Neste ano eleitoral, os brasileiros vão às urnas para escolher novos prefeitos, vice-prefeitos e vereadores nos 5.568 municípios do país. O desafio de garantir eleições limpas e em igualdade de condições aumenta com a sofisticação tecnológica e o uso de aplicativos e de inteligência artificial generativa na produção de textos, áudios e vídeos — os chamados deep fakes. O estudo “Guerra eleitoral, fake news e a tentativa de regulamentar o uso da internet” (clique aqui para ler a íntegra), realizado pela consultora legislativa Manuella Nonô, da Câmara dos Deputados, detalha como a internet pode estimular e facilitar a criação e a propagação de notícias falsas, imprecisas e fora de contexto.
“Nunca se mente tanto quanto antes das eleições, durante uma guerra e depois de uma caçada”, já dizia Otto von Bismarck. As eleições dizem respeito a todos nós, brasileiros. Precisamos delas para ampliar o pluralismo e fortalecer a democracia.
A desinformação não é apenas uma informação errada. É uma tentativa de mentir, de negar alguém, de limitar o debate, de envenenar o outro lado. Ela é maliciosa e muitas vezes, capciosa.
Pior que ela são as novidades desta eleição, as deep fakes, que são vídeos manipulados por inteligência artificial generativa e exacerbam esse efeito: somos menos críticos ao conteúdo audiovisual, sobretudo quando ele reforça nossas próprias crenças. Manuella Nonô, experiente consultora legislativa, foi a última presidente da Associação de Consultores Legislativos da Câmara dos Deputados e parceira de jornada. Ela explica qual é o problema que enfrentamos com as fake news eleitorais e qual é a engenharia que está por trás delas.
“O problema é que logo se viu que isso era um grande negócio. Nós todos estamos nessa rede, são bilhões de usuários, todo mundo querendo interagir. Então os donos dessas redes disseram: vamos vender propaganda, a possiblidade que em quer seja fazer propaganda, propaganda eleitoral, a gente tem os dados daquela pessoa, a gente sabe que ela gosta disso e que prefere aquilo. Isso se tornou um negócio mundial, bilionário. Se você me pergunta se são as pessoas que são más, eu digo que muito mais são as plataformas, que tem em seus algoritmos secretos as formas de direcionar tudo isso. Quando eu falei que o eleitor recebe apoio, ele recebe porque a plataforma vende essa possibilidade, de esse conteúdo chegar até ele como uma bolha. E é por isso que a regulamentação europeia, que já existe, já é uma regulamentação falando muito sobre plataforma, sobre possiblidade de tirar notícia, de se defender antes do conteúdo ser publicado, e é isso que está sendo discutido no Congresso”.
Os maiores escândalos da internet, como o da Cambridge Analytica, foram justamente para a formação de perfis que influenciaram eleitores nas eleições norte-americanas em 2016. Afinal, qual é o arsenal utilizado pelas big techs para embaçar a verdade na caça aos votos?
Desde robôs, que são perfis falsos alimentados por algoritmos, até ciborgues, que são perfis usados por robôs e humanos, e militantes que conectam campanhas eleitorais alimentadas por robôs, até ativistas em séries para disseminar desinformação e influenciar comportamentos. A Justiça Eleitoral proibiu as fake news, e o Congresso também tem sido atuante, como informa Manuella Nonô.
“O Congresso tem criado normas específicas a cada eleição. Ele já responsabiliza os candidatos pelos disparos em massa, ele possibilita cassação de mandato, e isso muda muito a postura de quem está patrocinando isso, pois a pessoa quer se eleger. A pessoa está deturpando a imagem de um oponente ou gerando notícias falsas porque ela quer ganhar deste oponente. Quando ela é ameaçada de perda de mandato, ela vai pensar duas vezes antes de fazer notícia falsa. Além disso, o TSE tem ido além. Nesta eleição, ele impediu deep fake, porque o nosso cérebro acredita muito no que a gente já concorda, mesmo que seja falso, e ele acredita mais ainda na imagem, isso está cientificamente provado.
Ainda tem o debate da censura e da liberdade de expressão. Como trabalhar a moderação de conteúdo nas eleições de 2024?
Aí estão as novidades então para as eleições de 2024. Conforme a Resolução do TSE nº 23.732, de 2024, as novidades são regras específicas sobre o uso de inteligência artificial nos contextos eleitorais:
- Vedação absoluta ao uso de deepfakes;
- Restrição ao uso de chatbots e avatares para intermediar a comunicação da campanha;
- Rotulação de conteúdo sintético multimídia;
- Vedação a conteúdo fabricado ou manipulado para difundir fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados que possam desequilibrar ou danificar a integridade do processo eleitoral;
- Descumprimento configura abuso dos meios de comunicação, levando à cassação do registro ou do mandato.
Manuella Nonô acha essencial que ocorra a moderação de conteúdo, e não apenas restrito ao período eleitoral.
“Eu acho que hoje o que seria melhor o Congresso fazer seria aprovar este projeto que nunca sai daqui, esse projeto de regulamentação da internet, não sai por conta de uma atuação extremamente forte das big techs, que não querem ser submetidas a nenhum tipo de controle e hoje não estão, elas só respondem a decisões judiciais específicas. Então o Congresso caminharia muito se ele fizesse alguma regulamentação que poderia ser aperfeiçoada com o tempo. Nós não podemos ter censura alguma, a gente tem como premissa básica da nossa Constituição a liberdade de informação e de expressão. Mas essa liberdade de expressão permite que eu minta, que eu convença, que eu diga a todo mundo o que não é verdade. Que eu pegue esse foro cívico, esse debate amplo, e ao invés de ter uma democracia real, de debate dos candidatos, e eu não enxergar nada disso porque todas as propostas são transversas, são viciadas, eu não tenho esse debate, eu ano tenho uma democracia. Não pode haver censura, mas com postagens que vão contaminar, eu acho que a gente pode admitir a possiblidade de remoção de conteúdo.
Bem, e o papel todos exerçam seu papel na checagem de notícias? Sites e serviços de fact-checking estão disponíveis para verificar a veracidade das informações funcionam?
Funcionam muito. Muitas vezes, quem espalha fake news, não tem ideia de que isso é um crime. E que está no Código Penal.
Aqueles que espalham fake news ou acreditam nelas sem questionar estão, na melhor das hipóteses, sendo ingênuos, e na pior, agindo de má-fé.
A democracia começa com cada um de nós.
Visite a página da Câmara para acessar o estudo completo e conheça as propostas legislativas que tratam do tema.
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AUTORIA
BETH VELOSO Doutoranda pela Universidade do Minho, em Portugal, e mestre em Políticas de Comunicações pela University of Westminster, na Inglaterra. É jornalista e atua como consultora legislativa da Câmara, nas áreas de Comunicação, Informática, Telecomunicações e Ciências da Comunicação. Tem especial interesse nos temas de regulação da internet, capitalismo digital e capitalismo de vigilância.