A tutela coletiva no direito do trabalho é instrumento essencial para a efetivação dos direitos sociais e a defesa de interesses transindividuais dos trabalhadores. O sindicato, enquanto substituto processual, exerce função de relevância constitucional, atuando em nome de toda a categoria para corrigir práticas empresariais lesivas e assegurar o cumprimento da legislação trabalhista.
Contudo, a efetividade dessa atuação tem sido prejudicada por uma equivocada aplicação do princípio da simetria processual, adotada por parte da jurisprudência, especialmente no STJ e em algumas turmas do TST, que estende ao réu a mesma isenção de custas e honorários advocatícios conferida ao autor pela Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública).
Tal entendimento é manifestamente incorreto. O artigo 18 da LACP é claro ao prever isenção somente ao autor, e sua extensão ao réu constitui afronta ao texto legal e ao próprio espírito protetivo que fundamenta as ações coletivas. A aplicação da simetria nesse contexto inverte a lógica da norma e premia o infrator, desestimulando a atuação sindical e a defesa coletiva dos trabalhadores.
Previsão legal e propósito da isenção
O artigo 18 da Lei nº 7.347/85 dispõe que:
“Nas ações de que trata esta Lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais.”
A redação é inequívoca: a isenção é exclusiva da parte autora. O legislador visou a estimular a propositura de ações coletivas, afastando barreiras econômicas que pudessem inviabilizar o acesso à justiça por entidades de caráter representativo, como sindicatos, associações e o Ministério Público do Trabalho.
Distorção jurisprudencial e seus efeitos práticos
A interpretação adotada por parte do STJ, de que o artigo 18 da LACP implica isenção recíproca, constitui distorção do texto legal e afronta direta ao princípio da legalidade (artigo 5º, II, CF). A lei jamais concedeu tratamento paritário entre autor e réu no que diz respeito à isenção de custas e honorários.
Ao aplicar indevidamente a simetria, os tribunais acabam por isentar a empresa condenada de arcar com honorários sucumbenciais, ainda que tenha violado direitos trabalhistas de toda uma categoria. Tal raciocínio enfraquece a tutela coletiva, desestimula a atuação sindical e beneficia indevidamente o infrator, que sai ileso de parte dos ônus econômicos da sua própria conduta ilícita.
Com a Lei nº 13.467/2017 (reforma trabalhista), o artigo 791-A da CLT passou a prever expressamente a condenação da parte vencida ao pagamento de honorários advocatícios, fixados entre 5% e 15% sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou do valor atualizado da causa.
A norma é geral e obrigatória, aplicável a todas as ações trabalhistas, inclusive às coletivas. Nada autoriza o afastamento da regra em benefício do réu nas ações civis públicas.
Portanto, a empresa que sucumbe em ação coletiva deve ser condenada ao pagamento de honorários advocatícios, sob pena de violação à própria sistemática instituída pela reforma trabalhista e ao princípio da reparação integral. A tentativa de estender ao réu a isenção prevista apenas para o autor representa, na prática, uma afronta à nova ordem jurídica e um incentivo à impunidade.
O princípio da simetria processual não tem aplicação automática e absoluta. Ele deve ser compatibilizado com a finalidade do instituto jurídico em análise.
Nas ações coletivas, o processo não se estrutura em torno de interesses individuais contrapostos, mas em torno da defesa do interesse social e difuso dos trabalhadores. O sindicato atua em favor da coletividade, e não em benefício próprio, razão pela qual a isenção legal lhe é necessária e justificada.
A empresa, por sua vez, figura como ré por descumprir normas trabalhistas ou violar direitos coletivos, e não há qualquer razão jurídica ou moral para lhe estender a mesma prerrogativa. A simetria, nesse contexto, é não apenas indevida, mas contrária à razão de ser da tutela coletiva.
Do panorama jurisprudencial no TST
A jurisprudência recente do Tribunal Superior do Trabalho revela um cenário de divergência interna sobre a aplicação do princípio da simetria nas ações coletivas trabalhistas, especialmente quanto à condenação da parte ré ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais.
Foi possível verificar que a 2ª[1], 6ª[2] E 7ª[3] Turmas do TST adotam entendimento favorável à condenação das empresas em pagamento de honorários sucumbenciais, afastando a aplicação do princípio da simetria.
De outra forma, a 1ª[4], 3ª[5], 5ª[6] e 8ª[7] Turmas entendem que se aplica o entendimento do STJ, segundo o qual, por critério da simetria, não cabe condenação do réu em honorários advocatícios em ação civil pública, salvo má-fé.
Essa divergência revela uma cisão jurisprudencial relevante no TST, que tende a ser objeto de uniformização futura pela SDI-1.
Conclusão
A aplicação do princípio da simetria para isentar o réu de honorários advocatícios nas ações civis públicas trabalhistas é juridicamente indevida e socialmente nociva. O artigo 18 da LACP tem caráter nitidamente protetivo, voltado exclusivamente ao autor coletivo, e não pode ser interpretado de forma extensiva em favor da parte demandada.
Isentar a empresa condenada de honorários sob o argumento de “simetria” é, em verdade, institucionalizar a desigualdade e enfraquecer a proteção coletiva do trabalho. A Justiça do Trabalho deve, portanto, reafirmar a correta interpretação da lei: a isenção do artigo 18 da LACP é exclusiva dos autores, e jamais extensível ao réu.
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Referências
BRASIL. Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985. Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 25 jul. 1985.
BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências (Código de Defesa do Consumidor). Diário Oficial da União, Brasília, 12 set. 1990.
BRASIL. Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para adequar a legislação às novas relações de trabalho. Diário Oficial da União, Brasília, 14 jul. 2017.
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 9 ago. 1943.
[1] TST – 2ª Turma. Ag-AIRR nº 0000399-41.2018.5.23.0096. Rel. Min. Delaide Alves Miranda Arantes. Julg. 25 jun. 2025, pub. 04 jul. 2025. Tema: inaplicabilidade da simetria; condenação da ré ao pagamento de honorários.
[2] TST – 6ª Turma. RR nº 0100364-60.2021.5.01.0011. Rel. Min. Antonio Fabrício de Matos Gonçalves. Julg. 13 nov. 2024, pub. 26 nov. 2024. Tema: condenação da empresa ré em honorários; inaplicabilidade da simetria
[3] TST – 7ª Turma. RR nº 0010512-02.2020.5.15.0001. Rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão. Julg. 28 fev. 2024, pub. 15 mar. 2024. Tema: rejeição da simetria e condenação da ré em honorários.
[4] TST – 1ª Turma. Recurso de Revista nº 0010621-66.2019.5.03.0136. Rel. Min. Hugo Carlos Scheuermann. Julg. 04 dez. 2024, pub. 06 dez. 2024. Tema: aplicação do princípio da simetria para afastar a condenação da ré em honorários.
[5] TST – 3ª Turma. RRAg nº 0100382-23.2022.5.01.0019. Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta. Julg. 13 ago. 2025, pub. 26 ago. 2025. Tema: manutenção da isenção recíproca por simetria.
[6] TST – 5ª Turma. Ag-AIRR nº 0011384-16.2022.5.18.0081. Rel. Min. Breno Medeiros. Julg. 07 ago. 2024, pub. 09 ago. 2024. Tema: aplicação da simetria e isenção da empresa ré.
[7] TST – 8ª Turma. Ag nº 0000371-19.2022.5.11.0015. Rel. Des. Carlos Eduardo Gomes Pugliesi. Julg. 12 jun. 2024, pub. 17 jun. 2024. Tema: manutenção da isenção à ré por aplicação da simetria.