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Convenção 156 da OIT, que prevê proteção a trabalhadores que cuidam de outras pessoas, só foi ratificada por Portugal até o momento

“Temos muito a fazer para criar famílias fortes e saudáveis”. A preocupação poderia ser de qualquer chefe de Estado ou mesmo de um pai de família, mas foi proferida por uma mulher justamente em uma palestra sobre equidade de gênero, raça e diversidade.

Esta é a quarta reportagem da série especial “Trabalho Decente e Justiça em Países de Língua Portuguesa”. O material foi produzido a partir da “1ª Oficina Internacional: Diálogo e Cooperação Sul-Sul de Países da CPLP sobre Justiça do Trabalho”, promovida em março pelo TST e que mobilizou representantes do Poder Judiciário de sete países da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).

Por que sempre uma mulher é responsável por cuidar do outro?

A preocupação com o cuidar é vista desde sempre como função feminina. Em várias culturas, as mulheres ainda são criadas e treinadas para ficar em casa cuidando dos afazeres domésticos e da criação de filhos. E apenas isso.

Mas alguns acontecimentos históricos, como a Primeira Guerra Mundial, as impulsionaram a assumir tarefas antes sob a responsabilidade dos homens, enviados aos fronts de combate. Vagas foram abertas em fábricas, hospitais, farmácias e mercearias.

Agora, elas podiam ser mais que mães, esposas e filhas. Durante o conflito, as mulheres puderam ser motoristas, enfermeiras, operárias e secretárias. E, com o fim da guerra, era impossível fazê-las aceitar apenas as antigas funções. E porque deveriam, já que, durante quatro anos, tiveram competência para atuar dentro e fora das próprias casas, auxiliando governos e alimentando a economia?

Assim, com confiança, auto estima e persistência, elas lutaram pelo direito de estudar, de se capacitar e de votar. Mas o trabalho doméstico não foi redirecionado ou dividido entre os sexos e sim somado.

A constatação é confirmada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), divulgada em março, as mulheres passam cerca de 21,3 horas por semana fazendo tarefas domésticas ou cuidando de crianças ou pessoas. Eles? Apenas 11,7 horas.

Mulheres vêm conquistando posição de destaque em Angola

Efigénia Lima, veneranda vice-presidente do Tribunal Supremo de Angola, foi uma das palestrantes e trouxe dados de seu país. Ela explicou que o país tem aderido às convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) como forma de garantir, pelo menos de maneira formal, a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.

No entanto, na prática, de acordo com a magistrada, falta educação sexual para conter uma das mais altas taxas de natalidade do mundo. E faltam investimentos na área de saúde para reduzir o número de abortos inseguros e mortes de bebês e crianças ainda na primeira infância.

Mesmo com esse cenário, Efigénia avalia que a presença feminina em grandes cargos é um fato a se destacar. “Temos, pela primeira vez na nossa história, mulheres como vice-presidente da república e presidente e vice-presidente do Tribunal Constitucional. A atual legislatura da Assembleia Nacional também é presidida por uma mulher, e cerca de 38% das parlamentares são mulheres. Isso mostra que os homens em Angola reconhecem o talento, a inteligência e a importância de se colocar mulheres em cargos de liderança”, pontuou.

Qual é o quadro do trabalho doméstico no Brasil?

Ainda de acordo com a PNAD Contínua, no Brasil, pelo menos 5,5 milhões de mulheres desempenhavam profissionalmente o trabalho doméstico em 2023. Ou seja, além de cuidarem de suas próprias casas, são empregadas, babás e cozinheiras na casa de outras pessoas.

O IBGE estima que apenas um terço delas têm carteira assinada, mesmo com seus direitos e deveres previstos desde 2015 pela Lei Complementar 150.

Normalmente, essas profissionais recebem um salário-mínimo, e é justamente esse ponto que chama a atenção da desembargadora Eleonora Bordini Coca, do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. “Como elas não têm negociação coletiva, por não terem uma categoria econômica para negociar, a remuneração permanece estável há 10 anos. Isso é um grande desafio na nossa busca à igualdade de gênero”, alertou.

A magistrada lembrou ainda que o Brasil, atualmente, tem um “arcabouço legal significativo”, com leis que protegem as mulheres da violência doméstica e garantem a igualdade de salários entre ambos os sexos e a estabilidade da gestante até cinco meses após o parto.

Por que, então, é tão difícil fazer cumprir as leis e as políticas de igualdade? Para a juíza do TRT-15, a educação em várias esferas é a solução para um problema que é cultural: o machismo estrutural.

OIT busca promover proteção internacional

A equidade de gênero, raça e diversidade também é uma das bandeiras trabalhadas pela OIT. O Brasil já ratificou várias normas com recomendação sobre o trabalho noturno das mulheres na indústria (Convenção 89), igualdade de remuneração de homens e mulheres por trabalho de igual valor (Convenção 100), amparo à maternidade (Convenção 103) e trabalho decente para trabalhadoras domésticas (Convenção 189).

Mas outras, como a Convenção 156, aprovada em 1981 como forma de promover a igualdade de oportunidades e tratamento para trabalhadores com responsabilidades familiares, ainda não foi incorporada à legislação brasileira. A mensagem foi enviada ao Congresso Nacional em março do ano passado.

Nessa conveção, a OIT pretendeu justamente equilibrar as responsabilidades que homens e mulheres têm na criação dos filhos e também nas tarefas de cuidar de outras pessoas da família, de forma a não responsabilizar apenas o sexo feminino. “Todo país-membro incluirá, entre os objetivos de sua política nacional, dar condições a pessoas com encargos de família que estejam empregadas ou queiram empregar-se de exercer o direito de fazê-lo sem estarem sujeitas a discriminação e, na medida do possível, sem conflito entre seu emprego e seus encargos de família”, prevê o artigo 3º.

Brasil busca promover cuidado como política de Estado

Mesmo sem ratificar a Convenção 156, o governo federal tem atuado para colocar o cuidado como tema central de uma política pública nacional. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva criou a Secretaria Nacional de Cuidados e Família, ligada ao Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome.

Segundo a titular da pasta, Laís Abramo, doutora em sociologia pelo Departamento de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), o ‘cuidar’ deve ser interpretado de uma maneira mais ampla. É cuidar das crianças, dos idosos, dos dependentes químicos e de pessoas com deficiência que não tenham autonomia. “Cuidado é um direito social, e essa tarefa não deve ser assumida apenas pelas mulheres, mas ser encarada como um trabalho profissional”, alerta.

Ainda de acordo com a socióloga, essa sobrecarga de trabalho de cuidado tem impedido muitas mulheres de concluir ou ampliar sua capacitação profissional e, consequentemente, de fazer parte do mercado formal de trabalho.

Quem já ratificou a Convenção 156?

Segundo a OIT, até maio de 2024, 45 países já tinham ratificado a Convenção 156, entre eles a França, o Japão, a Espanha, a Grécia e a Finlândia. Dos integrantes da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, apenas Portugal ratificou a norma até o momento. Na América do Sul, somente Brasil, Colômbia, Guiana e Suriname não internalizaram as determinações dessa convenção.

(Juliane Sacerdote/CF)

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TST

https://tst.jus.br/web/guest/-/igualdade-de-oportunidades-entre-homens-e-mulheres-ainda-encontra-barreiras-nos-pa%C3%ADses-de-l%C3%ADngua-portuguesa