Em meio às transformações no mercado de trabalho brasileiro, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, fez um alerta incisivo: o país ainda carece de clareza conceitual para lidar com fenômenos como terceirização, pejotização e o trabalho mediado por plataformas digitais. A declaração foi dada durante participação no seminário econômico da Lide – Grupo de Líderes Empresariais, nesta quarta-feira (27/8), em Brasília. O evento reuniu representantes dos setores público e privado para debater os rumos da economia nacional.
“É preciso que nós saibamos do que estamos falando”, afirmou Gonet, ao destacar a confusão terminológica que permeia os debates trabalhistas. Utilizando uma metáfora do livro Alice Através do Espelho, do escritor Lewis Carroll, o procurador-geral criticou a flexibilidade dos conceitos usados nas discussões regulatórias. “As palavras são aquilo que eu quero que elas signifiquem”, disse, ressaltando a necessidade de um “afinamento da realidade com a compreensão da realidade”, como condição essencial para a formulação de políticas eficazes.
Segundo Gonet, a indefinição sobre o que constitui, por exemplo, um vínculo empregatício nas novas configurações laborais dificulta não apenas o trabalho das instituições públicas, mas também a adaptação da sociedade às mudanças em curso. “Sem um consenso conceitual, aumenta-se o risco de disputas judiciais e de insegurança para trabalhadores e empresas”, alertou.
STF defende atualização do marco regulatório
O debate contou também com a participação do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que reforçou a urgência de uma atualização institucional frente à evolução das formas de trabalho. Para ele, insistir em modelos rígidos e ultrapassados é contraproducente e prejudica a geração de renda e de empregos no país.
“Não há justificativa para preservar as amarras de um modelo hierarquizado, fordista, na contramão de um movimento mundial de descentralização”, afirmou o decano do Supremo. Mendes defendeu que a Corte tem papel central na construção de uma jurisprudência coerente e estável, capaz de garantir segurança jurídica para todos os agentes econômicos.
“Não se trata, portanto, de escolher entre um modelo formal ou informal, mas entre um modelo com trabalho e outro sem trabalho”, disse, argumentando que a resposta institucional à inovação deve ser pautada pela flexibilidade regulatória, requalificação profissional e investimento em educação.
Transição justa como horizonte
Ambas as autoridades convergiram na avaliação de que o enfrentamento dos novos desafios trabalhistas não pode ser feito apenas com base em ferramentas do passado. Para Gilmar Mendes, preservar empregos que já não existem na prática — apenas por decisões normativas — seria um erro estratégico. “Devemos pensar em como assegurar transições justas e suaves”, afirmou.
Paulo Gonet, por sua vez, defendeu que o ponto de partida para essa transição deve ser um esforço nacional por maior precisão conceitual. “Sem saber exatamente o que significam termos como ‘trabalho autônomo’, ‘prestador de serviço’ ou ‘vínculo empregatício’, corremos o risco de legislar e julgar no escuro”, comentou.
CORREIO BRAZILIENSE