O chamado presidencialismo de coalizão passa por sua maior crise desde o início da Nova República. Num primeiro momento, tal afirmação pode soar como exagero, principalmente quando se recorda os impeachments de 2 presidentes por falta de apoio parlamentar.
Marcos Queiroz*
Há de se considerar, porém, que a falta de traquejo político dos governantes com o Congresso foi determinante para a queda de ambos em momentos em que o custo da governabilidade era bem menos inflacionado. Até alguns anos atrás a distribuição de cargos e liberação de emendas orçamentárias individuais eram suficientes para garantir maiorias.
A oneração do apoio parlamentar decorre de processo contínuo de empoderamento do Legislativo, que combina mudanças em regras decisórias e controle progressivo sobre verbas do Orçamento da União.
O ápice desse processo se deu com a criação da dotação RP9, que ficou conhecida como “emendas de relator” e foram extintas posteriormente por decisão Supremo Tribunal Federal, mas deixaram como legado a pressão constante pela liberação de verbas extras. Além das emendas individuais, que se tornaram impositivas, a partir de 2015, os congressistas passaram a dispor de mais algumas dezenas de milhões de reais anuais de outras rubricas.
Com o fim da RP9, passou-se a discutir nos bastidores a recriação de algum mecanismo que possa garantir nova fatia de recursos orçamentários. A ideia de momento é a instituição de programação a ser distribuída com base no tamanho dos partidos, já alardeada como “emendas de liderança”. Nesse modelo, o líder de cada bancada ficaria responsável pela divisão dos recursos entre seus correligionários. O pagamento dessas emendas também seria de caráter obrigatório.
A partir dessa nova realidade, a relação entre Executivo e Legislativo vem se alterando profundamente. Nem só com cargos e verbas esses 2 poderes transacionam. As práticas de convivência também se modificam. Por exemplo, as medidas provisórias, que constituem o principal instrumento de ação governativa de que dispõe o presidente da República, vêm tendo menor recorrência em detrimento de projetos de lei por imposição do Congresso.
Outro aspecto dessa relação é o exercício de papel ainda mais ativo na conformação das políticas públicas. O elevado nível de autonomia dos parlamentares requer maior esforço de negociação e diálogo por parte da articulação política palaciana na análise das matérias de interesse do governo. Contudo, quando não contemplados os interesses dos grupos, o governo sofre retaliações que vão desde a convocação de ministros à paralisia da agenda legislativa.
É lícito e salutar que, observados critérios republicanos, o Parlamento possa alocar recursos do Orçamento nacional, descentralizando a execução e levando os olhos do Estado a rincões onde a burocracia de Brasília não consegue enxergar.
Da mesma forma, é de bom alvitre que o Legislativo participe da gestão pública por meio da ocupação de espaços de poder na estrutura administrativa. Entretanto, em função da hipertrofia ocasional não se pode pretender suplantar o Executivo, independentemente de quem seja o titular e a ideologia de turno.
Nas circunstâncias atuais nenhum governo consegue edificar núcleo de apoio consistente, visto que o vínculo não é construído em bases programáticas, mas alicerçado no atendimento de demandas de facções parlamentares.
Embora o presidencialismo de coalizão conceitualmente implique numa relação de trocas movida a incentivos governamentais, esse modelo caminha a passos largos para completo desvirtuamento, a ponto de se excluir do termo a palavra presidencialismo.
(*) Jornalista especializado em Processo Legislativo, analista na Arko Advice
DIAP