Se o Banco Central vinha sofrendo duros ataques do titular da Fazenda, Guido Mantega, antes de aumentar a taxa básica de juros (Selic) em 0,5 ponto percentual na quarta-feira, para 10,75% ao ano, deve se preparar para enfrentar uma verdadeira pedreira dentro do governo nos derradeiros meses do atual mandato — especialmente até as eleições. Henrique Meirelles, presidente do BC, tende a amargar uma saraivada de críticas ainda maior, caso siga na defesa da continuidade do arrocho monetário. O recado, em alto e bom tom, de que o governo não vai tolerar “abusos” por parte do BC partiu, desta vez, do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. Em nome do governo, e diante de uma inflação que converge para o centro da meta de 4,5% ao ano, anunciou não haver espaço para mais aperto nos juros.
“A grande preocupação do Copom (Comitê de Política Monetária) é a inflação, mas, em junho, ela ficou em zero e, na primeira prévia de julho, já está negativa. A inflação voltou ao controle”, declarou ontem Bernardo, ao deixar um programa de rádio em Brasília. O discurso do ministro encarna análises assumidas anteontem pelo mercado após a percepção sobre a guinada de última hora do BC — dias antes de arrocho, a maioria absoluta dos analistas apostava em uma elevação de 0,75 ponto da taxa (Selic). O tom forte de Bernardo também partiu da certeza de que Mantega, que vinha batendo na tecla de que um novo aperto exagerado seria algo desproporcional aos sinais de desaceleração da atividade econômica, ganhou o primeiro round da guerra pública contra Meirelles.
Por Dilma
Nas últimas duas semanas, o ministro da Fazenda foi enfático sobre a necessidade de o BC dar um alívio na política monetária. Mas há uma ala do governo que não pensa assim e assegura não existir um consenso em torno das ideias de Mantega com o objetivo de forçar a acomodação do BC. Para essa corrente — da qual faz parte a autoridade monetária —, ainda há um sinal claro de que “persiste a preocupação com a inflação”. Caso isso não fosse verdade, simplesmente interromperia-se o arrocho e o Copom sequer teria aprovado, por unanimidade, a alta dos juros desta semana.
Na mesma linha de raciocínio, um graduado funcionário do governo rechaça um eventual alinhamento dos diretores do BC à candidatura da petista Dilma Rousseff à Presidência da República, ao reduzirem o ritmo de elevação dos juros. “O BC me parece incomodado com a ligação entre a decisão do Copom e as eleições. O pensamento é o seguinte: se fosse para ajudar nas eleições, os juros deviam estar caindo e não subindo”, disse. Desde abril, quando iniciou a recente escalada, a Selic já avançou dois pontos percentuais, o que significa uma alta de mais de 20% em relação aos 8,75% de três meses atrás. “A última puxada foi menor, porque vários cenários positivos convergiram”, sustentou o técnico.
Apostas erradas
A análise recai sobre dados concretos. No dia da reunião, os diretores do BC tinham sobre a mesa informações acerca da melhora do balanço de risco, que não poderia ser ignorada. A situação externa — crise na Europa, menor crescimento mundial, desaceleração nos Estados Unidos, aumento do desemprego — melhorou do ponto de vista inflacionário. Ou seja, o estrago lá fora contribuiu para manter a inflação no Brasil sob controle. Também houve recuo, pela primeira vez desde outubro de 2009, da inflação de serviços. A produção industrial, que vinha acelerada, reduziu o ritmo em abril e, agora, está estável.
Outro argumento a favor do Copom foi a queda das vendas do comércio em abril. A recuperação de maio não foi vista como ameaça de aquecimento da atividade. “No BC, não se aposta. As decisões são tomadas com base em dados disponíveis e com enorme cautela”, alegou um outro servidor defensor do BC. Para ele, o zum-zum-zum do mercado é fruto das apostas majoritárias dos analistas em uma alta maior dos juros. Eles perderam dinheiro com a decisão do BC.
O mesmo técnico avaliou ainda que as análises das atas das reuniões do Copom — parâmetros para o mercado redefinir suas apostas —, invariavelmente, resvalam em incorreções. “A ata é muito mais uma justificativa do que foi feito. Não pretende antecipar posições, que só são adotadas no momento adequado. No máximo, pode indicar que, permanecendo as condições, o Copom poderá adotar decisão semelhante.”
Dívida sobe R$ 115 bi
Gabriel Caprioli
A gastança do governo acarretou um aumento de R$ 115 bilhões na dívida pública federal nos primeiros seis meses do ano. Desse total, R$ 31 bilhões é resultado da emissão líquida de títulos do Tesouro Nacional, enquanto os R$ 84 bilhões restantes são referentes ao pagamento de juros. No mês passado, o endividamento total (estoque) chegou a R$ 1,612 trilhão, valor 0,12% inferior ao apurado em maio. Segundo o coordenador de Operações da Dívida Pública, José Franco de Morais, a trajetória nos primeiros seis meses foi compatível com a projetada pela secretaria do Tesouro no início do ano.
“Só o cenário externo que surpreendeu um pouco, se comportando de forma mais volátil em alguns momentos e de forma mais otimista em outros. No restante, a gestão ficou em linha com o que tínhamos imaginado”, afirmou. Para o economista chefe da Modal Asset Management, Felipe Tâmega Fernandes, o aumento da dívida durante ciclos de expansão do Produto Interno Bruto (PIB), como o atual, não preocupa. Entretanto, o governo poderia aproveitar o momento favorável para reduzí-la. “O problema são os momentos de menor avanço, quando a relação entre a dívida e o PIB aumenta. Se chegássemos a um momento extremo, o espaço fiscal do governo ficaria menor para realizar ações anticíclicas.”
Entre maio e junho, o pequeno recuo do endividamento público foi motivado por um elevado resgate nos títulos indexados à taxa básica de juros (Selic), que levaram a uma recompra de R$ 15,84 bilhões em papéis do Tesouro.