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JUSTIÇA SOCIAL

A importante derrota do governo nas votações dos vetos presidenciais no Senado e na Câmara dos Deputados dia 28 de maio mostra não só que a correlação de forças é adversa para a centro-esquerda — que reúne não mais que 130 deputados, o que é fato mais do que conhecido (no Senado o cenário não é muito diferente) — mas que a articulação política do governo com sua base ampliada falhou fragorosamente.

José Dirceu*

Como muitos apregoam e defendem, a tarefa urgente é arrumar a casa, se Lula não quiser enfrentar novas crises no Congresso.

Mas não basta, como muitos propõem, recompor a articulação política e ajustar o ministério, decisões exclusivas do presidente da República. O governo Lula precisa retomar a aliança com a frente de partidos que elegeu. E, para isso, tem de apresentar programa de desenvolvimento do País objetivo e factível, capaz de mobilizar em torno desse, os diferentes setores da sociedade: empresariado, trabalhadores, academia e classes médias. O governo tem instrumentos e competência para isso.

Já existem os instrumentos para construir este programa. O que falta ao governo é foco e interlocutores com os diferentes segmentos da sociedade para engajá-los nas iniciativas que compõem o programa. Considero que os 3 eixos fundamentais desse programa de desenvolvimento são o Nova Indústria Brasil, desenvolvido pelo vice-presidente e ministro da Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin (PSB), e pelo presidente do BNDES, Aloizio Mercadante (PT), que precisa ter a prioridade que exige; o PAC, capitaneado pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT), que concentra investimentos em energia, óleo e gás, Minha Casa, Minha Vida e obras de infraestrutura, prioritariamente; e o Plano de Transformação Ecológica, lançado pelo ministro Fernando Haddad (PT) durante a 28ª COP (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas) realizada, em dezembro de 2023, em Dubai, nos Emirados Árabes. Cerca de 1 centena de iniciativas relacionadas ao Plano serão apresentadas até a COP 30, que acontecerá em Belém (PA).

Não há saída para o Brasil sem programa de desenvolvimento que impulsione o crescimento do País. E o Brasil tem tudo para crescer. A conjuntura internacional permite esse crescimento, o País atrai investimento externo, tem infraestrutura a ser construída, o turismo para expandir e indústria criativa pujante que demanda apoio para avançar, sem falar no tripé do programa de desenvolvimento.

Paralelamente, temos de concluir a Reforma Tributária e avançar em relação ao Imposto de Renda e à taxação do Lucro e Dividendo. São medidas fundamentais para a desconcentração da renda, vital para garantir a demanda interna. E temos que perseguir na queda dos juros. O pagamento do serviço da dívida é mortal para nós; no ano passado foram R$ 800 bilhões. Se os juros fossem menores e não estivessem alimentando a ciranda dos rentistas, o País teria mais recursos para investimento. Quando o País crescer mais que a inflação, a dívida pública vai estabilizar e vai cair.

O tripé do programa
Resposta a processo de desindustrialização do Brasil e ao baixo desenvolvimento e exportação de produtos com complexidade tecnológica, o NIB (Nova Indústria Brasil) estabelece metas específicas para 6 missões, abrangendo os setores de infraestrutura, moradia e mobilidade; agroindústria; complexo industrial de saúde; transformação digital; bioeconomia e transição energética; e tecnologia de defesa. Cada missão possui áreas prioritárias para investimentos visando atingir as metas estipuladas até 2033.

Para o período de 2024-2026, o NIB contará com R$ 300 bilhões, além de medidas de estímulo para setores estratégicos como prioridade para produtos nacionais em compras públicas e outras relacionadas à desburocratização para reduzir o chamado Custo Brasil.

Com o NIB, o objetivo do governo é fortalecer a indústria brasileira e estimular a inovação, para que essa se torne mais competitiva e gere empregos mais qualificados. Nos últimos anos, seguindo a agenda neoliberal, o Brasil, como outros países da América Latina, fez giro em direção à chamada especialização produtiva, ou ao aumento da capacidade exportadora de bens primários.

Dados do Relatório da Cepal de 2022, relativos à produção de manufaturados na América do Sul, mostram que, no início do século 21, Brasil e México respondiam por 3/4 partes do total de manufaturados exportados pela região. O Relatório chama a atenção especialmente para o caso do Brasil, segundo maior exportador regional de manufaturas: sua participação nos envios totais de bens caiu 27%, ao passar de 75% no triênio 2000-2002 para 48% em 2019-2021. Outros 4 países sul-americanos (Chile, Paraguai, Peru e Uruguai) também experimentaram quedas de 2 dígitos no mesmo período.

Para que o NIB avance, é fundamental que haja efetiva articulação de agentes do governo com a indústria brasileira e parte do agronegócio. Não pode se repetir situações como a que está ocorrendo com importante projeto de expansão do setor de energia eólica-solar em desenvolvimento no País em que todos os equipamentos são importados. O Brasil precisa retomar a tradição de casar seus grandes projetos com o desenvolvimento local, como ocorreu com as plataformas e sondas na indústria do petróleo, com a indústria naval e a construção civil. As grandes empreiteiras do País tinham know how para disputar licitações no exterior até serem destruídas pela Operação Lava Jato.

Já o PAC elegeu como prioridades, em volume de recursos, as cidades, onde está o Minha Casa, Minha Vida, com R$ 601 bilhões no período 2023-2026 (quase metade do investimento total, que é de R$ 1,3 trilhão, mais R$ 1,4 trilhão após 2026), o setor de transição e segurança energética (R$ 596,2 bilhões) e o de transporte (R$ 369,4 bilhões).

Ao apresentar o Plano de Transformação Ecológica, Haddad disse que os primeiros estudos da iniciativa privada indicam que esse poderia gerar de 7,5 a 10 milhões de empregos em todos os setores — com enfoque no segmento de bioeconomia, agricultura e infraestrutura —, e oportunidades de geração de renda.

No entanto, para concretizar esse cenário, os mesmos estudos estimam que o Brasil precisa de investimentos adicionais da ordem de US$ 130 a US$ 160 bilhões por ano ao longo da próxima década. Os aportes precisam ocorrer principalmente em infraestrutura para promover adaptações, produzir energia, aprimorar a industrialização e a mobilidade.

É desafio possível de ser superado, dada a capacidade de mobilização de investimento e de criação de infraestruturas sustentáveis do Brasil via investimentos públicos. Temos exemplos de sucesso como a rede de hidrelétricas, o sistema elétrico unificado, a produção de etanol e a atuação da Petrobras e outras empresas nacionais de ponta na pesquisa e desenvolvimento de biocombustíveis.

Articulação necessária
O governo Lula já tem todos os elementos para colocar em marcha o programa de desenvolvimento do País. O que precisa é de comando político subordinado diretamente ao presidente e com autoridade conferida por ele para levar à frente a missão de implementar as medidas contidas nos 3 eixos que compõem o programa, comando este que faça a interlocução com o empresariado, os trabalhadores, a sociedade civil e os demais segmentos sociais e que preste contas regularmente de sua missão.

Sem comando unificado e sem foco, como ocorre hoje, os programas anunciados e em andamento, por mais bem estruturados que tenham sido, acabam perdendo seu impacto e importância. E seus resultados ficam aquém do previsto, justamente por falta de integração entre as diversas áreas de governo e falta de priorização de iniciativas.

As recentes derrotas do governo no Congresso são fruto da correlação de forças, em função das emendas impositivas do Orçamento, sem nenhum compromisso dos partidos com o êxito das políticas públicas, e ao financiamento público de campanha. Como não tem maioria parlamentar, fica sujeito aos humores de Parlamento conservador na pauta de costumes, neoliberal nas questões econômicas e sem nenhum escrúpulo em trocar voto por interesse político.

A crise pode ser amenizada com articulação política melhor, que passa também por mudança de postura do PT de unificar a atuação de seus deputados e senadores em defesa dos interesses do governo. Mas só será superada com programa de desenvolvimento que coloque em campo, ao lado de Lula, todos os partidos e segmentos sociais que apoiaram sua candidatura no segundo turno. O programa de desenvolvimento tem de ser a base de compromisso político da frente democrática — da esquerda à direita liberal — para assegurar o crescimento do Brasil, com desconcentração da renda e a justiça social.

(*) Advogado e militante político. Foi presidente nacional do PT, deputado estadual por São Paulo de 1987 a 1991, deputado federal por São Paulo por 3 mandatos entre 1991 e 2005 e ministro-chefe da Casa Civil durante o primeiro governo Lula, em 2003. Publicado originalmente no portal Congresso em Foco.

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