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JUSTIÇA SOCIAL

PRÁTICA TRABALHISTA

A data de 4 de março é marcada por ser o “Dia Mundial da Obesidade”, de sorte que tal referência tem por finalidade aumentar a conscientização da população sobre essa doença crônica que afeta pessoas de todas as idades. Nesse sentido, o Brasil tem implementado algumas medidas visando reduzi-la entre os jovens, assim como para deter o seu crescimento entre adultos [1].

Dados estatísticos

De acordo com a projeção do Atlas Mundial da Obesidade 2024, lançado pela Federação Mundial da Obesidade, o Brasil pode ter até 50% das crianças e adolescentes entre 5 e 19 anos com obesidade ou sobrepeso em 2035. Ainda, segundo tais informações, quase 3,3 bilhões de adultos serão afetados pela obesidade até esta data [2].

Dito isso, e não obstante os cuidados necessários e a preocupação em âmbito mundial com esse cenário de saúde, nos últimos tempos tem se observada uma prática discriminatória no ambiente laboral denominada de “gordofobia”.

Muitas vezes, por falta de orientação adequada e padrões culturais enraizados na sociedade brasileira, essa conduta aparece quase que frequentemente no ambiente de trabalho por meio de “brincadeiras”.

Segundo um levantamento feito pela Data Lawyer, revelou-se que o número de casos sobre denúncias de “gordofobia” aumentou em 314% entre os anos de 2019 e 2022 [3]. Aliás, no período da análise, entre 2014 a fevereiro de 2023, foram identificados 721 processos judiciais trabalhistas com a alegação de discriminação contra pessoas reputadas como obesas.

De outro norte, em outro estudo feito pela lawtech Deep Legal, apontou-se que dos processos julgados em 1º grau, 37% foram considerados parcialmente procedentes; 5% procedentes; 14% improcedentes; 14% tiveram acordos entre as partes; 3% das ações foram extintas; e 27% ainda não receberam sentenças [4].

Spacca

A pesquisa concluiu também que os Estados da Federação com os maiores números de processos são os seguintes: São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.

Por certo, em razão das mudanças e avanços frequentes envolvendo o meio ambiente do trabalho, o tema foi indicado por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista aqui  na ConJur [5], razão pela qual agradecemos o contato.

Lição de especialista

Mas, afinal, o que seria a discriminação por “gordofobia” no ambiente de trabalho e qual o entendimento jurisprudencial sobre o assunto?

A respeito da prática discriminatória, oportunos são os ensinamentos da Professora Cristina Paranhos Olmos [6]:

“Além da discriminação pelas razões já apontadas, mais comuns no contrato de emprego, há outros tipos de discriminação praticada no âmbito do pacto laboral.
É bastante comum que o empregado seja discriminado em razão de sua forma física, especialmente os que fogem do padrão estipulado de beleza, como os gordos, os muito magros, os mais altos, os muito baixos, os de cabelos com cortes extravagantes, os de cabelos pintados com cores incomuns (roxo, rosa, amarelo, verde, azul), entre outras condições físicas.
(…). Em suma, qualquer que seja o motivo da discriminação praticada pelo empregador, se não guarda relação justificável com a atividade laboral desenvolvida no contrato de emprego, é discriminação ilícita, que macula as relações sociais e, por isso, deve ser coibida.”

Legislação no Brasil e no mundo

Do ponto de vista normativo no Brasil, a Constituição Federal, em seu artigo 3º, inciso IV, estabelece dentre os objetivos fundamentais a promoção do bem de todos, sem preconceitos ou quaisquer outras formas de discriminação. [7]

Já do ponto de vista internacional, a Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) tem regulamentação específica em torno da Discriminação em Matéria de Emprego e Ocupação [8].

Posicionamento jurisprudencial

Sob esta perspectiva, recentemente, a Justiça do Trabalho condenou uma empresa ao pagamento de indenização por danos morais em razão do trabalhador ter sido alvo de gordofobia no ambiente de trabalho, haja vista ter sido submetido a situação humilhante e vexatória [9].

Spacca

Segundo os relatos, a empresa não disponibilizava uniforme em numeração adequada ao trabalhador, o que propiciava comentários do gerente e “brincadeiras” na frente dos colegas de trabalho, causando constrangimento.

Ao decidir o caso, a magistrada ponderou que “a aschimofobia é uma forma de discriminação estética, que deve ser repelida pela sociedade, da qual a gordofobia constitui uma das espécies”.

Noutro giro, o Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo da 2ª Região manteve decisão que condenou certa empresa ao pagamento de indenização no valor de 30 mil reais, por danos morais, para uma ex-empregada que foi vítima de gordofobia [10].

Segundo o relato da trabalhadora, havia críticas do gerente da empresa em relação a sua aparência e que seria inadequada para a atividade por ser “velha, gorda e feia”. No caso em particular, a trabalhadora comprovou que os fatos relatados inclusive aconteciam na frente de outros empregados.

À vista disso, o desembargador relator entendeu que ficou comprovada a prática de “tratamento ofensivo, constrangedor, vexatório e humilhante”.[11], destacando ainda, a gravidade da conduta.

Já o Tribunal Superior do Trabalho igualmente foi provocado a emitir juízo de valor sobre o assunto, de modo que, no caso julgado, não só houve a confirmação da condenação de indenização por danos morais para uma trabalhadora que foi vítima de “gordofobia”, como também a Corte Superior majorou o valor da indenização [12]. Em seu voto, a Ministra Relatora destacou:

“A empresa não zelou pelo ambiente de trabalho de maneira mínima, com o fim de impedir que sua preposta tratasse a reclamante de maneira reiteradamente abusiva, gerando, nas palavras da própria Corte Regional, indescritível constrangimento, vergonha e humilhação.
(…). A reclamante era constantemente chamada de “gorda”, “burra”, “incompetente” e “irresponsável”, de maneira agressiva, aos gritos, na frente dos demais funcionários. Em tese seria possível enquadrar a conduta da preposta até mesmo na hipótese de discriminação (tratamento abusivo em razão de condição pessoal da reclamante — gordofobia). Dada a gravidade dos fatos, a reiteração ostensiva durante todo o contrato de trabalho, e o grau de culpa gravíssimo da empresa, deve ser majorado o valor arbitrado a título de indenização por danos morais.”

Portanto, verifica-se que a prática discriminatória, para além de ser inadmissível em tempos atuais de boas práticas empresariais (ESG), pode trazer condutas severas àqueles que a praticarem, de modo que se deve combater no ambiente laboral todo e qualquer tipo de preconceito.

Medidas de combate

É preciso que sejam adotadas políticas e estratégias para a erradicação de posturas preconceituosas no ambiente de trabalho, que deve ser sobretudo inclusivo e respeitoso. Aliás, não é demais relembrar que o preconceito não só traz danos ao convívio social das pessoas, como também afeta a saúde mental dos trabalhadores, e, por conseguinte, desencadeiam outros sintomas, tais como a ansiedade e depressão, por exemplo.

Em arremate, é fundamental que sejam promovidas e incentivadas atividades de educação e de conscientização nas companhias, assim como a adoção de políticas internas empresariais visando sempre coibir os atos preconceituosos, acabando-se, ao final, com esse estigma cultural, até porque o empregador é responsável por atos praticados por seus empregados e prepostos perante terceiros, de forma que, identificada a prática discriminatória, poderá a empresa ser responsabilizada [13].

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[1] Disponível em https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2024/marco/dia-mundial-da-obesidade-conscientizacao-e-desafios-no-combate-a-uma-epidemia-global. Acesso em 12.3.2024.

[2] Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/saude/brasil-pode-ter-50-de-criancas-e-adolescentes-obesos-ou-com-sobrepeso-em-2035/#:~:text=De%20acordo%20com%20as%20informa%C3%A7%C3%B5es,era%20de%202%2C2%20bilh%C3%B5es. Acesso em 12.3.2024.

[3] Disponível em https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/processos-gordofobia-crescem-300-4-anos-indenizacao-media-pedida-240-mil/. Acesso em 12.3.2024.

[4] Disponível em https://www.deeplegal.com.br/blog/gordofobia-42-dos-casos-que-vao-parar-na-justica-sao-julgados-parcialmente-ou-totalmente-procedentes-em-1o-grau. Acesso em 12.3.2024.

[5] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela Coluna Prática Trabalhista da ConJur, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[6] Discriminação na relação de emprego e proteção contra a dispensa discriminatória – São Paulo: LTr, 2008. Página 102/103 e 107.

[7]  Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (…). IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

[8] Disponível em https://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_235325/lang–pt/index.htm. Acesso em 12.03.2024.

[9] Disponível em https://portal.trt3.jus.br/internet/conheca-o-trt/comunicacao/noticias-juridicas/ex-vigilante-vitima-de-gordofobia-no-trabalho-sera-indenizado-por-danos-morais. Acesso em 12.3.2024.

[10] Disponível em https://g1.globo.com/trabalho-e-carreira/noticia/2024/03/07/drogaria-e-condenada-a-pagar-r-30-mil-para-funcionaria-chamada-de-velha-gorda-e-feia-por-chefe.ghtml. Acesso em 12.03.2024.

[11] Disponível em https://ww2.trt2.jus.br/noticias/noticias/noticia/consultora-chamada-de-velha-gorda-e-feia-deve-ser-indenizada. Acesso em 12.3.2024

[12] Disponível em https://www.tst.jus.br/-/cozinheira-vitima-de-gordofobia-consegue-aumentar-valor-de-indenizacao. Acesso em 12.3.2024.

[13] CC, Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.

  • Brave

    é professor, advogado, parecerista e consultor trabalhista, sócio fundador de Calcini Advogados, com atuação estratégica e especializada nos tribunais (TRTs, TST e STF), docente da pós-graduação em Direito do Trabalho do Insper, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do comitê técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Brave

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito, pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho, da USP.

    CONJUR

    https://www.conjur.com.br/2024-mar-14/gordofobia-pratica-discriminatoria-no-meio-ambiente-de-trabalho/