O mais recente vazamento de informações secretas promovido pelo WikiLeaks.org levou o governo dos Estados Unidos a colocar em andamento um novo plano para restringir substancialmente a circulação de informações internas, numa reversão dos esforços realizados nos anos que se seguiram aos atentados de 11 de Setembro de 2001 para incentivar as autoridades norte-americanas a compartilharem documentos considerados sensíveis.
O Departamento de Defesa (Pentágono) já detalhou novos parâmetros de segurança para tentar dificultar ao máximo que alguém consiga copiar ou revelar tantos segredos quantos os vazados pelo WikiLeaks ao longo dos últimos meses. E os esforços se estenderão a diferentes agências do governo norte-americano.
Militarmente, isso representa um recuo das iniciativas adotadas para permitir que mais agências tivessem acesso à enorme quantidade de dados coletada pelo Pentágono. A nova atitude também pode fazer com que um menor número de informações importantes esteja disponível a soldados de patentes mais baixas, que servem nas frentes de batalha no Iraque e no Afeganistão.
A restrição à circulação de informações sensíveis ocorre em um momento no qual os Estados Unidos ainda assimilam o golpe do vazamento de mais de 250 mil telegramas diplomáticos. O episódio foi qualificado pelo governo como um ataque aos EUA e levou as autoridades norte-americanas a tentarem vislumbrar meios de levar o WikiLeaks à Justiça.
A secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, alega que o WikiLeaks agiu ilegalmente ao divulgar os documentos, considerados secretos pelo governo norte-americano. Durante um giro pelo exterior nos dias que se seguiram ao vazamento, Hillary afirmou que o governo estava tomando “medidas agressivas para responsabilizar aqueles que roubaram essas informações”.
O secretário de Justiça dos EUA, Eric Holder, anunciou que o governo está investigando o vazamento como crime. As mais recentes revelações, as quais envolvem documentos secretos e sensíveis da chancelaria norte-americana, colocam em risco a segurança da nação, seus diplomatas, suas informações e suas relações com governos estrangeiros, argumentou Holder.
Advogados de diversas agências governamentais dos EUA investigam se é possível processar o fundador do WikiLeaks, o australiano Julian Assange, e outras pessoas envolvidas no vazamento com base na Lei de Espionagem, avaliou uma fonte do setor de defesa.
Na Austrália, o governo considera possível que algumas leis tenham sido violadas e a Polícia Federal Australiana está analisando a situação. As autoridades locais, no entanto, têm feito questão de enfatizar que a investigação sobre o WikiLeaks está sendo realizada pelos EUA e que a Austrália desempenha meramente um papel de suporte.
Nos EUA, funcionários comentam que já é possível observar evidências de que os vazamentos levaram a uma postura de mais cautela na forma como as informações mais delicadas são manuseadas e disseminadas. Um funcionário do governo em contato com militares e diplomatas norte-americanos no Iraque disse que o Departamento de Estado e outras agências estão restringindo a partilha de informações e o acesso entre as Forças Armadas e as agências civis. A fonte pediu para não ser identificada.
O acesso a grande parte do material diplomático foi facilitado depois dos ataques de 11 de Setembro de 2001 contra os Estados Unidos. O sucesso do complô da rede extremista Al-Qaeda foi em parte atribuído a evidências segundo as quais a comunidade dos serviços secretos norte-americanos tinha informações adequadas indicando a iminência dos atentados, mas não foram capazes de ligar os pontos a tempo porque essas informações não eram compartilhadas entre as diferentes agências do governo.
Depois dos atentados, diversas agências governamentais norte-americanas passaram a ter acesso mútuo a sistemas de dados de acesso restrito. Nos casos do Pentágono e do Departamento de Estado, as informações eram plenamente compartilhadas e podiam ser acessadas sem a necessidade de se desconectar de um sistema e conectar-se a outro.
Essa facilidade de acesso pode ter aberto caminho para que um simples soldado raso conseguisse acesso a documentos sensíveis. O militar Bradley Manning, apontado como responsável por entregar informações secretas do governo ao WikiLeaks, está preso em uma penitenciária de segurança máxima em Quantico, no estado norte-americano de Virginia. Apesar de ele não ter sido acusado do mais recente vazamento, o WikiLeaks o celebra como um herói.
Autoridades norte-americanas consideram Manning o principal suspeito pelos vazamentos em parte por causa de seu próprio relato sobre o caso. “Ninguém suspeitou de nada”, gabou-se Manning a um confidente depois do roubo das informações. “Não precisei nem mesmo esconder”, prosseguiu ele, segundo um trecho de uma conversa via computador publicada no Wired.com.
Manning é acusado por um tribunal militar de ter roubado outros materiais sensíveis que posteriormente acabaram divulgados pelo WikiLeaks. Apesar disso, ainda não é possível afirmar se outras pessoas, inclusive executivos do WikiLeaks, poderão ser julgadas em separado por cortes civis.
Caçada
Procurado pela Interpol, Julian Assange não pode aparecer
Agência Estado
A lei está fechando o cerco em torno de Julian Assange, o homem que fundou o site WikiLeaks. Autoridades suecas têm o apoio da Justiça local em sua tentativa de prender o australiano para interrogá-lo em um caso no qual é considerado suspeito de estupro; nos Estados Unidos, políticos e estudiosos defendem que ele seja caçado implacavelmente, ou coisa pior.
O ex-hacker de computador que causou constrangimento ao governo dos Estados Unidos e a líderes mundo afora com a divulgação de documentos secretos da diplomacia norte-americana sofreu um revés na justiça nesta semana, quando a Suprema Corte da Suécia manteve em vigor um mandado de prisão expedido contra ele – o que pode levar a sua extradição, caso seja encontrado.
Assange, de 39 anos, é acusado de estupro e coerção sexual em um caso que veio à tona em agosto na Suécia. Autoridades do país alertaram a Interpol e emitiram um mandado de busca válido em território europeu. O australiano nega as acusações (veja box ao lado).
Assange não faz nenhuma aparição pública há quase um mês, mas um de seus advogados insiste em que as autoridades sabem onde encontrá-lo. “Tanto as autoridades britânicas como as suecas sabem como contatá-lo, e os serviços de segurança sabem exatamente onde ele está”, assegura Mark Stephens.
A Suécia emitiu na sexta-feira um novo pedido de prisão internacional contra Assange, dessa vez com elementos processuais exigidos pela polícia britânica. “Enviamos as informações reclamadas pela polícia britânica”, declarou Karin Rosander. “Eles reclamvam informações suplementares relativas à pena máxima de cada um dos crimes e delitos do expediente. Habitualmente nós enviamos a pena correspondente ao crime mais grave”, explicou Rosander.
Em um comunicado, o advogado de Assange na Suécia, Bjorn Hurtig, sugeriu que seu cliente está sofrendo retaliações por causa do vazamento. “Eu realmente acho isso um pouco estranho e no mínimo uma ‘coincidência’ que a Interpol tenha tornado público o mandado de prisão simultaneamente à libertação das últimas revelações do WikiLeaks”, disse Hurtig.
Um porta-voz do WikiLeaks, Kristinn Hrafnsson, disse que a organização está tentando manter Assange em um local secreto, por razões de segurança.
Em Washington, o Comitê de Inteligência do Senado, que reúne graduados republicanos e democratas, pediu ao procurador-geral Eric Holder que processe Assange por espionagem. Advogados do governo norte-americano estão investigando se Assange pode ser processado por espionagem, disse um alto funcionário da Defesa, pedindo anonimato.
Caso complicado
Entenda o processo contra o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, na Justiça da Suécia:
Quais são as acusações contra Julian Assange, o fundador do WikiLeaks?
– Segundo a Justiça sueca, ele cometeu estupro, assédio sexual e coerção ilegal contra duas mulheres. Os argumentos usados pela promotoria não estão claros, mas a prática de sexo desprotegido pode ser considerada uma categoria leve de estupro na Suécia. Assange manteve relações sexuais com duas mulheres, em datas distintas, enquanto dava palestras em Estocolmo.
Como ele se defende?
– Assange afirma que as relações foram consensuais. Segundo depoimentos das vítimas, o preservativo estourou com uma delas e com a outra Assange teria se recusado a usá-lo. A defesa de Assange alega que a ação da Suécia é uma retaliação em relação a vazamentos divulgados pelo WikiLeaks sobre o país.
Qual é a pena máxima?
– Quatro anos de prisão.
O que não está claro?
– Se a polícia sabe onde Assange está escondido e o motivo de a Justiça sueca ter retomado a ação, mesmo depois de uma juíza ter concluído que não houve estupro.
Fonte: Folhapress