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JUSTIÇA SOCIAL

HORA DO TROCO

Por Sérgio Rodas

‘No último domingo (25/9), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que o Estado pode ser obrigado a reparar prejuízos causados por abusos e decisões ilegais da finada “lava jato”. E Lula, agora em campanha pelo terceiro mandato na Presidência da República, está correto.

 

Em ato no Rio de Janeiro, Lula lembrou que o Supremo Tribunal Federal anulou suas condenações por entender que a 13ª Vara Federal de Curitiba era incompetente e que o ex-juiz Sergio Moro era suspeito para julgá-lo. O ex-presidente apontou que o fato foi mencionado por William Bonner, apresentador do Jornal Nacional, da TV Globo, em entrevista que concedeu ao telejornal no fim de agosto. E afirmou que o Estado tem de indenizá-lo pelo período em que ficou preso — de abril de 2018 a novembro de 2019.

 

“Achei honroso o William Bonner, no dia em que fui à entrevista da Globo, ter a grandeza de dizer: ‘Presidente, o senhor não deve mais nada à Justiça deste país’. E quem deve são eles a mim. Porque em algum momento o Estado vai ter de devolver e me pagar os prejuízos que eles causaram na minha vida.”

 

Em abril, o Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas concluiu que Moro e os procuradores da “lava jato” foram parciais na condução dos processos contra Lula. O órgão também considerou que os direitos políticos do petista foram violados quando ele foi impedido de disputar as eleições de 2018 e recomendou que o Estado brasileiro adotasse medidas para evitar que outras pessoas sofressem prejuízos semelhantes em outros processos. O plano deve ser divulgado até 180 dias após a decisão.

 

Passados cinco meses, o governo brasileiro não tomou qualquer providência, segundo o advogado Cristiano Zanin Martins, que defendeu Lula nos processos da “lava jato”. Entre as medidas a serem tomadas, diz ele, “o Estado poderia reforçar seus controles sobre a conduta de juízes e promotores, oferecer indenização às vítimas dos abusos e propor leis de aprimoramento”. Contudo, nada foi feito e o Brasil está inadimplente, segundo Zanin.

 

As anulações de decisões da finada “lava jato” e seus desdobramentos têm feito com que cresça um movimento de vítimas para pedir indenização pelos danos causados pela autodenominada força-tarefa, como noticiou a revista eletrônica Consultor Jurídico em abril. Em regra, tais ações devem ser movidas contra a União. Contudo, há casos em que o pedido pode ser movido diretamente contra quem causou o prejuízo, como fez Lula contra o ex-procurador Deltan Dallagnol no “caso do PowerPoint”.

 

“O Estado responde objetivamente pelos danos que seus agentes causarem a terceiros, estabelece o artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal. Em caso de erro judiciário que tenha causado prejuízo, a vítima pode pedir indenização ao poder público”, afirmou à ConJur o professor de Direito Administrativo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Gustavo Binenbojm.

 

“Esse direito à indenização por erro judiciário é assegurado excepcionalmente pela Constituição como um direito fundamental, e, obviamente, deve ser garantido nos casos que tenham ocorrido no bojo da operação ‘lava jato'”, afirmou ele.

 

O pedido deve ser dirigido à pessoa jurídica à qual pertençam os magistrados que proferiram a decisão com erro judiciário, disse Binenbojm. Se a decisão foi proferida por juiz federal, Tribunal Regional Federal, Superior Tribunal de Justiça ou Supremo Tribunal Federal, o requerimento de reparação deve ser feito à União. Se por juiz estadual ou Tribunal de Justiça, ao respectivo estado.

 

Em caso de dolo ou fraude do magistrado, a União ou o estado podem exercer o direito de regresso para a responsabilização pessoal do juiz, segundo Binenbojm.

 

O professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Pedro Estevam Serrano disse à ConJur em abril que parte da doutrina entende que é possível que a vítima ingresse diretamente com a ação contra os agentes estatais que causaram o dano.

 

No “caso do PowerPoint”, Deltan Dallagnol foi responsabilizado por sua conduta pessoal, e não pelos atos relativos à função de procurador da República, ressaltou Serrano.

 

O STJ, no fim de março, condenou Deltan a pagar indenização de R$ 75 mil ao ex-presidente Lula pelos danos morais causados na entrevista em que apresentou uma denúncia contra o petista em um documento de PowerPoint. Com correção monetária e juros de mora, o valor ultrapassa R$ 100 mil.

 

Um professor de Direito Civil ouvido pela ConJur afirmou que a decisão do STJ no “caso do PowerPoint” abriu a possibilidade de vítimas moverem ações por danos morais em face de atos específicos de agentes estatais. Contudo, ele avalia que o alcance desses processos é limitado, pois as indenizações por danos morais não costumam atingir grandes valores.

 

Já um profissional que foi alvo da ação penal contra advogados promovida pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio, disse avaliar se entrará com pedido de indenização. Ele também ressaltou que a decisão do STJ contra Deltan é um importante precedente a ser usado em ações do tipo.

 

Delegado indenizado

Por entender que houve evidente abuso de direito no comportamento das autoridades que promoveram medidas disciplinares contra o delegado da Polícia Federal Mário Renato Castanheira Fanton, o juiz Cláudio Roberto Canata, da 1ª Vara do Juizado Especial Federal de Bauru (SP), condenou a União a indenizá-lo em R$ 66 mil por danos morais.

 

Antes de atuar na “lava jato”, Fanton era um delegado em ascensão na corporação. Ele caiu em desgraça, contudo, ao questionar os métodos do consórcio, que atualmente passam pelo escrutínio público e por investigações — inclusive pelo Tribunal de Contas da União.

 

Na ação que resultou na condenação da União, o delegado elencou uma série de irregularidades que presenciou no intervalo de 71 dias, entre fevereiro e maio de 2015, em que atuou na autodenominada força-tarefa, como práticas de falsa perícia, fraude processual, prevaricação, condescendência criminosa, falso testemunho, denunciação caluniosa e associação criminosa.

 

Uma das acusações de Fanton diz respeito ao uso de grampos irregulares na sede da Polícia Federal em Curitiba. A  informação foi confirmada pelo doleiro Alberto Youssef, que disse em depoimento na Corregedoria da PF, no dia 27 de junho de 2019, que foram encontradas escutas na carceragem da corporação em Curitiba quando foi preso, em março de 2014. Segundo ele, os grampos não foram autorizados pelo então juiz Sergio Moro e estavam funcionando, conforme publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo.

 

O juiz afirmou que Fanton foi pressionado por parte dos delegados a destruir provas que foram posteriormente periciadas e anexadas a processo administrativo. O julgador destacou que “impressiona o número de processos administrativos e ações penais instaurados contra o autor, em seguida ao episódio em que foi denunciada a existência de interceptação ambiental na carceragem da Polícia Federal em Curitiba”. E ressaltou que seu direito de defesa foi cerceado em procedimentos da PF.

 

Investida contra Dilma

Os operadores da “lava jato” praticaram diversos abusos. Em 2014, os atores da investigação construíram um escândalo para tentar mudar o resultado da eleição presidencial. O segundo turno ocorreria em 26 de outubro, entre a então presidente Dilma Rousseff (PT) e o ex-governador de Minas Gerais Aécio Neves (PSDB). A capa da revista Veja antecipou sua edição da semana.

 

 

Na véspera do pleito, a notícia bombástica, espalhada em outdoors erguidos em todo o país, informava que “o doleiro Alberto Youssef, caixa do esquema de corrupção na Petrobras, revelou à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal, na terça-feira passada (dia 21), que Lula e Dilma Rousseff tinham conhecimento das tenebrosas transações na estatal”. “Eles sabiam de tudo”, afirmava a manchete.

 

Na época, houve críticas ao vazamento da delação premiada de Youssef e à falta de provas de suas afirmações. Ainda assim, Dilma, com 51,6% dos votos, acabou vencendo a disputa com Aécio Neves.

 

Agora se sabe que as poucas linhas do “depoimento” — na verdade, um “adendo” de uma delação que ainda não existia — foram fabricadas apenas para viabilizar a reportagem. A prova está em vídeo (clique aqui para ouvir). Delegados, procuradores e juiz de primeira instância investigaram uma presidente da República.

 

Sergio Moro comandou a audiência preliminar, quando o caso já estava a cargo do STF — a quem compete conduzir investigações e processos envolvendo autoridades com foro privilegiado, como o presidente da República. Para garantir o adendo de Youssef, prometeu: se o então ministro do Supremo Teori Zavascki não homologasse a delação, ele, Moro, concederia os benefícios nos autos — como já fizera outras vezes em negociações semelhantes. Teori homologaria a delação em dezembro, sem qualquer anexo que falasse de Dilma ou Lula. O objetivo do “adendo” já fora atingido.

 

A produção desse momento da “lava jato” foi protagonizada pelo delegado da PF Márcio Anselmo e pelos procuradores Diogo Castor de Mattos e Roberson Pozzobon, sob a direção de Sergio Moro. Depois da eleição, foram flagradas conversas dos delegados comemorando a capa de Veja.

 

Alberto Youssef, preso havia mais de sete meses, estava com problemas de saúde — o que o levou a ser hospitalizado, mas só depois de concordar com o depoimento contra o PT. A fabricação do depoimento extraído a fórceps irritou os advogados. Sergio Moro não tinha alçada sobre a delação de Youssef, mas foi quem articulou o depoimento, em contato com os advogados, com a polícia e com o MPF. Foi por pressão do juiz que o doleiro foi levado a depor.

 

As discrepâncias do depoimento quando ainda não havia delação foram registradas nas impugnações feitas pelos advogados. Youssef jamais admitiu a seus defensores saber qualquer coisa sobre o Palácio do Planalto. O que ele sempre informou foi que as conversas sobre dinheiro com o PT se davam por meio do ex-deputado José Janene, que, por sua vez, relacionava-se com o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa. Não existe um único registro de que Youssef tenha feito qualquer referência a Dilma ou Lula, fora do depoimento criado por Moro. Tanto que tal declaração não gerou resultados investigatórios ou processuais.

 

Processos secretos

Outra ilegalidade da “lava jato” foi esconder processos. Nos diálogos em que citam um possível grampo envolvendo o ministro Gilmar Mendes, do STF, procuradores de Curitiba e o ex-juiz Sergio Moro fazem referência a um processo em que estariam as conversas interceptadas. Estranhamente, porém, a ação não está registrada no site do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Segundo um juiz que atua no Paraná, só há uma explicação para isso: trata-se de um processo secreto.

 

Embora os procuradores insinuem, sem afirmar por escrito, que o “GM” mencionado nas mensagens seja o ex-ministro Guido Mantega, não Gilmar, profissionais que atuam no Paraná suscitam outra hipótese: a de que os grampos sejam de conversas entre advogados e seus clientes. Especialmente Maurício Ferro, ex-vice-presidente jurídico da Odebrecht, e seus advogados Gustavo Badaró e Mônica Odebrecht. As possibilidades não se excluem. Há frases dos próprios procuradores que revelam a existência de interceptação de advogados.

 

O juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba tinha outro processo secreto, que constituía em fundamentação para prisão, busca e apreensão e bloqueio de bens contra Maurício Ferro.

 

A justificativa do juiz Luiz Antonio Bonat para não ter compartilhado os processos foi a existência de ações em excesso envolvendo as investigações da “lava jato”: “Importante observar, nesse ponto, que as declinações de ações penais relacionadas à assim denominada operação ‘lava jato’, comuns nos últimos tempos, envolvem, via de regra, atividade garimpeira e hercúlea devido à enorme quantidade de processos que possuem algum liame, muitas vezes tênue, com tais ações penais”.

 

Procuradores de Curitiba declararam que “seguiram a lei”. “Importante reafirmar que os procedimentos e atos da força-tarefa da ‘lava jato’ sempre seguiram a lei e estiveram embasados em fatos e provas. As supostas mensagens são fruto de atividade criminosa e não tiveram sua autenticidade aferida, sendo passível de edições e adulterações. Os procuradores não reconhecem as supostas mensagens, que foram editadas ou deturpadas para fazer falsas acusações que não têm base na realidade”, disseram os procuradores da “lava jato” em nota, referindo-se às mensagens entre eles que acabaram vazando.

 

Abusos contra o STF

 

Para que o STF deixasse de “emperrar” a “lava jato”, procuradores, delegados, juízes e jornalistas agiram para difundir material de seu interesse, de forma a fragilizar a imagem da corte na imprensa.

 

O delegado da PF Filipe Hille Pace, aproveitando-se da agonia de Marcelo Odebrecht, conseguiu que o empresário associasse o ministro Dias Toffoli ao escândalo da empreiteira. Ao conferir a história, verificou-se a falsidade. Mas a fraude do delegado não mereceu qualquer atenção — toda ela destinada ao embate em torno da censura à revista Crusoé, que divulgou a notícia dada pelo delegado.

 

O mesmo se deu quando se descobriu que o auditor Luciano Francisco Castro fraudou uma investigação criminal contra o ministro Gilmar Mendes e quando se divulgou que servidores não identificados haviam bisbilhotado as declarações de renda da família Bolsonaro.

 

 

 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2022-set-27/estado-reparar-abusos-lava-jato-disse-lula