Recentemente, a tragédia que culminou na morte de um jovem empresário de 27 anos reacendeu as discussões sobre o papel dos influenciadores digitais. O procedimento estético que causou o óbito era frequentemente divulgado nas redes sociais por uma figura com grande reputação online. Esse incidente destaca um problema recorrente no ambiente digital: a construção de uma imagem positiva nem sempre reflete a realidade. Afinal, a internet é uma “ilha da fantasia”?
A internet não é uma ilha da fantasia. Ela é um shopping center. Ela é também um centro comercial e um prédio gigantesco de lojas, consultórios médicos, seitas, onde a gente compra remédios, drogas, procedimentos estéticos e receitas milagrosas. A internet é negócio, e ponto final.
E, nessa esteira, influenciador não é guru. Nem político, nem jornalista. Influenciador é o mercador da internet. Ele é o cara que vende ideias, crenças, opiniões, estratégias, likes, e tudo mais, inclusive coisas que não deveriam ser ofertadas da maneira que são.
O episódio da morte do empresário Henrique Chagas chama novamente a atenção para a indústria da beleza no Brasil, uma máquina de fazer dinheiro como em nenhum outro lugar do mundo. Os dados mostram que os procedimentos invasivos já são maioria no mundo da renovação estética, e isso é um problema porque banaliza uma prática que deveria ser o último recurso. Hoje, meninas de 18 anos estão recorrendo a botox, peeling e injetáveis, e até que ponto isso tem a ver com a internet?
Eu acredito que os brasileiros sempre tiveram muita preocupação com o físico, mas os filtros e truques tecnológicos da rede colocaram os patamares da beleza globalizada em níveis inatingíveis, não é, Beth? De quem é a culpa por essa saga a que os jovens e mesmos as gerações anteriores se dedicam em busca de uma juventude eterna?
A culpa é da sociedade, pelos valores que cultua, e a rede social tem uma forte responsabilidade no reforço a esses valores, porque as crianças se tornaram uma das principais consumidoras da rede. E essas crianças crescem influenciadas por padrões estéticos nas redes sociais que mostram uma mágica que distorce a realidade: a dos filtros de beleza e o impacto que isso provoca nas pessoas.
Uma vez, um social media me disse: “você não tem ideia de como a internet é superficial”.
Na China, o TikTok prioriza conteúdo educativo. E olha que não temos democracia na China, mas há uma percepção de que essas mídias moldam a cultura, impactam comportamento, mexem com a cabeça das pessoas.
Na falta de uma política pública mais veemente para transformar rede social em uma rede com conteúdo educativo, a gente mira para os influenciadores e a atratividade que exercem. Muitas vezes, eles são percebidos como verdadeiros formadores de opinião, o que pode induzir seus seguidores a tomar decisões arriscadas que comprometem sua vida, saúde ou segurança.
Atualmente, estima-se que o mercado de influência digital valha cerca de 21,3 bilhões de dólares, com o Brasil liderando esse mercado. Cerca de 70% das marcas brasileiras já utilizam marketing de influência, uma prática ainda não regulamentada de maneira efetiva. Diferente da visão romântica de que influenciadores poderiam ser comparados a jornalistas informais, hoje eles devem ser vistos quase como anunciantes, vendendo produtos e serviços, mas com o poder adicional de influenciar milhares por meio de uma relação de confiança com seu público.
No entanto, é crucial reconhecer que a falta de regulamentação sobre a transparência, a veracidade das recomendações e o claro reconhecimento de publicidade paga são problemas significativos. A advogada Ana Frazão, ao analisar o papel dos influenciadores digitais aponta que muitos dos conteúdos compartilhados por influenciadores são, de fato, publicidades disfarçadas de opiniões desinteressadas.
Afinal, essa realidade não coloca em risco a autenticidade e a segurança dos consumidores?
Vários países já estão avançando na regulamentação da atividade dos influencers justamente para combater esse efeito. A lei francesa, por exemplo, tem sido apontada como referência e impõe obrigações de transparência e informação com multas por descumprimento.
Nos Estados Unidos, os conteúdos pagos devem ser identificados. Por outro lado, os usuários devem cultivar uma visão crítica e entender que, na internet, tudo é interesse, e tudo é dinheiro. Alguém está ganhando e as promessas de soluções fáceis são, em sua maioria, falsas. Mentirosas mesmo. Fake news. Basicamente.
Com a inteligência artificial, esse cenário se complica, pois quem vai responder por uma campanha enganosa se o influencer é um avatar? E mais: quem responsabilizar: o influencer, o anunciante e também o dono do produto?
Não sejamos ingênuos: não podemos responsabilizar a pessoa enganada por ter sido enganada. A gente tende a acreditar no que vê, e isso é positivo. Porém, é preciso o Estado investir em educação digital, a começar nas escolas; tirar os celulares das mãos das nossas crianças e aprovar a regulação das plataformas digitais, em tramitação nesta Casa, para coibirmos as promessas falsas na rede, a mercantilização da saúde e as atitudes irresponsáveis e até mesmo dolosas de pessoas que só pensam no lucro, mas se esquecem da saúde pública e do valor da vida humana.
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AUTORIA
BETH VELOSO Doutoranda pela Universidade do Minho, em Portugal, e mestre em Políticas de Comunicações pela University of Westminster, na Inglaterra. É jornalista e atua como consultora legislativa da Câmara, nas áreas de Comunicação, Informática, Telecomunicações e Ciências da Comunicação. Tem especial interesse nos temas de regulação da internet, capitalismo digital e capitalismo de vigilância.