“A direita tem sido extremamente hábil em capturar essa contradição das sociedades capitalistas pós-fordistas e construir o sonho do empreendorismo.”
O post é de Gustavo Gindre, publicado em seu Facebook.
Gustavo Gindre é jornalista formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com pós-graduação lato sensu em Teoria e Práxis do Meio Ambiente (ISER), mestrado em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutorado em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia (UFRJ).
Eis o post.
José Luis Fevereiro, em um post, apresentou um dado que merece reflexão. Sobram vagas de empregos formais que exigem baixa qualificação, mas abunda o número de pessoas que trabalha de forma autônoma, como entregadores ou motoristas de Uber, por exemplo. Ou seja, esses dois tipos de atividades disputam o mesmo trabalhador que muitas vezes opta por ser autônomo.
Esse é um dado que requer uma enorme reflexão e eu gostaria de colocar meus dois tostões nessa prosa. Mas de forma alguma pretendo esgotar o assunto.
Há um aspecto que me parece relevante e pouco debatido. O avanço tecnológico está desnudando um aspecto central do capitalismo. Boa parte das atividades são repetitivas, burras e até desnecessárias. Para grande parte da humanidade, trabalho é algo sem sentido nenhum além da remuneração. E ainda há a necessidade de se submeter aos caprichos de uma chefia e de toda uma cadeia de comando.
Ora, se é pra fazer algo assim e ainda ganhar pouco, é melhor fazer de forma autônoma, onde eu mesmo regulo essa falta de sentido (embora, na prática, isso submeta as pessoas à jornadas enormes).
Ou seja, repousa sob a escolha pela atividade autônoma uma repulsa ao trabalho. E isso é ótimo, porque o objetivo maior da esquerda deveria ser a luta contra o trabalho abstrato.
Por mais que uma certa esquerda ainda sonhe de forma calvinista com o paraíso do fordismo da URSS, é o fim do trabalho abstrato que deveria nos animar a todos.
E isso se conecta com a luta contra a escala 6×1. O avanço da tecnologia está nos mostrando que seria plenamente viável trabalhar muito menos e manter um nível saudável de produção de riqueza.
Tornar o trabalho residual na vida dos seres humanos é uma hipótese cada vez mais possível, mas cada vez mais irreal dada a lógica do capitalismo. Daí existe uma evidente desconexão entre o que seria possível e o que é real. E isso emerge na sociedade, especialmente entre os mais jovens, na forma de uma repulsa ao trabalho formal.
A direita tem sido extremamente hábil em capturar essa contradição das sociedades capitalistas pós-fordistas e construir o sonho do empreendorismo.
Cabe a esquerda não mais sonhar com a volta do fordismo e do pleno emprego formal, mas extrair desse cenário uma luta radical contra o trabalho abstrato e pela construção de mecanismos que comecem a libertar os seres humanos desse estorvo que é o trabalho.
Em resumo, ao invés de sonhar com a volta do ABC paulista, temos que pensar em como lidar com o século XXI.
IHU – UNISINOS