Maria Lucia Benhame
A lei 14.611/23 reforça a equidade salarial, exigindo transparência, fiscalização e medidas inclusivas no mercado de trabalho.
A lei 14.611/23, publicada em julho, estabelece regras para igualdade salarial entre homens e mulheres. Ela se soma ao decreto 11.795/23 e à Portaria 3.714/23, que trazem regras administrativas e dados a serem publicados, e, em 2024, à IN 6/24, que detalha formas de gerenciamento e traz em seu art. 4º algumas formas de garantia de igualdade salarial:
I – estabelecimento de mecanismos de transparência salarial e de critérios remuneratórios;
II – incremento da fiscalização contra a discriminação salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens;
III – disponibilização de canais específicos para denúncias de discriminação salarial;
IV – promoção e implementação de programas de diversidade e inclusão no ambiente de trabalho que incluam a capacitação de gestores, de lideranças e de empregados;
Já falei do tema algumas vezes em meus artigos:
Dezembro 2023 – Igualdade salarial entre homens e mulheres – vamos aos dados
Março 2024 – Dia Internacional da Mulher – Lei de igualdade salarial: é só isso?
Maio 2024 – Mulheres-mães trabalhadoras? Vamos pensar em licença parental?
E, o mais antigo, em julho de 2023 – Igualdade salarial: Precisava de mais uma lei? Como gerenciar as novas obrigações?
Nele, eu dava as primeiras dicas de como gerenciar as obrigações legais:
Comecem a mapear as funções x sexo x salário;
Mapear, porque há diferenciação salarial e de forma de remuneração (ex: bônus diferentes?) – os critérios devem ser objetivos, sem nenhuma relação com a condição de raça, sexo, idade etc.;
Mapear e revisar políticas;
Verificar necessidade de alteração salarial e envolvimento ou não de entidade sindical;
Preparar as informações;
Esperar o governo divulgar como serão efetuadas as comunicações;
Há muito o que fazer, de verdade, mesmo que você seja uma empresa com menos de 100 empregados para reduzir diferenciações salariais movidas por preconceito;
Ter ESG e diversidade que sejam de verdade é o primeiro passo;
Realmente acreditar na igualdade. Esquecer o discurso e ir para a prática;
Pesquisar talentos internos, abrir oportunidades e criar programas de mentoria são algumas medidas. Inclusive, com medidas diversas de licenças parentais. Ter um programa efetivo de apoio parental não facultativo. O facultativo, usualmente, tem baixa aderência, pela questão cultural e preconceituosa.
E chegamos ao terceiro relatório.
Segundo o MTe, o 2º relatório, com dados mais atuais do que o primeiro, que pegou dados de 2022, mostra que:
“(.) as mulheres ainda recebem 20,7% a menos do que os homens nas 50.692 empresas com 100 ou mais empregados. Esses dados evidenciam que as mulheres continuam sendo excluídas do mercado de trabalho, com as mulheres negras sendo as mais impactadas pelas disparidades.”1
Lembrando que o relatório é para empresas (estabelecimentos) com mais de 100 empregados, mas a lei de igualdade é para todas:
“A Lei de Igualdade Salarial busca acelerar o processo de inclusão e promoção de mulheres de modo a obter a igualdade, corrigir as distorções salariais entre homens e mulheres. É uma mudança cultural importante, mas que deve ser perseguida por todas as empresas, independentemente do número de empregados ou da divulgação do relatório de transparência e igualdade salarial”, destaca Paula Montagner, subsecretária de Estatísticas e Estudos do Trabalho do MTE2.
A IN dá o norte de como a fiscalização atuará, o que ajuda a criar um programa interno de prevenção e correção de gaps encontrados pela empresa, lembrando que sempre se considerará o disposto no artigo 461 da CLT, que trata do direito da equiparação salarial. Por isso, é essencial que a estrutura de cargos e salários seja feita de maneira objetiva, e as avaliações de desempenho também!
Lembre-se, a lei considera salário-base e remunerações variáveis além dos adicionais legais. Portanto, olhe para tudo isso.
Fujam de avaliações subjetivas, são um campo minado para problemas salarias, de isonomia, discriminação e outros.
Assim, a fiscalização, com base na IN, vai olhar:
I – a comparação objetiva entre mesmas funções e cargos na empresa, independentemente da nomenclatura dada pelo empregador, e os respectivos salários, tendo como parâmetro a CBO;
II – existência de Planos de Cargos e Salários;
III – critérios remuneratórios para acesso e progressão ou ascensão dos empregados;
IV – existência de incentivo à contratação de mulheres;
V – identificação de critérios adotados pelo empregador para promoção a cargos de chefia, de gerência e de direção;
VI – existência de iniciativas ou de programas, do empregador, que apoiem o compartilhamento de obrigações familiares; e
VII – outras informações prestadas pelo empregador no curso da ação fiscal.
Se nessa fiscalização for constatada diferença salarial, a empresa deverá implantar o Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial, que vai envolver a entidade sindical dos empregados.
E aqui eu faço um break.
Qual entidade? A dominante ou todas das categorias, dominante e diferenciadas?
Resposta: pela legislação sindical, em vista da representação legal, seriam todas. Mas, não sabemos ainda. E essa parte sindical merece outro estudo, pois sequer vemos instrumentos coletivos tratando do caso.
Voltando à empresa. O plano que você fará, se houver diferença indevida, ou seja, fora do que a lei no art. 461 permite, ou não houver nenhum programa de fomento ao desenvolvimento da mulher, deverá definir e criar:
I – medidas a serem adotadas com escala de prioridade;
II – metas, prazos e mecanismos de aferição de resultados;
III – cronograma de execução;
IV – avaliação das medidas com periodicidade mínima semestral;
V – a criação de programas de:
a) capacitação de gestores, lideranças e empregados a respeito do tema da equidade entre mulheres e homens no mercado de trabalho;
b) promoção de diversidade e inclusão no ambiente de trabalho; e
c) capacitação e formação de mulheres para o ingresso, permanência e ascensão no mercado de trabalho em igualdade de condições com os homens
Sugiro a leitura da IN com seu jurídico, e deixo o link no rodapé3.
Portanto, esse meu artigo é para lembrar você de olhar para o tema, pois os relatórios estão quase entrando no “automático”. Se a preocupação existe, ainda há muito o que se fazer. Algumas empresas, especialmente as maiores, começam a se estruturar, mas a menores ainda não. E há, ainda, muitas dificuldades, inclusive de percepção da divergência de remuneração e de sua validade legal ou não.
Lembrem que há uma cultura social nesse assunto, que não é só legal, e envolve inclusive o tal do viés inconsciente.
Então, não é só olhar a parte legal. É, como eu sempre digo, olhar com coragem para dentro da empresa, e verificar gaps e preconceitos invisíveis à primeira vista, mas que estão lá.
No artigo que escrevi após uma participação no Congresso de Salamanca, mapeei algumas divergências entre relatórios legais e ações de ESG divulgadas pelas empresas, e a legislação e o programa de desenvolvimento da mulher.4 Nele percebo que empresas que tradicionalmente investem em ESG veem divergências entre seus programas e o que o relatório mostra, tanto que muitas publicam disclamers sobre essa diferença.
A diferença é ruim? Sim e nem tanto.
Sim, se os critérios da lei não estiverem no seu programa, e então você precisa adequá-lo à lei. Nem tanto se, no entanto, tudo o que a lei diz sobre igualdade de mulheres estiver lá, mas de um jeito diferente. Nesse caso, reveja então como o adequar melhor ao que a lei exige, ou como deixar mais clara sua relação com o que a lei traz.
O importante é mapear as diferenças e criar mecanismo de correção e fomento do desenvolvimento da mulher.
Sugiro também olhar sua CCT e, se nada houver lá, contatar ao menos o sindicato da entidade dominante e saber como eles estão agindo.
O importante é que sua lição de casa esteja sendo feita desde o início. Se não estiver, comece o quanto antes.
________
2 Idem
3 https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=464581
4 https://www.repositorioiberojur.com/index.php/catalog/catalog/view/32/361/530
Maria Lucia Benhame
Sócia-fundadora da banca Benhame Sociedade de Advogados. Graduada em Direito pela Universidade de São Paulo – USP e pós graduada em Direito e Processo do Trabalho pela mesma instituição.
MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/depeso/425652/igualdade-salarial-como-esta-sua-licao-de-casa