De todos os fatos jurídicos que podem existir, o acidente de trabalho é um dos que apresentam consequências mais preocupantes. Não só pelas razões óbvias, mas especialmente por desencadear efeitos jurídicos relevantíssimos na relação de emprego que, muitas vezes, estão interrelacionados e geram grande confusão.
Segundo dados oficiais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) [1], somente em 2024 o Brasil registrou um total de 724.228 acidentes de trabalho, divididos na seguinte proporção:
- 74,3% – acidentes típicos
- 24,6% – acidentes de trajeto
- 1% – doenças ocupacionais.
Dentre as várias consequências jurídicas que decorrem da caracterização do acidente de trabalho, destaco três:
- no âmbito previdenciário, muda o tipo de benefício (B91) e influencia na majoração do valor
- no âmbito civil, pode obrigar o empregador a ressarcir o INSS pelos valores despendidos com benefícios, por meio de ação regressiva; e
- no âmbito trabalhista, pode responsabilizar o empregador pelo dano infligido na capacidade de trabalho do empregado e, ainda, permitir o reconhecimento da garantia provisória de emprego de 12 meses.
No aspecto trabalhista, essa garantia chamada estabilidade acidentária acontecerá em duas situações:
- acidente de trabalho típico; ou
- doença profissional ou doença do trabalho: situações que, por lei, são equiparadas ao acidente de trabalho.
Conceitos do que prega a lei
Com efeito, a Lei 8.213/91 nos dá os seguintes conceitos:
Doença profissional (artigo 20, I, da Lei 8.213/91), consiste na “produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social”. Exemplo: silicose, causada pela inalação de poeira de sílica, ligada à atividade de mineração.
Doença do trabalho (artigo 20, II, da Lei 8.213/91), por sua vez, consiste na “adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I”. Exemplo: LER/Dort. Pode ser no banco, no escritório, no consultório, ou seja, pouco importa o tipo de atividade, desde que o risco (v.g., esforço repetitivo) se relacione com o trabalho.
Todavia, a doença do trabalho não será assim considerada quando se tratar de:
- a doença degenerativa;
- a inerente a grupo etário;
- a que não produza incapacidade laborativa; e
- a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.
A distinção parece simples, certo? Mas não é bem assim.
Lei previdenciária
Embora a lei previdenciária seja clara em distinguir as duas hipóteses, criou-se uma controvérsia na seara trabalhista quanto aos requisitos da estabilidade acidentária de 12 meses (artigo 118 da Lei 8.213/91).
Segundo a interpretação de alguns magistrados, para se reconhecer esse direito seriam necessários dois requisitos indispensáveis, quais sejam, concessão de benefício acidentário (B91) e afastamento superior a 15 dias. Em outros termos: sem incapacidade, sem estabilidade.
De fato, esses requisitos são a regra.
A data de início dos 12 meses da estabilidade tem como termo inicial a alta previdenciária e que, nos termos do artigo 118 da Lei 8.213/91, pressupõe o contrato de trabalho ativo com a empresa (que fica suspenso durante o recebimento do benefício previdenciário):
Art. 118. O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente.
Porém, veja que a redação do dispositivo legal não abarca a situação em que o empregado descobre que a doença tem relação com o trabalho somente após sua demissão, ou seja, sem a possibilidade de ser “encaminhado” ao INSS para o recebimento do benefício previdenciário, por não ter contrato de trabalho ativo.
É uma descoberta posterior de situação jurídica pretérita e que pode não evidenciar um afastamento superior a 15 dias.
Daí entra a Súmula 378 do TST (que surgiu em 2005 pela conversão das OJ’s 105 e 230 da SBDI-1 do TST), prescrevendo o seguinte:
ESTABILIDADE PROVISÓRIA. ACIDENTE DO TRABALHO. ART. 118 DA LEI Nº 8.213/1991.
I – É constitucional o artigo 118 da Lei nº 8.213/1991 que assegura o direito à estabilidade provisória por período de 12 meses após a cessação do auxílio-doença ao empregado acidentado.
II – São pressupostos para a concessão da estabilidade o afastamento superior a 15 dias e a consequente percepção do auxílio-doença acidentário, salvo se constatada, após a despedida, doença profissional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego.
III – O empregado submetido a contrato de trabalho por tempo determinado goza da garantia provisória de emprego decorrente de acidente de trabalho prevista no art. 118 da Lei nº 8.213/91.
Nota-se que o verbete sumular é claro ao prever duas hipóteses:
- regra: afastamento superior a 15 dias e recebimento de auxílio por incapacidade acidentário (B91) – caso clássico, que engloba a doença do trabalho (art. 20, II, da Lei 8.213/91); e
- exceção: constatação, após a despedida, de doença profissional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego – exceção que abrange a situação jurídica de quem só descobre depois a relação entre a moléstia e a lesão sofrida.
Diferença de acordo com o TST
A Súmula 378 do TST, portanto, abrange a hipótese da doença profissional nos casos em que a pessoa ficou afastada, mas não recebeu auxílio-doença, o que rechaçaria a exigência de contrato de trabalho ativo e de afastamento superior a 15 dias.
Contudo, apesar da edição da Súmula 378 do TST a contenda continuou.
Permaneceu grande controvérsia na Justiça do Trabalho no sentido de se exigir o afastamento superior a 15 dias e o benefício acidentário como requisitos obrigatórios — seja em doença profissional, seja em doença do trabalho. A título de exemplo, destaca-se o seguinte julgado:
DOENÇA OCUPACIONAL. REINTEGRAÇÃO. O direito à estabilidade provisória em questão é concedido, mesmo nos casos em que a doença ocupacional é reconhecida após a despedida, quando demonstrado que houve afastamento do trabalho por período superior a 15 dias, com fruição, por conseguinte, de auxílio-doença acidentário, o que não é o caso dos autos (TRT-4 – ROT: 00205930720225040531, Data de Julgamento: 19/06/2024, 7ª Turma).
Perceba que o julgado acima não somente reclama as condições dos 15 dias e do benefício acidentário, mas também menciona, genericamente, o termo doença ocupacional. Ficam, portanto, duas dúvidas:
- esses requisitos permanecem necessários para se reconhecer a estabilidade acidentária?
- existe alguma distinção relevante entre os termos doença profissional, doença do trabalho e doença ocupacional?
Segundo nos ensina Sebastião Geraldo de Oliveira, doença ocupacional é gênero, do qual são espécies a doença profissional e a doença do trabalho:
“Diante dos significados específicos de doença profissional e doença do trabalho, a denominação ‘doenças ocupacionais’ passou a ser adotada como o gênero mais próximo que abrange as modalidades de doenças das doenças relacionadas com trabalho (…). Para evitar a expressão doença profissional ou do trabalho, é preferível englobá-las na designação genérica de doenças ocupacionais [2].”
A bem da verdade, não é difícil perceber que os três termos costumam ser utilizados como sinônimos, com pouco esmero em relação à tecnicidade própria de cada um e suas respectivas consequências jurídicas.
Estabilidade acidentária
Os argumentos de distinção de um pelo outro só serviam, no caso da estabilidade acidentária, quando as circunstâncias do caso concreto não evidenciavam um afastamento superior a 15 dias, situação em que se abre margem à fundamentação de que não se caracterizaria a doença do trabalho pela exceção constante na própria lei (artigo 21, II, § 1º, da Lei 8.213/91).
Hoje podemos afirmar, com segurança, que essa discussão sobre a distinção é puramente acadêmica, servindo apenas como curiosidade. Para fins jurídicos, notadamente no que tange aos requisitos da estabilidade acidentária, o Pleno do Tribunal Superior do Trabalho (TST) pacificou a controvérsia no julgamento do Tema 125 de IRR, fixando a seguinte tese jurídica de caráter vinculante:
“Para fins de garantia provisória de emprego prevista no artigo 118 da Lei nº 8.213/1991, não é necessário o afastamento por período superior a 15 (quinze) dias ou a percepção de auxílio-doença acidentário, desde que reconhecido, após a cessação do contrato de trabalho, o nexo causal ou concausal entre a doença ocupacional e as atividades desempenhadas no curso da relação de emprego.”
Destaca-se que a Súmula 378 do TST falava em “doença profissional”, ou seja, já abrangia a hipótese do artigo 20, I, da Lei 8.213/91. Na redação da tese do Tema 125, o termo escolhido foi “doença ocupacional”, expressão genérica que abrange não só a doença profissional (artigo 20, I, da Lei 8.213/91), como também a doença do trabalho (artigo 20, II, da Lei 8.213/91).
Portanto, não existe mais distinção prática relevante entre os termos doença profissional e doença do trabalho para fins de reconhecimento da estabilidade provisória, à luz da interpretação dada pela Corte Superior trabalhista, bastando que se comprove o nexo causal/concausal com a doença ocupacional para que o empregado faça jus à garantia provisória de emprego.
Se o acontecimento se der durante o contrato de emprego ou depois da demissão, pouco importa, ficando o núcleo do reconhecimento dependente apenas da relação causal entre a moléstia e a lesão na capacidade de trabalho.
Implicação direta desse julgamento é que dificilmente será acolhida argumentação baseada em distinguishing, notadamente entre as exceções previstas pela legislação para a doença do trabalho, uma vez que a abrangência da expressão doença ocupacional abarca ambas as hipóteses de equiparação legal do acidente de trabalho, irradiando efeitos vinculantes de difícil superação no aspecto fático.
Em outros termos, confirma que as denominações nada mais são do que dois lados de uma mesma moeda. Não adianta tentar a sorte argumentativa: seja profissional ou do trabalho, hoje basta que se comprove, após a demissão, nexo causal ou concausal com a doença para que se reconheça a estabilidade acidentária.
[2] OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por Acidente de Trabalho ou Doença Ocupacional. 14ª ed. São Paulo: JusPodivm, 2023, p. 54.