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Se o crime é organizado, o combate à corrupção também deve ser. Partindo desse pressuposto, a Advocacia-Geral da União (AGU) investe, há três anos, no trabalho de um núcleo permanente voltado exclusivamente para investigar e propor ações judiciais contra recursos públicos desviados dos cofres da União. Trata-se do Núcleo de Combate à Corrupção. O foco é recuperar os valores que se perderam, por intermédio de prefeitos, servidores públicos e empresários corruptos. Muito dessa organização parte do compartilhamento de informações, entre Polícia Federal, Ministério Público e Tribunal de Contas, o que antes não acontecia, ou ocorria somente em parte. Essa mobilização é essencial para buscar provas, uma vez que comprovar crimes de corrupção não é tarefa fácil. De resultado, o grupo que atua no Paraná já conseguiu recuperar R$ 5,1 milhões, em pouco mais de três anos. E desde dezembro de 2008, o grupo da AGU no Estado já propôs 241 ações (veja detalhes no quadro).

Entre as 35 ações ajuizadas somente no ano passado pela equipe de Curitiba, o grupo conseguiu o bloqueio de bens na ordem de R$ 15 milhões e busca na Justiça a responsabilização de dois prefeitos/ex-prefeitos, quatro organizações não-governamentais (ONGs) e dez servidores federais, além de empresas públicas e privadas. Esses números dizem respeito apenas às ações sob coordenação dos advogados de Curitiba e por isso devem ser maiores, com as equipes atuantes no interior.

Um dos primeiros e principais casos que recebeu a atuação da AGU no Estado foi o esquema das ”Sanguessugas”, a ”máfia das ambulâncias”, que rendeu, só no Paraná, ações contra três ex-deputados federais, 62 prefeitos ou ex-prefeitos, 161 servidores municipais, 25 empresas e cinco empresários. Até agora, nenhum desses processos foi julgado, embora a previsão é de que alguns desses casos possam ter decisão até o fim deste ano. A demora é decorrente da grande quantidade de pessoas envolvidas no esquema, descoberto nacionalmente, e que precisam ser citadas.

Além da Operação Sanguessuga, uma importante atuação do grupo da AGU ocorreu no caso do Centro Integrado de Apoio Profissional (Ciap), em Londrina, a partir do qual a Oscip ficou proibida de celebrar novos termos de parceria com instituições públicas. A Ciap desviava parte dos recursos públicos que recebia. A equipe do núcleo de assessoramento estratégico das atividades em Curitiba, composta pelos advogados Vitor Pierantoni Campos (coordenador), Bianca Zatola e Daniele Talamini, conversou com a reportagem da FOLHA sobre os trabalhos e resultados alcançados até agora. Confira trechos da entrevista:

Por que formar um grupo específico de combate à corrupção e de que forma essa estruturação do trabalho possibilitou melhora na fiscalização do recurso público que é desviado?

Esse trabalho já era feito na AGU, o que não tinha era uma organização permanente do trabalho. Hoje, com essa organização, conseguimos adotar estratégias processuais nas ações que nos garantiram uma maior eficiência. Alguns mecanismos foram importantes para isso, além de mecanismos típicos de processo, como bloqueio patrimonial. A gente hoje chama as pessoas que devem à União para fazer acordo para pagamento. São parcelamentos da dívida, quando o valor é muito grande. Esses acordos, obviamente, não envolvem nenhuma renúncia da União, a gente não pode abrir mão de valores do crédito, mas sim trabalhar com juros, com honorários advocatícios devidos, tentando facilitar a vida do devedor para ele ressarcir o dinheiro. As ações não necessariamente envolvem fraudes. Às vezes é prejuízo causado por um gestor desavisado. O combate à corrupção é o foco da nossa atuação, o ponto mais importante, mas temos uma série de outras responsabilidades que orbitam em torno disso. Usurpação mineral, por exemplo. Você tem um minerador cuja atividade é extrair minério para vender, por exemplo. Esse cidadão, por uma situação qualquer, lavrou fora da área de autorização dele ou lavrou em quantidade que ele não tinha autorização para fazer. Pela lei, isso é usurpação do patrimônio da União e são ações de altíssimos valores. Só para uma ação desse tipo, nós temos um bloqueio de R$ 150 milhões. Esse é um exemplo de crédito difícil de se efetivar, então às vezes é necessário você sentar com o devedor e fazer com que paguem parceladamente ou de forma que isso caiba dentro do patrimônio da empresa ou do empresário.

Que resultados a atuação do grupo da AGU já trouxe ao Paraná?

O grupo começou a trabalhar a partir de dezembro de 2008 e nosso foco de atuação naquele momento foi a Operação Sanguessuga (máfia das ambulâncias) e, em menos de um ano, a gente conseguiu ajuizar 75 ações no Estado todo, com a colaboração dos colegas do interior, e na maioria dessas ações a gente conseguiu o bloqueio patrimonial, que é o que importa para você garantir o ressarcimento. Temos aí um bloqueio superior, nessas ações, à casa de R$ 4 milhões. Foi o caso que mais gerou ações, era muito pulverizado, rendendo muitos processos e a responsabilização de muitas pessoas, porque cada processo tem a comissão de licitação, o advogado do município que assinou um parecer, um prefeito que autorizou o pagamento, um secretário municipal de saúde, além dos empresários.

No caso Sanguessugas ainda não houve julgamento, mas em relação às outras ações, a recuperação do valor desviado vem ocorrendo de forma satisfatória?

A gente conseguiu avançar bastante no processo de recuperação dos créditos, que hoje efetivamente retornam ao erário, por mais que não seja o ideal – que seria 100%, ou até 150%, se pensar em correção de juros, por exemplo. Tínhamos uma meta de atingir entre 25% e 30% de recuperação até 2014. Hoje, daquilo que é ajuizado, a gente já alcançou essa meta de 25%, isso no grupo visto nacionalmente, porque os relatórios são gerados nacionalmente. Aqui no Paraná eu te garanto que nosso índice de recuperação é muito maior do que era em dezembro de 2008, quando começamos com esse trabalho. O Paraná é um dos estados que tem mais número de ações do País.

Por quê?


Por causa dos acórdãos do TCU, por exemplo. Em volume de processo, o que mais temos são os acórdãos do TCU, que variam de R$ 3 mil a R$ 2 milhões. O conteúdo é má gestão e recursos de prefeitura, dano causado por gestor público, compra de material que se perde. No ano passado, o Paraná tinha, sozinho, mais acórdãos condenatórios do TCU do que Rio Grande do Sul e Santa Catarina somados. Isso pode ser duas coisas: ou se corrompe e se desvia mais no Paraná ou então se tem um mecanismo, os agentes de controle que atuam no Paraná são mais eficientes. Não chegamos ainda a esse diagnóstico. Mas o Paraná tem muitos municípios, alguns até inviáveis economicamente, estruturalmente, muito pequenos, o que atrai o interesse de grupos econômicos.

As penalizações que podem ser aplicadas estão de acordo com o prejuízo à administração pública?

É bastante interessante de ver que a aplicação de penas decorrentes de corrupção (perda de cargo público, por exemplo) não depende do tamanho do dano. A própria lei de improbidade administrativa é taxativa em dizer que o dano é irrelevante, se não livraria muito corrupto que, se não conseguir comprovar o dano, não causou dano. O simples fato de direcionar uma licitação para favorecer alguém já enquadra a pessoa na lei de improbidade, porque o gestor público tem que ser imparcial, impessoal. Essas ações são difíceis de se fazer a prova, porque quem é corrupto e desvia recursos não entrega recibo; ”contrato de beneficiamento de empresário”, não existe isso. Eu particularmente acho que recuperar o crédito é importante, mas a longo prazo você expurgar os maus elementos é o mais relevante, porque você corte o mal pela raiz.

Há diferenças de ”procedimentos” de corrupção entre municípios pequenos e grandes?


Os municípios pequenos são alvos maiores de grupos econômicos, mais vulneráveis e mais visados pelos grupos que querem vigiar. Muitos onde o serviço público não é profissional, por isso eu acho muito importante que se tenha aula de cidadania nas escolas. Eu estava lendo um livro recente e, no prefácio, dizia que é hipócrita a pessoa que condena a grande corrupção e pratica a pequena corrupção no seu dia a dia. É importante ter a percepção que aquilo não é tolerável. Muitas vezes a gente convive com certas frases, com certos ditados no nosso dia a dia tipo ”quem não cola, não sai da escola”, ”o brasileiro tem que levar vantagem em tudo” e isso na verdade é mais uma brecha para a corrupção, porque começa desde cedo, a criança é educada a burlar o sistema como ele deveria ser. Faz parte do processo educacional, a gente tem que se preocupar com isso.