José Pastore
Este artigo mostra que os negociadores trabalhistas lidam com duas gerações de trabalhadores: os jovens que não gostam de sindicatos e os mais velhos que insistem em pautas identitárias.
O quadro demográfico
Nunca a taxa de fecundidade esteve tão baixa como nos dias atuais. Isso vem alarmando os governos em todo o mundo1. No Brasil, o número médio de filhos por mulher baixou de 6,8 em 1960 para 1,5 em 2022. Antevê-se uma grave escassez de jovens para trabalhar e contribuir para a Previdência Social. Em vários setores da economia, já falta mão de obra.
Na outra ponta, os mais velhos (65 anos e mais) aumentaram enormemente2. Entre 1980 e 2022, a esperança de vida aumentou 14 anos!
Viver mais é bom em vários aspectos. Mas, preocupa o crescimento acelerado dos que não trabalham e consomem recursos nas áreas da saúde e assistência social. O déficit da Previdência Social em 2024 ultrapassou os R$ 400 bilhões. Fala-se, com razão. na necessidade de outra reforma previdenciária. Mas, fica claro que daqui para frente teremos de trabalhar a vida toda.
Qual será o impacto desse quadro nas negociações coletivas? A escassez de pessoal pressionará por aumentos salariais e outros tipos de remuneração. As empresas terão de investir muito nos sistemas de negociação da produtividade para evitar aumentos exagerados do custo unitário do trabalho.
Os impactos das tecnologias
Muitos analistas argumentam que a tecnologia será a solução para a falta de mão de obra3. Mas, a substituição de seres humanos por tecnologias não é trivial. Sempre há um hiato entre as habilidades disponíveis e as exigidas pelas inovações.
Está na moda recomendar educação e requalificação continuadas. Isso é fácil de falar, mas muito difícil de fazer. Formação profissional não é para amadores.
Outros acham que a inteligência generativa ensinará as novas habilidades. Mas, isso exige boa educação para saber perguntar e saber o que fazer com a resposta. Nada é automático.
As pesquisas mostram que o impacto destrutivo da IA em termos de emprego é maior nos países ricos, onde há muitas profissões intelectualizadas4. Nos países menos avançados, o risco de destruição de empregos é menor. O Brasil estaria neste caso. Mas, isso também é enganoso porque, no geral, os trabalhadores brasileiros são mal preparados e a nossa capacidade para requalificar é limitada. Além do mais, os robôs avançam para substituir atividades manuais.
Convém lembrar ainda que as tecnologias que fazem muitos trabalhos humanos nada contribuem para a Previdência Social. No Brasil, 25% da população ativa, trabalham por conta própria e, na maioria dos casos, nada aportam para a Previdência Social. Ultimamente, o desemprego caiu, mas a precarização aumentou.5
Novos sistemas de proteção
Demografia e tecnologia interferem nas pautas de reivindicação dos trabalhadores. Não é para menos. Está surgindo um novo mundo no campo dos valores sociais. Crescem os pleitos por mais qualidade de vida, um melhor entrosamento entre o trabalho e a família, sistemas de seguro privado – de vida, aposentadoria, acidentes, saúde, jornadas flexíveis e licenças de vários tipos.
Vejam o caso dos seguros. Nos países avançados, sindicatos laborais, em parceria com as empresas e pela via da negociação coletiva, detêm enormes carteiras de fundos de seguros privados que atendem várias necessidades6. Por exemplo, nos Estados Unidos, o 401 (k) é um plano de previdência privada oferecido pelos empregadores, com contribuição dos empregados, na base de benefício-definido que é isento de imposto de renda.7
No Brasil também crescem os pleitos para esses tipos de seguros, em especial, nos campos de vida e saúde: cerca de 25% das negociações coletivas estabelecem seguro de vida e 18% seguro de saúde. Mas, o potencial para outras modalidades é enorme8. As seguradoras estão começando a inovar, facilitando a negociação nesse campo. Nos últimos cinco anos, o mercado de seguros privados, principalmente de vida, cresceu quase 60% em termos nominais. Para 2025, a CNSeg projeta um crescimento de 10%. Ou seja, o Brasil está acordando para seguros privados livremente negociados. Isso atrairá os empregados mais jovens. É questão de tempo.
Expectativas das novas gerações
A entrada das tecnologias no ambiente de trabalho vem criando novas formas de trabalhar e novas expectativas, em especial para os jovens. O que eles desejam?
As novas gerações amam o trabalho flexível, com poucas amarras legais ou contratuais. Elas valorizam muito as realizações pessoais. Querem resultados rápidos. Têm pouca paciência para esperar e baixa tolerância à frustração.
Uma grande parte dos jovens quer empreender, sonhando com um trabalho sem horário, sem pressão de chefes e de metas de empresas. Longe do stress do cartão de ponto. E com um bom horizonte para crescer. Para eles, a CLT não oferece esse horizonte9. Ficar 10 ou 20 anos na mesma empresa era para os seus pais que buscavam estabilidade. Os filhos querem flexibilidade.
Para atender esses objetivos, o sindicato torna-se peça secundária10. Para os jovens, o importante é ampliar o seu “network”. Os sindicatos lidam com empregados – exatamente o que eles não querem ser.
Dados colhidos pelo Instituto de Pesquisas Locomotiva11 indicaram que grande parte dos jovens não quer emprego protegido pela CLT. Eles detestam a ideia de se filiar à Previdência Social.
O desafio para os sindicatos
Para os sindicatos laborais, é um enorme desafio conquistar a simpatia desses jovens. Além disso, as transformações ocorridas nas empresas conspiram contra o recrutamento de filiados. A crescente da desindustrialização provocou dispersão e atomização das empresas decorrentes de novas tecnologias. Muitas delas, outrora de grande porte, são hoje pequenas produtoras ancoradas em quadros de pessoal reduzidos e altamente qualificados. Longe das grandes concentrações, a sindicalização tornou-se mais difícil.
A terceirização igualmente acentua o impacto da dispersão, pois desloca os empregados das empresas contratadas para categorias profissionais diferentes das que predominam nas empresas contratantes.
Tecnologia e sindicalismo
Vários estudos realizados nos países europeus têm mostrado que a fragilização do movimento sindical em decorrência do avanço tecnológico provoca um declínio da sindicalização dos trabalhadores12. No Brasil, dá-se o mesmo13. Em relação à população ocupada, a filiação a sindicatos caiu de 16% em 2012 para 8% em 2023.14
Além disso, as inovações tecnológicas têm diversificado a estrutura de empregos. Os empregos não desaparecem, mas, se transformam, surgindo inúmeras e complexas complementaridades entre os seres humanos e as máquinas15. Com estruturas ocupacionais heterogêneas, a ação sindical se torna mais difícil.16
Ou seja, os efeitos das novas tecnologias vão muito além das mudanças do chão de fábrica. Eles atingem expectativas, valores sociais, planos de vida e instituições, dentre elas, os sindicatos e a negociação coletiva.
A resistência dos sindicatos tradicionais
A despeito disso, inúmeros sindicatos tradicionais continuam fortes e com boa adesão de empregados como é o caso, no Brasil, dos sindicatos de servidores públicos, petroleiros, bancários, metalúrgicos, químicos e outros nos quais o processo de negociação continua ativo e bem-organizado. Com a utilização de assembleias virtuais, a participação dos representados nas negociações coletivas tem aumentado. E nelas, avançam as pautas que vão além de jornada e de remuneração. A busca de mais qualidade de vida é crescente. Para os representados por esses sindicatos, há pouca esperança de que as novas tecnologias melhorem a sua situação de trabalho17, razão que os leva a abraçar as pautas identitárias, o que torna as negociações coletivas bastante complexas.
As pautas identitárias: ascensão e declínio
Em um país como o Brasil, com tantas desigualdades, é imperioso que se implementem medidas para melhorar a situação dos grupos mais frágeis. Esse é o propósito das políticas públicas como, por exemplo, os sistemasde cotas; o Bolsa Família, o Benefício de Prestação Continuada e outros.
Ao lado dessas políticas, há a ação dos grupos identitários, formados por pessoas que compartilham aspectos da sua identidade no que tange à etnia, religião, orientação sexual, concepção ambiental, e que possuem interesses, perspectivas e demandas comuns.
Com frequência, esses grupos se autodefinem como “oprimidos” e rotulam os demais como “opressores” e, mais grave, exigem deles as medidas para resolver os problemas. Isso cria um clima de tensão e, às vezes, de confronto, em especial quando se usam termos pejorativos que definem os “opressores” como negacionistas reacionários, machistas tóxicos, ignorantes das dívidas históricas etc.
A busca da diversidade é crucial para o amadurecimento democrático. Mas, esses focos de tensão criam um clima desfavorável para se alcançar os fins buscados. Ao culpar grupos e pessoas de forma agressiva, as reivindicações passam da inclusão para a exclusão, ampliando a insegurança e a desconfiança entre empregados e empregadores. A boa condução da negociação coletiva nesse campo tem exigido conhecimento e competência dos negociadores. Não basta querer ou negar os pleitos identitários. É preciso muito diálogo para evitar conflitos.
Os exageros nesses pleitos têm levado muitas empresas tanto no Brasil como no exterior, a abandonar os programas de diversidade e inclusão18. Mas, tão importante quanto isso, seria convencer os legisladores brasileiros de não proliferarem leis que, com o intuído de promover a igualdade, alimentam a cultura do “cancelamento” e da “lacração” que em nada ajuda na resolução dos reais problemas de desigualdade.
Conclusão
A título de conclusão, vejo dois cenários para o futuro das negociações trabalhista no Brasil.
O primeiro cenário será marcado por um crescente desinteresse dos trabalhadores mais jovens pelo emprego celetista, pelos sindicatos e pelas próprias negociações trabalhistas. Os acordos e contratos tenderão a ser cada vez mais individuais. Essa é a trajetória mais provável para a geração Y e Z.
O segundo cenário será marcado por um aumento da variedade de demandas dos sindicatos que ainda congregam grandes contingentes de representados, tornando as negociações trabalhistas mais complexas e mais exigentes para o lado empresarial.
Isso significa que os negociadores terão de conviver com várias gerações de colaboradores e uma grande variedade de expectativas, o que requer desses profissionais uma crescente preparação para lidar com demandas tão variadas que, por sua vez, se tornam caras e mais complexas.
O desafio atual está na necessidade de preparar cada vez melhor os negociadores laborais e empresariais para lidar com as enormes transformações que estão em curso no mercado de trabalho. As novas demandas refletem mudanças na demografia, nas tecnologias e nas expectativas dos trabalhadores e empresários. Essas demandas vão muito além do aumento real de salário e redução das jornadas de trabalho.19
Ao seu lado, aumentarão os pleitos para a efetivação de proteções contra a automação, a regulação algorítmica, a penosidade, os riscos ambientais, químicos, biológicos e psicossociais, as novas formas de contratação, inclusão, diversidade, questões de clima e meio ambiente e critérios de punição para assédio sexual e moral.
Tudo isso exige uma eclética preparação para as novas negociações trabalhistas.
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1 Greg Ip e Janet Adamy, “Queda na taxa de fecundidade alarma governos em todo o mundo”, Valor, 21/05/2024.
2 Dados do Censo demográfico de 2022, Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2025.
3 Frédéric Charles e Jelena Tomic, “Japão recorre à inteligência artificial para combater a falta de mão de obra”, Site do UOL, 24/04/2024
4 Carlo Pizzinelli et. alt., “Labor Market Exposure to AI: Cross-country Differences and Distributional Implications”, Washington: International Monetary Fund, 2023.
5 Nelson Marconi, “Mercado de trabalho aquecido, porém precarizado”, Revista Conjuntura Econômica, março de 2025.
6 Para uma visão internacional dos vários tipos de fundos negociados que atendem seguros individuais e coletivos, ver, “Social security in other countries”, https://www.ssa.gov/international/links.html; Belén Villegas Plá, “The role of collective bargaining in social protection: The Uruguayan case”, Global Social Policy vol. 1 nº 21, 2025; Barbara E. Kritzer, “Individual accounts in other countries”, Social Security Bulletin, vol. 66, nº 1, 2005.
7 David Millon, “Worker Ownership through 401(k) Retirement Plans”, St. John Labor Review, vol. 76, nº 4, 2002. Ver a mesma tendência no Canadá, Jinyan Li “Pension power: unions, pension funds, and social investment in Canada”, Banking and Finance Law Review, vol. 21, nº 3, 2006.
8 Mariana Rodrigues Teixeira et. alt., “Previdência Complementar no Brasil: mercado potencial e proposta de renda vitalícia para idade avançada”, Brasília: IPEA, Texto para Discussão 3123, Maio de 2025
9 “Geração Z não quer mais saber de CLT”, Correio Braziliense, 06/07/2025.
10 Para uma visão de outros motivos que levam os jovens a se desinteressar pelos sindicatos, ver Clemente G. Lucio, “Porque os jovens se distanciaram dos sindicatos”, Site Outras Palavras, 11/11/2024.
11 “Transformações no mundo do trabalho e desafios para a atração de mão de obra”, São Paulo: Instituto de Pesquisas Locomotiva, 2025.
12 Paolo Agnolin et. alt., “Robots, restructuring, and union retreat: how automation alters worker organization”, Bonn: Institute for Labor Economics, Junho de 2025
13 Celso Ming, “Cadê o sindicato que estava aqui”, Estadão, 28/06/2025.
14 “Em 2023, número de sindicalizados cai para 8,4 milhões, o menor desde 2012”, Agência IBGE, 21/06/2024.
15 Eduardo Koetz, “O impacto real da IA sobre o desemprego”, Migalhas, 27/06/2025
16 Para uma visão sintética do enfraquecimento sindical no Brasil, ver Almir Pazzianotto Pinto, “O pôr do sól sindical”, Orbis News, Editor jornalista Fausto Camunha, 02/07/2025.
17 Jannes ten Berge e Fabian Dekker, “New technology and workers’ perceived impact on job quality: does labor organization matter”? Economic and Industrial Democracy, vol. 46, nº 2, 2025
18 José Pastore e Marcel Solimeo, “A onda ‘woke’ dá sinais de fadiga”, Migalhas, 09/10/2024
19 “Ritmo de negociações coletivas volta a acelerar e movimenta bancas”, Valor, 28/05/2025
José Pastore
Professor de relações do trabalho da USP e membro do CAESP – Conselho Arbitral do Estado de São Paulo.
MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/depeso/434558/negociacao-coletiva–presente-e-futuro