NOVA CENTRAL SINDICAL
DE TRABALHADORES
DO ESTADO DO PARANÁ

UNICIDADE
DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

OPINIÃO

Por Adriano Marcos Soriano Lopes e Solainy Beltrão dos Santos

Em seu livro A mãe (Matka), o escritor russo Máximo Gorky retrata uma mulher que trabalhou pelo marido e pelo filho, representando a luta revolucionária vista do prisma familiar e versou que “a nova cultura começa quando o trabalhador e o trabalho são tratados com respeito”. Essa reflexão, aplicada à ciência laboral, permite pervagar pela ideia primordial de um Estado Democrático que é a promoção da igualdade social e que tem como pilares estruturantes a dignidade humana e o valor social do trabalho, mormente ante elevação ao status de fundamental dos direitos sociais, o que permite que grandes temáticas trabalhistas passem a ser analisadas sob a ótica dos princípios e regras constitucionais.

 

Malgrado a importância dos direitos laborais, percebe-se a escassez de iniciativas com fincas a assegurar a efetividade do valor constitucional do trabalho em nosso país. Jungido a isso, de tempos em tempos e de maneira impensada, levanta-se a esdrúxula bandeira de extinção da Justiça do Trabalho, sem levar em conta que a instituição existe para conter perturbações sociais e garantir proteção social aos que necessitem.

 

Exemplo dessa involução, também, foi a promulgação da Lei nº 13.467/2017 que não teve o desígnio de realizar o texto constitucional. Ao revés, elevou exponencialmente a desigualdade dentro das relações laborais ao alterar e suprimir diversos dispositivos na CLT e em leis esparsas, a fim de “adequar a legislação às novas relações de trabalho”.

 

Para a sociedade a lei foi apresentada como alteração necessária, mas a sua face mascarada esconde uma tramitação acelerada, carente de discussão e que não levou em conta o interesse dos seus destinatários. A reforma trabalhista somada, ainda, à reforma da previdência concretizou a desigualdade nas condições de trabalho, gerando precarização das relações laborais ao longo de sua vigência.

 

As modificações no processo do trabalho impingidas pela Lei nº 13.467/2017 entraram em vigor no dia 11/11/2017 e foram aplicadas aos processos em curso de forma imediata. Em se tratando de relações jurídicas já consumadas na vigência da lei anterior, o c. TST tem decidido, reiteradamente e acertadamente, que não há falar em aplicação da lei, tudo em respeito a garantia de irretroatividade da lei, do ato jurídico perfeito e da segurança jurídica (artigo 5º, XXXVI c/c artigo 6º, caput, da Lindb).

 

Isso porque a lei intitulada reforma trabalhista diminuiu e suprimiu diversos direitos que antes elidiam a precarização das relações de trabalho e a lesão ao patrimônio jurídico do trabalhador, motor pelo qual ante a justificativa histórica de que os direitos fundamentais conquistados não podem retroceder dentro de um Estado democrático de Direito, a lei deve respeitar o núcleo essencial dos direitos sociais, dando condições para a implementação de direitos constitucionalmente assegurados, em homenagem ao princípio da vedação ao retrocesso ou da proibição da evolução reacionária.

 

Questões que reclamam contínua regulação como, por exemplo, as temáticas sobre assédio moral e sexual no trabalho, procedimentos processuais, o uso de plataformas digitais por trabalhadores, dentre outras, foram ignoradas pelo legislador reformista. A legislação preocupou-se mais em enaltecer autonomia individual da vontade (vide, exempli gratia artigo 444, p. único, artigo 611-A, artigo 507-A, todos da CLT) e suprimir direitos historicamente conquistados (vide, exempli gratia, artigos 59, 59-A, 58, §2º e artigo 384 da CLT).

 

Regulou o excêntrico contrato intermitente (cf. artigo 443, §3º e 452-A, CLT, objeto de impugnação das ADIs 5.826, 6.154 e 5.829); decompôs os conceitos de meio ambiente de trabalho e duração do trabalho ao gizar no artigo 611-B, parágrafo único, que as regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho; previu que dispensas plúrimas ou coletivas prescindem de autorização pelo sindicato ou da previsão em convenções ou acordos coletivos de trabalho (já tendo o STF  firmado tese — Tema 638 da Repercussão Geral — no sentido que a intervenção sindical prévia é exigência procedimental imprescindível para dispensa em massa de trabalhadores que não se confunde com a autorização prévia por parte da entidade sindical ou celebração de norma coletiva); conferiu nova redação aos artigos 545, 578, 579, 582, 583, 587 e 602 da CLT para retirar o caráter obrigatório da contribuição sindical, impactando diretamente na negociação coletiva; vedou a ultratividade das normas coletivas no artigo 614 da CLT e possibilitou a negociação coletiva em prejuízo do trabalhador no artigo 611-A da CLT, ao arrepio da previsão contida no artigo 7º da CF.

 

Ditas alterações, dentre outras, permitiram a debilidade de diversos direitos trabalhistas e a insegurança jurídica, aumentando a desigualdade entre os protagonistas da relação laboral, fomentando o desemprego, reduzindo os níveis de renda, apequenando o humanístico processo de constitucionalização do Direito do Trabalho, ameaçando direitos comezinhos do homem trabalhador, dentre eles o acesso à justiça, tudo em nome da autonomia individual quanto ao tratamento de direitos indisponíveis e irrenunciáveis.

 

Por outro lado, ao longo desses quase cinco anos, o Judiciário, ao interpretar a lei, já teve a oportunidade de afastar a aplicação de alguns dispositivos que esvaziavam direitos trabalhistas. Na ADI 5.766, exempli gratia, o STF julgou inconstitucionais a parte final do caput e o §4º do artigo 790-B e o §4º do artigo 791-A, ambos da CLT. Por outro lado, na mesma ação, considerou válida a regra do artigo 844, §2º, da CLT que impõe o pagamento de custas pelo beneficiário da justiça gratuita que faltar à audiência inicial e não apresente justificativa no prazo legal.

 

Diversas outras ações ainda tramitam perante o STF arguindo a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei nº 13.467/2017. Citam-se as ADIs 5.870, 6.050, 6.069 e 6.082 que versam sobre a constitucionalidade do teto da reparação por danos morais; a ADI 5826, que versa sobre a constitucionalidade dos artigos 443 caput e §3º, 452-A e parágrafos, 452-B, 452-C, 452-D, 452-E, 452-F, 452-G, 452-H e 911-A, caput e parágrafos, todos da CLT, a ADI 6.142 que versa sobre a constitucionalidade dos artigos 477-A e 855-B, caput e §2º, da CLT; a ADI 5.994 que versa sobre a constitucionalidade da jornada “12×36” ser pactuada por meio de acordo individual; a ADC 62 que versa sobre a constitucionalidade da edição de súmulas e enunciados pelo TST
e a ADI 6.002 que versa sobre a constitucionalidade dos requisitos para reclamação trabalhista.

 

Cônscio da discussão judicial que pode levar à manutenção dos dispositivos impugnados, é certo que ao longo desses cinco anos, contrário à lógica de proteção social, a lei da Reforma Trabalhista pauperizou mais gente no país, fragilizou direitos mínimos, aumentou as desigualdades sociais, pois os empregos não surgiram nem a economia cresceu.

 

Posto que a pandemia da Covid-19 tenha agravado essa moldura desastrosa, porquanto retirou a fonte de renda e acentuou a informalidade de milhares de pessoas, dados da Pnad contínua dão conta que no fim de 2017 havia 46,3 milhões de empregos formais e que em 2019,  este número fechou em 46,7 milhões, sem grandes diferenças, portanto, passado dois anos da vigência da lei.

 

Dados do IBGE ainda apontam que, no segundo trimestre de 2022, o país possuía 10,1 milhões de desempregados, ressaltando que a taxa de desemprego era de 9,3%, sem falar nos desalentados (pessoas que desistiram de procurar trabalho) que já eram 4,3 milhões.

 

O número de processos judiciais também diminuiu, o que não representou menor litigiosidade e sim inibição legal à propositura de ações trabalhistas, de forma que o impacto da reforma foi, ao fim e ao cabo, a redução do passivo trabalhista de grandes empresas, sem a contrapartida da geração de empregos ou melhorias nas condições de vida do trabalhador e do pequeno empresário.

Adriano Marcos Soriano Lopes é juiz do Trabalho substituto do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, especialista em ciências do trabalho pela Faculdade Lions, autor de diversos artigos jurídicos e coautor do livro O Direito Autônomo à Proteção dos Dados Pessoais: uma Análise Constitucional-trabalhista.

 é juíza do Trabalho substituta do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, especialista em inovações em Direito Civil e seus instrumentos de tutela pela Universidade Anhanguera, autora de diversos artigos jurídicos e coautora do livro O Direito Autônomo à Proteção dos Dados Pessoais: uma Análise Constitucional-trabalhista.

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2022-nov-03/lopese-santos-impactos-lustro-reforma-trabalhista