DISCREPÂNCIA CONSTITUCIONAL
Foi publicada nesta quinta-feira (10/3) no Diário Oficial da União a Lei 14.311/2022 que disciplina o retorno de trabalhadoras grávidas as atividades presenciais. O novo regramento altera a Lei 14.151, de 12 de maio de 2021.
A maioria dos especialistas ouvidos pela ConJur comemorou a segurança jurídica trazida pela nova norma. No entanto, um trecho específico, que trata do retorno das grávidas que recusaram a vacina, afronta entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal.
A advogada trabalhista da Lee, Brock, Camargo Advogados Tais Carmona explica que a lei anterior estabelecia que, durante a emergência de saúde pública, a empregada gestante deveria ficar afastada de suas atividades sem prejuízo de sua remuneração e à disposição do empregador para exercer suas funções por meio do trabalho remoto.
“Com a nova lei, as empregadas gestantes, inclusive domésticas vacinadas, podem continuar trabalhando presencialmente. Precisam ficar afastadas apenas as empregadas gestantes que ainda não foram imunizadas contra a Covid-19. A lei também trata da empregada gestante que escolher não se imunizar”, discorre.
Ricardo Calcini, professor de Direito do Trabalho da pós-graduação da FMU e colunista da ConJur, explica que o regramento anterior apresentava lacunas sobre o trabalho das gestantes quando sua atividade fosse incompatível com o teletrabalho.
“Dada a incompatibilidade, por muitas gestantes, com a prestação de serviços por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância, esta nova legislação trouxe as respostas que essas trabalhadoras e as empresas até então buscavam com o retorno, agora, das atividades presenciais”, diz.
O especialista explica que a nova lei será aplicada enquanto perdurar o estado de emergência de saúde publica provocado pela crise sanitária imposta pela Covid-19. Ele avalia que as novas regras conseguem ressalvar o direito ao afastamento das atividades de trabalho presencial para trabalhadoras que ainda que não tenham sido totalmente imunizadas sob os critérios do Ministério da Saúde e do Plano Nacional de Imunizações.
A advogada Claudia Securato, sócia do escritório Oliveira, Vale, Securato e Abdul Ahad Advogados, ressalta que a nova lei proporciona mais segurança para as empresas, já que retira dos empregadores o ônus de manter o salário dessa empregada sem que ela preste o serviço, como por exemplo, no caso da empregada doméstica.
Larissa Salgado, sócia da área trabalhista de Silveiro Advogados, por sua vez, sustenta que o novo regramento não apenas traz mais segurança jurídica como garante a igualdade de direitos as trabalhadoras grávidas. “Antes da lei publicada no Diário Oficial, à gestante estava vedado o trabalho presencial. Então, toda gestante ou trabalhava em teletrabalho (trabalho remoto) ou deveria ser afastada do trabalho”, argumenta.
Discrepância constitucional
Um dos pontos polêmicos da nova legislação é que, na hipótese de recusa à vacinação, a trabalhadora grávida deverá assinar termo de responsabilidade e de livre consentimento para o exercício do trabalho presencial.
Ricardo Calcini explica que a polêmica reside no fato de que, na prática, se está autorizando o ingresso de gestantes não vacinadas nas dependências das empresas. No trecho em que determina que as gestantes não vacinadas deverão cumprir todas as medidas preventivas adotadas pelo empregador, a lei deixa implícita a necessidade de adoção de protocolos preventivos mais rigorosos.
“Em caso de omissão, traduzida na ausência de adoção de medidas preventivas, além da falta de fiscalização no cumprimento de tais protocolos, as empresas estarão, em certa medida, assumindo o risco de ser responsabilizadas em casos de complicações da saúde dessas gestantes por ocasião de eventual contaminação”, pondera.
Calcini também enxerga como problemático o trecho que trata a recusa a vacinação como direito fundamental da liberdade de autodeterminação individual, o exercício da opção pela gestante de não se vacinar.
“Ora, essa nova diretriz legislativa está em desconformidade com a decisão do Pleno do STF que, nas ADIs 6.586 e 6.587 e ARE 1.267.879, entendeu que a vacinação compulsória pode ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes”, ensina.
Para Calcini, neste ponto, a lei flexibiliza de maneira equivocada a política de vacinação contra a Covid-19 e cria uma exceção que não se sustenta do ponto de vista do ordenamento jurídico.
“O direito fundamental da liberdade de autodeterminação individual a opção da gestante não se vacinar, sem que, no caso, não haja uma efetiva justificativa de ordem médica, não pode se sobrepor ao direito da coletividade ou de terceiros, como é o caso do empregador”, resume.
Vetos
O presidente Jair Bolsonaro decidiu vetar alguns trechos da lei que haviam sido aprovados pelo Congresso Nacional como a que previa que a profissional gestante deveria retornar ao trabalho presencial na hipótese de interrupção da gestação, “observado o disposto no art. 395 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, com o recebimento do salário-maternidade no período previsto no referido artigo”.
Também foi vetado o trecho que dizia que, na hipótese de a natureza do trabalho da gestante ser incompatível com o teletrabalho, ela deveria receber, em substituição à sua remuneração, o salário-maternidade desde o início do afastamento até 120 dias após o parto. Na justificativa o presidente argumentou que a proposição contraria o interesse público.
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Rafa Santos é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico
https://www.conjur.com.br/2022-mar-10/lei-trabalho-gravidas-traz-seguranca-afronta-stf