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Em quase uma década em que o presidente da República foi o ex-líder sindical dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo (SP) Luiz Inácio Lula da Silva, os reajustes salariais envolvendo os operários das quatro montadoras da região do ABC paulista registraram o avanço mais expressivo entre quatro tradicionais categorias. Enquanto os petroleiros tiveram ganhos de 1,3% acima da inflação entre 2000 e 2010 e os bancários, de 3,4%, os operários das fabricantes de veículos do ABC obtiveram 37,4%, mais que o dobro do resultado expressivo alcançado pelos químicos: 15,2%.

Numa década governada em 80% do tempo por um ex-líder sindical dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo (SP), as negociações salariais envolvendo os operários das quatro montadoras da região do ABC paulista registraram o avanço mais expressivo num grupo de quatro categorias tradicionais. Enquanto os petroleiros da Petrobras acumularam ganhos de 1,3% acima da inflação registrada entre 2000 e 2010 e os bancários viram seus rendimentos reais crescerem 3,4%, os operários das montadoras do ABC registraram ganho real de 37,4%, mais que o dobro do já expressivo resultado alcançado pelos químicos – 15,2% acima da inflação no período.

Contando com uma das mais estruturadas organizações sindicais do país, e negociando com empresas estimuladas por políticas de incentivos fiscais e expansão do crédito, metalúrgicos da Ford, Scania, Volkswagen e Mercedes obtiveram acordos acima da média mesmo em uma década marcada pela descentralização da indústria automobilística no país – em 2000, a GM começou a operar em Gravataí (RS), e em 2001, a Ford iniciou a produção em Camaçari (BA).

“Não se pode falar em vantagens aos metalúrgicos simplesmente porque na maior parte da década o presidente era o Lula, mas porque o processo de reestruturação das montadoras, dos anos 90, acabou e, ao mesmo tempo, o crescimento econômico se acelerou”, avalia Sérgio Mendonça, supervisor técnico das pesquisas do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

De maneira geral, o período entre 2000 e 2010 foi caracterizado por um movimento coordenado dos sindicatos, que viram suas prioridades passarem da “resistência” às demissões para o “medo” de ver o acelerado ritmo de crescimento ser abortado por falta de mão de obra qualificada.

A demanda por trabalhadores especializados deu aos sindicatos um poder de barganha inédito nas últimas três décadas. Diante do quadro de falta de pessoal qualificado na quantidade exigida pelas empresas, os sindicatos passaram a negociar salários maiores e benefícios, como reduções de jornada e aumento do preço da hora extra. Entre os metalúrgicos, as vantagens foram ainda mais claras, pois a indústria automobilística foi o principal alvo da política anticíclica de combate à crise mundial.

O cenário vivido por metalúrgicos, químicos, bancários e petroleiros nos últimos dez anos é resumido por Sérgio Novais, secretário de administração e finanças da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria Química (CNQ): “A década começou péssima, melhorou rapidamente e terminou muito bem, mas há muitas ressalvas quanto ao futuro”.

Eleito presidente da República em 2002, Luiz Inácio Lula da Silva surgiu no cenário nacional em 1975, quando se tornou presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, posição que ocupou até 1982 – protagonizando, no período, o auge das greves, então proibidas pelo regime militar, que aceleraram o debate sobre a redemocratização do país. Com Lula na Presidência, o cenário vivido pelos metalúrgicos do ABC nos anos 90 foi deixado rapidamente para trás.

A queda da inflação facilitou o trabalho dos sindicatos, pois aumentos reais pequenos tinham mais impacto na renda. Mas, segundo os sindicalistas, o ritmo da economia foi preponderante para explicar a mudança de patamar. “Era uma fase terrível [o começo da década]”, diz Sérgio Nobre, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, “na esteira do que foi a década de 90, isto é, com cortes de pessoal, inflação alta e falta de perspectivas quanto a mudanças”.

Nas negociações salariais de 2000, conduzidas pelo então presidente sindicato Luiz Marinho – hoje prefeito de São Bernardo – o caso foi parar, pela primeira e única vez, no Tribunal Regional do Trabalho (TRT), que concedeu 3% de reajuste real. Dez anos depois, as negociações foram fechadas uma semana após o início formal e diante de uma ameaça de greve.

Entre 2001 e 2003, os bancários tiveram reajustes salariais inferiores à inflação. No primeiro ano do governo Lula, a perda frente à inflação foi a pior desde 1994 – o reajuste ficou 4,92% abaixo da variação acumulada do INPC em outubro daquele ano (17,5%), na data-base da categoria.

“Não tínhamos sequer negociações iguais, porque os bancos públicos não sentavam para negociar”, diz Carlos Cordeiro, coordenador da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf). “Chegamos a entregar uma pauta de reivindicações para um dos seguranças da portaria da Caixa Econômica Federal, em Brasília. Hoje o cenário é completamente diferente”, afirma Cordeiro.

O fraco desempenho nas negociações salariais foi ampliado pelo enxugamento das categorias, que atingiram o fundo do poço entre 2002 e 2003 e, nos seguintes, recuperaram parte do tamanho que tinham em 1990, quando se iniciou o processo de abertura da economia.

Quando assumiu pela primeira vez um cargo na direção do Sindicato dos Químicos do ABC, em 1991, Novais respondia por uma categoria de 45 mil trabalhadores. “Só fui voltar a ver uma categoria desse tamanho no ABC no ano passado”, diz Novais. Em 2002, a base recuou para 32 mil trabalhadores, patamar que passou a crescer aceleradamente a partir de 2006.

“O processo de recuperação começou pelo pessoal que trabalha na indústria farmacêutica, impulsionada, no começo da década, pelos genéricos. Em seguida, foi o segmento dos plásticos, acompanhando um movimento mundial da economia, passando por papel e celulose e atingindo, agora, a petroquímica”, afirma o sindicalista.

Segundo João Moraes, presidente da Federação Única dos Petroleiros (FUP), o setor petroleiro acompanhou, na década, o desenvolvimento da Petrobras. Eram cerca de 60 mil funcionários, em 1994, antes da abertura do setor, base que caiu pela metade até 2002, antes de iniciar uma recuperação acelerada, atingindo os atuais 75 mil trabalhadores.

“No começo da década, os investimentos em inovação e perfuração eram tímidos, então a demanda por trabalhadores era fraca e as negociações complicadas. A partir de 2005 e 2006, os investimentos aumentaram muito, fechando a década com o descobrimento do pré-sal e o debate sobre o regime de partilha”, conta o líder da FUP, entidade que comandou a greve dos petroleiros, em 1995, quando o governo Fernando Henrique Cardoso, em seu primeiro ano, aprovou a reforma do marco regulatório do setor.

Entre os bancários, no entanto, o processo de terceirização – criticado pelos sindicalistas de todos os setores – foi central para explicar o enxugamento da base, que não conseguiu se recuperou ao longo da década. Segundo dados da Contraf, em 2000 os bancos tinham 800 mil funcionários, quase o dobro dos atuais 430 mil. “A tecnologia aumentou muito, claro, mas o número de correntistas também. A redução de trabalhadores não foi apenas produtividade, mas terceirização”, diz Cordeiro.

Para Nobre, dos metalúrgicos do ABC, a principal mudança na década foi na “mentalidade do empresariado” e, principalmente, “na percepção da sociedade como um todo” quanto aos efeitos benéficos de aumentar os salários. “Na década de 90 e primeiros anos da década passada, se alguém falava em aumentar salário, logo vinha algum membro do governo ou da sociedade levantar a voz e dizer que aquilo geraria inflação”, diz o líder metalúrgico. “Isso foi totalmente desmistificado nos últimos anos, quando os salários, a começar pelo mínimo, subiram muito e a inflação não foi um terror.”

Puxado pelo mercado interno, o Produto Interno Bruto (PIB) do ano passado passou por avanço superior a 7,5% pela primeira vez em 24 anos, desencadeando problemas na oferta de mão de obra qualificada. Os gastos do governo federal com programas de qualificação foram 73,3% menores sob o governo Lula que durante o governo FHC, quando, no entanto, o saldo de empregos formais foi 150% inferior. “Nosso medo hoje é que o crescimento seja travado por um gargalo de mão de obra qualificada”, diz Novais, líder dos trabalhadores do setor químico.

Fonte: Valor Econômico