“Não é exagero afirmar que a CLT se constituiu na primeira “constituição” brasileira, no sentido de reconhecimento de direitos aos trabalhadores, uma vez que à época nossa constituição era autoritária, restringia liberdades e não reconhecia direitos”, escreve Cesar Sanson, professor de sociologia do trabalho, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN.
Eis o artigo.
A carteira de trabalho com seus direitos foi e, de certa forma, continua sendo o principal “documento” para milhares de pessoas. Não é apenas um documento de identificação, mas o reconhecimento de direitos que devem ser respeitados.
A CLT marcou efetivamente a entrada do Brasil na sociedade industrial. É o reconhecimento na década de 1940 de que o país está se transformando em uma sociedade operária e urbana. É resultante de três movimentos: a transição da sociedade agrária para a industrial; a crescente organização do movimento operário na luta por direitos e os interesses de Vargas na tentativa de cooptação dos trabalhadores.
Os empresários paulistas à época, já reunidos na FIESP, reagiram fortemente a CLT. A burguesia brasileira nunca aceitou a CLT e em seu nascedouro suas leis valiam apenas para o operariado urbano, como Vargas era fortemente ligado as oligarquias rurais, o direito a legislação do trabalho e sindicalização não foi estendida aos trabalhadores rurais.
A CLT sempre foi alvo de ataques, mas a forte organização dos trabalhadores em sindicatos até os anos 1990 foi um fator decisivo de resistência. Curiosamente a CLT conseguiu sobreviver aos militares. Num regime autoritário, a legislação trabalhista poderia ter sido facilmente desmontada, mas os militares preservaram a CLT e mudaram apenas uma regra substancial, a de que substituiu a estabilidade no emprego pela instituição do FGTS.
Os fortes ataques e desfiguração da CLT começam ocorrer nos anos 1990 com a subordinação do país a lógica da nova ordem econômica internacional: o neoliberalismo. FHC inicia uma série de reformas, entre elas, a reforma trabalhista que dá inicio a desregulamentação e flexibilização da legislação do trabalho. As medidas vão no sentido de ampliar o poder do empregador nas condições de contratação, uso (jornada de trabalho) e remuneração do trabalho.
O Estado aos poucos vai sendo retirado da arbitragem no conflito entre o trabalho versus capital e a justiça do trabalho e os sindicatos passam a ser fragilizados. Mesmo nos governos petistas, embora com menos intensidade, a flexibilização da CLT teve continuidade.
A pá de cal, entretanto, veio como os governos Temer/Bolsonaro que desfiguraram por completo tudo o que se levou décadas para conquistar.
Defender a CLT ou mesmo o que sobrou dela é defender um sociedade inclusiva. Essa ideia de que agora cada um é responsável por si mesmo e de que todos somos empreendedores e não precisamos de proteção social é desastrosa.
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