Relatório do projeto “Mude com Elas”, da ONG Ação Educativa, revela que desemprego atinge 18,3% desse grupo, que tem salários 47% menores que a média nacional
por Barbara Luz
Um relatório do projeto Mude com Elas, implementado pela ONG Ação Educativa e divulgado nesta quarta-feira (8), revela que as jovens mulheres negras de 18 a 29 anos no Brasil enfrentam um cenário de extrema desigualdade no mercado de trabalho. Segundo o documento, que cruza dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), do IBGE, a taxa de desemprego desse grupo foi de 18,3%, três vezes maior que a dos homens brancos, que registraram apenas 5,1%.
A disparidade salarial também é notória. Enquanto o salário médio da população brasileira foi de R$ 2.982, o das jovens mulheres negras foi de apenas R$ 1.582, ou seja, 47% menor que a média nacional. Elas também ganham 2,7 menos que homens brancos, que têm média salarial de R$ 4.270.
“A desigualdade é um fenômeno que infelizmente aparece nos mais diversos aspectos da sociedade brasileira, nas questões jurídicas, econômicas e no mercado de trabalho. E partindo de todos os recortes sociais, as mulheres pretas, em especial as jovens, são as que mais sofrem com todos esses problemas”, afirma Fernanda Nascimento, coordenadora do projeto.
Sobrecarregadas e enfrentando informalidade
Além do desemprego elevado e dos baixos salários, as jovens mulheres negras também lidam com a sobrecarga do trabalho doméstico. Segundo o relatório, elas dedicam 22 horas semanais aos afazeres domésticos, quase o dobro das 11,7 horas dedicadas pelos homens negros e brancos.
A informalidade é outra barreira enfrentada. Apenas 44% das jovens negras possuem carteira assinada, uma porcentagem próxima à dos jovens negros (43,3%) e inferior à dos jovens brancos, que superam 50% (50,3% para homens e 49,8% para mulheres).
Outro fator problemático é o preconceito, colocado como “barreira adicional” nos processos seletivos. Em depoimento anônimo coletado no relatório “Situação de Jovens Negras no Mercado de Trabalho”, uma jovem mãe negra compartilha a dificuldade de conseguir emprego. “Depois que descobrem que eu sou mãe, é literalmente só sobre como eu vou lidar com a gestão do meu tempo com a minha filha. (…) A última entrevista que eu fiz, online, eu me lembro de falar pelo menos umas quatro vezes pra moça que estava fazendo a pesquisa comigo que eu ia dar conta. Eu falava assim: ‘Não, eu tenho pessoas, a minha rede de familiares e de amigos. Eu não estou sozinha nesse sentido, a minha filha não vai ficar em casa sozinha. (…) Ela tem o pai dela; ela tem avós, ela tem tios, ela tem primos e ela também tem a creche se for preciso’. É uma loucura, é muito ruim. Vou te falar, é um saco. É a pior parte da entrevista.”
Falta de acesso ao ensino superior e necessidade de políticas públicas específicas
O estudo também destaca a falta de acesso das jovens mulheres negras ao ensino superior. Apenas 23,4% delas, entre 18 e 24 anos, frequentam ou já concluíram uma graduação, comparado a 39,8% das mulheres brancas. No mesmo grupo etário, 10,6% das jovens negras trabalham e estudam, enquanto 23,3% estão fora da força de trabalho e também não estudam.
Para Fernanda Nascimento, a ausência de políticas públicas específicas para jovens mulheres negras e a falta de iniciativas corporativas voltadas para a inclusão desse grupo são agravantes da situação. “Empoderar essas mulheres é urgente, e esse compromisso só será efetivo por meio de políticas públicas efetivas e pelo comprometimento com o real propósito da transformação”, ressalta.
O Mude com Elas propõe a inclusão de mais mulheres negras no mercado de trabalho, dando voz a esse público-alvo. “O projeto é uma iniciativa que visa chamar a atenção da sociedade para a pauta das jovens mulheres negras no mercado de trabalho. Inclusive, dez jovens que fazem parte do projeto foram dialogar com ministérios e contribuíram para o desenho do Programa Asas para o Futuro”, afirma a coordenadora.
Iniciativas para mudança e políticas públicas
O programa Asas para o Futuro, plano de ação do Pacto Nacional de Prevenção aos Feminicídios, conta com 73 medidas para prevenir discriminação e violência de gênero. Além disso, o Mude com Elas enfatiza a necessidade de retomar a Agenda de Trabalho Decente para Juventude, focando na intersecção de gênero e raça para produzir políticas públicas mais efetivas.
O estudo ainda destaca a importância de retomar o debate sobre a qualidade dos postos de trabalho para mulheres negras. “O Mude com Elas acredita que é preciso retomar o debate sobre qualidade dos postos de trabalho. Retomar a Agenda de Trabalho Decente para Juventude e focar na intersecção de gênero e raça é uma chave para produzir políticas públicas”, reforça Fernanda.
A coordenadora também aponta a necessidade de ampliar a qualificação da política de aprendizagem profissional e combater a alta rotatividade que afeta as jovens mulheres negras, uma vez que 40,4% permanecem menos de um ano no emprego atual. Ela conclui destacando o potencial transformador da inclusão dessas mulheres no mercado de trabalho: “Quanto mais acessos e ferramentas de inclusão, mais essas jovens poderão redefinir não apenas suas próprias vidas, mas também o destino de gerações.”
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com agências
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