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DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

O juiz Luiz Olympio Brandão Vidal, da 4ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora (MG), reconheceu a existência de trabalho análogo à escravidão em uma clínica terapêutica, que foi condenada a anotar os dias trabalhados na carteira dos ex-empregados, a pagar verbas rescisórias de demissão sem justa causa, indenização de R$ 50 mil por danos morais coletivos e indenização individual de R$ 10 mil para cada trabalhador. A sentença é referente a ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho.

Em outubro de 2023, o MPT iniciou uma investigação e constatou que havia seis homens trabalhando na clínica. Eles disseram que não eram “acolhidos” da comunidade terapêutica e que executavam as atividades de forma voluntária, negando os trabalhos forçados.

Também disseram que eram dependentes de substâncias psicoativas e usavam crack, mas não recebiam auxílio da instituição para o tratamento do vício. Relatos das testemunhas dizem que os trabalhadores estavam em condições de vulnerabilidade social, já que eram dependentes químicos e buscavam auxílio da ré para reabilitação.

Segundo o MPT, eles moravam e trabalhavam na clínica, não eram registrados e não recebiam remuneração pelos serviços prestados. As normas de saúde e segurança do trabalho não eram cumpridas e os empregados não tinham equipamentos de proteção individual, apesar dos riscos inerentes ao trabalho nas obras do local. A entidade também não seguia as normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad).

O relatório diz que as circunstâncias apuradas configuram trabalho análogo ao de escravo, por degradação, atendendo ao artigo 33, inciso I, da Instrução Normativa nº 2, de 2021, do Ministério do Trabalho e Previdência (IN 02/2021). A Auditoria-Fiscal do Trabalho determinou ao empregador que parasse as atividades de trabalho imediatamente. Após a decisão, a instituição mudou de endereço.

Defesa

Segundo a empresa, os trabalhadores encontrados pela fiscalização não eram acolhidos e prestavam serviços voluntários, com termos de adesão devidamente firmados, na forma da Lei 9.608/1998. O trabalho profissionalizante só ocorria depois do fim do tratamento terapêutico, quando alguns permaneciam na instituição por gratidão ou para aprender um ofício. A ré argumentou que, na época da fiscalização, ainda não havia no local qualquer atividade de acolhimento, diante da ausência de condições físicas e sanitárias e que, por isso, não havia prontuários, prescrições médicas e plano terapêutico.

A instituição negou a existência de vínculo empregatício e contestou as alegações de trabalho análogo à escravidão, sustentando que não havia cerceamento de locomoção, vigilância ou retenção de documentos. Ela alegou que as atividades desempenhadas (horta, jardinagem, reformas) tinham caráter profissionalizante e terapêutico, com produtos revertidos para a alimentação dos próprios internos.

Fundamentos da decisão

Ao expor os fundamentos da decisão, o juiz Luiz Olympio Brandão Vidal esclareceu que a prestação de trabalho na forma verificada — com pessoalidade, habitualidade, subordinação direta ao dirigente da instituição e expectativa de compensações materiais — caracteriza a relação de emprego, conforme os artigos 2º e 3º da CLT e a doutrina dominante, e que as atividades desenvolvidas não atendiam aos requisitos legais do trabalho voluntário, previstos na Lei 9.608/1998.

O magistrado diz que o serviço voluntário não gera vínculo empregatício, nem obrigação de natureza trabalhista e previdenciária. Ele deve ser exercido mediante assinatura de termos de adesão entre a entidade e o prestador do serviço voluntário, com especificação do objeto e das condições de seu exercício. Na clínica, apenas quatro dos seis trabalhadores tinham termo de adesão.

Além disso, para o juiz, os trabalhadores não prestavam serviços com intenção de beneficiar a comunidade (característica do trabalho voluntário), já que eram pessoas com transtornos decorrentes de substâncias psicoativas, trabalhando, muitas vezes, em troca de alimentação e moradia, sem remuneração digna, treinamento ou equipamentos de proteção.

“Os réus se valeram da força de trabalho de pessoas vulneráveis para a expansão das edificações, numa genuína relação de emprego, de modo informal, seja com aqueles que firmaram o contrato de trabalho voluntário, seja com aqueles que não firmaram tal contrato, o qual, a propósito, é nulo de pleno direito, conforme prevê o artigo 9º da CLT, por atentar contra os preceitos da legislação trabalhista. Com isso, o pedido de anulação do negócio jurídico fica prejudicado”, destacou o julgador.

Sentença

Vidal anulou os contratos de trabalho voluntário por ofensa ao artigo 9º da CLT, reconheceu a relação de trabalho e determinou a anotação das CTPS digitais dos trabalhadores e o pagamento das verbas rescisórias correspondentes à dispensa imotivada.

Os réus também foram condenados a pagar, solidariamente, as verbas trabalhistas devidas pelo período de cada vínculo de emprego reconhecido, como salários, férias proporcionais acrescidas de um terço, 13º salário e FGTS.

Além do dano coletivo, com reparação fixada em R$ 50 mil, cada trabalhador também deve receber R$ 10 mil por danos morais. A quantia foi determinada levando em conta a capacidade econômica dos réus.

Aplicação de protocolo

A sentença seguiu as diretrizes do Protocolo para Atuação e Julgamento com Perspectiva de Enfrentamento do Trabalho Escravo Contemporâneo, que amplia o conceito de escravidão para além da restrição da liberdade física e abrange situações de trabalho degradante e exploração de vulnerabilidades.

O magistrado diz que a atual redação do artigo 149 do Código Penal não exige o concurso da restrição à liberdade de locomoção para a caracterização do trabalho em condições análogas às de escravo, bastando, como no caso, a presença de elementos, como a inexistência de água limpa para higiene adequada, ausência de instalações sanitárias em condições higiênicas, e inexistência de local adequado para armazenagem ou conservação de alimentos.

“Conforme orientação do Protocolo sobredito, é essencial rechaçar estereótipos limitadores, como aquele segundo o qual ‘a escravidão contemporânea somente se concretiza com a restrição da liberdade de locomoção’, bem como a ideia de que ‘toda pessoa é plenamente livre e, portanto, pode ajustar qualquer tipo de contratação’, negando-se que ‘a fome e a miséria levam o ser humano a se dispor de seus direitos básicos’”, destacou o juiz. Com informações da assessoria de imprensa do TRT-3.

CONJUR

https://www.conjur.com.br/2025-out-07/clinica-terapeutica-deve-indenizar-por-trabalho-analogo-a-escravidao/