NOVA CENTRAL SINDICAL
DE TRABALHADORES
DO ESTADO DO PARANÁ

UNICIDADE
DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

PRÁTICA TRABALHISTA

Por Leandro Bocchi de Moraes

Uma temática que sempre enseja muita polêmica refere-se à possibilidade de flexibilização da lei trabalhista, principalmente quanto à prevalência do negociado sobre o legislado.

 

 

De início, impende destacar que a Constituição Federal preceitua em seu artigo 7º, inciso XXVI [1], a autonomia privada coletiva, de modo a conferir validade às normas oriundas de convenções e acordos coletivos. E, no mesmo sentido, as Convenções 98 [2] e 154 [3] da Organização Internacional do Trabalho (OIT) garantem o direito e o fomento à negociação coletiva.

 

Entrementes, em se tratando de Direito Coletivo do Trabalho existem alguns princípios que compõem esse sistema jurídico, dentre eles o princípio da adequação setorial negociada. Acerca da temática, oportunos são os ensinamentos do ministro do TST Maurício Godinho Delgado [4]:

 

“Este princípio trata das possibilidades e limites jurídicos da negociação coletiva. Ou seja, os critérios de harmonização entre as normas jurídicas oriundas da negociação coletiva (mediante a consumação do princípio de sua criatividade jurídica) e as normas jurídicas provenientes da legislação heterônoma estatal.(…). Pelo princípio da adequação setorial negociada as normas autônomas juscoletivas construídas para incidirem sobre certa comunidade econômica-profissional podem prevalecer sobre o padrão geral heterônomo justrabalhista desde que respeitados certos critérios objetivamente fixados. São dois critérios autorizativos: a) quando as normas autônomas juscoletivas implementam um padrão setorial de direitos superior ao padrão geral oriundo da legislação heterônoma aplicável; b) quando as normas autônomas juscoletivas transacionam setorialmente parcelas justrabalhistas de indisponibilidade apenas relativa (e não de indisponibilidade absoluta)”.

 

Verifica-se, assim, que a negociação coletiva encontra limites objetivos, de sorte que este ajuste entre sujeitos coletivos não prevalecerá se materializado através de ato estreito de renúncia.

 

Feita tal contextualização, é certo frisar que, na data de 2/6/2022, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o Tema 1.046 da Tabela de Repercussão Geral, deu provimento ao agravo em recurso extraordinário (ARE 1.121.633) que abordava a discussão da prevalência do negociado sobre o legislado, invocando o princípio da adequação setorial negociada [5].

 

Por maioria de votos, a tese fixada foi a seguinte:

 

“São constitucionais os acordos e as convenções coletivas que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis”.

 

A Suprema Corte, portanto, decidiu que a redução de direitos por acordos coletivos deve respeitar as garantias mínimas constitucionalmente asseguradas aos trabalhadores. É importante destacar que esse histórico julgamento, de relatoria do ministro Gilmar Mendes, trouxe como leading case a problemática das horas in itinere, ou seja, o tempo gasto pelo trabalhador no deslocamento entre a sua residência e o trabalho [6], e que, atualmente, não mais subsiste na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) após a edição da Lei da Reforma Trabalhista.

 

Neste atual cenário jurídico, em se tratando de direitos cobertos pela indisponibilidade absoluta, tal como aqueles descritos nas hipóteses elencadas no artigo 611-B da CLT acrescidos pela Lei 13.467/2017, não mais poderá haver negociação coletiva. Isto porque, tal como ponderou o ministro Gilmar Mendes em seu voto, em qualquer caso devem ser respeitados os direitos assegurados na Carta da República de 1988 e que garantam um patamar mínimo civilizatório ao cidadão-trabalhador.

 

A partir do julgamento pela Suprema Corte, iniciou-se a formação de uma nova jurisprudência no âmbito do Poder Judiciário Trabalhista. A título de exemplo, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) foi provocado a decidir, no contexto da temática da negociação coletiva, uma situação envolvendo a jornada em escala 12×36, em ambiente insalubre, sem autorização ministerial [7]. Ao proferir a decisão, o colegiado entendeu que a matéria ventilada envolvia direito infraconstitucional disponível, e, por isso, passível de negociação.

 

Em seu voto, a ministra relatora destacou que:

 

“É possível reconhecer que a jornada em regime de 12×36, ainda que em ambiente insalubre, não configura direito absolutamente indisponível, podendo ser negociado coletivamente, afastando a necessidade legal de autorização ministerial, sendo, inclusive, prática corriqueira e tradicional nos ambientes hospitalares”.

 

Em outro caso no qual a norma coletiva previa a natureza indenizatória da parcela denominada “premiação” [8], o Tribunal Regional do Trabalho havia reputada que a habitualidade do seu pagamento seria suficiente para afastar a previsão em norma coletiva quanto ao seu caráter indenizatório. Contudo, tal decisão foi reformada pelo TST.

 

Para tanto, eis as palavras do ministro relator no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho, para quem deve se considerar a autonomia da vontade coletiva tal como decidido pelo Supremo Tribunal Federal:

 

“O entendimento de que deve ser afastada a natureza indenizatória dos prêmios QOH, assiduidade e segurança, prevista em norma coletiva, não pode prevalecer, visto que o caso em análise não diz respeito diretamente à restrição ou à redução de direito indisponível, aquele que resulta em afronta a patamar civilizatório mínimo a ser assegurado ao trabalhador, mas apenas à ‘natureza jurídica de prêmios'”.

 

É certo que a Lei 13.467/2017, além de ter relacionadas no artigo 611-B da CLT as hipóteses infensas à negociação coletiva, também inseriu o artigo 611-A [9] ao texto celetário estabelecendo, nas situações nele previstas, casos em que a convenção coletiva e/ou o acordo coletivo de trabalho terão prevalência sobre a legislação infraconstitucional. Esse referido dispositivo legal (611-A da CLT) traz um rol meramente exemplificativo em que permitida a livre negociação coletiva, se comparado àquele rol fechado do artigo 611-B da CLT que traz as hipóteses “numerus clausus” em que a negociação coletiva encontra expressa proibição [10].

 

Em arremate, a jurisprudência do STF fixou entendimento pela validade de acordo ou convenção coletiva de trabalho que limitam ou suprimem direitos trabalhistas são válidas, desde que seja assegurado um patamar civilizatório mínimo ao trabalhador. Tal supressão e/ou redução deve, porém, respeitar os direitos indisponíveis. Doravante, as cláusulas normativas de trabalho não podem ferir um patamar civilizatório mínimo, composto, em linhas gerais, pelas normas constitucionais, pelas normas de tratados e convenções internacionais incorporados ao direito brasileiro e pelas normas que, mesmo infraconstitucionais, asseguram garantias mínimas de cidadania aos trabalhadores.


[1] Art. 7º — São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (…). XXVI – reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho

[2] Disponível em https://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_235188/lang–pt/index.htm. Acesso em 7/6/2022

[3] Disponível em https://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_236162/lang–pt/index.htm. Acesso em 7/6/2022.

[4] [4] Curso de direito do trabalho – 15ª ed. – São Paulo: LTr, 2016. Página 1465.

[5] Disponível em https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=5415427&numeroProcesso=1121633&classeProcesso=ARE&numeroTema=1046. Acesso em 25/10/2022.

[6] Disponível em https://g1.globo.com/politica/noticia/2022/06/02/supremo-acordo-coletivo-deslocamento-trabalhador.ghtml. Acesso em 25/10/2022.

[7] Disponível em https://consultaprocessual.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=789&digitoTst=42&anoTst=2018&orgaoTst=5&tribunalTst=23&varaTst=0021&submit=Consultar. Acesso em 25/10/2022.

[8] Disponível em https://consultaprocessual.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=1772&digitoTst=89&anoTst=2013&orgaoTst=5&tribunalTst=15&varaTst=0069&submit=Consultar. Acesso em 25/10/2022

[9] Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: I – pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais; II – banco de horas anual; III – intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas; IV – adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei no 13.189, de 19 de novembro de 2015; V – plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança; VI – regulamento empresarial; VII – representante dos trabalhadores no local de trabalho; VIII – teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente; IX – remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual; X – modalidade de registro de jornada de trabalho; XI – troca do dia de feriado; XII – enquadramento do grau de insalubridade; XIII – prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho; XIV – prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo; XV – participação nos lucros ou resultados da empresa.

[10] Art. 611-B. Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos :I – normas de identificação profissional, inclusive as anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social; II – seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário; III – valor dos depósitos mensais e da indenização rescisória do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS); IV – salário mínimo; V – valor nominal do décimo terceiro salário; VI – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; VII – proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa; VIII – salário-família; IX – repouso semanal remunerado; X – remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% (cinquenta por cento) à do normal; XI – número de dias de férias devidas ao empregado; XII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal; XIII – licença-maternidade com a duração mínima de cento e vinte dias; XIV – licença-paternidade nos termos fixados em lei; XV – proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei; XVI – aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei; XVII – normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho; XVIII – adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas; XIX – aposentadoria; XX – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador; XXI – ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho; XXII – proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência; XXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; XXIV – medidas de proteção legal de crianças e adolescentes; XXV – igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso; XXVI – liberdade de associação profissional ou sindical do trabalhador, inclusive o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho; XXVII – direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender; XXVIII – definição legal sobre os serviços ou atividades essenciais e disposições legais sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade em caso de greve; XXIX – tributos e outros créditos de terceiros; XXX – as disposições previstas nos arts. 373-A, 390, 392, 392-A, 394, 394-A, 395, 396 e 400 desta Consolidação. Parágrafo único. Regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do disposto neste artigo.


 é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito, pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho, da USP.

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2022-out-27/pratica-trabalhista-novas-flexibilizacoes-prevalencia-negociado-legislado