NOVA CENTRAL SINDICAL
DE TRABALHADORES
DO ESTADO DO PARANÁ

UNICIDADE
DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

José Eymard Loguercio, Fernanda Caldas Giorgi, Luciana Lucena Baptista Barretto, Antonio Fernando Megale Lopes, Lais Lima Muylaert Carrano, Filipe Frederico da Silva Ferracin e Franciele Carvalho da Silva


O decreto 10.854/21, constitui um novo “museu de grandes novidades” do governo: uma proposta desconectada com a realidade atual, que demanda medidas de enfrentamento da crise econômica e sanitária, com o fim de garantir empregos e renda à população; o moderno que não inova e apenas beneficia as empresas.

 

Lançado com pompa e circunstância pelo governo federal, o decreto 10.854, de 10 de novembro de 2021, traz, novamente, as velhas “razões” de sempre para as alterações e as reformas da legislação trabalhista: modernizar, simplificar e desburocratizar. Regulamenta disposições relativas à legislação trabalhista, institui o Programa Permanente de Consolidação, Simplificação e Desburocratização de Normas Trabalhistas Infralegais e o Prêmio Nacional Trabalhista, e altera o decreto 9.580/18

O Decreto não é uma mini ou nova “Reforma Trabalhista”, mas segue sim a lógica da lei 13.467/17, ao prever, dentre seus objetivos, a redução dos custos empresariais (art. 5º, II) desincumbindo micro e pequenas empresas quanto ao cumprimento de normas de segurança e saúde do trabalhador a depender do risco ocupacional. Também estabelece a prevalência da livre iniciativa e do livre exercício de atividade econômica em desfavor dos direitos de trabalhadores e trabalhadoras, tendo como norte a lei 13.874/19, a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica.

Os objetivos enunciados revelam orientação por privilegiar a liberdade econômica, a redução de custos, a limitação da atuação fiscalizadora e o controle sobre o que chamou de “excessos” da ação do Estado. Nada disso se refere à simples consolidação de normas. Portanto, o problema não está apenas no presente, com a revogação de portarias e decretos antigos ou repetitivos, para incorporar seus textos esparsos, em único texto consolidado. O problema do Programa está em sua intenção.

A busca por segurança jurídica, na lógica desenvolvida em todo o texto (art. 5º, III), desconsidera a segurança jurídica das pessoas trabalhadoras. A segurança jurídica para quem trabalha é saber se tem um contrato de trabalho, quantas horas vai trabalhar e quanto receberá ao final do mês. E que esse valor não seja inferior ao valor do salário-mínimo mensal. A desconexão entre o salário mensal e o número mínimo de horas de trabalho, por exemplo, causa insegurança jurídica. A precariedade promovida por outras formas de contrato e a liberalização da terceirização são outros fatores de insegurança jurídica para a força de trabalho, mas esse lado da moeda não importa ao governo.

A expressão “moderno” (art. 5º, IV) também ganhou conotação de prevalência da liberdade econômica contra os direitos sociais consagrados na Constituição e que, na visão do governo, devem ser examinados apenas sob o ponto de vista do custo. A pergunta que deveria ser feita não é quanto custam os direitos, mas sim quanto custaria socialmente para o Brasil que a maior parte da população não tenha direitos (socialmente quer dizer fome, marginalidade e violência).

Por fim, convém destacar a ausência de participação social, mascarada pela suposta ampliação do diálogo social, ao afastar o tripartismo clássico das relações de trabalho.

As consultas públicas são, obviamente, forma de dar transparência aos atos e devem ser realizadas. Porém, não substituem e não podem substituir o papel do diálogo social promovido pelo tripartismo em matéria de relações de trabalho. Há necessidade de se estabelecer, conforme recomendação da Organização Internacional do Trabalho e em especial de sua Convenção 144, ratificada pelo Brasil, procedimentos de consulta efetiva aos representantes sindicais de empregadores e de trabalhadores, que, nos termos da lei 11.648/08, são as centrais sindicais, abrindo-se, ainda, para quaisquer organizações sindicais se manifestarem. A consulta pública não supre o rito das consultas às organizações sindicais representativas.

Aqui, novamente, a ausência da referência expressa às entidades sindicais é reveladora do tratamento dado pelo governo ao tema do diálogo social e do tripartismo nos temas afetos ao mundo do trabalho.  Consulta pública direta; ausência da participação dos sindicatos expressamente na fiscalização; ausência de consulta e participação efetiva do Conselho Nacional do Trabalho.  

O resultado da consulta pública da minuta do Decreto e o próprio Decreto, antes de sua publicação, não foram debatidos no Conselho Nacional do Trabalho. 

O CNT foi criado para estimular os debates tripartites entre governo, representantes dos trabalhadores e representantes dos empregadores em assuntos relacionados ao trabalho, medida que deveria pôr em prática o diálogo tripartite, conforme compromisso internacionalmente assumido pelo Brasil, que ratificou a Convenção 144 da OIT.

O Decreto, na verdade, constitui um novo “museu de grandes novidades” do governo: uma proposta desconectada com a realidade atual, que demanda medidas de enfrentamento da crise econômica e sanitária, com o fim de garantir empregos e renda à população; o moderno que não inova e apenas beneficia as empresas; a participação social sem a participação direta das entidades representativas dos trabalhadores e das trabalhadoras.

Clique abaixo para conferir a íntegra do artigo.

https://www.migalhas.com.br/arquivos/2021/11/F1836E8B7368A4_Decreto10.584-Consolidacaosimp.pdf

 


José Eymard Loguercio
Advogado, mestre em Direito pela Universidade de Brasília, especialista em Direitos Humanos do Trabalho e Direito Transnacional do Trabalho pela Universidade Castilla-La Mancha (UCLM), Espanha. Sócio da LBS Advogados e presidente do Instituto Lavor.

Migalhas

https://www.migalhas.com.br/depeso/355098/consolidacao-simplificacao-e-desburocratizacao-de-normas-trabalhistas