Pesquisa da CNC mostra que a demanda por crédito continua crescente, à medida em que as taxas de juros e outras condições estabilizam a inadimplência
Henrique Fregonasse
O número de famílias brasileiras endividadas atingiu, em maio, o maior nível desde novembro de 2022, com 78,8%. Segundo a última Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), divulgada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), maio foi o terceiro mês seguido, no ano, com crescimento da taxa — março apresentou 78,1% e abril, 78,5%.
O endividamento de que trata a pesquisa engloba as dívidas a vencer (cartão de crédito, cheque especial, carnê de loja, crédito consignado, empréstimo pessoal, cheque pré-datado e prestações de carro e casa), não se tratando de pagamentos atrasados. Segundo o estudo, as famílias continuam aumentando sua demanda por crédito e aproveitando o menor custo com juros e a maior oferta de crédito.
A pesquisa mostrou que o saldo das operações de crédito para pessoas físicas aumentou 0,8% em abril de 2024, de acordo com o Banco Central, enquanto o crescimento acumulado em 12 meses acelerou de 8,6% em março para 8,9% em abril. Em relação às modalidades de crédito, o cartão de crédito foi a mais utilizada pelas famílias (86,9%) em maio de 2024, mesmo apresentando retração de 0,4% em relação ao mesmo mês de 2023 e de 0,2% em relação a abril de 2024. Carnês (16,2%) e crédito pessoal (9,8%) também foram destaques entre os fatores para o endividamento.
O economista-chefe da CNC, Felipe Tavares, conta que maio apresentou o menor valor da série histórica (desde 2010) de uso do cheque especial (3,9%), o que mostra uma utilização mais responsável do crédito. “Isso mostra que, quando a família tem uma ‘dor de barriga’, precisa, às vezes, de um crédito para resolver um problema pontual, ela tem trocado instrumentos mais caros — como o cheque especial — por modalidades mais vantajosas — como um crédito consignado e crédito pessoal”, sinaliza.
Para ele, os hábitos das famílias brasileiras com relação ao crédito têm passado por grandes mudanças, motivadas pela bancarização da economia. “Nos últimos anos, o Brasil passou por um processo de bancarização. Teve todos os movimentos de open finance e isso levou toda a população para um mercado mais bancarizado. E toda essa transformação cultural dos últimos anos contribui para se ter mais endividamento. As pessoas pararam de transacionar dinheiro vivo”, comenta. “Houve muitas medidas que conseguiram popularizar e democratizar o acesso ao crédito e aos serviços bancários no Brasil — a vinda das fintechs, o crescimento dos bancos digitais, o uso do PIX e sua liberação no mercado bancário —, então a gente vê esse efeito nesse aumento de endividamento.”
Inadimplência
A Peic mostrou que a inadimplência — condição relativa às dívidas em atraso — se manteve estável em maio, repetindo o valor de 28,6% de abril e mostrando redução em relação a maio de 2023 (29,1%). O percentual de famílias que não terão condições de pagar dívidas foi ligeiramente menor que o de abril, caindo de 12,1% para 12%. Além disso, a pesquisa mostrou que 20,8% dos consumidores iniciaram o mês de maio com mais da metade da renda comprometida com dívidas.
O consultor de crédito, analista político-econômico e de estudos econométricos, João Paulo Travasso Maia, explica que o endividamento, por si só, não é um problema, mas pode acarretar em um acúmulo de dívidas que fuja do controle financeiro da família, caso ocorra sem planejamento prévio. “Se a pessoa vai pegar um crédito, um empréstimo pessoal para pagar alguma conta recorrente, por exemplo, água, luz ou telefone, para parcelar no cartão de crédito, são coisas que vão ocorrer todos os meses. Isso pode gerar um efeito ‘bola de neve’ que, aí sim, leva para a inadimplência. Esse é, realmente, o problema que a gente tem que tratar. O endividamento pode levar à inadimplência, mas vai depender muito do contexto em que aquela dívida está sendo feita e do contexto daquela pessoa”, ressalta.
Cuidados
As projeções da CNC trazidas pela pesquisa mostram que o endividamento das famílias deverá atingir os 80,4% até dezembro de 2024, enquanto a taxa de inadimplência (dívidas atrasadas) deverá se manter estável por alguns meses e aumentar mais próximo ao final do ano — batendo os 29,4% em dezembro. Frente a essas prospecções, João Paulo Travasso Maia chama atenção para alguns cuidados que devem ser tomados pelas famílias para evitar a inadimplência.
Para o economista, esse planejamento precisa começar pela organização da situação financeira, especialmente para pessoas já endividadas. “Se a pessoa já tem uma dívida, algum tipo de dificuldade, é importante que ela organize a sua situação financeira antes de contrair novas dívidas. Então, regularizar a situação financeira, abandonar gastos mais supérfluos e focar realmente no que você precisa para reconstruir a sua situação financeira. A partir disso, é importante você ter algum tipo de reserva de emergência, programar suas contas e ter na ponta do lápis, mesmo, o que você gasta, como você gasta, o quanto entra na sua casa, seja por uma pessoa só ou o conjunto da família toda. É importante você ter ciência da situação financeira, pagar as dívidas que já existem, ‘limpar’ o seu nome e deixar tudo certinho. E, a partir daí, você construir uma reserva de emergência e conseguir ter esse melhor relacionamento com o mercado para contrair novas dívidas”, indica.
*Estagiário sob supervisão de Edla Lula
CORREIO BRAZILIENSE