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Um assunto extremamente sensível e delicado se refere à estabilidade da empregada gestante. Não obstante as inúmeras lutas por igualdade de gênero, para além dos incentivos à promoção e da própria inserção da mulher no mercado profissional, indubitavelmente as mulheres continuam até hoje a enfrentar discriminação no ambiente corporativo, principalmente num dos momentos mais importante de sua vida que é a maternidade.

Segundo uma pesquisa realizada em 2022, 68% das mães relataram que sofreram perdas em oportunidades de promoção no trabalho depois da maternidade. Além disso, de acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego, as gestantes são três vezes mais propensas a serem demitidas no primeiro trimestre da gravidez [1].

Nesse sentido, por vezes a própria trabalhadora possui dúvidas quanto ao direito a sua estabilidade no trabalho, como também quanto ao momento em que é reconhecida a sua garantia ao emprego. Ademais, é sabido que o debate apresenta controvérsias até mesmo na doutrina e na jurisprudência.

Por certo, tendo em vista que se trata de uma problemática de grande relevância nacional, que traz fortes impactos na vida de centenas de milhares de trabalhadoras de todo o país, o assunto foi indicado por você, leitor(a), para o artigo da semana, na coluna Prática Trabalhista desta ConJur [2], razão pela qual agradecemos o contato.

Legislação

Do ponto de vista normativo no Brasil, de um lado a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seu artigo 391, garante a proteção à maternidade, de sorte que a mulher gestante não poderá ter o seu contrato de trabalho rescindido por motivo de gravidez [3]. Aliás, a norma celetista garante o direito à licença maternidade de 120 dias, sem prejuízo do pagamento de salário [4], ainda que a confirmação da gravidez tenha se dado no curso do aviso prévio [5].

Lado outro, o artigo 10, II, “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) [6], estabelece que é vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

Noutro giro, a Súmula 244 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) [7] dispõe que o desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade gestacional da mulher.

Lição de especialista

A respeito da temática, oportunos são os ensinamentos de Carlos Henrique Bezerra Leite [8] acerca dos direitos da empregada gestante:

“Há divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da interpretação do termo ‘desde a confirmação da gravidez’ para fins de aquisição pela empregada da garantia provisória no emprego. Para alguns, significa desde o momento em que a empregada comunica a sua gravidez ao empregador; outros sustentam que é partir do instante em que a empregada faz a prova da gravidez mediante atestado médico; existem, ainda, os defensores da tese de que o desconhecimento da gravidez do empregador no momento em que este dispensa a empregada grávida desabriga a gestante do direito previsto na citada norma constitucional. A cizânia perpassa também pelo enfoque da responsabilidade patronal, ou seja, se a responsabilidade é objetiva ou subjetiva.

A jurisprudência majoritária adotou, a nosso sentir, a tese da responsabilidade objetiva pelo fato da gravidez. Vale dizer, o que importa ao intérprete, in casu, é verificar se no momento da dispensa a empregada encontrava-se em estado gravídico ou não, já que, nos termos do item I da Súmula 244 do TST, o desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (ADCT, art. 10, II, ‘b’)”.

Portanto, infere-se que a temática em torno da empregada gestante sempre despertou dúvida, razão pela qual houve a proposta de afetação do processo RR 0000321-55.2024.5.08.0128 [9], como incidente de recurso repetitivo junto ao Tribunal Pleno do TST, a fim de examinar a possibilidade de reafirmação de jurisprudência da Corte sobre o assunto.

Tese vinculante

De acordo com uma pesquisa feita pelo próprio TST em 6.3.2025 – adotando-se como critério de busca as expressões “estabilidade”, “dúvida”, “gestante”, “data da concepção”, “data da gestação” ou “data da gravidez” – foram localizados 360 acórdãos e 363 decisões monocráticas no âmbito do tribunal, cujo quantitativo nos últimos 12 meses representava 70 acórdãos e 116 decisões monocráticas [10].

Por isso, a Corte Superior Trabalhista reafirmou a sua jurisprudência fixando a seguinte tese vinculante: “A dúvida razoável e objetiva sobre a data de início da gravidez e sua contemporaneidade ao contrato de trabalho não afasta a garantia de emprego à gestante.”

Nesse sentido, considerando a nova tese vinculante (Tema 119) que passa a ser obrigatória para os demais órgãos da Justiça do Trabalho, se houver dúvidas quanto ao momento da concepção para fins de cômputo da estabilidade de que trata o artigo 10, II, “b”, do ADCT, deve ser levada em consideração a interpretação que favorece o reconhecimento ao direito da trabalhadora à permanência do posto de trabalho, em atenção à proteção do nascituro, da maternidade, da família e da dignidade da pessoa humana.

Ao definir a tese, o ministro relator ponderou:

“A estabilidade gravídica é expressão da proteção à maternidade (art. 6º, da CF) e à criança e advém do respeito, fixado na ordem constitucional, à dignidade da pessoa humana e à própria vida (art. 1º, III, e 5º, caput, da CF). E, por se tratar de benefício que concretiza direitos fundamentais, deve ser interpretado de forma a conferir-se, na prática, sua efetividade. (…).

Em aplicação do princípio protetivo do trabalho e em benefício da criança, a dúvida deve direcionar-se para a última hipótese, isto é, para a estabilidade provisória. A medicina, como se sabe, não é ciência exata. E a tecnologia disponível não consegue precisar – de forma rigorosa – a época da concepção de um ser vivo. Tanto assim que os exames de gravidez sempre trazem uma margem de erro quanto ao início da gestação (que costuma ser de +/- 2 semanas). Diante da impossibilidade objetiva de aferir o momento da concepção, há de se manter a estabilidade gestante conferida à Reclamante.”

Conclusão

Por todo o exposto, ao reafirmar a sua jurisprudência, o TST pacificou a questão, de modo que, se houver dúvidas no momento da rescisão contratual da trabalhadora sobre a existência de gravidez, será privilegiada a garantia de emprego prevista em lei. Nota-se que o objetivo é assegurar não só a dignidade da gestante, mas sobretudo proteger o novo ente familiar.

Em arremate, é sempre importante relembrar que a gravidez jamais pode ser considerada um entrave para a contratação de mulheres, tampouco para a manutenção do emprego; ao revés, para além de ser repudiada toda e qualquer forma de discriminação, as empresas devem criar políticas internas de promoção, inclusão e inserção no mercado de trabalho da mulher.

[1] Disponível aqui

[2] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista da ConJur, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[3] CLT, Art. 391 – Não constitui justo motivo para a rescisão do contrato de trabalho da mulher o fato de haver contraído matrimônio ou de encontrar-se em estado de gravidez.

[4] CLT, Art. 392. A empregada gestante tem direito à licença-maternidade de 120 (cento e vinte) dias, sem prejuízo do emprego e do salário.

[5]  CLT, Art. 391-A.  A confirmação do estado de gravidez advindo no curso do contrato de trabalho, ainda que durante o prazo do aviso prévio trabalhado ou indenizado, garante à empregada gestante a estabilidade provisória prevista na alínea b do inciso II do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

[6] Disponível aqui.

[7] GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. I – O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, II, “b” do ADCT). II – A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade. III – A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea ‘b’, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado. Observação: (redação do item III alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) – Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012.

[8] Curso de direito do trabalho. – 14. Ed. – São Paulo: SaraivaJur, 2022. Página 741.

[9] Disponível aqui.

[10] Disponível aqui.

  • Leandro Bocchi de Moraesé advogado de Calcini Advogados. Graduação em Direito pela Universidade Braz Cubas. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito. Especialista em Direito Contratual pela PUC-SP. Especialista em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha (Espanha). Especialista em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC – IUS Gentium Coninbrigae), da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal). Pós-graduando em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo). Pesquisador do Núcleo de pesquisa e extensão: “O Trabalho Além do Direito do Trabalho” do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da USP, coordenado pelo professor Guilherme Guimarães Feliciano.
  • Ricardo Calcinié professor, advogado, parecerista e consultor trabalhista, sócio fundador de Calcini Advogados, com atuação estratégica e especializada nos tribunais (TRTs, TST e STF), docente da pós-graduação em Direito do Trabalho do Insper, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do comitê técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

CONJUR
https://www.conjur.com.br/2025-jun-26/garantia-de-emprego-da-gestante-e-a-protecao-a-maternidade/