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‘Se Jair Bolsonaro for reeleito, haverá uma tendência ao endurecimento penal’

Por Sérgio Rodas

As eleições do próximo domingo (2/10) devem aumentar as bancadas evangélica e da segurança na Câmara dos Deputados — estes são candidatos ligados à polícia, que defendem o endurecimento da repressão penal. Se Lula (PT) for o próximo presidente, o ímpeto punitivista poderá ser freado. Porém, se Jair Bolsonaro for reeleito, há o risco de que surja uma onda de projetos que aumentem penas e elevem o encarceramento. Isso é o que afirma o jornalista, analista e consultor político Antônio Augusto de Queiroz, ex-diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).

 

Antônio Augusto de Queiroz prevê cenário punitivista se Bolsonaro for reeleito
Reprodução

Bolsonaro foi eleito em 2018 com a bandeira do punitivismo. Contudo, as propostas dessa área, assim como as de costumes, foram escanteadas por Rodrigo Maia (PSDB-RJ), que foi presidente da Câmara dos Deputados de 2016 a 2021 e privilegiou a pauta econômica. Posteriormente, Arthur Lira (PP-AL) assumiu o comando da casa legislativa, e o foco de Bolsonaro passou a ser a reeleição. Um dos únicos projetos penais a serem aprovados, a Lei “anticrime” (Lei 13.694/2019) foi profundamente reformulada pela Câmara tornou-se uma norma com medidas garantistas, como limites ao uso da colaboração premiada e a criação do juiz das garantias.

 

Caso Bolsonaro tenha um novo mandato, diz Queiroz, as pautas punitivistas vão surgir com intensa força. Impulsionadas pelo crescimento da bancada da segurança e apoio do Centrão, as propostas têm altas chances de virar lei e causar um “estrago muito grande”, segundo o analista.

 

No entanto, ele ressalta que o endurecimento penal deve ocorrer em crimes cometidos por pobres, como roubo e furto, e não em delitos de colarinho branco, como corrupção. “Se endurecesse as regras e penas [desses crimes], Bolsonaro, seus filhos e aliados iriam para a cadeia”, destaca.

 

Por outro lado, se o próximo presidente for Lula, a expectativa é que a agenda punitivista seja freada, analisa Queiroz, destacando a capacidade de diálogo do ex-chefe do Executivo e de seus aliados. O petista tem a preferência de 48% dos eleitores, segundo levantamento Ipec divulgado nesta segunda-feira (26/9). O presidente Jair Bolsonaro (PL) é escolhido por 31% das pessoas.

 

Como Lula se diz “um democrata acima de tudo”, uma nova gestão dele manteria relações harmoniosas com o Supremo Tribunal Federal, na visão de Queiroz. Já um eventual segundo mandato de Bolsonaro acirraria os conflitos com a Corte — que permearam seu governo — e buscaria formas de coagi-la. Algumas medidas nesse sentido, conforme o analista, poderiam ser o aumento do número de ministros ou a redução da idade para a aposentadoria compulsória deles, o que garantiria novas indicações de magistrados ao presidente.

 

Levantamento de sua consultoria Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais, publicado em sua coluna no site Congresso em Foco, aponta que o índice de renovação da Câmara pode ser inferior a 40%, o que seria a menor taxa desde a redemocratização.

 

Dos 513 deputados, 443 concorrem à reeleição, e 369 têm boas chances de conquistar mais um mandato. Ou seja, 72% dos atuais parlamentares têm elevada probabilidade de se reeleger, de acordo com o estudo.

 

Entre as vagas que deverão ser ocupadas por novos deputados, a tendência é que cerca de 80% delas sejam preenchidas pelo fenômeno da circulação de poder. Portanto, os postos terão como ocupantes parentes diretos de políticos tradicionais ou políticos experientes, que já foram parlamentares ou atuaram no Executivo.

 

Dessa maneira, a renovação verdadeira, representada por candidatos que nunca ocuparam cargos públicos e que não são parentes diretos de políticos tradicionais, deve ficar em torno de 10%, aponta o levantamento da consultoria de Queiroz.

 

Leia a entrevista:

 

ConJur — Em 2018, foram eleitos diversos representantes da “nova política”. Pela sua previsão, voltaremos a ter Congresso Nacional nos moldes pré-2018? Ou será um parlamento que combinará características pré e pós-2018?

Antônio Queiroz — O Congresso de 2023 e depois não será o anterior a 2018 nem o eleito em 2018. Não será tão tradicional nem tão antissistema. Será um misto dos dois. Isso porque aqueles que se elegeram em 2018 com discurso de renovação aderiram ao sistema e deverão ser reeleitos. Então não representam mais a renovação. Mesmo assim, continuarão na linha antissistema, com discursos e vídeos.

 

O Congresso pós-2022 será marcado por uma baixa renovação, para os padrões brasileiros. As vagas dos que não forem reeleitos serão ocupadas prioritariamente por gente que já passou pela vida pública — ex-senadores, ex-deputados federais, ex-governadores, ex-deputados estaduais, ex-prefeitos, ex-vereadores. Então não haverá renovação real, mas “circulação de poder”.

 

ConJur — O senhor aponta que, na Câmara dos Deputados, o índice de renovação pode ser inferior a 40%, o que seria a menor taxa desde a redemocratização. Por que tão pouca renovação?

Antônio Queiroz — Porque os parlamentares, antes de cada eleição, elaboram regras que os favoreçam, gerando perpetuação no poder. As regras sempre são benéficas a quem já ocupa cargo eletivo.

 

Antes, as emendas parlamentares não tinham valores tão significativos. Depois as emendas viraram impositivas. Posteriormente, foram criadas as emendas de relator [que dão base ao orçamento secreto]. Após a proibição das doações empresariais, foi criado o Fundo Especial de Financiamento de Campanha. A campanha eleitoral foi reduzida de 90 para 45 dias. São sempre medidas que beneficiam quem está no poder, facilitando que sejam reeleitos.

 

ConJur — Após a onda de candidatos da “nova política” em 2018, por que há menos outsiders em 2022?

Antônio Queiroz — Em 2018, havia um ambiente antissistema muito forte, de rejeição à política e às suas instituições. Havia a operação “lava jato”, a presidente Dilma Rousseff (PT) tinha sofrido impeachment, Eduardo Cunha (MDB-RJ), que era presidente da Câmara, foi cassado. Esses fatos geraram um ambiente moralista, justiceiro, persecutório. Assim, aqueles que se apresentaram contra a política tiveram sucesso.

 

Todos esses, inclusive o presidente Jair Bolsonaro, perceberam que não é só discutir, atacar a política, é preciso governar. Bolsonaro passou um ano e meio dizendo que ia governar com as ruas, mas viu que não dava e recorreu ao Centrão. O mesmo ocorreu com parlamentares de sua base. Tinha muita gente inexperiente, que era só discurso, mas que, como político, se mostrou um fracasso absoluto.

 

O ambiente de 2022 é outro. Não há o ambiente moralista, justiceiro, persecutório. E isso contribui para o retorno de políticos “tradicionais”.

 

ConJur — É possível fazer alguma projeção das bancadas e de suas pautas?

Antônio Queiroz — Haverá um crescimento da bancada da segurança, de candidatos ligados à polícia, que defendem o endurecimento da repressão penal. Será uma bancada muito mais autêntica, truculenta, violenta e defensora do aumento de penas do que a da atual legislatura. Também haverá um crescimento do fundamentalismo religioso.

 

Mas o impacto disso depende do Executivo. Se Bolsonaro for reeleito, haverá tendência ao endurecimento penal, ao aumento de penas, à construção de presídios.

 

Se o eleito for Lula, o cenário será diferente. O Executivo tem um papel muito importante na coordenação dos projetos que são aprovados pelo Congresso. Mesmo com o crescimento das bancadas evangélica e da segurança, não haveria tanto impacto. Inicialmente, existiria uma resistência a Lula, mas ele conseguiria contorná-la e criar alianças.

 

ConJur — Apesar de ser uma de suas bandeiras de campanha, não houve a aprovação de tantas medidas punitivistas no governo Bolsonaro. A principal delas, o pacote “anticrime”, foi profundamente reformulada pela Câmara dos Deputados e convertida em uma lei [Lei 13.694/2019] com medidas garantistas, como limites ao uso da colaboração premiada e a criação do juiz das garantias. Por que um segundo mandato de Bolsonaro teria mais chances de aprovar medidas punitivistas?

Antônio Queiroz — No governo Bolsonaro, as pautas de costumes e de segurança foram barradas por Rodrigo Maia, ex-presidente da Câmara dos Deputados (PSDB-RJ). Ele priorizou medidas econômicas, associadas ao equilíbrio das contas públicas. Com isso, as pautas de valores e de segurança ficaram em segundo lugar. Após a eleição de Arthur Lira (PP-AL) para a presidência da Câmara, não houve tempo, pois Bolsonaro passou a priorizar a reeleição.

 

Caso haja um novo mandato de Bolsonaro, essas pautas virão com muita força. Se Bolsonaro continuar disposto a abrir os cofres públicos, como fez e vem fazendo, o estrago será muito grande nessas áreas.

 

ConJur — Essa tendência ao endurecimento penal também se aplica à corrupção e outros crimes de colarinho branco — que também eram bandeiras de Bolsonaro em 2018, mas não se concretizaram? Ou o ocaso da “lava jato” reduz as chances de serem aprovadas leis nesse sentido?

Antônio Queiroz — A tendência é que não haja endurecimento penal relacionado à corrupção e a crimes de colarinho branco em um governo Lula. E menos ainda em um segundo mandato de Bolsonaro, que elegeu-se com esse discurso, na onda do prestígio que o ex-juiz Sergio Moro tinha e com a prisão de Lula. Mas ele logo viu que precisava das garantias. Se endurecesse as regras e penas, Bolsonaro, seus filhos e aliados iriam para a cadeia. Então o governo deu uma guinada quanto a isso, abraçou o sistema. Bolsonaro vai para outra linha, de pegar gente pobre, que pense diferentemente do entorno dele.

 

ConJur — Como o senhor prevê que seria a governabilidade em 2023 para Bolsonaro e Lula?

Antônio Queiroz — Se Bolsonaro for reeleito, o risco será de excesso de reformas. As pautas de costumes são perigosas. E há riscos nas áreas econômica e penal. Bolsonaro teria aliados muito fundamentalistas.

 

Lula seria menos reformista, até porque a oposição teria poder de impedir medidas mais amplas, como emendas à Constituição. Especialmente em um primeiro momento. Mas Lula tem capacidade de diálogo para dividir a base bolsonarista. Dos maiores partidos que compõem a base de sustentação de Bolsonaro no Congresso — PL, PP e Republicanos —, 40% tenderiam a continuar bolsonaristas, e 60% não teriam dificuldade para apoiar Lula.

 

ConJur — Quais seriam os riscos econômicos de um segundo governo Bolsonaro?

Antônio Queiroz — A preocupação é menos do ponto liberal, de vender estatais, por exemplo, do que com as contas públicas. O que Bolsonaro fez com os estados, forçando-os a abrir mão do ICMS, irá inviabilizá-los nos próximos anos. O governo promete desonerar, cortar tributos, mas vai faltar dinheiro para a União e estados. E não haverá recursos para pagar políticas sociais.

 

ConJur — Como o senhor prevê que seria a relação com o Supremo Tribunal Federal e com a Procuradoria-Geral da República em 2023 para Bolsonaro e Lula?

Antônio Queiroz — Se Bolsonaro for reeleito, a relação com o STF será muito ruim. Ele vai tentar ampliar o número de ministros ou reduzir a idade da aposentadoria compulsória [para indicar novos integrantes da Corte]. Ou eventualmente tentar seduzir um dos ministros para se aposentar antes do tempo, como fez o ex-presidente Fernando Collor [que convidou o então ministro do STF Francisco Rezek para deixar o tribunal e virar seu ministro das Relações Exteriores. Posteriormente, Collor o reconduziu ao Supremo]. Ou seja, Bolsonaro vai buscar algum mecanismo de coação. E vai indicar um procurador-geral da República que será tão ou mais “engavetador” que o atual [Augusto Aras].

 

Quanto a Lula, pode-se criticá-lo, mas ele é um democrata acima de tudo. Vai respeitar a independência do Supremo e indicar ministros íntegros. Os ministros indicados pelo PT votaram contra os interesses do governo em diversas ocasiões. Por outro lado, não tem um voto dos ministros indicados por Bolsonaro [Nunes Marques e André Mendonça] que contrarie a vontade do presidente. Para a PGR, não sei se Lula indicaria alguém da lista tríplice. Mas será alguém arejado, disposto a investigar irregularidades.

 

 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2022-set-27/entrevista-antonio-queiroz-jornalista-analista-politico