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Confrontando os números do estado com os da região metropolitana, é possível concluir que a capital e seu entorno con­­tinuam atraindo famílias e outras áreas, mas não está atendendo adequadamente à demanda habitacional

A Economia é mesmo uma ciência es­­tranha. Em alguns casos, duas boas notícias resultam em um número ruim. Foi o que aconteceu com o déficit habitacional brasileiro que cresceu cer­­ca de 330 mil unidades no ano passado, chegando a 4,8 milhões de moradias. As estimativas foram feitas a partir dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE. A alta registrada em 2009 reverteu uma série de três anos seguidos de queda desse indicador.

Mas, afinal, se o Brasil está vivendo um bom momento econômico, sendo inclusive um dos países menos afetados pela crise internacional, o que justifica essa má notícia? E os resultados do programa Minha Casa, Minha Vida?

Até certo ponto, a piora do déficit habitacional é um dos muitos males da prosperida­­de de curto prazo vivida pelo país e mostra o preço que se paga quando o crescimento é mal planejado e tem fundamentos frágeis. Entre 2008 e 2009, o número total de moradias no país cresceu 1,8%, o equivalente a cerca de 1 milhão de unidades. É bem mais do que o crescimento populacional que está na casa de 1% ao ano. Mas, impulsionado pelo bom mo­­men­­to do mercado de trabalho, o número total de famílias aumentou 2,3% no ano passado. Isso significa que foram formadas cerca de 1,4 milhão de novas famílias e, portanto, o crescimento do número de moradias não foi suficiente para atender à demanda. Em números relativos, o déficit habitacional brasileiro passou de 7,7% para 8,2% do número total de domicílios.

A mesma dinâmica foi observada tanto no estado do Paraná quanto na região metropolitana de Curitiba. No estado, o déficit passou de 145 mil para 181 mil unidades, fato que também interrompeu uma série de dois anos de queda no indicador. Em termos porcentuais, o déficit se elevou de 4,3% para 5,3% do número total de moradias. Uma vez mais, o grande culpado foi o descompasso entre o porcentual de crescimento do número de famílias (2,6%) e do número de moradias (1,4%) entre 2008 e 2009.

Mas os números mais preocupantes foram registrados na região metropolitana de Curi­­tiba. No mesmo período, foram formadas 42 mil novas famílias, um avanço de cerca de 4%, taxa muito elevada em termos nacionais. Em Porto Alegre, por exemplo, esse porcentual foi de 0,3% e, na região metropolitana de São Pau­­lo, o número de famílias caiu 0,7% no mesmo período. Já o estoque de residências em Curi­­tiba e região cresceu menos de 20 mil unidades, isto é, menos de 2%, menos da metade do porcentual de crescimento do número de fa­­mílias. Por causa disso, o déficit habitacional teve um aumento de 26 mil unidades na Gran­­de Curitiba, passando de 3,6% do total de moradias em 2008 para 6% em 2009.

Confrontando os números do estado com os da região metropolitana, é possível concluir que a capital e seu entorno continuam atrain­­do famílias e outras áreas, mas não está atendendo adequadamente a demanda habitacional. Por se tratar de uma área metropolitana, as políticas urbana e habitacional não podem ficar a cargo apenas das prefeituras. Estas de­­vem atuar em conjunto com o governo do es­­tado, seja no sentido de criar oportunidades de emprego e renda também no interior do esta­­do, seja no sentido de evitar a deterioração das condições habitacionais na metrópole. Caso contrário, Curitiba e seu entorno pagarão caro o preço de sua própria prosperidade. É uma dinâmica que põe em xeque a condição de Curi­­tiba como cidade-modelo de planejamen­­to urbano e qualidade de vida. São números que falam por si mesmos e exigirão atenção redobrada nos próximos anos.

Robson Gonçalves, economista, é professor do ISAE-FGV.