Após a vitória nas eleições legislativas da última semana, o presidente ultradireitista da Argentina, Javier Milei, colocou a reforma trabalhista no topo da agenda do governo. O projeto, apresentado pela deputada Romina Diez, do partido governista, propõe ampliar a jornada diária de trabalho de oito para 12 horas — uma mudança considerada radical até mesmo por setores empresariais moderados.
Batizada cinicamente de Lei de Promoção de Investimentos e Emprego, a proposta também autoriza o pagamento de parte do salário em vales alimentação e refeição, além de prever que trabalhadores com dívidas de processos trabalhistas possam quitá-las em até 12 parcelas.
Promessas de “modernização” e críticas ao arrocho
Milei tenta justificar a ampliação da carga horária com o argumento, sem base, de que a medida ajudaria a formalizar o emprego de cerca de 8 milhões de argentinos. “Antes de reduzir impostos, precisamos modernizar as relações de trabalho. Essa modernização não implica perda de direitos”, afirmou o presidente, em discurso televisionado.
Economistas e juristas, no entanto, veem o projeto como um retrocesso histórico. A ex-ministra da Economia Felisa Miceli classificou a reforma como um ataque à estrutura sindical. “Há um senso de urgência no governo porque eles sabem que setores da sociedade vão se rebelar contra essas condições”, afirmou à Rádio 750.
“Valida jornadas exaustivas que já ocorrem na prática”
Miceli observa que, na realidade, o texto apenas legaliza a precarização já presente no mercado de trabalho argentino. “Hoje já há trabalhadores cumprindo jornadas de 12 ou 13 horas, muitas vezes sem registro. Essa reforma não cria empregos — apenas oficializa a exploração”, avaliou.
Ela ainda criticou a tentativa de restringir a negociação coletiva: “Querer transferir acordos para o nível das empresas é desmontar a estrutura sindical que garantiu direitos por décadas.”
Sindicatos prometem resistência
A Confederação Geral do Trabalho (CGT), maior central sindical do país, promete reagir. O secretário de Políticas Econômicas e Sociais da entidade, Omar Plaini, afirmou que a reforma representa “um grave erro estratégico” e que o governo “está fadado ao fracasso”.
“Somos nós, trabalhadores, que geramos a riqueza. Nenhum país cresce empobrecendo seu povo”, declarou.
Plaini destacou que o movimento sindical prepara assembleias e paralisações para as próximas semanas. “Temos 2.100 delegados e uma história de 95 anos. Não vamos permitir que renunciem aos nossos direitos.”
Grécia e outros países seguem tendência de ampliação
A iniciativa argentina segue a tendência de governos de direita e extrema direita, que defendem jornadas mais exaustivas sob o argumento de “flexibilização produtiva”.
Na Grécia, o parlamento aprovou em 2023 uma lei que permite 13 horas diárias de trabalho e seis dias por semana, medida que gerou protestos em Atenas. A Coreia do Sul e Israel também estão entre os países que ampliaram margens de horas extras, segundo a OCDE.
América Latina lidera ranking de horas trabalhadas
Dados da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostram que o México (2.207 horas/ano), a Costa Rica (2.171 horas/ano) e o Chile (1.953 horas/ano) lideram o ranking global de carga horária média anual.
A Grécia (1.897) e Israel (1.880) completam o grupo dos cinco países onde mais se trabalha. No outro extremo estão Alemanha (1.386 horas) e Dinamarca (1.370 horas), que priorizam jornadas reduzidas e maior produtividade.
Brasil tem jornada longa e produtividade baixa
O Brasil, embora não figure no relatório mais recente, aparece em levantamentos anteriores com média de 39 horas semanais, superior à de países como Estados Unidos e Reino Unido. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), 11% dos brasileiros trabalham mais de 48 horas por semana.
Pesquisadores defendem que o país avance na redução gradual da jornada, acompanhada de ganhos de produtividade. Movimentos sindicais também reivindicam o fim da escala 6×1, vista como um resquício de um modelo de exploração que limita o descanso e o convívio familiar.
“Nem o Estado é mau, nem o mercado é bom. O único organizador social é o trabalho. Nenhum país cresce empobrecendo seus trabalhadores”, diz Omar Plaini.
Enquanto o governo argentino promete modernização, sindicatos e economistas alertam: a conta será paga com o suor de quem mais trabalha.
