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CAMINHO PERIGOSO

O ministro aposentado e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello pronunciou-se sobre o fato de o presidente Jair Bolsonaro, candidato à reeleição, ter dito que vai avaliar a possibilidade de aumentar o número de ministros da corte, caso tenha sucesso na eleição marcada para o próximo dia 30.

 

O ex-presidente do STF diz que Bolsonaro quer replicar o que fez a ditadura militar
Carlos Moura/SCO STF

De acordo com Celso de Mello, uma ideia como essa surge sempre de “mentes autoritárias” e tem como objetivo “comprometer o grau de plena e necessária independência que os magistrados e os corpos judiciários devem possuir”.

 

Leia a seguir a íntegra da manifestação do ministro:

 

SOBRE O PRETENDIDO AUMENTO DA COMPOSIÇÃO NUMÉRICA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

“A nossa experiência histórica tem revelado que a ideia de modificar a composição numérica do Supremo Tribunal Federal surgiu , no plano do constitucionalismo brasileiro , em períodos de exceção, sempre sob a égide de ordens autocráticas e sob o influxo de mentes autoritárias que buscavam , com tal expediente, sufocar a independência da Corte Suprema , que representa um dos pilares fundamentais em que se assenta o Estado democrático de Direito !

Assim ocorreu logo após a Revolução de 1930 , quando , instaurado período de exceção regido pelo Decreto n. 19.398, de 11/11/1930 (qualificado por Afonso Arinos de Mello Franco como verdadeira ‘Constituição Provisória’) , Getúlio Vargas, então Chefe do Governo Provisório da República, investido de poderes totais , alterou , por ato próprio , o número de Ministros do STF (eram 15 sob a Constituição Federal de 1891 , art. 56 ), reduzindo-o a 11 (Decreto n. 19.656, de 03/02/1931, art. 1o. ) e, por alegada contrariedade ao movimento tenentista, determinou a aposentadoria (e consequente afastamento definitivo da Corte) dos Ministros Pires e Albuquerque, Muniz Barreto , Pedro Mibielli , Godofredo Cunha, Geminiano da Franca e Pedro Joaquim dos Santos !

Em 27 de outubro de 1965, também em período de exceção , em plena ditadura militar , o Presidente Castello Branco , valendo-se do Ato Institucional n. 2 , elevou o número de Ministros do STF, majorando-o de 11 para 16 Juízes !

A PRETENSÃO de Bolsonaro e de seus epígonos , objetivando alterar a composição numérica da Corte Suprema do Brasil , revela que, subjacente a essa modificação, visa-se, na realidade, perversa e inconstitucional finalidade de controlar o STF e de comprometer o grau de plena e necessária independência que os magistrados e os corpos judiciários devem possuir , em favor dos próprios jurisdicionados (seus reais destinatários) , no Estado de Direito legitimado pela ordem democrática !!!

A sociedade civil NÃO convive com profanadores da ordem democrática nem com transgressores do princípio republicano , especialmente porque tem consciência de que , SEM juízes independentes , JAMAIS haverá cidadãos verdadeiramente livres !

AQUELES QUE VISAM tal objetivo precisam ser advertidos de que vilipendiar a independência judicial (um dos elementos configuradores do regime democrático) importa em ofensa manifesta ao postulado fundamental da separação de poderes , que representa limitação material explícita ao poder reformador do Congresso Nacional (Const. Federal, art. 60, $ 4o., III ) , a significar que qualquer Emenda à Constituição que desrespeite tal princípio mostrar-se-á impregnada do vício gravíssimo de inconstitucionalidade !!!

NEM SE DIGA que , nos Estados Unidos da América , em 1937, Franklin Delano Roosevelt (FDR) , após avassaladora vitória nas eleições presidenciais americanas de 1936 (‘ landslide reelection ‘) , em processo eleitoral que o reconduziu ao cargo de Presidente dos Estados Unidos da América (foi sua primeira reeleição) , patrocinou , perante o Congresso dos EUA, um ‘Court-packing Plan’ (também conhecido como ‘Court-packing Bill’) , objetivando aumentar, com tal projeto , em até SEIS (6) novos Juízes, a composição da Suprema Corte daquele país (que possuía, então, como ainda hoje, NOVE Ministros designados ‘Justices’) : um novo Juiz seria indicado (e posteriormente nomeado , após aprovação do Senado americano) , até o limite de SEIS (6), , o que culminaria por elevar a composição do Tribunal para 15 (quinze) juízes, sempre que qualquer dos ‘Justices’ daquele Tribunal , após alcançada a idade de 70 anos , não se aposentasse nos seis (6) meses imediatamente subsequentes !

Essa proposição legislativa (desnecessária qualquer emenda à Constituição americana , pois esta , em seu Artigo III, Seção 1 , não estabelece o número de ‘Justices’ para a Suprema Corte daquele país , relegando a matéria ao plano da legislação ordinária ) , apoiada pelo Presidente Franklin Delano Roosevelt (FDR), denominada ‘the Judicial Procedures Reform Bill of 1937’ , além de fortemente criticada, inclusive pela própria Corte Suprema dos EUA (então presidida pelo Chief Justice Charles Evans Hughes ) , NÃO logrou aprovação congressual, havendo sido arquivada pelo Senado dos EUA por 70 votos a 22 !

A razão dessa iniciativa de Roosevelt deveu-se ao fato de que as leis, resoluções e medidas por ele adotadas para implementar sua política do “New Deal” estavam sendo declaradas inconstitucionais pela Corte Suprema americana !

VÊ-SE , pelo noticiário que tem sido divulgado, que BOLSONARO pretende servilmente replicar o que fez a ditadura militar que governou o Brasil e que, pelo fato de achar-se investida de poderes excepcionais, ampliou a composição do STF, elevando-a, como anteriormente assinalado, com apoio no Ato Institucional n. 2/65, de 11 para 16 Ministros (mais cinco, portanto !) .

O atual Presidente da República , vale novamente enfatizar , ignorando os princípios nucleares da separação de poderes e da independência judicial, ambos protegidos por cláusulas pétreas ( que limitam, materialmente, o poder reformador do Congresso Nacional ) , apoiaria proposta de emenda constitucional ampliadora da composição do STF !

ESSA INTENÇÃO de Bolsonaro traz-me à lembrança a advertência de KARL MARX, em seu “O 18 de Brumário de Luis Bonaparte”, livro que escreveu em 1852 , em fragmento constante do parágrafo introdutório dessa conhecida obra do pensador alemão, que se reveste de significativa importância para as Ciências Políticas e Sociais : “Em alguma passagem de suas obras, Hegel comenta que todos os grandes fatos e todos os grandes personagens da história mundial são encenados, por assim dizer, duas vezes1. Ele se esqueceu de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa (…) “!

A celebração da supremacia da Constituição há de representar , em sua dimensão política , gesto histórico (a) de inequívoco apoio da cidadania ao regime democrático , (b) de severa advertência ao Presidente Bolsonaro e aos seus seguidores de que não se tolerarão açōes ofensivas à institucionalidade e (c) de repulsa a comportamentos que transgridam os princípios estruturantes que informam e conferem substância ao Estado democrático de Direito !

O povo de nosso País não se esqueceu dos abusos , indignidades , mortes e torturas perpetrados pelos curadores e agentes da ditadura militar que interrompeu , em 1o. de abril de 1964, o processo democrático que então vigorava , legitimamente, sob a égide da Constituição democrática de 1946 !!!”

(CELSO DE MELLO, Ministro aposentado e ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal )

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2022-out-10/celso-mello-aumentar-numero-ministros-stf-ideia-mentes-autoritarias