A ascensão da China como nova força hegemônica no comércio mundial pode fazer com que a dinâmica das exportações de países como Brasil e Argentina retroceda ao padrão do início do século passado. Segundo um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgado ontem em Buenos Aires, a participação de produtos primários e intensivos em recursos naturais nas exportações para a China foi de 90% na Argentina e 82% no Brasil, segundo dados relativos a 2009.
A reportagem é de César Felício
A desindustrialização ganhou velocidade nesta última década, com a ultrapassagem dos Estados Unidos pela China como principal parceiro comercial fora do Mercosul tanto no Brasil quanto na Argentina. Embora também centrado em compras de produtos primários, a dependência da pauta de matérias primas é menor quando se trata de vendas para os EUA: chega a 80% na Argentina, mas fica em 54% no caso brasileiro. “A dinâmica com a China se assemelha muito à experiência hegemônica da Inglaterra, que em determinado momento controlou a produção de bens manufaturados e importou apenas bens primários”, disse o presidente do Ipea, Márcio Pochmann, ao apresentar o estudo na embaixada brasileira.
Segundo Pochmann, uma estratégia comum deve ser encontrada sem antagonizar a China. “Não vamos mudar a realidade chinesa. A China conta com metade das 300 maiores empresas transnacionais do mundo. Qual a nossa estratégia de longo prazo?”, indagou ele.
Pochmann projeta, contudo, um ímpeto menor na primarização da pauta de exportação nos próximos anos. “A bonança no mercado de ‘commodities’ possivelmente não se manterá por longo tempo, com a desaceleração do crescimento da China e da Índia, embora o movimento de ocidentalização destes mercados deva manter a demanda pelos produtos primários aquecida”.
No estudo, divulgado em espanhol, o Ipea afirmou ser necessária uma ação conjunta dos integrantes do Mercosul para deter a primarização. “A nova predominância chinesa, que ainda não se traduziu em hegemonia, por estar em processo de construção, pode ser negociada pelos países aliados em melhores condições do que ocorreu nas tensões entre as hegemonias norte-americana e a experiência nacional-desenvolvimentista na América Latina”, afirmou.
Pochmann sugeriu a interligação de cadeias de produção para atender aos mercados nacionais. “Os quatro países do Mercosul possuem mercado interno suficiente para sustentar demandas”, disse. No estudo, não se fecha a porta ao protecionismo como saída. “O aperfeiçoamento da integração do Mercosul responde à necessidade de se melhorar as condições de competição e de inserção do bloco nos fluxos de comércio internacional, o que não necessariamente se traduz em liberalização comercial stricto sensu.”
O documento propôs ainda que os países do Mercosul direcionem o investimento direto estrangeiro para áreas determinadas. “O fluxo de investimento deve ser acompanhado de instrumentos políticos que induzam sua aplicação em setores apropriados das economias nacionais”. A ressalva está relacionada com o perfil dos investimentos chineses. “Eles estão ligados à criação de mercados cativos provedores de matérias primas”.