O ministro do Trabalho, Carlos Lupi, considerou muito graves as autorizações dadas por juízes para que menores de 16 anos trabalhem em locais insalubres, como na construção civil, em lixões e na lavouras.
“É mais gave do que imaginei”, exclamou Lupi. “Isso fere a lei. Eu penso que lugar de criança é na escola. Quem tem entre 16 e 18 anos pode trabalhar como aprendiz. Ele pode trabalhar com uma carga horária menor, sem deixar de estudar, e ter alguma remuneração.”
Entre as 33 mil autorizações de trabalho para menores de 16 anos entre 2005 e 2010 por juízes e promotores de Justiça de todo país, havia permissões para trabalho em atividades artísticas, no comércio, na prestação de serviços, em atividades agropecuárias, na fabricação de fertilizantes (onde elas têm contato com agrotóxicos), na construção civil, em oficinas mecânicas, na pavimentação de ruas e, até, em lixões.
A Constituição proíbe que menores de 16 anos sejam contratados para qualquer tipo de trabalho, exceto como aprendiz, a partir de 14 anos.
Defesa das autorizações
Ao contrário do entendimento do Ministério do Trabalho e Emprego, e também do Ministério Público do Trabalho, o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), desembargador Nelson Calandra, garante não haver qualquer inconstitucionalidade nas autorizações concedidas entre 2005 e 2010 para que crianças a partir de 10 anos trabalhem.
Para ele, a Constituição Federal não só admite, como exige que os juízes sejam flexíveis ao interpretá-la. Isso, segundo ele, ajuda a explicar a concessão das autorizações, ainda que a lei proíba o trabalho para menores de 16 anos, salvo na condição de menor aprendiz a partir dos 14 anos. No caso de atividades insalubres ou perigosas, é vedada a contratação de menores de 18 anos.
“O texto constitucional contém vários valores que devem ser considerados, como a proteção à vida e à família. Quando um juiz conclui que é imprescindível autorizar um jovem a trabalhar porque ele [juiz] não dispõe de outra ferramenta legal para socorrer uma família de baixa renda, não há nada de inconstitucional nessas decisões”, garantiu Calandra.
Contrário à redução da idade mínima para o ingresso no mercado de trabalho, um tema em discussão no Congresso Nacional, o desembargador assegura que, na maioria dos casos, os juízes não encontram solução melhor para ajudar uma família pobre do que autorizar uma criança a trabalhar sob certas condições.
“Ninguém deseja o trabalho infantil, mas juízes e promotores trabalham com a realidade social e a realidade brasileira é que muitas famílias dependem do trabalho do menor, seja na execução das atividades familiares diárias, seja por meio da colaboração [financeira] que dá ao exercer uma atividade remunerada”, argumentou o desembargador. “Se eu tivesse que decidir entre uma família perecer de fome [ou autorizar um menor de idade a trabalhar], não teria dúvidas. Inconstitucional é levar uma família inteira a perecer por falta de alimentação, por falta de assistência médica”, concluiu o desembargador.
MPT
O Ministério Público do Trabalho (MPT) critica os juízes que concedem as autorizações para trabalho infantil argumentando que elas são inconstitucionais e que os magistrados estão “oficializando a ilicitude, ao invés de combatê-la”. Para Calandra, os argumentos do MPT são válidos, mas cabem exceções.
“Acho que o que qualificamos como trabalho infantil, abaixo dos 16 anos, tem, realmente, que ser proibido. Trabalhos penosos ou perigosos não podem ser exercidos por menores de idade e lugar de criança em idade escolar é na escola. Só que há situações em que autorizar essas crianças a trabalhar é uma necessidade. Essa é a realidade. E não se pode encará-la apenas com a visão das formalidades das relações de trabalho. Achar que só porque uma lei foi criada a vida vai caminhar conforme ela prevê é um equívoco”, explicou.
Perguntado se não caberia aos juízes obrigar o Estado a garantir as condições mínimas de subsistência a uma família pobre em de contrariar o artigo constitucional que proíbe o trabalho abaixo dos 16 anos, Calandra disse que o juiz até pode fazer isso, mas o cumprimento da sentença seria muito difícil. “Ia depender da existência de orçamento e de uma série de exigências legais. O problema é que a vida não para. As pessoas têm que comer todos os dias”.
Calandra chegou a garantir que, na maioria dos casos, as autorizações só são concedidas após o juiz analisar estudos socioeconômicos da família do menor e consultar outros setores, como os conselhos tutelares.
Mas, ao tomar conhecimento que, segundo o chefe da Divisão de Fiscalização do Trabalho Infantil do Ministério do Trabalho, Luiz Henrique Ramos Lopes, os juízes ignoram a realidade e que crianças a partir de dez anos já foram autorizadas a trabalhar em atividades insalubres e perigosas, como pavimentação de ruas, lixões e fábricas de fertilizantes, Calandra se mostrou indignado.
“Essas são, evidentemente, situações reprováveis e que, se autorizadas por um juiz, devem ser questionadas para que sejam revertidas. Se um juiz deferiu uma autorização infundada, cabe ao Ministério Público do Trabalho apresentar um recurso para que o Tribunal de Justiça examine quem está errado. O que não pode ocorrer é o Conselho Nacional de Justiça [CNJ] proibir os juízes de decidir”, declarou o desembargador, referindo-se ao pedido do MPT e do MTE para que o CNJ publique uma resolução que oriente o trabalho dos magistrados. “Isso seria uma violação do poder jurisdicional de cada juiz”.
Calandra citou a própria experiência para defender sua opinião, de que começar a trabalhar cedo não impede o pleno desenvolvimento de uma criança. “Colaborei com meus pais em atividades rurais desde antes dos 12 anos em tarefas que começavam antes das cinco da manhã e, à tarde, ia para o colégio. Não perdi nenhum pedaço”.