NOVA CENTRAL SINDICAL
DE TRABALHADORES
DO ESTADO DO PARANÁ

UNICIDADE
DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

O ambiente de trabalho contemporâneo, moldado pela lógica incessante do capitalismo, tem se revelado um espaço cada vez mais inóspito para a saúde física e mental dos trabalhadores. A máxima de otimização de recursos e maximização de lucros, pilar da gestão capitalista, frequentemente se traduz em uma precarização das condições laborais que ultrapassa o mero desconforto, tornando-se um vetor de adoecimento e, em casos extremos, de morte.

O sistema de produção capitalista, orientado pela maximização da eficiência e da lucratividade, produz de forma sistemática ambientes laborais marcados pelo assédio moral, pela incidência crescente da Síndrome de Burnout e por um número alarmante de acidentes de trabalho. Esses fenômenos não podem ser compreendidos como fatalidades ou desvios pontuais, mas sim como efeitos diretos e previsíveis de uma racionalidade gerencial que subordina a vida humana aos imperativos do lucro. Trata-se de uma lógica estrutural que transforma o sofrimento em ferramenta de controle e gestão.

A tríade do adoecimento laboral: Assédio, Burnout e acidentes

Para compreender a profundidade do problema, é fundamental conceituar os três pilares que sustentam a degradação da saúde do trabalhador no contexto atual.

O assédio moral no trabalho manifesta-se através de ações, gestos, palavras e comportamentos que visam humilhar, constranger e desqualificar o indivíduo, deteriorando o ambiente laboral. A imposição de metas inatingíveis, a atribuição de tarefas excessivas, o tratamento agressivo e preconceituoso são práticas que, ao agredirem psicológica e fisicamente o trabalhador, configuram uma violência sutil, porém devastadora.

Este assédio pode ocorrer de forma individual, mas também se apresenta de maneira coletiva ou difusa, quando a própria cultura organizacional da empresa se baseia em uma “gestão por exaustão”, normalizando a pressão e o sofrimento como ferramentas para extrair maior produtividade.

A análise de Ricardo Antunes (2018) sobre a “pejotização” e a “uberização” do trabalho revela como essas novas modalidades de exploração transferem para o trabalhador não apenas os riscos da atividade econômica, mas também a responsabilização por seu próprio adoecimento.

Diretamente ligada ao assédio, a Síndrome de Burnout representa o colapso, o esgotamento físico e psíquico resultante da exposição contínua a altos níveis de estresse no trabalho. Reconhecida como doença ocupacional pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a síndrome é a resposta do corpo e da mente a um ambiente de exigências desmedidas, onde o trabalhador não consegue mais lidar com o peso da pressão. É o ponto em que a energia vital se esvai, deixando um rastro de exaustão, cinismo e ineficácia profissional.

Completando a tríade, os acidentes de trabalho emergem como uma consequência quase inevitável de um ambiente precarizado. Um trabalhador física e psicologicamente esgotado, com sua atenção e capacidade de reação diminuídas, torna-se exponencialmente mais vulnerável a acidentes, mesmo em funções consideradas de baixo risco. A fadiga crônica, a ansiedade e a depressão, sintomas comuns do assédio e do Burnout, criam o cenário perfeito para a ocorrência de falhas que podem resultar em lesões graves ou fatais. A negligência com normas de segurança, frequentemente justificada pela redução de custos, agrava ainda mais este quadro, expondo a crua realidade de que, na lógica do capital, a segurança do trabalhador é um custo a ser minimizado.

A radiografia dos fatos: privatizando lucros, socializando custos

Os números revelam uma realidade alarmante e inegável. Em 2024, o Brasil registrou o maior número de afastamentos por transtornos mentais em 10 anos, com 472 mil casos, um aumento de 68% em relação ao ano anterior. Dados indicam que 46% dos brasileiros sentem estresse diariamente e o país é o quarto com mais trabalhadores estressados na América Latina. Cerca de 30% das trabalhadoras brasileiras sofrem com a Síndrome de Burnout. A ansiedade e a depressão lideram os motivos de afastamento, com mais de 140 mil e 113 mil casos, respectivamente.

Este cenário expõe uma das facetas mais perversas do sistema que Antunes (2018) denomina “sociabilidade da barbárie”. Segundo o autor, “o capital financeiro mundializado encontrou no trabalho flexibilizado e precarizado a forma de transferir seus custos e riscos para a classe trabalhadora” [1]. A empresa privada apropria-se da força de trabalho e da energia vital do indivíduo e, uma vez que este adoece, o devolve para a sociedade, transferindo os custos de seu tratamento e recuperação para o Estado.

É o sistema público, financiado por toda a coletividade, que arca com os pagamentos de auxílios e tratamentos, enquanto a gestão privada que originou a doença se isenta de responsabilidade. Como observa Antunes, “privatizam-se os lucros e socializam-se os prejuízos, numa clara demonstração de como o capital parasita a sociedade” [1]. O capitalismo, portanto, não apenas produz doentes, mas socializa os prejuízos de sua lógica predatória.

No que tange aos acidentes fatais, os dados são igualmente sombrios. Entre 2012 e 2024, foram registrados 8,8 milhões de acidentes de trabalho, com 32 mil mortes apenas no mercado formal. Em 2024, foram 742 mil acidentes e 2.400 mortes, o que equivale a um acidente a cada 43 segundos. Setores como transporte rodoviário, supermercados, hospitais e construção civil lideram as estatísticas, evidenciando o descumprimento deliberado de normas regulamentadoras em nome da redução de custos. Até mesmo os mais jovens são vitimados: mais de 32 mil acidentes envolveram jovens de 14 a 17 anos no mesmo período, revelando um sistema que mói vidas indiscriminadamente.

Antunes (2018) alerta para o fato de que “a precarização estrutural do trabalho se tornou a regra, não a exceção, configurando um verdadeiro processo de desumanização que atinge todas as dimensões da vida social” [1]. Os dados brasileiros confirmam essa análise, revelando como a lógica do capital transforma corpos e mentes em recursos descartáveis.

A captura da subjetividade e a gestão do sofrimento

Um aspecto fundamental destacado por Antunes (2018) é como o capitalismo contemporâneo desenvolveu mecanismos sofisticados de “captura da subjetividade operária”. Segundo o autor, “o capital busca apropriar-se não apenas da força física do trabalhador, mas também de sua dimensão intelectual, cognitiva, emocional” [1]. Essa captura se manifesta através de discursos empresariais que responsabilizam o trabalhador por seu próprio bem-estar, transformando o sofrimento em uma questão de “gestão pessoal” ou “falta de resiliência”.

A proliferação de programas de “qualidade de vida” nas empresas, muitas vezes, funciona como uma cortina de fumaça que oculta as verdadeiras causas estruturais do adoecimento. Como observa Antunes, “enquanto se multiplicam os discursos sobre sustentabilidade e responsabilidade social, intensifica-se a exploração e precarização do trabalho vivo” [1]. Essa contradição revela a natureza ideológica de tais iniciativas, que buscam mais administrar o sofrimento do que eliminá-lo.

Da responsabilidade individual à luta política coletiva

É imperativo que a questão da saúde do trabalhador transcenda a esfera do problema individual e seja tratada como uma questão pública, social e, fundamentalmente, política. O adoecimento no trabalho não é uma falha do trabalhador, mas um sintoma de um sistema doente. As empresas não podem continuar a extrair a saúde de seus funcionários e a devolver indivíduos adoecidos para a sociedade arcar com as consequências.

Antunes (2018) enfatiza que “a luta pela humanização do trabalho é, simultaneamente, uma luta pela humanização da vida” [1]. O autor defende que a resistência deve se dar tanto no plano imediato, através da organização sindical e da luta por direitos, quanto no plano estratégico, questionando a própria lógica do sistema capitalista.

A luta por melhores condições de trabalho e salário, pauta histórica do movimento sindical, deve incorporar com centralidade a defesa de um meio ambiente de trabalho saudável. É preciso elevar o debate, questionando a própria gestão e organização do trabalho impostas pela lógica capitalista. Como alerta Antunes, “sem uma crítica radical ao modo de produção capitalista, as conquistas parciais serão sempre limitadas e reversíveis” [1].

Enquanto a busca por lucro continuar a se sobrepor ao direito a uma vida digna, o ambiente de trabalho permanecerá sendo um espaço de produção de doença e morte. A conscientização e a organização coletiva são as ferramentas essenciais para forçar uma mudança estrutural, defendendo que a vida e a saúde dos trabalhadores não são recursos a serem otimizados, mas valores inegociáveis. Como conclui Antunes, “a emancipação do trabalho é condição sine qua non para a emancipação humana” [1].

Assista ao vídeo Capitalismo: adoecimento e morte.

Referências

[1] ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2018.

Leandro do Erre é mestrando em Sociologia e Ciência Política na PUCRS e responsável pelo canal no YouTube “A questão política”. Redes Sociais: X: @leandrodoerre Facebook: Leandro do Erre

DM TEM DEBATE

https://www.dmtemdebate.com.br/o-capitalismo-como-modo-de-producao-de-doencas-e-morte/