Agatha Otero, do escritório Aparecido Inácio e Pereira Advogados Associados, afirma que mesmo sem registro formal, condutas repetidas no ambiente de trabalho podem gerar efeitos jurídicos e assegurar direitos do trabalhador.
Da Redação
No cotidiano das relações de trabalho, é comum que algumas práticas se estabeleçam sem um contrato formal ou comunicação explícita. A chegada frequente após o horário oficial, a flexibilização de pausas ou o pagamento de valores extras sem registro formal são exemplos de situações que, com o tempo, podem se configurar como acordos tácitos – uma forma de contrato reconhecida pela CLT e que tem sido motivo recorrente de disputa judicial.
De acordo com o artigo 442 da CLT, o contrato de trabalho pode ser firmado de maneira expressa ou tácita. Isso significa que, mesmo sem um documento assinado, o trabalhador pode ter direitos reconhecidos pela repetição e aceitação de determinadas práticas.
Contudo, para que haja validade legal, é preciso observar limites: certos institutos exigem obrigatoriamente forma escrita, como o banco de horas, o teletrabalho e os regimes de compensação de jornada.
Agatha Flávia Machado Otero, advogada trabalhista do escritório Aparecido Inácio e Pereira Advogados Associados, destaca que, embora o acordo tácito tenha respaldo legal, ele não pode ferir direitos garantidos por lei. “A prática reiterada, aceita sem contestação, pode sim configurar um acordo tácito com valor jurídico. O que não se admite é usar essa prática para driblar direitos fundamentais ou descumprir normas de ordem pública”, esclarece.
Habitualidade como prova
O Judiciário reconhece a validade de acordos tácitos desde que seja possível provar a existência de uma prática habitual aceita por ambas as partes. A Justiça do Trabalho, inclusive, já consolidou jurisprudência no sentido de que a repetição de determinadas condutas, não contestadas pelo empregador, pode gerar direito adquirido ao trabalhador.
“A habitualidade de condutas no ambiente de trabalho pode integrar o contrato, mesmo sem previsão escrita, gerando direitos ao empregado. E, em caso de litígio, vale recorrer a provas testemunhais, e-mails ou registros indiretos que demonstrem esse comportamento”, explica Agatha.
Por outro lado, determinadas modalidades contratuais e programas especiais como estágios, contratos intermitentes e jovem aprendiz exigem obrigatoriamente formalização escrita, sendo inválido qualquer acordo verbal ou informal.
Quando o acordo ultrapassa os limites?
Apesar de previsto na CLT, o acordo tácito não pode contrariar direitos como salário-mínimo, limite de jornada ou normas de segurança. Práticas que resultem em prejuízo ao trabalhador ou configurem fraude também são consideradas nulas pela Justiça.
Com a reforma trabalhista de 2017, a preferência pela formalização ganhou ainda mais relevância, segundo a especialista. “A reforma reforçou a valorização dos acordos individuais escritos e dos instrumentos coletivos. Com isso, a aceitação de acordos tácitos ficou mais restrita, especialmente para temas como banco de horas, home office e regimes de compensação de jornada”, complementa Agatha.
Ainda assim, a ausência de formalização não impede o reconhecimento de direitos, especialmente quando há prova da prática reiterada e da concordância mútua. A principal recomendação para empregadores e empregados é apostar na formalização de qualquer mudança ou condição especial de trabalho. Acordos tácitos podem ser válidos, mas sua prova nem sempre é simples, o que pode gerar insegurança jurídica para ambas as partes.
“Um acordo tácito depende de interpretação e prova. Já o acordo por escrito garante segurança e previsibilidade. Sempre que possível, o melhor caminho é registrar as condições de forma clara e transparente”, conclui a advogada trabalhista.