trabalhador e pela função estratégica exercida na tesouraria.
“O que se discute não é apenas se a empresa pode dispensar trabalhadores de forma remota, ora por aplicativo de mensagem, ora por reunião virtual, mas sim se tal forma, aliado a outros fatos, gerou alguma humilhação capaz de justificar o dano moral indenizável”, destacou.
Segundo a decisão, “não se trata de um trabalhador qualquer, mas sim um que estava alocado em um setor sensível da empresa, e que trabalhou por mais de duas décadas, mais precisamente 22 anos, e merecia um tratamento diferenciado, em respeito aos seus anos de dedicação ao grupo empresarial”.
Assim, concluiu: “embora lícito o meio e a lei não tenham definido algum impedimento de comunicação do desligamento de forma virtual, causou, sim, constrangimento ilícito”.
Diante disso, o colegiado concluiu que a conduta foi inadequada e fixou a indenização em R$ 1 mil por ano de serviço prestado, totalizando R$ 22 mil.
O processo tramita sob segredo de Justiça.
Informações: TRT da 15ª região.
MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/quentes/438639/trt-15-empresa-indenizara-funcionario-demitido-via-chamada-de-video