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No primeiro discurso, presidente afirma que pobreza “envergonha o país” e defende reformas política e tributária

Ao prometer combate à miséria, petista repete promessa de campanha de entregar um país de “classe média sólida”

DE BRASÍLIA

Dilma Rousseff tomou posse ontem como a primeira presidente mulher do Brasil afirmando que a pobreza extrema “envergonha o país”. Repetiu a promessa do antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, de erradicar a fome, e prometeu entregar um país de “classe média sólida e empreendedora”.
Aos 63 anos, a ex-militante de esquerda e ex-presa política foi declarada empossada às 14h52 por José Sarney (PMDB-AP), antigo apoiador da ditadura militar.
Ela dedicou a vitória aos que “tombaram pelo caminho” durante a repressão. “Não tenho qualquer arrependimento, tampouco ressentimento ou rancor.”
Escolhida por Lula para ser a candidata à sucessão depois do principal escândalo de corrupção do governo, o mensalão, Dilma prometeu ser “rígida” e disse que “não haverá compromisso com o erro, o desvio e o malfeito”.
O discurso de 40 minutos de Dilma no Congresso foi basicamente uma repetição dos temas da eleição, além da elegia dos anos Lula.
O traço pessoal apareceu na saudação: “Queridas brasileiras e queridos brasileiros”. Sarney usava “Brasileiros e brasileiras”. Fernando Collor (1990-1992) cunhou o bordão “Minha Gente”.
O primeiro discurso teve como mote a afirmação de que seu antecessor e padrinho político promoveu o “despertar de um novo Brasil” e “o maior processo de afirmação” que o país viveu.
Mas o maior afago a Lula aconteceu no discurso de 12 minutos, também lido, que ela fez no parlatório do Palácio do Planalto, pouco depois de receber a faixa presidencial das mãos do petista às 16h48 e se tornar a 40ª pessoa a ocupar o cargo.
“Lula estará conosco. Sei que a distância de um cargo nada significa para um homem de tamanha grandeza e generosidade.”
Lula ficou no Planalto até o final e desceu a rampa de braços dados com ela e com a ex-primeira-dama, Marisa.

ERRADICAR A MISÉRIA
Uma das principais promessas de campanha de Dilma foi a de erradicar a miséria absoluta. Ontem ela enfatizou a diretriz no discurso.
“Ainda existe pobreza a envergonhar nosso país e a impedir nossa afirmação plena como povo desenvolvido. Não vou descansar enquanto houver brasileiros sem alimentos na mesa”, disse.
Dilma afirmou que sua “luta mais obstinada” será “a erradicação da pobreza extrema e a criação de oportunidades para todos”. Prometeu melhorar educação, saúde e segurança.
Ela também fez referência ao ambiente, área com a qual teve atrito no tempo de chefe da Casa Civil. “Considero uma missão sagrada do Brasil a de mostrar ao mundo que é possível um país crescer aceleradamente, sem destruir o meio ambiente.”
Ela afirmou, no entanto, que não pretende tolerar pressões externas: “O Brasil não condicionará sua ação ambiental ao sucesso e ao cumprimento, por terceiros, de acordos internacionais”.
O trajeto que levou a presidente da Granja do Torto até o Congresso durou 30 minutos e ocorreu sob forte chuva, o que a impediu de desfilar em carro aberto na primeira parte do evento.
Ao chegar ao plenário da Câmara, foi recebida por gritos de “olê, olê, olê, olá, Dilma”. Sua fala teve duas referências ao escritor mineiro João Guimarães Rosa (1908-1967), seu conterrâneo.
Na economia, prometeu a estabilidade de preços. “Podemos ser, de fato, uma das nações mais desenvolvidas e menos desiguais do mundo -um país de classe média sólida e empreendedora.”
Defendeu, genericamente, reformas política e tributária. Destacou a descoberta das reservas do pré-sal.
Dilma também enfatizou a importância histórica de ser a primeira presidente mulher. “Meu compromisso supremo é honrar as mulheres, proteger os mais frágeis e governar para todos.”
Além de Lula, fez homenagem ao ex-vice-presidente José Alencar, internado.
Dilma reafirmou compromissos com as liberdades individuais, religiosas, de imprensa e opinião, que provocaram polêmicas na campanha. “Reafirmo que prefiro o barulho da imprensa livre ao silêncio das ditaduras.”
Os comandantes de Marinha, Exército e Aeronáutica não acompanharam o aplauso no trecho de homenagem aos militantes anti-ditadura e referências à tortura.
Dilma disse que “estende a mão” à oposição e deu as linhas gerais de sua política externa, dizendo que atuará de forma dura contra “protecionismo de países ricos” e que não tolerará “a proliferação nuclear e o terrorismo”.
Prometeu continuar junto aos “irmãos africanos e da América Latina”, mas também “aprofundar” as relações com EUA e Europa.
Na leitura dos discursos, engasgou algumas vezes, recorrendo à água. Chorou pela primeira vez quando disse que seria a “presidenta de todos os brasileiros”, e depois em outros dois momentos.
E encerrou homenageando a família, adotando um tom maternalista: “É com este mesmo carinho que quero cuidar do meu povo, e a ele -só a ele- dedicar os próximos anos da minha vida.”
Após o discurso no parlatório, Dilma acompanhou Lula na saída, empossou o Ministério e, às 18h45, desceu a rampa pela primeira vez como presidente.
(RANIER BRAGON, SIMONE IGLESIAS, NATUZA NERY, VALDO CRUZ, MARIA CLARA CABRAL E ANA FLOR)

Fonte: Folha de S. Paulo